Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Geovana Lorena

Crise profunda, retomada lenta: um possível caminho de recuperação robusta para a economia brasileira

Em 2015, a taxa de crescimento da economia brasileira foi de -3,5%, pior resultado do PIB, desde 1990. Em 2016, o resultado também foi negativo em -3,5%, colocando o país em recessão, por dois anos consecutivos, o que não acontecia desde a crise de 1930 – 1931. Em 2017, a taxa de crescimento do PIB foi de apenas 1%, e em 2018, de 1,1% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Agora, em 2019, a perspectiva é de que a taxa de crescimento seja de apenas 0,82%.

Nesse contexto, o retorno do crescimento econômico sustentado é um desafio. Economistas apontam a necessidade de aumento do investimento na economia nacional (tanto do ponto de vista público quanto privado). Contudo, a taxa de investimento total em relação ao PIB apresentou declínio, pelo terceiro ano seguido, em 2016, alcançando 16,1%. O resultado em 2017 e 2018 foi ainda pior, ficando abaixo dos 16% a.a. Estes números não só refletem uma evolução interna ruim da nossa capacidade de investir (que já era baixa e, pior, veio se deteriorando nos últimos anos), como também demonstra um desempenho pífio quando comparado a outros países do mundo. Em 2018, por exemplo, 90% dos países apresentaram taxa de investimento maior que o Brasil.

Em especial, os investimentos em infraestrutura apresentaram contração importante no ano de 2015, em relação a 2014. Os dados oficiais de 2016 e 2017 são também frustrantes, mostrando que o investimento em infraestrutura total do país foi de 1,7% e 1,5% do PIB, respectivamente (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Em 2018, o montante de investimentos em infraestrutura foi praticamente o mesmo do ano de 2017. Essa situação deve-se, principalmente, à redução nos investimentos públicos, fruto da deterioração da situação fiscal do Estado, observada de forma mais contundente a partir de 2014, ano em que o país passou a apresentar déficits primários anuais, o que não havia acontecido até então. Como os investimentos são despesas ditas discricionárias, sofreram os cortes mais pesados do governo para a promoção do necessário ajuste fiscal. Explicando de modo mais detalhado, o orçamento público hoje é composto, em sua maior parte, por despesas obrigatórias e vinculadas. Portanto, numa situação de aperto fiscal, resta ao governo uma fatia realmente muito pequena que pode estar sujeita a cortes ou manobras. E, dentro dessa pequena fatia, situam-se os investimentos públicos, em especial, os investimentos em infraestrutura.

Entretanto, há vasta literatura que corrobora os efeitos positivos dos investimentos em infraestrutura no crescimento econômico dos países e também do Brasil. Ademais, no caso de investimentos em infraestrutura, há complementariedade entre gastos públicos e privados (Rigolon, 1998; Pêgo Filho, Cândido Júnior e Pereira, 1999), ou seja, um efeito “crowding-in, em que maiores gastos públicos no setor reduziriam custos logísticos e outros custos que compõem o Custo Brasil, atraindo maior monta de investimentos do setor privado, que poderia produzir e escoar sua produção de modo mais eficiente, alavancando sua produtividade e tornando-o mais competitivo.

Infraestrutura, Produtividade e Crescimento

A infraestrutura econômica pode ser definida, de acordo com o BID (2000), como “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal”. Visto dessa maneira, a infraestrutura é o estoque de capital físico sobre o qual são prestados serviços como o de telefonia celular, transporte de cargas, abastecimento de água, entre outros. Se infraestrutura pode ser traduzida em maior estoque de capital físico, então a relação da infraestrutura com as teorias de crescimento econômico pode ser feita, uma vez que maior acumulação de capital leva a maior nível de produto no longo prazo (Solow, 1956). Além disso, se um maior estoque de capital gera externalidades positivas, conforme apontado por Romer (1986), mais infraestrutura levaria a maior crescimento do produto no longo prazo. Isso sem falar nos efeitos indiretos que uma infraestrutura mais abundante e de melhor qualidade traria sobre a produtividade da economia.

Ainda, se a ampliação da infraestrutura estiver associada à investimentos em P&D e inovação tecnológica (como no caso de exploração de petróleo de gás, na área de infraestrutura energética), isso estimularia maiores investimentos e acumulação de capital humano, levando a um melhor desempenho de longo prazo na renda per capita do país, conforme apontaram os trabalhos de Romer (1990) e Lucas (1988).

Com boas instituições (que garantam os direitos de propriedade, sejam transparentes, adotem freios e contrapesos, reduzam custos de transação e riscos de expropriação) e com agências reguladoras que apresentem salvaguardas para o comportamento do regulador (conforme levantado por Levy e Spiller, 1996), os atores econômicos terão mais previsibilidade e segurança com relação ao futuro, o que reduzirá incertezas e a percepção de riscos por parte dos agentes e atrairá mais investimentos, em especial no setor de infraestrutura, que tem como premissa elevados investimentos iniciais e alongamento no tempo de retorno desse investimento. Ou seja, para o setor de infraestrutura, ter um ambiente institucional e regulatório apropriado, que promova investimentos, pode ser ainda mais relevante que em outros setores, devido ao grande montante inicial requerido e ao tempo dilatado de payback.

Portanto, instituições sólidas e respeitadas em conjunto com um ambiente regulatório bem estruturado e desenhado de forma a gerar incentivos corretos para o setor de infraestrutura têm o potencial de alavancar os investimentos na área, promovendo maior acumulação de capital, impactando positivamente na produtividade e no crescimento econômico de longo prazo da economia.

Se o caminho teórico é conhecido e ratificado por uma extensa literatura, o caminho da implementação e da colheita de resultados não é nada trivial. Conforme temos visto desde janeiro desse ano, o novo governo, de forma pragmática, não tem conseguido, ainda, bons resultados em termos de produto e de emprego na economia. Conforme dito no primeiro parágrafo, a última previsão de crescimento do PIB brasileiro para este ano está em apenas 0,82%, valor abaixo do crescimento de 2017 e 2018, e bem menor do que as previsões e expectativas de crescimento no início do ano, quando o atual governo foi empossado (o governo falava em perspectiva de crescimento de 2,5% para o ano de 2019). Ou seja, aparentemente, toda aquela euforia inicial foi perdendo força ao longo do caminho. Como fazer, então, para ganharmos fôlego novamente e voltarmos a ter uma economia com crescimento maior e mais robusto?

É difícil, mas o momento agora é crucial. Com a aprovação da reforma da previdência na Câmara, um passo importante foi dado. Além disso, o setor de infraestrutura tem ganhado atenção do governo Bolsonaro, que tem dado continuidade no trabalho de concessões desenvolvido e aprofundado pela equipe econômica do governo Temer. Avanços estão sendo feitos, em especial, no setor de transportes (rodovias, ferrovias, aeroportos, portos).

O caminho de crescimento e desenvolvimento econômico no país certamente passa por maiores investimentos em infraestrutura. Mas precisamos ter em mente que isso é condição necessária, e não suficiente. Investir em infraestrutura é essencial, mas é preciso também garantir a estabilidade macroeconômica, a segurança jurídica, a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros, o bom funcionamento das nossas instituições, a transparência na escolha e implementação de projetos, o sistema democrático. É preciso, ainda, ser otimista, e esperar que amanhã seja melhor do que hoje. I hope so.

Autora:

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

Entendendo aspectos do setor de energia elétrica e sua (bem) provável reforma (Setor de energia elétrica brasileiro 101, bem-vindos)

Esse é o resumo para quem tem pressa: antes, no início do século XX, a geração de energia era principalmente privada, com atendimentos isolados e nada integrado. Diante do crescimento do país, e o nacionalismo inconfundível de Getúlio Vargas, todas as águas do país se tornaram propriedades da União. A Eletrobrás foi criada para organizar a casa. A ditadura exige o crescimento do setor, principalmente depois do choque de 73, e assim muitas das hidroelétricas que conhecemos foram fundadas. Crise de uma década inteira nos anos 80, e depois o governo FHC corre contra o tempo para privatizar o setor para evitar mais prejuízos para as contas do governo. Juntou-se uma série de fatores e o Brasil viveu com os apagões. Governo Lula tenta restaurar as empresas do setor como estatais e estabelece um novo modelo, em 2004, que tem em sua base os leilões e a regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANEEL.

Historicamente, este novo modelo cumpriu seu papel de transição entre o que era no período ditatorial e os dias atuais, passando por aperfeiçoamentos. Porém, à medida que as necessidades do mercado foram mudando nos últimos anos, gargalos ficaram mais evidentes e o sistema ficou mais carente de uma reestruturação. Isso fica claro, por exemplo, quando o sistema elétrico atual procura nos leilões as vantagens de um mercado competitivo, mas se valendo de políticas públicas fortes para funcionar. Mais detalhes podem ser encontrados aqui.

O atual modelo implica em dois ambientes de contratação de energia, um regulado (ACR – Ambiente de Contratação Regulado) e outro livre (ACL – Ambiente de Contratação Livre). Os consumidores de baixa tensão, chamados de consumidores cativos, que para todos os efeitos são, em sua maioria, consumidores residenciais e ligados ao comércio de pequeno e médio porte, não conseguem negociar diretamente sua aquisição de energia elétrica e fazem parte do ACR, sendo submetidos à decisão de todos os outros agentes do setor. A estrutura institucional do setor elétrico brasileiro pode ser vista abaixo:

Fonte: Mercedes, Rico e Pozzo (2015).

Não podemos negar, claro, as vantagens que o modelo tem em si. Podemos enumerar algumas. A profunda regulação do sistema permite, se for da agenda governamental, políticas de universalização do acesso à energia elétrica e de incentivos a uma matriz com maior variedade de fontes renováveis. Nesse quesito, o Brasil, por ser um país de tamanho continental e de imensa diversidade de fontes energéticas, tem uma certa vantagem comparativa na geração de energia, que se incentivada com maior entusiasmo, tem capacidade de ampliar não só ganhos sociais, mas também econômicos. A título de exemplo, poderiam ser exploradas tecnologias de impacto ambiental menor do que de uma fonte tradicional de geração hidroelétrica e, ao mesmo tempo, com maior eficiência tanto na geração quanto na transmissão de energia.

Outra vantagem da regulamentação é o amortecimento da variação de preços para os agentes participantes do sistema – em especial no ACR – além de toda a transparência, previsibilidade e accountability proporcionados.

Por outro lado, as desvantagens são atreladas à rigidez proporcionada pela forte burocracia do modelo. Os investimentos do setor são reféns de políticas públicas para esse fim. Esse obstáculo pode impedir avanços tecnológicos, por exemplo, afastando as empresas de oportunidade de diminuição de custos. O sistema blindado e complexo, e a existência de um Ambiente de Contratação Regulada (ACR), dificultam o interesse da sociedade em geral de compreender o setor, afastando a sociedade de uma comunicação eficaz entre agentes econômicos. Comunicação que é vital para manutenção da qualidade dos serviços prestados.

Ainda relacionado à rigidez: muitas entidades e agentes causam sobreposição de papéis que podem causar divergência de informações e ações; excesso de intervenções provoca insegurança jurídica nos agentes investidores; e os intervalos de preço estabelecido no ACR têm sido, nos últimos anos, excessivamente baixos para os custos de geração e transmissão. Vale também ressaltar a periodicidade da liquidação das operações do mercado spot, que são dadas mensalmente, não acompanhando a velocidade de reação do mercado aberto, criando uma distorção e defasagens nas contas das empresas do setor.

Agora que temos uma melhor noção do modelo vigente, vamos entender o que uma reforma no setor poderia acarretar. E aqui, tomamos como base algumas consultas públicas lançadas pela ANEEL, o movimento “Quero energia livre” da Abraceel e o projeto de lei n° 1.917/2015.

As propostas de reforma possuem alguns pontos de convergência. Um deles é a desejabilidade da expansão do mercado livre de energia (ACL). Todos os agentes econômicos ligados ao Sistema Interligado Nacional (SIN) teriam potencialmente o direito de negociar todos os aspectos da contratação de energia. Virtualmente, os consumidores cativos (do ACR) passariam a comprar o serviço no varejo de forma similar à de telefonia e internet, podendo escolher quantidade, fonte, pacotes, empresas de preferência e etc. Todos os consumidores seriam capazes de escolher seu fornecedor. Isso causaria, para os potenciais novos consumidores livres, uma mudança de costumes, pois não mais ficariam restritos a apenas pagarem a conta de luz e gerenciarem a quantidade usada. Com a reforma, o consumidor passaria a se inteirar mais com o processo de fornecimento de energia, somando a responsabilidade de escolha da origem da energia e a seleção dos termos de contratação. Veja mais sobre isso na Cartilha da Abraceel.

Entretanto, ao mesmo tempo que essa liberdade pode gerar benefícios e maior conhecimento e atuação dos consumidores no setor elétrico brasileiro, entender os meandros do setor e suas características não é nada fácil. Será que os consumidores estarão preparados para tamanha mudança? Será que terão condições efetivas de fazerem uma transição para o ACL? Mesmo as empresas de pequeno e médio porte, elas não teriam que ter um corpo jurídico especializado para avaliar e assessorar os contratos de energia assinados? Isso, certamente, demandaria tempo e outros demais custos. Por fim, quais as consequências de ampliação do ACL para o agente regulador? De que forma a ANEEL seria impactada por tal mudança?

As expectativas com a reforma são de fomentar a concorrência do setor, expandir a geração distribuída, ter mais produtores independentes fornecendo energia na rede, aprofundar os incentivos às fontes alternativas de energia, entre outros. Tudo isso poderia ampliar a oferta de energia e promover, via mercado, preços relativamente mais baixos para os novos consumidores livres, incentivando investimentos maiores em P&D no setor e melhoria dos serviços prestados ao consumidor final. Tudo isso num cenário atual de investimentos interrompidos devido à crise fiscal do Estado. Não seria, então, uma grande jogada, a reforma? Por que essa discussão não está avançando rápido?

Como sempre, é preciso ponderar os dois lados da moeda quando uma decisão importante está prestes a ser tomada. Mesmo com todas essas esperadas vantagens, na média, os contratos assinados no ACR são de prazo mais longo que os contratos atualmente assinados no ACL. Se a expansão da oferta de energia elétrica depende da estabilidade oferecida por contratos de mais longo prazo, uma vez que os grandes projetos de expansão da oferta energética levam vários anos para ficarem prontos e iniciarem, de fato, a geração de energia, como uma migração de mais e mais consumidores para o ACL afetaria a sustentabilidade da expansão da oferta energética brasileira? Essa é uma pergunta difícil de responder, e talvez seja por isso que reformas amplas de setores tão essenciais como o de energia devam ser levadas com calma, para que estudos e análises técnicas sejam feitas com acuidade e divulgadas para avaliação e contribuições dos demais agentes envolvidos.

Bom, finalmente, como tudo isso se torna relevante agora em 2019 e nos próximos anos? O governo Bolsonaro, nos seus primeiros meses, tem sido inconstante a respeito de quais políticas e ações tomar, o que também é valido, em particular, para o setor de energia elétrica. Porém, ainda que sem avançar de forma objetiva no setor, é visível a intenção privatizadora de empresas estatais, num viés claramente pró-mercado e com menor intervenção do Estado. A dúvida, portanto, parece residir em quão fortemente vão tornar o setor aberto e quais os novos papéis assumidos por cada parte: setor privado e governo. Por enquanto, o plano é seguir o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), que já diminuiu a quantidade de estatais no setor nos últimos dois anos. Assim, essa reforma deve ganhar mais força e discussões esse ano. Que Bolsonaro e sua equipe sejam iluminados nesse longo caminho.

Autoras:

 Ana Carolina Miranda Lima Nogueira é formada em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília. Ex-estagiária da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Atual consultora de Business Intelligence da KPMG Brasil.

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

To be or not to be: as concessões aeroportuárias no Brasil e a situação da Infraero

Com o aumento da renda média dos brasileiros ao longo dos anos, houve expansão na demanda por passagens aéreas e na malha aeroviária brasileira. Contudo, os investimentos públicos em infraestrutura aeroportuária não acompanharam o crescimento do número de passageiros transportados, o que resultou na necessidade de concessões, visando uma melhor experiência para os usuários.

A primeira concessão realizada foi a de São Gonçalo do Amarante (RN), seguida da primeira rodada de concessões (Brasília, Guarulhos e Viracopos) e posteriormente outras duas rodadas foram realizadas concedendo os aeroportos de Confins (MG), Galeão (RJ), Eduardo Magalhães (BA), Pinto Martins (CE), Salgado Filho (RS) e Hercílio Luz (SC). Neste ano previa-se a concessão em blocos de 12 aeroportos nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, uma nova experiência em termos de formato de leilão e tamanho de aeroportos leiloados.

O crescimento do setor como um todo está diretamente ligado à demanda por passagens aéreas. O aumento de passageiros na aviação brasileira pode ser explicado pelo aumento de renda do brasileiro (gráfico 1) e a queda no preço das passagens aéreas (gráfico 2), entre outros. Porém, atualmente, as empresas conseguem influenciar a demanda por causa de promoções, diferenciação de tarifas e programas de fidelidade.

Gráfico 1 – Relação PIB per capita Brasil (USD) versus milhões passageiros transportados em voos domésticos,

Fonte: Anuário da Aviação  Civil (ANAC). Elaboração: Própria

Gráfico 2 – Evolução da Tarifa Aérea Média Doméstica Real (Preço real médio da passagem, R$) no 1º trimestre de cada ano, 2009 a 2018.

Fonte: ANAC. Elaboração: Própria.

Pelo lado da oferta, por sua vez, a aviação possui fatores de competitividade que representam fortes barreiras à entrada para companhias que desejam atuar no mercado. As companhias dominantes no mercado possuem hegemonia nas rotas mais rentáveis, por fatores como o maior número de horários disponíveis nos aeroportos para pousos e decolagens (slots). Além disso, os altos custos operacionais são também uma barreira que exige da companhia um poder de capital elevado para sanar os gastos de combustível e a manutenção das aeronaves – que são atrelados ao dólar – e representam mais da metade do custo total das companhias. O caso da Avianca é emblemático. Foi uma companhia que entrou no mercado depois das duas grandes líderes, não conseguiu as melhores rotas por conta dos slots já alocados e, aparentemente, possui menor escala de operação que as demais, dificultando sua inserção e atuação no mercado aéreo brasileiro, o que pode ter contribuído para a sua situação atual de desequilíbrio financeiro.

Trazendo o foco para a próxima rodada de concessões aeroportuárias, temos que essa se torna importante pela disparidade de tamanho entre os aeroportos já concedidos e os que ainda serão leiloados. Tal fato resulta na necessidade de ajustamento do modelo de leilão proposto pelo Governo Federal à realidade da demanda por esses aeroportos, uma vez que a finalidade das concessões não é apenas gerar receitas patrimoniais e aliviar despesas públicas, mas também permitir que as empresas obtenham receita para a execução dos investimentos dentro dos prazos e providenciem melhorias aos usuários, permitindo também a expansão do transporte aéreo.

Dessa forma, o modelo atualmente em pauta foi o de concessão em blocos, que visa o arremate de um conjunto de aeroportos pela mesma concessionária por um único valor de outorga. A ideia é que os aeroportos maiores, de maior rentabilidade, cubram a menor rentabilidade dos aeroportos menores, uma forma de subsídio cruzado entre os aeroportos. Foram, inicialmente (no governo Temer), criados três blocos que englobam os seguintes aeroportos:

  • Bloco Nordeste: Recife, Maceió, João Pessoa, Aracaju, Juazeiro do Norte e Campina Grande;
  • Bloco Sudeste: Vitória e Macaé;
  • Bloco Centro Oeste: Cuiabá, Sinop, Alta Floresta e Rondonópolis.

Existem inúmeras motivações para um Estado optar pela privatização ou venda de seus ativos. Dentre elas, estão: (1) aumentar a receita do Estado, uma vez que, em concessões, o ente privado paga uma taxa pelo direito à exploração e fornecimento de serviços públicos; (2) promover eficiência econômica, por meio da adoção de práticas e processos que reduzam os custos operacionais; (3) reduzir a interferência do Estado na economia, caso isso seja identificado como uma necessidade; (4) ampliar a base acionária do país, permitindo que um maior número de agentes participem de atividades econômicas outrora restritas aos governos; (5) promover condições para a formação de ambientes competitivos, por meio da abertura de mercados a um maior número de concorrentes; (6) submeter as empresas estatais a um ambiente competitivo; e, por fim, (7) desenvolver o mercado doméstico de capitais, com, por exemplo, a atração de investimentos estrangeiros. Acreditamos que alguns destes pontos já apresentaram avanços importantes no setor, após o início do processo de concessões. Para citar um exemplo de avanço recente, atualmente as companhias nacionais já podem ter até 100% de capital estrangeiro em sua composição.

Como o intuito do novo governo eleito é dar continuidade ao processo de concessões e privatizações no país, é fundamental percebermos as falhas e lacunas ocorridas no passado para que possamos aprimorar o modelo para o futuro. Uma das críticas feitas às primeiras rodadas de concessões de aeroportos foi a participação de 49% da Infraero. O intuito da companhia foi não perder participação nos grandes aeroportos brasileiros (que são os mais rentáveis), contudo, isso trouxe uma série de consequências maléficas para o resultado da empresa. A questão mais abordada é a situação dos funcionários que restaram após as concessões. Após a mudança de controle dos aeroportos, os funcionários tiveram a opção de seguir trabalhando no aeroporto como funcionários da Sociedade de Propósito Específico (SPE), entrar em um programa de demissão voluntária, seguir como funcionário da Infraero ou migrar para outra estrutura do Governo Federal. Como os funcionários da Infraero seguem um plano de carreira e o país vivia e ainda vive certa instabilidade econômica, não era racional deixar a companhia. Estima-se que um funcionário da Infraero recém-contratado receba cerca de R$2.000, o que é comparável ao salário pago no setor privado. Contudo, após 20 anos de permanência na companhia, os salários podem atingir R$ 10.000, o que não é pago na iniciativa privada. Assim, devido à expectativa dos aumentos e considerando a situação do país, muitos empregados decidiram permanecer na Infraero.

Observando a situação de forma geral, existe o seguinte panorama: a Infraero concedeu 51% dos seus maiores aeroportos e a totalidade de outros, o que causou redução na sua receita aeroportuária, porém houve recebimento de outorgas. Funcionários não desejam migrar para a iniciativa privada, acreditam que a instituição não vai falir por ser atrelada ao Governo Federal e permanecem recebendo aumentos por tempo de permanência na companhia.

Portanto, o que será da Infraero? Ela continuará existindo nos moldes atuais? Quais seriam as possíveis saídas? A companhia deve abrir capital? Isso poderia trazer aportes financeiros para a empresa. Mas será que, na atual situação dela, do governo, e do país, alguém estaria disposto a comprar ações da Infraero?

O modelo de concessões deve ser mantido (e ao final do contrato os ativos retornam ao governo para novo leilão) ou poderíamos partir pra um modelo de privatização (em que o ativo é de fato comprado e transferido e pertencerá ao ente privado ganhador do leilão)? Diante desta questão da Infraero, a possível vantagem da privatização seria que o passivo trabalhista fruto do processo poderia ser absorvido pela empresa ganhadora do leilão. Com isso, o governo teria uma preocupação a menos, em termos de custos. Por outro lado, precificar esses ativos de forma adequada poderia demandar tempo e também recursos, além de desgastes políticos.

Com a aproximação de novas rodadas de concessão e a situação da Infraero se deteriorando, é necessário um modelo de concessões que alivie o máximo possível as contas públicas e ao mesmo tempo permita rentabilização das operações em bloco. O Presidente Jair Bolsonaro liberou uma prévia dos blocos a serem supostamente concedidos em 2020, como pode ser observado abaixo:

Imagem 1 – Novas concessões previstas

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Fonte: Valor Econômico.

Os investimentos totalizariam mais de US$ 2,56 bilhões e a concessão contaria com a presença de dois grandes aeroportos brasileiros ainda não concedidos, Congonhas e Santos Dumont. Considerando o grande número de empregados nesses dois aeroportos, seria mais uma situação trabalhista complicada para a Infraero. Estaríamos vivenciando os momentos finais da Infraero? Ser ou deixar de ser, essa é a questão!


Autores:

Bernardo Mafra Mendes, 21 anos, Formado em Economia pela Universidade de Brasília, ex-diretor de projetos da empresa júnior de Economia (Econsult). 

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

Infraestrutura e serviços de infraestrutura: um breve olhar sobre o caso brasileiro

Tendo em vista a atual conjuntura brasileira de retomada ainda tímida de crescimento e grande restrição fiscal por parte do Estado, num contexto de teto de gastos públicos aprovado para as próximas duas décadas, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento. Além disso, há ainda muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.

Mas o que é infraestrutura? Infraestrutura é “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal” (BID, 2000). Partindo desse conceito, podemos perceber complementariedade entre os chamados serviços de infraestrutura – que visam satisfazer às necessidades de um indivíduo ou de uma sociedade e são considerados serviços de interesse público; e a própria infraestrutura – que é a base física sobre a qual se dá a prestação destes serviços (IPEA, 2010).

Dessa forma, a infraestrutura seria representada por rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroviários, torres de telecomunicação, cabos de transmissão de energia elétrica (entre outros exemplos) que dão a possibilidade de oferta/prestação de serviços de infraestrutura. Já os serviços de infraestrutura são o frete rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário (transporte de mercadorias e/ou pessoas de um ponto a outro do território), o transporte urbano de uma cidade (linhas de ônibus, metrô e trens usados pelos cidadãos), os planos oferecidos por uma operadora de celular, etc. Todos esses exemplos de serviços se utilizam do capital físico instalado.

No setor de transportes, por exemplo, quando uma concessionária ganha uma licitação para a exploração da infraestrutura rodoviária e, portanto, passa a ter direitos e deveres contratuais firmados com o poder concedente (o Estado ou um representante do mesmo), todas as obras de manutenção, restauração e ampliação da capacidade da rodovia estarão incrementando os investimentos em infraestrutura, gerando então potencialmente maior estoque de capital fixo e adicionando estrutura física que será utilizada e usufruída pelos prestadores de serviço daquele setor e seus usuários de modo geral.

O setor de transportes, assim como outras áreas da infraestrutura – transportes, energia, saneamento e telecomunicações – possuem grande impacto no crescimento econômico de um país. Há vasta literatura que comprova que maiores investimentos em infraestrutura (fluxo) e maior estoque de capital fixo no setor (mais rodovias, maior capacidade energética instalada, etc.), ou seja, maior estoque de infraestrutura, levam a maior crescimento do produto e também elevam a produtividade, além de reduzirem a desigualdade de renda (Aschauer, 1989; Calderón e Servén, 2004; Ferreira e Maliagros, 1998).

Ainda, no caso específico do setor de transportes, os impactos são bastante relevantes, com efeitos de encadeamento para frente e para trás, relacionando-se ainda de modo importante com outros setores da economia. Para alguns produtos – como a soja e o milho – o valor final no porto é composto em mais da metade pelo chamado custo logístico. Portanto, mais uma vez, voltamos ao fato de que a infraestrutura física e seus serviços acessórios compõem o preço final dos produtos que produzimos e consumimos, seja para o consumo interno, seja para o consumo externo (por meio de exportações).

Dada a má qualidade média das rodovias brasileiras (comprovada pela série histórica das pesquisas anuais da CNT, com exceção das rodovias concedidas à inciativa privada, em especial as do estado de São Paulo) e sua relativa escassez (baixa densidade rodoviária quando comparada a outros países, com exceção também do estado de São Paulo), fatores esses somados ao fato de que cerca de 60% das cargas no Brasil são transportadas via modo rodoviário, percebemos que ainda temos muito a avançar nessa área.

A questão dos fretes, seu valor, sua rapidez, sua segurança, seu adequado manejo das mercadorias, o cumprimento de prazos, entre outros aspectos, ganhou notoriedade recentemente por conta da “greve dos caminhoneiros”, tendo já sido reportados impactos negativos dessa situação sobre o crescimento econômico do país (que foi revisado para baixo esse ano) e sobre a taxa oficial de inflação (que aumentou e elevou o índice esperado para o ano como um todo).

Isto posto, a infraestrutura (base física) precisa ser ampliada. Isso será feito, provavelmente e em grande parte, com a atuação do setor privado. Os programas de concessões foram intensificados nos últimos anos e muitos avanços foram feitos nos desenhos dos editais, contratos e regulamentos, como é o caso dos modos rodoviário e aeroviário. Aprimoramentos interessantes foram incorporados ao longo do tempo, como os gatilhos de demanda, o fator X, o fluxo de caixa marginal, entre outros. Ademais, maior participação do capital privado estrangeiro também tem sido verificada nos últimos 2 anos, tanto no setor de transportes quanto no setor elétrico. Nesse ponto, o papel maior do Estado daqui em diante seria de proporcionar condições macroeconômicas, institucionais e regulatórias apropriadas, robustas e condizentes com o objetivo de gerar incentivos e apoiar o investidor privado – seja ele de dentro ou de fora do país.

Em relação aos serviços de transporte de carga, em especial no caso dos fretes rodoviários, deveria tratar-se de mercado de livre concorrência, cujos preços deveriam seguir as forças de mercado (oferta e demanda). Por isso o “tabelamento de preços”, sancionado pelo Presidente da República em 09 de agosto de 2018, deve ser analisado de modo bastante crítico. O mais importante nesse caso é tentar ampliar e incentivar ganhos de produtividade no setor. Isso pode ser alcançado por meio de algumas inciativas distintas. A primeira seria aumentando o investimento na base física (melhorando a qualidade das rodovias, equipamentos, etc). A segunda forma seria ampliar a capacitação dos trabalhadores do setor (trabalhadores mais qualificados tendem a errar menos e terem melhores relações com seus clientes e fornecedores). A terceira seria promovendo melhorias institucionais, com ênfase na independência e profissionalização das agências reguladoras, tanto em âmbito federal, quanto estadual. Por fim, o incentivo à inovação permitiria o aumento na capacidade da prestação de serviços e até mesmo a abertura de novos mercados. Em resumo: avancemos na agenda de buscar maior produtividade!

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

 

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Referências

Aschauer, D. (1989) “Is Public Expenditure Productive?” Journal of Monetary Economics, 23, pp. 177-200.

Calderón, C.; Servén, Luis. (2004). The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution. Policy Research Working Paper; No.3400. World Bank, Washington.

Ferreira, P.C. and T. Maliagros (1998) “Impactos Produtivos da InfraEstrutura no Brasil — 1950/95”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28, n.2, pp.315-338.

IPEA (2010). Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Livro 6, Volume 1. Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.