Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Caio Assumpção Silva

Quais são os serviços mais importantes para o comércio no Brasil?

Partindo da hipótese que os serviços mais intensamente utilizados são os mais críticos para a competitividade do setor de comércio no Brasil, as Pesquisas Anuais do Comércio (PAC) do IBGE possuem informações úteis para a reflexão proposta. O comércio, setor que absorve cerca de 20% da mão de obra nacional, ganhou relevância ao longo das últimas duas décadas, passando de cerca de 8% para 14% do PIB[1].

Os segmentos empresariais do comércio são organizados e tabulados em três categorias distintas: comércio de veículos automotores, peças e motocicletas; comércio por atacado; e comércio varejista. Na PAC, essas categorias se desdobram em grupos, classes e subclasses de atividades: até 2007, a pesquisa possuía 15 grupos, 24 classes e 5 subclasses, enquanto, as mais recentes, 17 grupos, 24 classes e 5 subclasses. Entre 1996 e 2007, a estrutura das pesquisas teve como referência a CNAE versão 1.0, e a partir de 2008 foi substituída pela CNAE versão 2.0, dando origem a uma nova série, com maior nível de desagregação das atividades econômicas do que as versões anteriores. A divulgação do ano de referência 2008 apresentou resultados retroativos a 2007 utilizando a CNAE 2.0. Por isso, a junção das pesquisas exige a superação de um problema metodológico: a compatibilização setorial entre as classificações CNAE 1.0 e 2.0. Como não é possível fazer uma junção direta das versões, uma nova classificação foi criada para obter séries temporais mais longas. Feita uma análise das correspondências dos agrupamentos da PAC com seus códigos CNAE correspondentes com a utilização das notas metodológicas das Pesquisas, utilizou-se os dicionários “de-para” do CONCLA (IBGE) para analisar a relação entre os códigos CNAE nas duas versões. Por fim, uma agregação para criação da nova série foi necessária, resultando em uma nova classificação com 20 segmentos, conforme mostrado na tabela abaixo [2].

Em síntese, seguindo a classificação original da PAC, o primeiro segmento compreende a venda por atacado e a varejo de veículos automotores e motocicletas novos e usados e de peças e acessórios para esses veículos, possui cerca de 9% das empresas e do faturamento do setor, e firmas com tamanho médio entre 5 e 10 funcionários (2016). O comércio atacadista em geral é uma etapa intermediária da distribuição e está organizada para vender mercadorias em grandes quantidades a varejistas, a usuários industriais, agrícolas, comerciais, institucionais e profissionais. Na classificação criada, ele contém oito segmentos e o tamanho das firmas é naturalmente superior ao comércio varejista, tendo ambos os segmentos 45% do faturamento, porém o atacado com 8% do número de empresas. O comércio varejista, o último elo da cadeia de distribuição, possui em média firmas menores (com exceção dos supermercados e hipermercados, que possuem mais de 100 funcionários em média) e revende mercadorias novas e usadas principalmente ao público em geral, para consumo ou uso pessoal ou doméstico (tanto em lojas abertas quanto por internet, televisão, etc.).

Adaptando a metodologia de Arbache (2014) para os dados da PAC, foram construídas duas variáveis para entender a importância dos serviços para o setor: Consumo Intermediário (CI) e Consumo Intermediário de Serviços (CIS). O CI refere-se ao consumo de bens e serviços realizado para o funcionamento da atividade comercial, enquanto o CIS compreende apenas os itens de serviços do Cl [3]. A análise da relação entre CIS e CI mostra que o grau de serviços envolvidos no funcionamento das atividades de comércio no Brasil manteve-se relativamente estável no período de 2003 e 2016, com maior relevância dos serviços no comércio varejista (73% em 2016), seguido do comércio de veículos, peças e motocicletas (55%) e atacadista (50%).

As figuras abaixo mostram com mais detalhes a estrutura de serviços consumidos pelos três segmentos do comércio ao longo do tempo, para as empresas com 20 ou mais pessoas ocupadas.

Destaca-se a relevância dos serviços prestados por terceiros, aluguéis e publicidade e propaganda. Em conjunto, esses itens representam mais de 80% do consumo de serviços das empresas comerciais no Brasil. Além disso, de forma geral a estrutura se manteve ao longo do tempo, com destaque para a diminuição relativa dos gastos com correio, fax, telefone, internet, energia elétrica, gás, água e esgoto. Dentre os serviços terceirizados, predominam as despesas com fretes e carretos (distribuição de mercadorias vendidas) e serviços técnicos-profissionais prestados por empresas (serviços de informática, de auditoria, contábeis, jurídicos, consultorias, pesquisas de mercado etc.) em todos os grupos e subgrupos, que tiveram suas participações aumentadas ao longo do tempo.

Por fim, nota-se que o setor é heterogêneo, de modo que não há um modelo comum na distribuição dos principais serviços consumidos em segmentos que possuem padrões tecnológicos e estruturas de mercado diferentes. Por exemplo, no comércio por atacado de matérias primas agrícolas e animais vivos, que comercializa tipicamente commodities, as despesas de propaganda representaram 3% das despesas com serviços em 2016, enquanto que no atacado de produtos farmacêuticos, médicos, odontológicos e veterinários, elas foram de 37%.

Diante do exposto, verifica-se que a pergunta do título deste post não possui resposta singular, uma vez que a composição dos serviços varia no tempo conforme o segmento de comércio. Contudo, é possível afirmar, de modo geral, que a terceirização de serviços é de extrema relevância para o setor, em especial dos serviços técnico-profissionais e transporte rodoviário de cargas.

[1] Ver o post “Breve panorama sobre o setor de comércio no Brasil”, disponível em:  https://economiadeservicos.com/2018/06/12/breve-panorama-sobre-o-setor-de-comercio-no-brasil/.

[2] Nem todas as classes da seção G da CNAE fazem parte da PAC. Nas edições de 1996 a 2007, são excluídos, embora façam parta da seção G da CNAE 1.0, as classes 50.20-2 e 50.42-3; grupo 51.1; e os grupos 52.6 e 52.7.  Ademais, são excluídos do âmbito da PAC a partir de 2008, embora façam parte da seção G da CNAE 2.0, classes 45.20-0 e 45.43-9; e  grupo 47.9. Além disso, embora incluídos, os representantes comerciais foram desconsiderados neste estudo. Na correspondência entre CNAE 1.0 Classe e CNAE 2.0 Classe, os grupos 50.2, 52.6 e 52.7 da CNAE 1.0 possuem correspondência com outras seções da CNAE e com os grupos 45.2 e 47.9 da CNAE 2.0, que não fazem parte da PAC feita no âmbito da CNAE 2.0. Para verificação da compatibilização setorial, foi realizada uma comparação de todos os dados referentes ao ano de 2007, nas duas classificações (CNAE 1.0 e CNAE 2.0), com a versão criada. Embora haja algumas diferenças pontuais em algumas variáveis, as principais não apresentaram diferenças maiores que 5%.  Especificamente para o ano de 2007 foi utilizado a média dos resultados nas versões 1.0 e 2.0, na nova classificação. Ademais, a análise do número de firmas para o ano de 2007 nas duas classificações mostra que influência de efeito composição da mudança do número de firmas sob certa classificação setorial pode ser considerada irrelevante. Ademais, manteve-se a macroestrutura da classificação criada com aquelas originárias da PAC, ou seja, segmentos do mesmo ramo de atividade se mantiveram juntos dentro da nova classificação. A estrutura prévia foi mantida inalterada para três divisões. A atividade de Representantes comerciais e de agentes de comércio, que na CNAE 1.0 estava no âmbito da Pesquisa Anual de Serviços – PAS, passou, na CNAE 2.0, a ser investigada na PAC, porém foi excluída do escopo deste estudo. Por fim, cumpre destacar que o sistema de classificação industrial padrão (Standard Industrial Classification – SIC), no qual a CNAE se baseia, classifica as lojas de varejo e atacado de acordo com os tipos de mercadorias que estão sendo transferidos para o consumidor.

[3] Mais especificamente, “Corresponde à soma de compras de matérias-primas para fabricação própria e sua respectiva variação de estoques; compra de material de embalagem e outros materiais (de reposição, peças etc.) e sua respectiva variação de estoques; aluguéis de imóveis, veículos, máquinas e equipamentos; serviços prestados por terceiros; serviços de comunicação; energia elétrica, gás, água e esgoto e outras despesas operacionais”. Algumas dessas variáveis estão presentes nos resultados desagregados das empresas com mais de 20 pessoas ocupadas, mas outras não. A estratégia usada foi utilizar a soma das despesas totais no ano, exclusive o pagamento de impostos e taxas, mais o custo das matérias-primas e dos materiais de embalagem utilizados na atividade comercial. O detalhamento dos diversos itens de custos e despesas das empresas para estimar o consumo intermediário nos níveis mais detalhados é mostrado abaixo.

Referências Bibliográficas

Arbache, 2014. Confederação Nacional da Indústria. Serviços e Competividade no Brasil / Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI, 2014.

IBGE. Pesquisas Anuais de Comércio 1996-2016.

Breve panorama sobre o setor de comércio no Brasil

O comércio cria valor ao fornecer conveniência e praticidade aos consumidores. No atacado ou a varejo, é um segmento do setor de serviços, uma atividade definida pela compra para revenda, sem transformação significante, de bens novos e usados. O comércio atacadista presta serviços que são consumidos predominantemente pelas empresas enquanto o varejista fornece serviços consumidos predominantemente pelas famílias, embora ambos sejam “serviços tradicionais” (Eichengreen e Gupta, 2009; OCDE) e tipicamente de custos (Arbache, 2014).

O setor de comércio ganhou importância econômica nas últimas duas décadas, uma vez que sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), que se manteve relativamente estável e em torno de 8% entre 1996 e 2002, subiu continuamente até atingir 13,6% em 2014, número em torno do qual permaneceu no triênio seguinte (Figura 1). Ademais, o valor adicionado pelo setor acelerou mais rapidamente que todos os demais setores econômicos entre o final da década de noventa e o início da crise de 2015-2016 e, dentro do setor de serviços em geral, o comércio também foi o segmento que mais se destacou no período. Assim, considerando que o setor de serviços exclusive comércio manteve participação relativamente estável no PIB (61%), a relevância econômica que o setor de serviços como um todo ganhou nas últimas duas décadas – passando de cerca de 69% para 73% – pode ser atribuída principalmente ao crescimento do comércio atacadista e varejista.

Figura 1 – Participação dos setores econômicos no valor adicionado (%) – 1996 – 2017

Elaboração própria com dados das Contas Nacionais/IBGE.

Isso ocorreu porque o consumo privado foi o principal motor do crescimento econômico nos últimos anos. Vale notar que essa aceleração relativa do comércio é recente, uma vez que o segmento representou em torno de 30% do PIB de serviços entre as décadas de 1950 e 1970, caiu para pouco mais de 20% no início da década de 1980, chegou a 12% em 2000 e, em 2014, em razão do exposto, registrou 19% do PIB do setor de serviços no Brasil, conforme apresentado em Arbache (2014).

Em termos de participação no emprego, o comércio absorve cerca de 20% da mão de obra, possui uma taxa de informalidade no mercado de trabalho bastante elevada, mas em queda no período recente, assim como uma alta taxa de rotatividade. Estudos mostram que pelo menos até 2003 a incidência de relações informais no comércio se encontrava acima de 50% e foi de cerca de 30% em 2009, diminuindo o hiato setorial em relação a indústria, por exemplo. Ademais, entre 2000 e 2009, o comércio foi uma das atividades que se destacaram no aumento da participação do setor formal no valor adicionado total (Barbosa Filho e Moura, 2012; Amitrano e Squeff, 2016; Ramos e Ferreira, 2015).

Os dados da Pesquisa Anual do Comércio (PAC)[1] mostram que, em 2015, o Brasil tinha 1,6 milhão de empresas comerciais que geraram R$ 3,1 trilhões de receita operacional líquida e R$ 550,5 bilhões de valor adicionado bruto, e pagaram R$ 206,3 bilhões em salários, retiradas e outras remunerações a 10,3 milhões de trabalhadores. O segmento varejista destaca-se em termos de mão de obra (73%), número de empresas e unidades locais (80%), salários e outras remunerações (62%), e geração de valor adicionado (54%), e ainda responde por cerca de 45% da receita operacional líquida do comércio no Brasil. O comércio por atacado também gera atualmente em torno de 45% da receita, mas possui cerca de 17% da população ocupada e 12% das empresas, pagando pouco mais de 25% das remunerações e gerando 37% do valor adicionado. O comércio de veículos, peças e motocicletas perdeu relevância para os demais recentemente, ficando sua representatividade em torno de 10% do total nas principais variáveis em 2015. Em termos de distribuição geográfica, a região sudeste representou pouco mais de 50% de participação nas principais variáveis do comércio.

A estrutura da oferta no setor de comércio é complexa, em geral com inúmeras pequenas empresas atuando no varejo, tanto em ramos especializados quanto não-especializados, mas também há presença de grandes redes com maior poder de barganha sobre os fornecedores, como também pequenas, médias e grandes redes atuando no atacado. Em relação ao tamanho das empresas, existe uma heterogeneidade entre os segmentos. Por exemplo, as empresas com até 19 pessoas ocupadas em 2015 empregavam quase 60% do pessoal ocupado tanto nos segmentos de comércio de veículos, peças e motocicletas quanto no varejista, enquanto no atacado elas empregaram menos de um terço do total. O que se observa de padrão no atacado e no varejo em relação à faixa de pessoal é que a geração de emprego e a massa de remunerações está avançando menos rapidamente nas firmas menores (com até 19 pessoas ocupadas) do que nas demais. No comércio varejista, este fenômeno é observado também em termos de geração de receita e de valor adicionado.

Existe uma heterogeneidade também em relação às margens de comercialização, que é o resultado obtido pelo esforço de venda, deduzidos os custos de aquisição das mercadorias pelas empresas (Figura 2). Entre 2007 e 2015, houve crescimento da margem em 14 dos 16 segmentos a dois dígitos de classificação[2]. A análise mais detalhada (a quatro dígitos da CNAE) mostra que o comércio de combustíveis e lubrificantes é o que trabalha com a menor margem de todos os segmentos: as médias entre 2007 e 2015 foram de 8,4% no atacado (distribuição) e 16,7% no varejo (postos revendedores). Produtos farmacêuticos, eletrodomésticos e móveis ficam em torno de 60% e o comércio de artigos usados trabalhou na média com margem de 111,9% no período.

Figura 2 – Taxa de margem de comercialização (%) – 2007 – 2015

Elaboração própria com dados da PAC/IBGE.

Em síntese, a adoção de um modelo de crescimento via estímulo ao consumo levou o comércio a ganhar importância relativa no período recente, sendo ele um dos principais elementos a explicar o ganho de relevância do setor de serviços no PIB nas últimas duas décadas. O segmento é um grande demandante de mão de obra, ainda possui uma taxa de informalidade elevada, embora em queda, e uma alta taxa de rotatividade. A estrutura da oferta é heterogênea, as margens de comercialização são bastante distintas entre os segmentos, e observa-se que a geração de emprego e a massa de remunerações está avançando mais rapidamente nas firmas maiores.

Por fim, destaca-se que para as empresas comerciais prestarem seus serviços, elas demandam uma série de outros serviços ofertados por outras empresas e por profissionais autônomos. Em razão da revolução digital, mudanças estão fazendo surgir novas formas de negócios nos segmentos varejistas e atacadistas e ocasionando um aumento da importância relativa do setor dos serviços de valor na estrutura de custos das empresas comerciais. Conforme mostrado em post anterior, o e-commerce, por exemplo, tem crescido significativamente no mundo todo e 90% das transações são entre empresas (B2B). O aumento da relevância de serviços na produção de outros setores vem sendo chamado de “servicização” da economia (Arbache, 2014; European Comission, 2014; OECD, 2014) de modo que explorar de maneira adequada essa relação é estratégia fundamental para o crescimento econômico. Em um próximo post veremos a importância dos serviços como insumo intermediário das atividades comerciais e a heterogeneidade desse consumo entre os principais segmentos.

 

Referências Bibliográficas

ARBACHE, J. Serviços e competitividade industrial no Brasil. Confederação Nacional da Indústria (Org.) . CNI, 2014.

BARBOSA FILHO, F. H.; MOURA, R. L. Evolução recente da informalidade no Brasil: uma análise segundo características da oferta e demanda de trabalho. Texto para Discussão nº 17, IBRE/FGV, 2012.

EICHENGREEN, B., e GUPTA, P. The two waves of service sector growth. NBER. Working Paper, n. 14968, 2009.

EUROPEAN COMMISION. High-Level Group on Business Services – Final Report, 2014.

OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. OECD Perspectives on Global Development 2014: Boosting Productivity to Avoid the Middle Income Trap. Paris, 2014.

RAMOS, L.; FERREIRA, V. Padrões espacial e setorial da evolução da informalidade no Brasil – 1001 – 2003. Texto para Discussão 1099. IPEA, Rio de Janeiro, 2005.

 

[1] Os segmentos empresariais do comércio brasileiro, no âmbito da PAC, são organizados e tabulados em três categorias distintas: a) Comércio de veículos automotores, peças e motocicletas; b)          Comércio por atacado; e comércio varejista.

[2] Exclusive representantes e agentes de comércio.

Revolução digital e serviços de transporte

O setor de serviços passou por transformações importantes nas últimas décadas. Mais especificamente no setor de transportes, as mudanças foram também significativas em termos de crescimento e desenvolvimento. Em virtude da revolução digital e da universalização da Internet e de smartphones, os serviços de transporte estão se transformando estruturalmente, com papel cada vez mais relevante da economia compartilhada e do uso de plataformas digitais para promover o encontro entre a oferta e a demanda nos diversos mercados de transporte de cargas e passageiros.

O Brasil é altamente dependente do transporte rodoviário, que movimenta mais de 60% das cargas no país. Os custos de transporte no país são elevados e afetam de maneira mais intensa indústrias mais dependentes de logística, como a metalúrgica, de alimentos, bebidas e outras intensivas em recursos naturais em geral (Arbache, 2014). Os serviços de transporte de passageiros também são relevantes na cesta de consumo das famílias brasileiras, que gastam em média cerca de 15% de sua renda com transporte urbano (Carvalho e Pereira, 2012). Os dados da PNAD mostram que, em quase todas as regiões metropolitanas (RM) do Brasil, houve aumento no tempo médio de deslocamento casa-trabalho entre 2011 e 2015 e que parcela considerável da população gasta mais de uma hora para ir ao trabalho (Tabela 1). Outros trabalhos revelam que as pessoas de menor renda são as que gastam mais tempo nesse deslocamento diário, independentemente do meio de transporte utilizado.

Tabela 1 – Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho nas RMs brasileiras e parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora no descolamento.

RM Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho (em minutos) Parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora até o trabalho (%)
2011 2012 2013 2014 2015 2011 2012 2013 2014 2015
São Paulo 45 46 46 46 44 23% 24% 25% 26% 24%
Rio de Janeiro 44 47 49 50 48 22% 27% 29% 29% 26%
Belo Horizonte 37 37 37 36 36 16% 16% 16% 15% 15%
Porto Alegre 30 30 31 32 32 8% 8% 8% 10% 11%
Recife 37 38 40 41 39 12% 16% 17% 18% 16%
Fortaleza 32 32 32 33 34 10% 10% 10% 12% 12%
Salvador 38 40 39 39 38 16% 19% 19% 16% 15%
Curitiba 33 32 33 33 33 12% 11% 12% 11% 10%
Distrito Federal 34 35 38 38 40 10% 11% 16% 16% 18%
Belém 32 33 36 37 33 10% 11% 16% 13% 10%
Fonte: Microdados PNAD 2011,2012,2013,2014,2015.
Elaboração própria com metodologia adaptada de Pereira e Schwanen (2013).

 

Os principais desafios enfrentados pelos formuladores da política de transportes estão relacionados a questões demográficas, socioeconômicas, tecnológicas, ambientais e financeiras. O desenvolvimento tecnológico traz consigo um desafio resultante do aumento da complexidade em planejar, gerir e regulamentar os sistemas de transporte. Por isso, as novidades tecnológicas não devem ser ignoradas nas discussões políticas sobre mobilidade urbana e matriz de cargas, pois trazem benefícios não desprezíveis para a população.

Novas empresas estão crescendo significativamente nesses mercados e mudando a maneira tradicional de funcionamento dos mesmos. Por exemplo, nos EUA está ocorrendo substituição de linhas de ônibus pelo serviço do Uber, inclusive com subsídio público, e a empresa quer lançar uma versão aérea de seu serviço de transporte individual, com carros voadores, que estão sendo desenvolvidos em parceria com a Embraer e devem estar operando a partir de 2026.

Os caminhões autônomos e carros autônomos também são uma realidade. Em outubro de 2016 um caminhão autônomo da Uber percorreu mais de 190 quilômetros em uma rodovia dos EUA para fazer entrega de cervejas. Também no final de 2016, a Amazon, depois de quase 3 anos desde o primeiro anúncio, fez sua primeira entrega via drone em Cambridge, no Reino Unido, e, recentemente, entrou com um registro de uma patente diferente: uma torre cilíndrica composta por drones, como se fosse uma colmeia. Com isso, a empresa promete agilizar ainda mais o processo de entregas.

As mudanças que estão em curso no mercado de transportes de cargas e passageiros são consequências da nova globalização e da revolução digital, que compreendem não só o intercâmbio de bens, serviços e capital entre países, mas também o fluxo intenso de dados e serviços digitais. As plataformas digitais também são ricas fontes de informação para a tomada de decisão. Atualmente, algumas plataformas geram dados riquíssimos para subsidiar estudos que busquem identificar padrões de deslocamentos de pessoas e cargas em um determinado espaço geográfico. Por exemplo, a Uber lançou recentemente, por enquanto apenas para algumas cidades, o Uber Movement, sistema que fornece informações históricas detalhadas de milhões de viagens realizadas diariamente pelos usuários que permitem medir o impacto de melhorias nas estradas, grandes eventos e novas linhas de trânsito.

Contudo, a proliferação dos serviços digitais de transporte está provocando reações negativas de governos e grupos de interesses de alguns países, com a proibição do funcionamento de alguns serviços e conflitos trabalhistas. O Uber, por exemplo, enfrentou proibições na Índia, Espanha, Bélgica, Holanda, Tailândia e em outros lugares. Além disso, recentemente, o Tribunal do Reino Unido reconheceu a existência de vínculo trabalhista entre os motoristas e a Uber, implicando em efeitos tributários que encareceram o serviço. No Brasil, algumas decisões estão sendo tomadas por tribunais regionais tanto a favor quanto contra os motoristas, e essa discussão ainda está em aberto. A legislação nacional é pouco clara sobre essa espécie de relação de trabalho, dando margem para interpretação de juízes. Além disso, há projetos de lei em tramitação no Congresso que têm por objetivo proibir o serviço no país, e Estados e Municípios também enfrentam pressões de alguns grupos organizados da sociedade.

A inserção rápida e global de plataformas que fornecem serviços digitais de transporte mostrou que essas novas tecnologias podem gerar benefícios importantes para a sociedade e ao mesmo tempo demandam regulação por parte do poder público. Se a regulamentação do Uber vem enfrentando problemas atualmente, não é difícil imaginar que, quando chegar a vez dos veículos autônomos, carros voadores e das entregas via drones, as dificuldades serão muito maiores. A maneira de funcionar dos serviços de transportes de cargas e passageiros está mudando, e essas mudanças devem ser entendidas e consideradas pelos formuladores de políticas públicas nas discussões nacionais, estaduais e municipais sobre o tema. Visando o desenvolvimento econômico e social do país com papel ativo dos serviços digitais, é importante que o poder público trabalhe para facilitar e não para dificultar a inserção e o desenvolvimento de novas tecnologias e plataformas digitais no setor de transportes.

Caio Assumpção Silva é doutorando em economia pela UnB e analista de transportes da Confederação Nacional do Transporte (CNT).