A história vive do drama. Não é incompreensível que muitos acreditem que a história da humanidade tenha sido escrita com sangue; afinal de contas, os eventos definidores desses milhares de anos sempre tiveram seus capítulos bélicos. Os momentos revolucionários, então, nem se fale. Esse conceito histórico de revolução sempre nos remete ao drama das rupturas entre o antigo e o novo, com a subversão dos valores, das crenças e seus significados.

A palavra revolução é muito forte e carregada de simbolismo, e definições de dicionário nem de perto dão conta da importância do seu correto emprego. Na verdade, os dicionários até estimulam seu uso vazio, associando o termo a revolta, transformação ou indignação. Não existe Indignação Francesa ou Revolução dos Farrapos. Também não existe Transformação Industrial.

Em economia, o termo revolução é pouco usado. Seu uso clássico está na expressão Revolução Industrial. Corretamente empregado, a meu ver, pois radicalizou a forma como o trabalho humano se posiciona no funcionamento da economia e conjugou com a Revolução Francesa uma subversão completa das estruturas sociais, políticas, econômicas e morais de um mundo rural e agrícola para outro industrial e urbano. Tudo mudou depois da Revolução Industrial. O uso do termo em desdobramentos posteriores é incorreto; a segunda e a terceira revoluções industriais foram períodos relevantes, mas inseridos numa onda revolucionária do capitalismo. Ávidos em nos enxergar em um momento crucial e dramático da história humana, muitos acreditam viver uma revolução industrial, com o setor de serviços solapando a importância do setor industrial. Devagar com o andor…

Os fatores que conduziram a humanidade do mundo rural e agrícola para o mundo urbano e industrial foram revolucionários. A indústria não evoluiu da agricultura; um conjunto mínimo de inovações radicais (a máquina a vapor o seu maior emblema) para facilitar a extração de carvão mineral surgiu apesar de qualquer dinâmica produtiva no campo – ainda que o campo tenha se valido desses avanços décadas a frente. Não é esse o caso da “transição” do mundo industrial para o mundo atual (se é que podemos falar nisso); o mundo dos serviços está se tornando cada vez mais proeminente pela inédita sofisticação produtiva (relativamente ao seu próprio tempo, obviamente) do mundo industrial.

Kuznets, economista russo radicado nos EUA e ganhador do Nobel de Economia em 1971, em sua contribuição seminal para o debate do desenvolvimento econômico e mudanças estruturais, mostrou os conflitos sociais distributivos – de renda, de poder, de prestígio – advindos da ascensão e queda de estruturas produtivas. Kuznets afirma que:

“O crescimento econômico, por sua vez, provoca um declínio na posição relativa de um grupo após outro – de agricultores, de pequenos produtores, de proprietários de terras – uma mudança que não é facilmente aceita e, de fato, como a história nos ensina, muitas vezes resistida. A modificação contínua da posição relativa preexistente dos vários grupos econômicos traz em si a semente do conflito – apesar dos aumentos na renda absoluta de todos os grupos. Em alguns casos, esses conflitos descambaram para a guerra civil…” (Kuznets, 1973, p. 252)

A Guerra Civil Americana, a Revolução Francesa, e tantos outros eventos marcantes da era moderna estiveram, de fato, associados a essas rupturas estruturais da economia; ainda é cedo para conclusões, mas essa não parece ser a situação do momento atual. A preocupação com o aparente desprestígio do setor industrial em nada se assemelha aos conflitos apontados por Kuznets. Essa preocupação é mais bem explicada pela incompreensão da natureza evolutiva que o setor de serviços tem a partir do setor industrial do que por um conflito entre classes capitalistas antagônicas. Supostos defensores da indústria e supostos defensores dos serviços estão presos à falácia de que indústria é coisa do passado; na verdade, talvez a indústria nunca tenha sido tão do futuro quanto agora.

Os líderes industriais e os líderes do setor de serviços não são os equivalentes contemporâneos dos landlords e industriais ingleses do século XIX, a burguesia e a nobreza francesa do século XVIII ou os escravocratas e abolicionistas americanos. Estes sim estavam em lados opostos da história, contra ou a favor de estruturas econômicas (e também políticas e sociais) concorrentes e dispostos a arcar com as últimas consequências para triunfarem. O time dos Revolucionários e o time dos Reacionários estavam perfeitamente caracterizados naqueles casos. Pelo menos até hoje, indústria e serviços jogam no mesmo time, e o que estamos vivendo, apesar de fantástico, é mais um desdobramento evolutivo da Revolução Industrial.