Evidências empíricas mostram que a participação do trabalho no PIB está em declínio em vários países, particularmente a partir dos anos 2000. Impactos das importações de manufaturados asiáticos na produção local (indústrias mais abertas e mais intensivas em trabalho seriam as mais afetadas); mudança do perfil da produção em favor de setores mais intensivos em capital e tecnologia; queda do custo do capital em relação ao trabalho, notadamente em relação a equipamentos de TICs (efeito particularmente importante quando a elasticidade de substituição numa função de produção CES é maior do que 1); teoria das “superestrelas“, que são firmas com gigantescas participações em seus respectivos mercados globais e que operam com elevados mark-ups; enfraquecimento do poder de barganha dos sindicatos e outros fatores que levam a que os salários cresçam menos que a produtividade do trabalho estariam entre as explicações mais comuns.
Este post explora a hipótese de que a commoditização digital também pode ajudar a explicar a queda da parcela do trabalho no produto.
A commoditização digital refere-se à crescente popularização do acesso e do uso de tecnologias digitais. Equipamentos de tecnologia da informação em geral, softwares padronizados de finalidades diversas, aplicativos de apoio na web, robôs, impressoras 3D, internet das coisas, sensores e serviços na nuvem estão entre as tecnologias que estão se commoditizando. De fato, os preços desses recursos produtivos altamente sofisticados só fazem cair. E a tendência é que caiam ainda mais em razão da mudança do modelo de negócios daqueles que produzem essas tecnologias, que passaram a focar na provisão de pacotes de serviços de gestão e de otimização da produção como o seu core business. Logo, quanto mais conseguirem popularizar aquelas tecnologias, melhor.
O que isto tem a ver com a participação do trabalho no PIB? Tudo, pois a commoditização digital está reduzindo substancialmente o custo de acesso a tecnologias avançadas. Se o custo cai e se essas tecnologias aumentam a eficiência das empresas, então aumentam os incentivos para a sua adoção. Com isto, a demanda por trabalhadores cai e os salários ficam deprimidos, levando à queda da participação do trabalho no PIB. Hoje, o uso de tecnologias digitais já está presente até mesmo em países de renda média baixa abundantes em trabalho e mesmo na produção de coisas tão simples como tijolos, produtos têxteis e calçados.
Praticamente todos os setores e, portanto, quase todos os trabalhadores estão expostos à commoditização digital. Mesmo trabalhadores qualificados, como os associados à tecnologia da informação, já padecem daqueles efeitos. Considere os serviços de TI na nuvem, que têm provocado significativos ajustes nos tamanhos e nos formatos dos times locais de TI das empresas. Para além dos robôs de chão de fábrica, robôs que fazem uso de inteligência artificial já estão ocupando espaços também na área dos serviços, que supostamente seriam menos expostos em razão da menor padronização das atividades deste setor. Mas, o que se vê, na verdade, é o crescimento dos robôs em escritórios de advocacia, hospitais e outros serviços de saúde, call centers e em outros segmentos dos serviços.
É provável que, à medida que a commoditização digital se popularize, seus efeitos sobre o mercado de trabalho aumentem de forma desproporcional em razão do aumento do uso de tecnologias digitais até mesmo em micro e pequenas empresas. Nos países que combinam mão de obra pouco qualificada com custos de gestão do trabalho elevados, ou em que há insegurança jurídica associada aos órgãos públicos que cuidam do assunto, é provável que a substituição de trabalho por capital venha a ser ainda mais intensa, com efeitos sociais, econômicos e até políticos potencialmente devastadores. De fato, a queda da participação do trabalho tem implicações de várias ordens. Ali incluem-se a queda do apoio à globalização e ao comércio internacional, o apoio ao populismo, a queda do consumo das famílias e o aumento da desigualdade social, para citar algumas.
A pior das reações de um país será a imposição de barreiras de proteção à adoção de tecnologias digitais, que poderá isolá-lo dos mercados e distanciá-los das fronteiras do conhecimento. O caminho mais razoável parece estar na incorporação da lição de que o conhecimento é a mola mestra da criação de valor e de empregos no século XXI. Por mais desafiador que possa parecer esta lição para países late-comers, é preciso encontrar meios para se fazer desta agenda parte da agenda do desenvolvimento, ainda que ela não trate na integralidade de todas as dimensões do emprego.
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