Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: abril 2016

O que pode estar por trás da limitação da banda larga fixa

A imposição de franquias de uso de dados por parte dos provedores de banda larga fixa gerou discussões acaloradas nos últimos dias. Enquanto as grandes operadoras defendiam a ideia de limitação do consumo com base na expansão do uso de serviços intensivos em banda e no congestionamento das redes, usuários e associações de defesa dos consumidores passaram a protestar veementemente contra a proposta. Nem mesmo dentro do órgão regulador do setor parece haver consenso: depois de ver seu próprio presidente anunciar que a era da internet ilimitada havia acabado, a Anatel voltou atrás e anunciou a proibição do corte e redução da velocidade da internet fixa ao término da franquia.

O setor de banda larga fixa no Brasil apresenta uma grande concentração: as três maiores operadoras de banda larga fixa do Brasil – Oi, Vivo e Claro – detêm 86% dos usuários. Impulsionadas pela sinergia dos investimentos e pela concorrência no mercado, estas empresas oferecem também os serviços de telefonia fixa e móvel e TV por assinatura.

Ao analisarmos o contexto desses serviços, percebemos os grandes desafios pelos quais passam as operadoras. O serviço de voz fixa tem apresentado sucessivas quedas na receita: entre 2005 e 2010, a receita agregada do setor caiu 8%; entre 2010 e 2015 a queda foi de 22%. Os serviços de TV por assinatura e de voz móvel, por sua vez, passaram a sofrer forte concorrência dos serviços de streaming de dados e voz sobre IP, como Netflix e Whatsapp. Talvez por estes motivos, o serviço de banda larga fixa se tornou o de maior importância para as operadoras. Por apresentar demanda crescente, sobretudo por servir de camada de transporte para os serviços e aplicações intensivos em banda altamente requeridos pelo mercado, este serviço tem tudo para se tornar o principal item da cesta de serviços das operadoras. A partir de 2015 os serviços de voz deixaram de ser a principal receita do setor de telecomunicações no Brasil (Figura 1).

Figura 1 – Receita Líquida das operadoras, por serviço prestado

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Fonte: Teleco

Porém, tentar vender a necessidade de restringir a internet ilimitada em função do congestionamento das redes é argumento convenientemente mal colocado. Na verdade, o que as operadoras buscam é uma nova forma de monetizar um serviço que tem um custo fixo elevado. Não há, atualmente, evidências claras de esgotamento da infraestrutura de rede, a não ser em alguns pontos isolados e regiões mais afastadas. Porém, a queda na receita, em especial nos serviços de voz, é evidente e significativa.

Assim, a proposta de mudança na composição dos planos apenas mostra que as operadoras estão atentas às demandas do mercado: até então, a venda do serviço se baseava basicamente na velocidade do acesso. Neste sentido, uma banda larga de, digamos, 15Mbps tinha muito mais valor para o consumidor do que uma banda larga de 2Mbps. Porém, à medida que a oferta de velocidades mais altas cresce, o interesse do usuário se altera: perde importância a velocidade do acesso e ganha importância a quantidade de dados consumidos. Trata-se de uma manifestação clara do conceito econômico da Lei da Utilidade Marginal Decrescente. Portanto, faz todo o sentido para as operadoras alterar a composição dos seus pacotes de serviços, incorporando a franquia de dados consumidos como ponto chave para a escolha do consumidor.

Entretanto, analisando-se especificamente o caso brasileiro, a imposição de franquias de consumo de dados para a banda larga fixa apresenta dois problemas: do ponto de vista finalístico, limitar o acesso a serviços intensivos em banda pode gerar desestímulos à inovação e a novos serviços prestados sobre a rede, algo essencial para o aumento da produtividade e da competitividade de que a economia brasileira tanto precisa. Os agentes do setor devem entender que a natureza da conexão à internet mudou: ela deixou de ser uma simples ferramenta de comunicação para se tornar uma forma de consumo e transferência de dados, de informação. Do ponto de vista regulatório, essa limitação nada mais é do que uma forma disfarçada de discriminação de tráfego pelas operadoras, ponto que foi exaustivamente debatido à época da aprovação do Marco Civil da Internet, regulamentado pela Lei 12.965/2014, e proibido por essa lei.

Os debates mencionados colocaram frente a frente dois grupos de interesse. De um lado, as operadoras de telecomunicações, interessadas em aprovar a possibilidade de discriminação de tráfego na rede. Segundo a sua proposta, as operadoras poderiam tratar de forma diferenciada na rede os pacotes de dados que transportam aplicações de streaming e os pacotes de dados que transportam um simples e-mail. Esta possibilidade de discriminação deixaria uma porta aberta para que as operadoras pudessem ofertar ao público pacotes de dados diferenciados: uns mais simples e mais baratos, que não dariam direito de acessar os serviços de streaming de vídeo, e outros mais completos, com acesso a todo tipo de aplicação, porém muito mais caros.

Do outro lado do embate estavam os principais provedores de conteúdo, que defendiam a neutralidade da rede: todos os pacotes de dados deveriam ter tratamento isonômico no transporte pelas operadoras, não podendo sofrer discriminação por conteúdo, origem, destino ou aplicação.

No debate, venceu a neutralidade de rede: o Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso Nacional, veda o tratamento diferenciado dos dados em seu artigo 9º. A norma prevê a possibilidade de discriminação, após consulta aos órgãos reguladores como a Anatel, em apenas dois casos únicos: por priorização dos serviços de emergência e por requisitos técnicos indispensáveis à prestação dos serviços. Não há previsão na lei para a possibilidade de discriminação do tráfego pelo aumento do consumo de serviços intensivos em banda pelos usuários, ou mesmo para compensar as perdas de receita com os serviços de voz das operadoras. Portanto, a limitação do acesso ao serviço de banda larga fixa ao término do consumo da franquia é essencialmente ilegal, por ferir o marco civil da internet. Segundo ele, a única justificativa para o bloqueio do serviço é a inadimplência do consumidor.

A discriminação do tráfego (e, consequentemente, de preços) e a existência de planos com franquia fazem sentido para mercados maduros e em que haja ambiente de competição entre prestadores. Com uma ampla oferta de planos e prestadores, o consumidor pode escolher o que melhor se adapta às suas necessidades. Não é o caso, porém, do mercado brasileiro: com um mercado concentrado em três grandes prestadores de serviço, a discriminação de preços vai apenas aumentar o excedente do produtor, sem aumentar o número de usuários do serviço, além de prejudicar sua universalização, uma vez que os impactos serão sentidos com mais intensidade pelos usuários de mais baixa renda e pelos pequenos negócios.

Portanto, a atual discussão está servindo para deixar cada vez mais clara a necessidade de se atualizar o modelo regulatório das telecomunicações no Brasil. O modelo de concessão atual deve e precisa mudar: não faz sentido manter o serviço de voz fixa sob concessão, pois a importância e o interesse pelo serviço diminuem a cada dia entre a população. Por outro lado, faz muito mais sentido instituir o serviço de internet banda larga no modelo de concessão, uma vez que este serviço é o de maior demanda pela população atualmente, não é prestado em condições satisfatórias e similares em todo o território e é visto mundialmente como fator transformador social e, especialmente, econômico.

Um novo marco regulatório é essencial para destravar investimentos e diminuir a concentração do mercado. Hoje, os grandes provedores, em especial os concessionários, adiam investimentos em infraestrutura de rede, pois não há uma definição clara sobre a reversibilidade dos bens ao término dos contratos de concessão. Por outro lado, os pequenos provedores atuam apenas em cidades do interior, onde não há oferta adequada dos grandes provedores. Em virtude disto, os provedores cobram preços altos da parcela menos assistida da população.

Com um novo modelo que reconheça a importância dos pequenos provedores e dê, tanto a pequenos, como a grandes provedores, melhores condições de atuação, o Brasil poderá alcançar a maturidade no setor e, com isso, passar a prover um ambiente em que planos com e sem franquia de dados possam conviver harmonicamente com as necessidades dos consumidores.

Figura 2 – Distribuição de Receitas das Operadoras

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Fonte: Teleco.

Por que não devemos limitar a Internet fixa

Nos últimos dias, muito tem se debatido sobre a questão da imposição de franquias de uso de dados por parte dos provedores de internet fixa. Na visão dessas empresas, o aumento do uso de serviços intensivos em banda, como o Netflix, o YouTube e plataformas online de jogos, tornaria inevitável a necessidade de imposição de limites no tráfego de dados.

Segundo o presidente da Vivo, discriminar usuários “leves” e “pesados” seria mais justo do que tratar todos igualmente. No mesmo sentido, o presidente da Anatel deu a entender que a era da internet fixa ilimitada havia chegado ao fim, e que as operadoras haviam “educado mal” os usuários, que estariam utilizando banda demais.

É verdade que o usuário (não apenas no Brasil) está utilizando mais banda por conta principalmente do avanço dos serviços de streaming e de computação em nuvem. Na era em que o tráfego de dados tem se tornado mais importante que o fluxo de bens, não há como ser diferente. Segundo estimativas da Cisco, o tráfego de dados da internet fixa no Brasil em 2019 deverá ser o dobro do nível de 2014.

Como argumentado por Rodrigo Zeidan em seu ótimo post sobre o assunto, o acesso à internet só passa a ser um bem rival (ou seja, o consumo de um usuário concorre com o de outro) se houver congestionamento na rede por conta de infraestrutura insuficiente para o tamanho da demanda. É possível que isto esteja ocorrendo no Brasil, mas uma forma menos restritiva para combater isto seria estimular o aumento da concorrência no mercado de provedores.

Atualmente, há forte concentração do serviço de provimento de internet no Brasil. Conforme é possível ver no gráfico 1, os três maiores provedores de internet do Brasil respondem, juntos, por 86% dos usuários de banda larga fixa. O quarto maior provedor, Algar, responde por apenas 1,8% dos usuários.

Gráfico 1 – Participação dos provedores de internet no total de usuários em dezembro de 2015

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Anatel.

Neste cenário, o consumidor parece ter poucas opções, já que, em muitas regiões, não há mais do que dois ou três provedores de internet. Para efeito de comparação, enquanto a Oi, a terceira maior provedora de internet de banda larga do país, se encontra em 5.419 municípios (97% do total), a Algar, quarta maior provedora, fornece serviços em apenas 242 cidades (4%).[1]

Esta discussão é especialmente importante em um momento em que provedores de internet, que também costumam fornecer serviços de TV por assinatura, telefonia fixa e móvel, têm criticado abertamente serviços como Whatsapp, Netflix e YouTube, que se utilizam da internet e concorrem diretamente com aqueles serviços. Todas as três maiores provedoras de internet fixa também fornecem TV por assinatura (e telefonia fixa e móvel), que sofre concorrência direta do Netflix, possivelmente um dos principais responsáveis pelo aumento do consumo de banda.

Ao impor franquia de dados, os provedores de internet podem acabar “forçando” usuários – principalmente aqueles de mais baixa renda – a desistir de serviços como Netflix, YouTube e Skype para aderir aos serviços de TV por assinatura e telefonia prestados por aquelas mesmas empresas.

Talvez esta seja a questão mais preocupante da imposição de franquias de dados. A internet é, antes de tudo, uma plataforma para diversos mercados. Limitar, mesmo que indiretamente, o acesso a serviços que se utilizam de muita banda pode ter como consequência o desestímulo ao surgimento de novos aplicativos, jogos e serviços inovadores.

Não por acaso, a Netflix passou a pagar para provedores de internet americanos para que os usuários acessassem mais rapidamente seus serviços. Se todo serviço intensivo em banda se vir obrigado a fazer o mesmo, possivelmente teremos menos inovações na internet e serviços prestados por grandes empresas, que podem pagar por um melhor acesso, terão grande vantagem no mercado.

Um cenário com poucas provedoras impondo franquias de dados aos usuários pode resultar em usuários, especialmente os de mais baixa renda, “presos” aos serviços das provedoras de internet e em uma internet menos livre. Ademais, em uma era em que a internet e o fluxo de dados são (e serão cada vez mais) a norma, é mais que esperado que as provedoras de internet tenham que se adaptar, atualizando seus modelos de negócios, sem ir na contramão da tecnologia.

Um mercado mais competitivo de provimento de internet seria um ótimo caminho para que esses novos modelos apareçam. Portanto, antes de permitir a imposição de limites de dados, reguladores deveriam considerar como fazer com que mais empresas entrem no mercado de provimento de internet. Esta seria uma solução mais adequada para consumidores, empresas de conteúdo que atuam na internet e a sociedade em geral.

[1] Os dados sobre acessos a banda larga foram retirados da Anatel.

 

Economia Circular: um novo paradigma para a produção de bens e serviços?

O crescimento econômico do último século está intrinsecamente associado à extração de recursos naturais. Todavia, os impactos ambientais da produção industrial, o crescimento populacional  e a demanda cada vez maior por bens e serviços levantam questões importantes sobre os limites desse modelo linear de produção, que pode ser resumido como “extrair, transformar, consumir e descartar”. Entre as diversas abordagens que tentam dissociar o crescimento econômico da restrição de recursos naturais está a economia circular, cujo objetivo é maximizar o valor e a utilidade de produtos, componentes e materiais, com o próprio fim do conceito de resíduo.

circular economy

Fonte: Mckinsey

Análise feita pela Mckinsey estima que o crescimento da economia circular poderia gerar uma economia de materiais da ordem de US$ 1 trilhão até 2025, com capacidade de geração de mais de 100 mil empregos nos próximos cinco anos. Alia-se a isso uma ampla gama de serviços com grande potencial de desenvolvimento, como o design de produtos, eficiência energética, logística reversa, remanufacturing e manejo de resíduos (sólidos e químicos). O eco-design, por exemplo, busca inovações para reduzir a poluição gerada na produção dos bens e minimizar seus impactos ambientais. Esses objetivos podem ser atingidos pela diminuição na quantidade de materiais (dematerialização) e de energia (análise de ciclo de vida do produto) utilizados na fabricação dos produtos e pela simplificação do processo de reciclagem.

Destacam-se aqui os modelos de negócios que buscam sair da tradicional produção de bens para o provimento de serviços para atender tanto às demandas da indústria quanto às dos consumidores. O bem-serviço permanece o tempo todo como “propriedade” do provedor, com quem também fica a responsabilidade sobre o pós-uso. Isso significaria um maior incentivo para produção de bens de forma mais eficiente e com maior durabilidade, com impacto também sobre a quantidade final de bens produzidos pela empresa. A economia do compartilhamento poderia, assim, ser vista também pela perspectiva da economia circular.

Diversas iniciativas utilizam avançam nesse modelo: a Philips, por exemplo, já fornece iluminação como um serviço para cidades como Madri, Buenos Aires e Cingapura. No caso da General Motors, por meio do leasing químico, a empresa passou a alugar os solventes usados para a limpeza de componentes metálicos.  A empresa egípcia Badawi Chemical Works, além de prover o leasing de solventes à GM, supervisiona a sua utilização e recolhe o produto ao final do processo. Empresas como Coca-Cola e Calsberg e Winsdor Atlandida Hotel, no Brasil, tem iniciativas semelhantes.

De modo geral, entre os benefícios para as empresas estão uma facilidade em inovar, pela maior proximidade com o cliente; o acesso a serviços mais customizados; o aumento de eficiência no uso do produto-serviço e menor geração de resíduos. As empresas conseguem ainda estabelecer um relacionamento mais forte e de mais longo prazo com seus clientes.  Além disso, como o bem é de propriedade do fabricante, as empresas prestadoras de serviços teriam maior incentivo à produção de bens que facilitem sua reciclagem.

Como discutido anteriormente pelo blog, modelos de negócios baseados em serviços dependem de uma mudança cultural que viabilize o uso de serviços em detrimento da posse dos bens. Os efeitos positivos da adoção de um modelo circular referem-se à redução na exploração de recursos naturais e ao desenvolvimento de um setor de serviços de maior valor agregado. Entende-se, no entanto, que há um longo caminho a ser percorrido até esse modelo ser mais utilizado, já que isso exigirá uma disrupção tanto na forma de produzir, quanto na maneira de consumir produtos.

A economia da beleza: o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos

Quão importante é o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos para a economia brasileira? Por que o brasileiro gasta tanto com produtos e serviços de higiene e beleza? Esses bens e serviços são considerados, pela população brasileira, uma necessidade básica?

Segundo dados do IBGE, o setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) responde por 1,8% do PIB brasileiro. Para se ter uma ideia da importância do Brasil para o setor: o país responde por 2,8% da população mundial e 9,4% do consumo mundial de HPPC. Segundo a Euromonitor International, o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor do setor, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China, com 16,5% e 10,3% do consumo mundial respectivamente, conforme gráfico 1.

Gráfico 1. Participação no Mercado Consumidor Global de HPPC – 15 maiores mercados

GRAFICO1

Fonte: Euromonitor International, 2016

Segundo a ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), os produtos de HPPC mais consumidos no mundo são desodorantes, fragrâncias e protetores solares. Os produtos para cabelos e banho se encontram em segundo lugar no ranking de produtos mais consumidos no mundo (sim, banho em segundo lugar!).

Pela importância do setor no Brasil, o Sebrae, a ABDI e a ABIHPEC criaram um Portal de Inovação em HPPC, com o objetivo de estimular as empresas do ramo, por meio de informações estratégicas sobre tendências e tecnologias. O portal disponibiliza, também, informações sobre uma rede de laboratórios, pesquisadores e prestadores de serviços tecnológicos voltados para o segmento, com o intuito de estimular a inovação no setor.

De acordo com dados da ABIHPEC, entre 1994 e 2014, o número de empregos no setor cresceu 5 vezes mais do que a média da economia brasileira, principalmente na área de venda direta (normalmente, vendedores porta-a-porta). No período, o número de postos de trabalho de venda direta aumentou cerca de 750%. No mesmo período, as franquias do setor aumentaram 1825%.

A maioria das empresas de HPPC encontra-se no Sudeste do país, que concentra 61% do total de negócios do setor. Em seguida, vêm a região Sul, com 19%, e o Nordeste, com 10%, conforme gráfico 2.

Gráfico 2 – Distribuição das Empresas de HPPC por Região em 2015

GRAFICO2

Fonte: ABIHPEC, 2016

A ABIHPEC atribui os seguintes fatores como causas do crescimento do setor até 2014:

  • acesso das Classes D e E aos produtos do setor, em decorrência do aumento da renda observado até então;
  • aumento da classe C, que passou a consumir produtos de beleza mais caros e sofisticados;
  • participação crescente da mulher no mercado de trabalho;
  • maior utilização de tecnologia de ponta, o que fez com que os preços do setor permanecessem competitivos;
  • lançamento constante de novos produtos, que visaram atender melhor às demandas do consumidor;
  • aumento da expectativa de vida da população, o que aumenta a demanda por cosméticos voltados para a terceira idade.

Buscando responder os questionamentos feitos no início do texto, pela participação do país no consumo mundial e pelo seu rápido crescimento no emprego, o setor de HPPC parece ser um importante segmento da economia. Mais do que uma necessidade básica da população, o crescimento do setor parece refletir uma mudança demográfica, econômica e cultural pela qual a população brasileira vem passando ao longo do tempo. A queda no rendimento real e o aumento do desemprego, observados desde 2015, serão um importante teste de resiliência para o setor.

Leitos hospitalares no Brasil: temos pouca infraestrutura?

A demanda por mais médicos para atendimento público e o déficit de leitos no país são questões que tendem a se agravar frente ao envelhecimento populacional e a crise fiscal. Certamente devemos pensar em reformas que promovam a eficiência do sistema nacional de saúde (a combinação da oferta pública e privada). A questão que colocamos aqui é que a oferta de infraestrutura, hospitais, leitos e equipamentos é escassa quando comparamos com outros países e heterogênea entre os Estados, como esperado em um país grande e diverso como o Brasil.

O que define uma boa rede de infraestrutura de assistência a saúde? De forma mais simples, qual o volume de leitos hospitalares que é considerado adequado para se ofertar a determinada população?

De acordo com o padrão internacional, a Organização Mundial de Saúde estabelece uma faixa de 3 a 5 leitos por mil habitantes como ideal. Neste padrão estabelecido pela OMS, o Brasil se apresenta como um país com baixa oferta de leitos, com 2,3 leitos por mil habitantes. A posição do Brasil é assim qualificada quando comparamos com a média dos países da OCDE, que é de 4,9 leitos por mil habitantes (veja Figura abaixo). No panorama internacional o Brasil está acompanhado de países como Turquia (2,5 leitos por mil habitantes) e Chile (2,22). A densidade brasileira ainda é mais baixa do que países asiáticos de crescimento recente, como é o caso de China (2,75) e Coréia (9.56).

Figura 1 – Número de leitos por mil habitantes, em países selecionados

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Fonte: OECD e CNES/Datasus.

Além do Brasil possuir baixa densidade de leitos, devemos observar que internamente somos desiguais. A definição da oferta de leitos parece não depender apenas do número de vidas em cada unidade da Federação.

Quando comparamos a densidade de leitos entre os Estados, observamos dois fatos estilizados (ver Tabela 1 abaixo) [1]. Os Estados com menor razão de leitos por habitantes estão na região Norte e Nordeste. A região Nordeste é a que apresenta mais disparidade. Por exemplo, Alagoas apresenta 3,5 leitos por mil habitantes em 2015, enquanto que Sergipe, estado vizinho, tem apenas 1,5 leitos de densidade. Seria como se o primeiro possuísse densidade similar aos EUA, e o segundo com densidade do México (que possui 1,68). Ainda na região Nordeste, a maior proporção de leitos do país está no Estado de Pernambuco, com 4,3 leitos por mil habitantes, enquanto que a Bahia possui apenas 1,94.

A riqueza não parece ser o grande determinante da capacidade de oferta de leitos, como poderia se esperar. Apenas Alagoas e Pernambuco apresentam densidade de leitos superior a 3, que é o corte de mínimo sinalizado pela OMS. Para se ter idéia de comparação, um Estado rico como São Paulo possui densidade de 2,03, que é inferior a média do Brasil (2,2) e muito inferior à média de grande parte dos países da OCDE.

A comparação direta entre leitos pode levantar alguma dúvida se estamos objetivamente falando de estruturas comparáveis. O mesmo leito em um Estado diferente pode utilizar diferentes procedimentos e tecnologias. Para tentar trazer mais elementos de comparação entre a infraestrutura dos Estados, olhamos para a densidade de máquinas de tomografia computadorizada (CTScan) por grupo de um milhão de habitantes[2].

De acordo com a comparação internacional (veja os dados na Organização Mundial de Saúde), países ricos possuem, em média, 20 aparelhos de tomografia para cada milhão de habitantes – o Japão é exceção e possui mais de 40 aparelhos por um milhão de pessoas. Vários Estados brasileiros apresentam número de densidade em torno de 20, o que é melhor do que a medida de leitos. Também aqui não observamos padrão homogêneo por região. Na região Norte e Nordeste existe a maior predominância de baixa densidade de equipamentos, mas ao mesmo tempo também temos os Estados com a mais alta densidade – são os casos de Alagoas, Pernambuco e Piauí. No sentido internacional, a oferta de aparelhos de tomografia parece mais adequada, mas com grande variação entre grande parte dos Estados.

Para resumir, o Brasil possui poucos leitos quando comparamos com outros países. Internamente os desequilíbrios são grandes. Estados como São Paulo, que possui quantitativo menor de leitos do que o esperado, acendem a luz da necessidade de organização do serviço de oferta de serviços de saúde.

Tabela 1 – Densidade de leitos e máquinas de tomografia computadorizada (CTScan), por Estado

Estados Leitos por mil hab. CTScan por milhão de hab.
AC 1.8 13.7
AL 3.6 21.0
AM 1.6 8.1
AP 1.4 11.7
BA 1.9 11.8
CE 2.0 13.8
DF 2.5 29.8
ES 2.1 19.3
GO 2.5 20.9
MA 2.0 10.7
MG 2.0 19.2
MS 2.2 20.7
MT 2.3 26.6
PA 2.0 12.5
PB 2.2 16.6
PE 4.3 19.7
PI 2.3 18.7
PR 2.4 21.6
RJ 2.3 26.1
RN 2.1 11.3
RO 2.6 20.9
RR 1.9 13.8
RS 2.7 24.5
SC 2.2 22.4
SE 1.5 9.4
SP 2.0 22.1
TO 1.8 17.8

Fonte: CNES/Datasus.

[1] Para se comparar os leitos entre Estados excluímos os leitos de tratamento de longo prazo.

[2]Utilizamos aqui dados do CNES/Datasus de 2015.

Boletim de Serviços – Abril de 2016

O Boletim de Serviços de abril de 2016 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O índice de receita nominal do setor de serviços manteve-se estável na comparação anual, enquanto o índice de volume teve variação negativa superior a 5,1% no mesmo período
  • A eliminação de vagas no setor de serviços em fevereiro de 2016 foi 43 vezes o valor registrado no mesmo mês do ano anterior
  • A inflação anual de serviços desacelerou para 11,91%
  • O aumento das exportações de serviços e a redução das importações levaram à redução do déficit da balança comercial do setor em dezembro

Abr16

 

Para acessar versões antigas e a série histórica em excel, clique aqui.

Por que o novo marco regulatório das telecomunicações importa?

Nos últimos anos, muito tem se discutido sobre a necessidade de um novo marco regulatório das telecomunicações. A atenção que o tema tem recebido nos remete a uma dúvida básica: o que significa um marco regulatório? De acordo com a doutrina majoritária, marco regulatório é um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores nos quais agentes privados prestam serviços públicos. Além de estabelecer regras e indicadores de qualidade para o funcionamento de um setor, o marco traz um conjunto de instrumentos para garantir a execução de normas (auditorias e procedimentos de fiscalização).

No caso das telecomunicações, o marco regulatório atual é a Lei 9.472/97, também conhecida como a Lei Geral das Telecomunicações (LGT). Esta lei definiu em linhas gerais o novo modelo institucional das telecomunicações no Brasil após as privatizações do setor, sendo também responsável pela criação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, órgão regulatório e fiscalizador das telecomunicações no Brasil.

Com as privatizações das telecomunicações, o Brasil passou à iniciativa privada o protagonismo para o desenvolvimento do setor no país, por meio de concessões. Considerando que o principal serviço de telecomunicações à época era o de telefonia fixa (STFC), fazia-se necessária a criação de um marco regulatório que trouxesse mecanismos para assegurar a universalização e a continuidade do serviço STFC pelas empresas privadas. Neste sentido, o marco regulatório foi eficiente porque, por um lado, possibilitava ao poder público o exercício do controle das tarifas e, por outro, dava segurança às empresas de que os objetivos de modicidade tarifária e de universalização seriam buscados, respeitando o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Uma das maiores polêmicas no atual marco regulatório das telecomunicações reside no que a lei chama de bens reversíveis, que são aqueles usados na prestação do serviço e que serão revertidos ao poder público ao término da concessão, independentemente de terem sido transferidos ao concessionário ou de terem sido por ele incorporados durante a execução do contrato de concessão. Em 2013, a ANATEL estimava existir oito milhões de bens reversíveis, avaliados em R$ 105 bilhões. Grande parte da polêmica reside no fato de não existir uma definição clara, nem pela lei, nem pela ANATEL, de quais são estes bens. Os contratos de concessão classificam como bens reversíveis “todo bem que é essencial para prestação do serviço”. A partir desta vaga definição, a agência fez uma lista exaustiva, que incluiu, por exemplo, os sete mil prédios da operadora Oi.

Embora, nessa lista, as atenções se voltem sempre para os imóveis, para a prestação do serviço o mais importante é a rede de telecomunicações. Com relação a ela, o posicionamento majoritário dos formadores de opinião da agência é de classificar como bem reversível qualquer equipamento ou infraestrutra pelos quais passaram um “bit de voz”. Isto significa que todas as redes construídas pelas operadoras durante a concessão seriam repassadas ao Estado ao final dos contratos.

Este posicionamento da agência é arriscado. As redes de banda larga fixa, sobretudo as residenciais, baseadas na tecnologia ADSL, evoluíram a partir das redes de cabos metálicos, lançadas pelas empresas públicas antes da privatização, para atendimento residencial do serviço de voz fixa. Se por um lado esse serviço tem caído em desuso, o serviço de internet banda larga é hoje o principal interesse dos consumidores. E aqui é que mora o problema: o serviço de internet em banda larga não é um serviço público concedido a uma empresa privada. Ele é um serviço privado, que pode ser prestado com apenas uma autorização da ANATEL (uma licença de Serviço de Comunicação Multimídia – SCM). Todavia, de acordo com o entendimento da agência, se uma concessionária utiliza uma mesma infraestrutura para prestação dos dois serviços (STFC e SCM), essa infraestrutura é considerada um bem reversível.

O problema associado a essa situação é que, à medida que os contratos de concessão se aproximam do fim – faltam apenas 10 anos para seu término –, menos suscetíveis estarão os agentes privados a investir em infraestrutura para prestação do serviço, uma vez que existe incerteza sobre a propriedade dos bens após o término dos contratos (e eles não poderão ser renovados, de acordo com o marco regulatório atual). Se estes investimentos estivessem associados apenas ao serviço de voz fixa, talvez o problema fosse menor. Porém, eles afetam diretamente os serviços de internet banda larga, de grande importância atualmente, e para o qual se exige uma grande quantidade de investimentos, não só para universalização, como para expansão da qualidade do serviço nos locais onde ele já é oferecido.

À época da privatização das telecomunicações, o valor da telefonia fixa para o consumidor era bastante elevado: existia uma grande demanda reprimida para a qual o governo, enquanto provedor público do serviço, não conseguia assegurar a oferta. Porém, o que se observa atualmente é uma enorme perda de valor desse serviço. No Brasil, segundo dados da PNAD 2013, apenas 2,4% das residências possuíam o telefone fixo como o único acesso da residência. Esse número era de 27,9% em 2001 (ver gráfico abaixo). Por outro lado, percebe-se um aumento na quantidade de domicílios que possuem apenas o telefone celular como acesso telefônico do domicílio: os números saltam de 7,8% em 2001 para 54% em 2013. Os números mostram uma tendência de substituição do telefone fixo pelo móvel por motivos diversos: custos mais baixos, mobilidade, maior gama de serviços de valor agregado, etc.

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Figura 1 – Penetração dos Serviços de Telefonia – PNAD 2013 (teleco.com.br)

Portanto, fica claro que uma simples renovação do modelo de concessão, nos moldes atuais, não seria atraente para o setor privado. Sob a óptica governamental, se na promulgação da LGT a principal preocupação era a universalização do STFC, ao longo dos últimos anos, as políticas públicas para o setor de telecomunicações têm tido seu foco alterado para a promoção da expansão da banda larga. Na última década, o governo tem promovido ações como o Programa Banda Larga nas Escolas, que trocou metas de instalação de orelhões pela instalação de banda larga nas escolas públicas. Também merece destaque o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que tem por meta democratizar o acesso à internet no país. Portanto, o mais provável é que o novo marco regulatório tenha uma relação estreita com a banda larga, apresentando metas para sua universalização.

A necessidade de se atualizar o marco regulatório das telecomunicações brasileiras é premente. Porém, deve-se ficar atento às discussões a respeito do tema. Atualmente, muitos defendem uma maior regulação dos provedores de conteúdo: hoje eles são classificados como provedores de serviço de valor agregado e não são regulados. A justificativa por mais regulação, especialmente por parte dos concessionários, é que os provedores de conteúdo têm acesso direto aos seus clientes, entregam a eles seus serviços de conteúdo utilizando a rede de acesso instalada pelas concessionárias, muitas vezes competindo com elas com serviços de voz sobre a internet, mas não contribuem com os investimentos de ampliação e expansão da rede. Portanto, pode fazer sentido um pouco de regulação para promover uma competição justa entre as partes, de forma a manter o equilíbrio do mercado.

Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que os provedores de conteúdo são grandes contribuidores para a disseminação da informação, tendo sua contribuição reconhecida para diminuição da assimetria de informação em nossa sociedade, seja qual for o campo do conhecimento. Por este motivo, qualquer nova regulação discutida deve buscar preservar o livre acesso dos cidadãos a estes conteúdos e provedores para que possamos ter uma sociedade mais informada, consciente de seus direitos e obrigações cívicas.

Por mais importante que seja a revisão do marco regulatório das telecomunicações, principalmente em razão das questões de investimentos abordadas, a discussão e votação de um novo marco na situação de instabilidade política vivida atualmente é preocupante: ao analisarmos o contexto atual dos principais stakeholders do processo, vemos, de um lado, um Poder Executivo em crise fiscal, que vê o novo marco regulatório como uma oportunidade de aumentar a arrecadação com a renovação das concessões. De outro, vemos um Poder Legislativo pouco disposto a debates sobre temas não relacionados ao impeachment. Diante destas circunstâncias, o desenvolvimento de um novo marco regulatório pode não contar com a devida atenção e o devido debate que o tema exige para criação de um marco que atenda às demandas de concessionários, governo e usuários do serviço.

Internet das Coisas: dispositivos conectados

Que o mundo está cada vez mais conectado não é novidade. Basta um olhar sobre o aumento do fluxo internacional de dados para ter certeza que o futuro envolve o uso de tecnologias que permitem o compartilhamento imediato de informações. Para além disso, a expansão da rede vem abrindo portas para a chamada Internet das Coisas (ou Internet of Things – IoT, na sigla em inglês), que possibilita o acesso imediato não apenas à informação, mas também a dispositivos em qualquer lugar do planeta.

De acordo com a International Telecommunication Union (ITU), a Internet das Coisas pode ser entendida como uma infraestrutura global, envolvendo tecnologias de informação e comunicação, que viabiliza serviços avançados por meio da interconexão de “coisas”. Em outras palavras, IoT refere-se à capacidade de conectar dispositivos de todos os tipos.

Essencialmente, a Internet das Coisas torna possível o desenvolvimento de sistemas inteligentes. Qualquer tipo de sistema. Casas, carros, fábricas, cidades.

Um dia típico de um cidadão que vive em um sistema inteligente é acordar com um despertador que envia um comando para que a cafeteira inicie o preparo de seu café. Esse mesmo cidadão se desloca para o trabalho em um veículo que não precisa de um motorista e trabalha em uma fábrica cujas máquinas funcionam sozinhas e são acionadas com apenas um clique (a distância, claro). Enquanto isso, o relógio desse cidadão monitora sua frequência cardíaca e envia relatórios instantâneos para o computador de seu cardiologista.

Nenhuma dessas tecnologias é novidade. Eletrodomésticos conectados, carros inteligentes e manufatura digital já são uma realidade. E todas elas são parte do que chamamos de Internet das Coisas.

Segundo estimativas da Accenture, com base em dados para 20 países, a IoT adicionará US$ 14 trilhões à economia global até 2030, o que representará um crescimento de 1,5% do PIB real mundial. Os dados são ainda mais surpreendentes ao se constatar que o número de dispositivos conectados é maior do que o de pessoas no mundo – isso já em 2008, conforme a Cisco. Até 2020, estima-se que existirão mais de 50 bilhões de dispositivos conectados à Internet. Para que o Brasil se beneficie de maneira plena dessa revolução, será preciso melhorar consideravelmente nossa infraestrutura, principalmente de acesso à Internet.