Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: novembro 2015

Um Mercado Global de Serviços?

Temos discutido neste espaço que o setor de serviços já é, de longe, a atividade predominante na economia mundial, tal como atestam indicadores de participação no PIB, no emprego, no comércio internacional, quando medido em valor adicionado, e no investimento direto estrangeiro.

Mas uma nova etapa já está se descortinando, a qual dará ao setor participação ainda maior e mais preponderante. E causas para isso não faltam.

Diferentemente do passado recente, os serviços estão se tornando cada vez mais comercializáveis como se fossem bens manufaturados. Pense nos serviços de compras de varejo, como o e-commerce, nos de entretenimento, como o Netflix e o Spotfy, nos de transporte local, como o Uber, nos de hospedagem e passagens, como o Airbnb e Decolar.com, nas atividades internas e externas de TI das organizações, como o AWS, nos de telefonia, de localização geográfica, de compartilhamento de dados, de educação, de saúde, de seguros e de tantos outros que fazem cada vez mais parte do nosso dia-a-dia.

De fato, os mercados de serviços estão se expandindo tão rapidamente que o impensável já começa a acontecer: empresas start-ups com poucos ativos e  receitas relativamente modestas já valem mais que as suas concorrentes há muito estabelecidas e até que lideram seus respectivos mercados – o Airbnb, por exemplo, vale mais que a Accor, maior operadora de hotéis do mundo!

Dentre as razões para a explosão dos serviços incluem-se a mudança do padrão de consumo das pessoas em favor do consumo de funcionalidades digitais e de novas soluções e a mudança dos modelos de negócios das empresas em favor da terceirização e da servicificação da produção – a GE, por exemplo, já não mais vende as suas turbinas de aviões, mas as disponibiliza como parte de um pacote de serviços.

Mas o grande salto ainda está por vir, que é a constituição do mercado global de serviços.

A semente para o mesmo já foi semeada e é provável que em breve já se colham seus frutos. A semente são os acordos plurilaterais ora em discussão, como o Trans-Pacific Partnership (TPP), o Trans-Atlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) e o Trade and Investment Agreement (TISA), que transformarão a economia mundial para sempre.

Uma vez em vigor, os acordos deixarão a Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o General Agreement on Trade in Services (GATS) para trás e novos padrões serão estabelecidos pelas vias da harmonização dos marcos regulatórios e técnicos e da remoção de muitos dos demais obstáculos que ainda restam para a formação de um amplo mercado de global de serviços.

Nesta etapa, que deverá decorrer algo em torno de cinco a dez anos, o comércio e os investimentos em serviços crescerão rapidamente e criarão milhões de empregos e trilhões de dólares em valor. Os países mais competitivos e os mais inovadores em serviços serão aqueles que mais se beneficiarão desse mercado.

Testemunharemos, desta forma, aquela que será uma das mais importantes transformações da história da economia mundial recente, com impactos sem precedentes e muito mais contundentes que a da globalização, tal como a conhecemos hoje.

 

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A Crise e os Serviços

O atual momento difícil da economia tem afetado de maneira especialmente forte o setor de serviços, responsável por cerca de 70% do PIB brasileiro. Se até recentemente o setor puxava a economia, principalmente com a criação de vagas no mercado formal, hoje ele parece ser um dos principais entraves para a sua recuperação.

As notícias negativas sobre o desempenho dos serviços não param de se acumular. Os últimos dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que o setor foi responsável por um saldo líquido de quase 50 mil demissões em outubro, pior resultado do setor para o mês desde 1992. No mês, todos os segmentos de serviços apresentaram mais demissões que contratações.

O último Boletim de Serviços mostra que os resultados negativos de serviços não se restringem ao mercado de trabalho. Pelo menos desde maio de 2015, o setor apresenta queda de receita real em todos os tipos de serviços, sejam eles voltados para o consumidor final ou para empresas, sejam eles modernos ou tradicionais.

Além da falta de perspectivas de recuperação do mercado interno no curto e médio prazos e da baixa competitividade dos serviços brasileiros, o Índice de Confiança de Serviços, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), segue em seus menores níveis históricos (ver gráfico abaixo). O indicador aponta que o setor deve contratar e faturar ainda menos nos próximos meses.

Dado o seu tamanho, importância direta e indireta para a economia brasileira e as transformações por que passa a economia global, é preciso tratar o setor de serviços como chave não apenas para a saída da crise, mas, principalmente, para o desenvolvimento sustentado.

Reconhecer essa importância e passar a pensar os serviços como atividade estratégica não será suficiente, mas já será um passo importante.

Fonte: FGV/IBRE.

Fonte: FGV/IBRE.

O papel estratégico do setor de serviços para o desenvolvimento e as políticas públicas

O setor terciário teve significativo crescimento nos últimos anos e, mesmo com a desaceleração recente, deve continuar como setor fundamental na dinâmica da economia brasileira. O desenvolvimento econômico e social recente na sociedade brasileira[1] tem sido importante para a evolução do comércio e dos serviços e deve sustentar, nos próximos anos, continuação da trajetória de aumento das vendas, expansão do mercado consumidor e diversificação dos negócios. A interação dos serviços com a indústria é importante no desenvolvimento produtivo das economias e deve estar na pauta da formulação de políticas públicas.

Existe reconhecimento da importância dos serviços na evolução recente da economia mundial[2]. Os serviços são a principal fonte de geração de empregos no mundo e o destino de parcela cada vez maior dos investimentos diretos estrangeiros greenfield. As indústrias de maior intensidade tecnológica têm maior intensidade de serviços empresariais. A indústria de transformação está-se combinando com os serviços em relação cada vez mais sinergética e simbiótica, o que impulsionará a produtividade e competitividade do setor industrial. Serviços avançados nas áreas de telecomunicações, serviços de internet, big data, internet of things, cloud computing e desenho de sistemas de computadores, por exemplo, estão na mira dos investimentos em P&D da indústria. A agregação de valor e a diferenciação e customização de produtos, elos centrais nas cadeias globais de valor, estão associados a serviços como P&D, design, projetos de engenharia e arquitetura, consultorias, softwares, serviços técnicos especializados, serviços sofisticados de TI, branding, marketing e comercialização, entre outros.

A relevância dos serviços na economia brasileira é decisiva para o desenvolvimento como um todo. A representatividade do setor terciário, de 2003 a 2015 (pelo acumulado em quatro trimestres até o 2º trimestre de 2015), passou de 65,8% para 71,7% do valor adicionado do PIB a preços correntes[3], segundo dados das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE. Os serviços representaram 73,4% do emprego formal em 2014, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do MTE, sendo que apenas comércio e serviços privados (excluindo a administração pública) constituíram 54,6% do emprego formal total da economia brasileira neste ano.

Os setores de comércio e serviços são muito significativos para o tecido empresarial e produtivo brasileiro. De acordo com o Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE, em 2013, o setor terciário representou 84,7% das empresas e 74,6% do pessoal ocupado total, enquanto comércio e serviços tipicamente privados ou empresariais[4] corresponderam a 70,4% das empresas e 47,3% do pessoal ocupado total. A massa de salários e outras remunerações paga pelo setor terciário representou 72,1% em 2013, sendo que dessa massa salarial quase a metade adveio de comércio e serviços empresariais.

A heterogeneidade estrutural dos serviços constitui desafio para a formulação de políticas. O salário médio mensal dos serviços foi de 3,1 salários mínimos em 2013 (frente a 3,4 em 2007), mas existe grande variação salarial entre os setores de atividade, as seções CNAE, pelos dados do Cempre. Nota-se que setores como comércio representam 64,5% do salário médio total, ao passo que atividades profissionais, científicas e técnicas (129,0%) e informação e comunicação (174,2%) mostram salários mais elevados, acima mesmo da indústria de transformação (106,4%). Os serviços no Brasil são os maiores empregadores, mas apresentam produtividade mais baixa em relação a outros setores[5] e muita heterogeneidade. A produtividade de serviços voltados às famílias (R$28.736 por pessoa ocupada a preços correntes), por exemplo, é mais de cinco vezes superior à dos serviços de informação e comunicação (R$151.558), conforme os dados da Pesquisa Anual de Serviços, do IBGE.

A importância dos serviços, da diversificação produtiva e da interação desse setor em especial com a indústria não pode ser negligenciada e tem sido alvo de políticas públicas. Será fundamental para o desenvolvimento nacional a cooperação público-privada para acabar com gargalos e entraves ao funcionamento do comércio e dos serviços, buscando a melhoria da competitividade e da produtividade na economia como um todo.

Desse modo, evidencia-se a necessidade de fortalecer serviços relacionados a agregação de valor, maior produtividade e diferenciação de marcas e produtos, bem como intensificar a formação de novas competências para a prestação de serviços, em especial na interação com a indústria. O desenvolvimento de competências para aumentar a absorção tecnológica e a produtividade no setor de serviços torna-se essencial, em conjunto com a utilização de diversos mecanismos existentes, além do aprimoramento do ambiente institucional, visando ao atendimento de demanda interna, à consolidação e internacionalização de marcas brasileiras e ao aumento dos investimentos do setor de serviços.

Nesse sentido, têm sido realizadas discussões para subsidiar a formulação de políticas públicas no setor terciário. A Agenda de Competitividade do Varejo, que vem sendo construída em conjunto com representantes do setor, marca importante articulação recente para a impulsionar a competitividade nessa atividade, em conjunto com a iniciativa privada. A realização, recentemente, pela SCS/MDIC e a ABDI do seminário “O papel estratégico do setor de serviços para o desenvolvimento da indústria”, em 09/09/2015, trouxe especialistas das áreas acadêmica, governamental e empresarial para apresentarem e debaterem temas fundamentais para políticas de competitividade do setor. Essa discussão se soma à comemoração dos dez anos de criação da Secretaria de Comércio e Serviços do MDIC, o que revela preocupação governamental crescente de promover as capacidades desses setores na economia brasileira.

 

Marcelo MaiaMarcelo Maia é Secretário de Comércio e Serviços do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Nascido em Brasília, é formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e tem especialização em Direito Econômico, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Finanças, pelo IBMEC e tem certificado em Finanças e Administração pela University of California at Berkeley, nos Estados Unidos. Maia acumula experiência em gestão de grandes negócios, contabilidade, controladoria, relacionamento com fornecedores; marketing, logística e outras áreas.


Referências
 

ACATECH. National Academy of Science and Engineering. Securing the Future of German Manufacturing Industry: Recommendations for implementing the strategic initiative INDUSTRIE 4.0. Berlin: ACATECH, 2013. 

CNI. Confederação Nacional da Indústria. Serviços e Competividade Industrial no Brasil. CNI, 2014.

OECD. Organisation for Economic Co-operation and Development. OECD Perspectives on Global Development 2014: Boosting Productivity to Avoid the Middle Income Trap. Paris: OECD, 2014.

UNCTAD. United Nations Conference on Trade and Development. World Investment Report 2013 – Global Value Chains: Investment and Trade for Development. Geneva: UNCTAD, 2013.

 

[1] O mercado de consumo nacional e o crescimento da renda foram importantes para o comércio e os serviços em geral e devem continuar sendo significativos para a expansão do setor. O rendimento médio real do brasileiro em setembro de 2015, embora tenha caído 4,3% frente a setembro do ano passado, é 29,8% maior do que igual mês de 2003, conforme o IBGE. Em conjunto com a redução na desigualdade de renda, o crescimento do mercado de consumo foi evidenciado pela expansão da classe média no País, em que 53% da população (104 milhões de pessoas, do total de 200 milhões) já pertencia à classe média em 2012, frente a 38% em 2002, segundo a SAE/PR.

[2] Ver estudos como UNCTAD (2013), OECD (2014), ACATECH (2013) e, em especial, CNI (2014), este último preparado por Jorge Arbache.

[3] No setor terciário encontram-se atividades privadas e da administração pública. As atividades públicas somam 16,8% em 2015, não mostrando expansão muito significativa frente aos 16,3% de 2003.

[4] Considerando as seções CNAE: G Comércio; reparação de veículos automotores e motocicletas; H Transporte, armazenagem e correio; I Alojamento e alimentação; J Informação e comunicação; K Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados; L Atividades imobiliárias; M Atividades profissionais, científicas e técnicas; e N Atividades administrativas e serviços complementares.

[5] Ver, por exemplo, CNI (2014).

Boletim de Serviços – Novembro de 2015

Em novembro,   as séries foram revisadas com o intuito de incorporar mudanças recentes nos dados utilizados como fonte para o cálculo dos indicadores. Apesar das alterações, as séries apresentam valores próximos aos calculados anteriormente. Além disso, o Boletim de Serviços de Novembro apresenta novos indicadores calculados com base no Índice de Volume, divulgado recentemente pela Pesquisa Mensal de Serviços (PMS/IBGE).

Volume

Para maiores detalhes, acesse o último número do Boletim de Serviços e consulte as séries históricas no endereço https://economiadeservicos.com/boletim/.

Mudanças disruptivas nas relações entre indústria e serviços nos aguardam

Imagine que você é um designer sentado à frente de uma tela de computador utilizando um software para desenvolver o projeto de um determinado produto. Imagine, agora, uma outra tela, ao lado da primeira, mostrando os impactos de cada alteração no projeto no tempo para lançar o produto no mercado, nos custos de produção em cada elo da cadeia de fornecedores, no consumo de energia, etc. Isso é o que a manufatura digital será capaz de fazer.

O termo manufatura digital (também conhecido como Indústria 4.0) inclui desde avanços na produção de equipamentos, como impressão 3D e robótica; serviços de alto valor agregado, como softwares, design, computação na nuvem, inteligência artificial, simulação e mockups digitais (DMU); produtos inteligentes (conectados por meio da Internet das Coisas), até ferramentas avançadas de análise dos dados fornecidos por cada elo da cadeia produtiva. Assim, busca-se explorar, numa disruptiva relação entre indústria e serviços, a imensa quantidade de dados que a indústria, mais do que qualquer outro setor, é capaz de gerar.

Muitos setores e empresas já analisam dados para aperfeiçoar operações, melhorar o uso de equipamentos e a qualidade dos produtos e reduzir o consumo de energia. As indústrias de defesa e a aeroespacial utilizam ferramentas digitais para integrar sua densa e complexa rede de fornecedores, na qual pequenas mudanças no design de uma turbina a jato, por exemplo, impactam a produção de centenas de componentes.

A partir de ferramentas como computação na nuvem, já é possível compartilhar modelos tridimensionais com a rede de fornecedores, facilitando a troca de informações sobre qualidade, preço e entrega dos produtos e acelerando a capacidade de resposta dos fornecedores a mudanças de design. A Boeing desenvolveu duas fuselagens utilizando ferramentas de manufatura digital, o que reduziu o tempo de entrada em produção (time-to-market) em mais de 50%.

O que se vê, porém, é ainda certa desconexão entre os elos, os quais estão, muitas vezes, em diferentes partes do planeta. Plataformas para colaboração virtual fazem com que os elos absorvam mais informações sobre os demais parceiros, gerando um ambiente de maior colaboração e coordenação. Com isso, melhora-se a qualidade dos produtos e a produtividade e acelera-se o ritmo com o qual as firmas inovam na produção.

Há, porém, um longo caminho até que a manufatura digital se consolide entre as empresas das economias avançadas. Como mostra o gráfico abaixo, pesquisa feita pela Mckinsey&Company indica que apenas 13% das empresas têm alta “capacidade digital” em suas etapas industriais. Apesar disso, o que não se pode perder de vista é que muitos países já têm iniciativas para consolidar a manufatura digital.

A digitalização na manufatura

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Fonte: Mckinsey&Company, 2014

Na Alemanha, o Industrie 4.0 busca colocar o país como líder em soluções para a manufatura avançada. Nos Estados Unidos, a Digital Manufacturing and Design Innovation Iniciative (DMDII), formada pela parceria entre empresas, governo e universidades, é um hub voltado exclusivamente ao desenvolvimento da manufatura digital. A China, em 2015, anunciou a adoção da estratégia “Made in China 2025”, com o objetivo de aumentar a qualidade, a produtividade e a digitalização da sua indústria.

Os países que não conseguirem traçar a sua estratégia na direção da manufatura digital ficarão mais distantes de conseguir explorar seus benefícios em termos de ganhos de produtividade, de geração de valor e de crescimento econômico.

Índices de serviços e a necessidade de novos dados para o setor

Em divulgação recente, o IBGE passou a publicar índices de volume de produção de serviços. Até então, apenas a série de receita nominal era divulgada mensalmente. Esse novo índice é obtido deflacionando-se as séries de índice de receita nominal. Conforme apontado pela nota metodológica do Instituto, para cada grupo de atividade e para cada estado, foram utilizados índices de preços específicos construídos a partir do IPCA. A nota metodológica esclarece, ainda, que para as atividades não abrangidas pelo índice, utilizou-se o IPCA serviços.

Com base nessa metodologia, cabe uma advertência sobre o uso do IPCA para deflacionamento de dados de serviços: o índice em si não captura adequadamente a inflação observada para os serviços consumidos pelas empresas, uma vez que é fundamentalmente construído para avaliar o nível de preços para o consumidor final. Assim, é provável que os preços dos serviços utilizados como intermediários na produção tenham um comportamento distinto daqueles de consumo final, seja pela existência de contratos, capacidade de negociação das empresas ou por outras particularidades dos serviços empresariais.

Desse modo, o IPCA não seria o melhor índice para deflacionamento de categorias que abrangem em grande medida serviços consumidos pelas empresas como, por exemplo, serviços técnicos-profissionais. É claro que nesse ponto cabe destacar que, no momento, inexistem índices de preços que captem a evolução dos preços dos serviços usados como insumo na produção, o que justifica o uso do IPCA.

Não obstante as fragilidades, o novo indicador é fonte de informações relevante para se entender a trajetória do setor, uma vez que a aceleração do nível de preços dos serviços pode afetar as conclusões sobre o seu desempenho econômico. Desse modo, os índices de volume contribuiriam para descrever o comportamento real do setor nos últimos anos.

Nesse sentido, os gráficos abaixo mostram que a inflação, de fato, superestima o desempenho do setor de serviços, uma vez que o índice de receita nominal se distancia do de volume devido à aceleração do IPCA. Complementarmente, é natural que se observe que a receita do setor apresente variações positivas (ainda que cada vez menores), enquanto em termos reais o setor contrai (o que é indicado pela variação negativa do índice de volume acumulada em 12 meses).

Por fim, é importante notar que a melhoria dos dados sobre o setor de serviços tem o potencial de enriquecer o debate. Tal como exposto, é conveniente que se avalie a inflação pertinente aos serviços-insumos, uma vez que esta afeta diretamente a competitividade e a capacidade produtiva da economia. Sob essa ótica, um índice de preços de serviços intermediários traria melhorias importantes para o tratamento de estatísticas sobre o setor.

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Fonte: PMS/IBGE. Elaboração própria.

TISA: Uma Oportunidade para Ampliar o Comércio Internacional de Serviços?

Em um post anterior havíamos comentado a necessidade de atualizar os acordos de comércio de serviços e as dificuldades para se contabilizar as implicações para os países que podem aderir ao TISA (Trade in Services Agreement), principalmente em decorrência do sigilo dos termos do acordo.

O Governo dos Estados Unidos pretende, ainda em 2015, avançar com o TISA e, para tanto, incluiu essas negociações na Agenda de Comércio do presidente. No dia 22 de Outubro, o Fórum Europeu de Serviços (ESF) se reuniu em Washington para tratar de uma declaração comum que, em suma, destaca que nas últimas semanas de 2015 será possível examinar oportunidades significativas de negociações de serviços direcionadas a modernização das regras relacionadas a serviços em nível regional, multilateral e plurilateral (como o TISA), com a finalidade de dar passos em favor do crescimento econômico, geração de empregos e as escolhas do consumidor.

Isso sugere que os países chamados pela União Europeia de “bons amigos dos Serviços” já estão se movimentando em relação ao TISA. Esses países, participantes do TISA, não se resumem a um grupo fechado de membros da OMC e, sim, a união de todos os países que sentiram a necessidade de avançar nas negociações relacionadas aos serviços. Eles representam uma mistura de países desenvolvidos e países em desenvolvimento que respondem por cerca de dois terços do comércio global de serviços.

As cadeias globais de valor e as tendências do comércio de serviços fazem surgir questionamentos como: o que perderão os países que ficarem fora do TISA? Vale a pena resistir ao acordo e tentar estimular os serviços internos ou é melhor ceder antes que o país acabe excluído dos acordos internacionais?

Wikileaks divulgou uma série de documentos a respeito das negociações do TISA sugerindo que o acordo pretende influenciar as leis comerciais locais, restringindo a autonomia dos governos, que terão seus projetos de leis controlados e precisarão de autorização para serem aprovados. Entretanto, os EUA e a União Europeia divulgaram um comunicado conjunto afirmando que nenhum acordo comercial exige que os governos privatizem seus serviços e que não vão impedi-los de atuar em áreas como educação, saúde, água e serviço social.

De acordo com esse documento divulgado, os países deverão abrir mão de algumas políticas nacionalistas, e inclusive o Brasil poderá ser afetado, já que uma das propostas do acordo veda a “transferência ou acesso de código-fonte de software como condição à prestação de serviços em seu território”, que é justamente o que o Ministério do Planejamento está tentando incluir na regulamentação sobre compras públicas de tecnologias de informação e comunicação.

A decisão de entrar ou não no TISA representa um trade-off  para os países em desenvolvimento: não aderir ao acordo implica em perder a oportunidade de influenciar e negociar em condições mais favoráveis. Não entrar pode levar a um arrependimento futuro e, quando os países resolverem aderir, podem ter perdido o timing e estar muito atrasados, seja tecnologicamente ou produtivamente em relação aos demais países participantes. Porém, entrar desde já implica que terão que praticamente renunciar ao desenvolvimento de vários setores de serviços que serão fonte fundamental de geração de riqueza no século XXI.

Analisemos o Brasil, que é um grande importador de serviços. A ampliação de serviços tecnológicos em nível doméstico, que representa parte significativa das importações, demandaria recursos humanos qualificados e condições para se fazer negócios que não temos no momento. Uma primeira reação mais pragmática seria, então, a de participar de acordos como o TISA. Porém, a decisão de entrar ou não necessita ser cuidadosamente examinada.

Para que possa valer a pena participar de um acordo de comércio de serviços, seja TISA ou qualquer outro com pauta similar, é necessário agir de forma estratégica, pensando nos benefícios e custos que se pode obter. Para tanto, é preciso:

  1. disposição por parte das autoridades para que o acordo beneficie a todos os participantes envolvidos;
  2. que sejam formuladas políticas domésticas para que o resultado das negociações seja eficiente e possa atingir os objetivos econômicos desejados para o país;
  3. que os países discutam as barreiras comerciais por eles enfrentadas nos diversos setores, e também que sejam esclarecidos quais os setores em que há maior pressão de demanda e qual a capacidade de oferta interna desses setores. Isso permitiria verificar se há excesso de demanda interna em algum setor que, eventualmente, não tem oferta nacional correspondente.
  4. observar que o momento da negociação também é um ponto muito importante, pois é preciso que o negociador seja devidamente qualificado e informado sobre os melindres do assunto;
  5. transparência à população a respeito das negociações também deve ser considerada, pois não é possível que países negociem os interesses públicos sem que o próprio público saiba quais decisões estão sendo tomadas, dificultando a avaliação dos resultados do acordo, se foi de fato benéfico ou não.

Por fim, vale uma ressalva: a maior parte do comércio internacional dos serviços já se encontra nas mãos daqueles que negociam o TISA e esse montante pode aumentar ainda mais, fator que deve ser notado, pois exige, a cada dia que se passa, mais atenção dos países não participantes, como o Brasil. O debate sobre o tema não pode ser deixado de lado, bem como um estudo mais aprofundado sobre as suas consequências.

Whatsapp e telefonia: serviços substitutos ou complementares?

Nos últimos meses, empresas de telefonia têm constantemente reclamado de suposta “concorrência desleal” de alguns aplicativos como Whatsapp, iMessenger e Facebook Messenger. O argumento das operadoras é que, por prover serviços de mensagem e de chamadas de voz, esses aplicativos estariam usando a infraestrutura das empresas de telefonia para atuar como operadoras. Logo, esses aplicativos seriam ilegais e deveriam ser proibidos ou regulamentados e taxados.

Reclamação similar já foi feita por operadoras de TV por assinatura (que costumam ofertar, também, internet) com relação ao Netflix. Em resposta às reclamações, o Governo já se manifestou favorável a regulamentar esses serviços “over the top“, de modo a diminuir, nas palavras do Ministro das Comunicações, “assimetrias regulatórias e tributárias”.

De fato, empresas de telecomunicações no Brasil são obrigadas a fazerem investimentos em infraestrutura que nem sempre são os mais interessantes economicamente — as operadoras de telefonia têm que instalar e manter os quase obsoletos orelhões, por exemplo. Por outro lado, o WhatsApp e o Netflix não têm acesso garantido a mercados que são quase oligopólios, como as operadoras.

Na microeconomia, há dois conceitos que ajudam nesta discussão: o de bens substitutos e o de bens complementares. Bens substitutos são aqueles que concorrem diretamente, como margarina e manteiga. Se o preço da margarina subir, ceteris paribus, espera-se que a demanda por manteiga cresça. Já bens complementares são aqueles que, quando o preço de um diminui, a demanda pelo outro aumenta. Carro e gasolina são um exemplo disso: se o preço de automóveis cai, a demanda por gasolina deverá aumentar.

Pelo menos no discurso, as operadoras de TV e telefonia tratam aqueles aplicativos como bens substitutos. Ou seja, concorrentes diretos de seus serviços. Em alguns pontos, elas parecem ter razão: já há registro de queda no uso de chamadas convencionais e os serviços de SMS têm se tornado cada vez mais obsoletos (ver Gráficos 1 e 2 abaixo).

Entretanto, esses serviços “over the top” são, também, complementares aos serviços de TV e telefonia. Hipoteticamente, se uma operadora bloqueasse o acesso ao WhatsApp, é provável que boa parte de seus clientes migrassem para operadoras concorrentes. Indicativo disso é que quase todas as operadoras oferecem acesso gratuito a esses serviços (o que, inclusive, parece constituir uma violação à neutralidade de rede, mas esse é um assunto para outro post). Nos dias de hoje, boa parte da experiência do consumidor com telefonia envolve justamente o uso desses aplicativos.

Logo, o que transparece em toda essa discussão é que, assim como no caso do Uber, a regulação vigente e os modelos de negócio se mostram ultrapassados. A maior revolução que os serviços “over the top” parecem estar promovendo é a mudança no modelo de negócios já estabelecidos pelas operadoras. Se antes elas lucravam principalmente com os serviços de voz e de mensagem de texto, atualmente é a internet móvel que parece ser mais relevante (e as operadoras têm quase que um oligopólio nisso!).

Nesse novo modelo, há espaço para ganhos das operadoras sem necessariamente punir o consumidor. Focar mais no provimento de uma rede de internet móvel mais confiável e rápida e oferecer planos mais atraentes pode ser um caminho.

Fazer mais do mesmo ou limitar o acesso a aplicativos não resolverá a questão nem para operadoras e nem para os reguladores. Para não perderem o bonde do Século XXI, ambos terão que  ser mais flexíveis e ágeis para não punirem nem ideias inovadoras nem os consumidores.

Gráfico 1 – Minutos de Uso mensal por Celular

Gráfico 2 – Receita de SMS da Operadora Vivo

 

PS: O assunto deste post me foi sugerido pelo amigo e também economista João Vítor Rego Costa, a quem agradeço.