Conforme vem sendo discutido aqui no Blog, é nítido o crescimento da relevância do setor de serviços para geração de riquezas. A participação dos serviços nas exportações mundiais passou de aproximadamente 9% em 1970 para algo em torno de 20% em 2014. Atualmente, “os serviços já representam 75% das economias da OCDE; nos Estados Unidos, eles já passam dos 80%; e nas economias de renda média, eles já são 54%” (ARBACHE, 2014, p. 6). No Brasil, os serviços são responsáveis por 70% do PIB. Mas não foi sempre assim: o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tem possibilitado a crescente comercialização a longas distâncias de serviços modernos que independem de presença física entre consumidores e produtores. Esse processo viabiliza a crescente terceirização que tem aumentado o comércio de serviços entre unidades produtivas, intensificando a relação sinérgica e simbiótica dos serviços com a indústria e do Big Data, que proporciona oportunidades de novos serviços e negócios. Tudo isso tem contribuído para o aumento da importância do setor de serviços na geração de riquezas.
Através de análises empíricas, Loungani et al. (2017, p.13) afirmam que a relação entre o crescimento do setor de serviços e o crescimento de toda a economia tem se tornado mais forte. Especificamente, eles encontraram um coeficiente de correlação de 0,6 entre o crescimento de serviços e o crescimento do PIB per capita, versus um coeficiente de correlação de 0,24 entre o crescimento da manufatura e o crescimento do PIB per capita. O R² (coeficiente de determinação) para a parcela de valor agregado de serviço encontrado foi 0,51; e o R² para a parcela de valor agregado de manufatura, 0,19. A fim de ilustrar o maior espaço ocupado pelos serviços na participação do crescimento das exportações mundiais, os autores prepararam a figura abaixo.
Figura 1. Contribuição das exportações de serviços e manufaturas para o crescimento das exportações mundiais, de 1990 a 2014, em percentual.
Fonte: Manual 6 do Balanço de Pagamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI), dados de 2016 da UN COMTRADE e cálculos dos autores que elaboraram o gráfico (LOUNGANI et al., 2017). Tradução própria.
A figura acima evidencia a separação proposta por Loungani et al. (2017) dos serviços em dois grupos: serviços tradicionais e serviços modernos. Os primeiros seriam aqueles que requerem proximidade física entre compradores e vendedores, como serviços de manicure, de cabeleireiro, serviços de transporte, de hotelaria e etc. Os modernos, por sua vez, dispensam proximidade física entre compradores e consumidores: seriam serviços de consultoria, de marketing, design, de pesquisa e desenvolvimento, tecnologia da informação (TI) e etc. Conforme a digitalização e o progresso tecnológico avançam, a diferenciação de tais serviços se tornaria cada vez mais imprecisa pois os tradicionais se tornariam modernos. Um exemplo desse fenômeno poderia ser a consulta médica: a princípio ela é serviço tradicional, mas na medida em que a telemedicina avança, os pacientes podem enviar exames online e serem atendidos remotamente.
Os serviços estariam crescendo em participação no comércio mundial e na renda dos países por quatro motivos principais. O primeiro é fácil de se imaginar: o progresso técnico nas TIC possibilita a crescente troca de dados entre países e, embutidos neles, serviços dantes impossíveis de serem comercializados. Serviços de logística, por exemplo, são hoje oferecidos para vários países pela empresa americana Amazon, através de sua plataforma online; seguros para bens móveis e imóveis podem ser contratados sem sair de casa; créditos podem ser adicionados ao celular com apenas alguns cliques em aplicativos de bancos e serviços de banda larga podem ser contratados através dos sites de provedores.
O segundo motivo para o crescimento do setor de serviços seria sua crescente participação nas cadeias globais de valor. De acordo com Arbache (2015, p. 3), o desenvolvimento e a massificação das TIC, bem como dos serviços de transporte e logística, contribuem para a popularização das tecnologias organizacionais e de produção que possibilitam às firmas focarem nas suas atividades principais, terceirizando as demais funções.
Podemos exemplificar essa ideia do autor com o caso de um fabricante de acessórios de informática no Brasil. Em sua cadeia de suprimento, serviços de telecomunicações são contratados de provedores regionais; empresas de transportes levam os insumos até a fábrica; um restaurante é contratado para servir alimento aos funcionários e a vigilância fica a cargo de uma empresa de segurança. Uma vez que as demais atividades necessárias ao funcionamento fabril são contratadas de terceiros, a fábrica está apta a focar estritamente na produção de acessórios de informática. Como exemplo deste processo, temos o avanço de 10% ao ano da terceirização de serviços de TI no Brasil:
“O mercado de TICs avança no Brasil apesar da crise, em razoável medida ajudado pela cada vez maior terceirização de serviços de tecnologia da informação. Segundo balanço divulgado pela associação brasileira das empresas de TIC, Brasscom, entre 2010 e 2017, a receita com serviços, BPO e computação em nuvem dobrou de tamanho (…). A receita somada de outsourcing e TI in house passou de R$ 59,6 bilhões para R$ 104,9 bilhões nesse período. Mas enquanto o desenvolvimento interno cresceu 5,9% ao ano, a terceirização andou bem mais acelerada, ao ritmo de 10,5% ao ano. Como resultado, se em 2010 a TI in house chegou a representar 48,6%, em 2017 foi somente 41,2%. No caminho inverso, a terceirização de serviços passou de 51,4% para 58,8%, com receita anual superior a R$ 61 bilhões” (CONVERGÊNCIA DIGITAL, 23/04/2018).
O terceiro motivo para o crescimento do setor de serviços seriam as intensificações das relações sinérgicas e simbióticas deles com os produtos manufaturados. Segundo Arbache (2015), o valor agregado de fabricação aumenta quando a manufatura é combinada com serviços para formar um terceiro produto que não é em si nem um bem manufaturado, nem um serviço convencional. São produtos com alto conteúdo de serviços e vendidos em pacotes, como smartphones – dependentes fortemente de marketing, marcas, design e telecomunicações – e motores a jato para aeronaves cuja comercialização inclui serviços de leasing, seguros, treinamento, engenharia, manutenção e outros serviços pós-venda.
O autor cita o caso do smartphone Nokia N95 como um exemplo da relação moderna entre bens e serviços: nada menos que 81% do preço final do celular se relaciona com o valor acrescentado de serviços como licenças, software, marketing, branding e distribuição, enquanto apenas 19% se relaciona com peças, componentes e funções de montagem. Ademais, essa complementariedade entre produtos manufaturados e serviços também fica evidente em exemplos como telefone celular (manufatura) e serviços de valor adicionado – como os aplicativos: não há como se pensar no uso de aplicativos sem se imaginar o meio físico, a manufatura na qual o serviço se torna disponível.
Por último, a crescente geração de dados através de robôs e máquinas utilizadas no processo produtivo e a geração de dados nas plataformas digitais possibilitam surgimento de novos negócios e serviços. Não à toa, é crescente o interesse na exploração e interpretação de Big Data: os dados podem revelar desperdícios de insumos e consequentes oportunidades de melhoria na eficiência produtiva. Ademais, possibilitam customização de produtos e serviços ao oferecer informações de preferências e características dos consumidores, além de novos modelos de negócios.
Assim, podemos perceber a crescente relevância das TIC para a expansão dos serviços e para a consequente geração de riquezas. As empresas e governos devem se atentar ao desenvolvimento tecnológico das TIC, bem como seu uso para geração de novos serviços e negócios. Só assim serão capazes de desenvolver políticas condizentes com uma eficaz estratégia de crescimento frente à globalização digital.
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