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To be or not to be: as concessões aeroportuárias no Brasil e a situação da Infraero

Com o aumento da renda média dos brasileiros ao longo dos anos, houve expansão na demanda por passagens aéreas e na malha aeroviária brasileira. Contudo, os investimentos públicos em infraestrutura aeroportuária não acompanharam o crescimento do número de passageiros transportados, o que resultou na necessidade de concessões, visando uma melhor experiência para os usuários.

A primeira concessão realizada foi a de São Gonçalo do Amarante (RN), seguida da primeira rodada de concessões (Brasília, Guarulhos e Viracopos) e posteriormente outras duas rodadas foram realizadas concedendo os aeroportos de Confins (MG), Galeão (RJ), Eduardo Magalhães (BA), Pinto Martins (CE), Salgado Filho (RS) e Hercílio Luz (SC). Neste ano previa-se a concessão em blocos de 12 aeroportos nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, uma nova experiência em termos de formato de leilão e tamanho de aeroportos leiloados.

O crescimento do setor como um todo está diretamente ligado à demanda por passagens aéreas. O aumento de passageiros na aviação brasileira pode ser explicado pelo aumento de renda do brasileiro (gráfico 1) e a queda no preço das passagens aéreas (gráfico 2), entre outros. Porém, atualmente, as empresas conseguem influenciar a demanda por causa de promoções, diferenciação de tarifas e programas de fidelidade.

Gráfico 1 – Relação PIB per capita Brasil (USD) versus milhões passageiros transportados em voos domésticos,

Fonte: Anuário da Aviação  Civil (ANAC). Elaboração: Própria

Gráfico 2 – Evolução da Tarifa Aérea Média Doméstica Real (Preço real médio da passagem, R$) no 1º trimestre de cada ano, 2009 a 2018.

Fonte: ANAC. Elaboração: Própria.

Pelo lado da oferta, por sua vez, a aviação possui fatores de competitividade que representam fortes barreiras à entrada para companhias que desejam atuar no mercado. As companhias dominantes no mercado possuem hegemonia nas rotas mais rentáveis, por fatores como o maior número de horários disponíveis nos aeroportos para pousos e decolagens (slots). Além disso, os altos custos operacionais são também uma barreira que exige da companhia um poder de capital elevado para sanar os gastos de combustível e a manutenção das aeronaves – que são atrelados ao dólar – e representam mais da metade do custo total das companhias. O caso da Avianca é emblemático. Foi uma companhia que entrou no mercado depois das duas grandes líderes, não conseguiu as melhores rotas por conta dos slots já alocados e, aparentemente, possui menor escala de operação que as demais, dificultando sua inserção e atuação no mercado aéreo brasileiro, o que pode ter contribuído para a sua situação atual de desequilíbrio financeiro.

Trazendo o foco para a próxima rodada de concessões aeroportuárias, temos que essa se torna importante pela disparidade de tamanho entre os aeroportos já concedidos e os que ainda serão leiloados. Tal fato resulta na necessidade de ajustamento do modelo de leilão proposto pelo Governo Federal à realidade da demanda por esses aeroportos, uma vez que a finalidade das concessões não é apenas gerar receitas patrimoniais e aliviar despesas públicas, mas também permitir que as empresas obtenham receita para a execução dos investimentos dentro dos prazos e providenciem melhorias aos usuários, permitindo também a expansão do transporte aéreo.

Dessa forma, o modelo atualmente em pauta foi o de concessão em blocos, que visa o arremate de um conjunto de aeroportos pela mesma concessionária por um único valor de outorga. A ideia é que os aeroportos maiores, de maior rentabilidade, cubram a menor rentabilidade dos aeroportos menores, uma forma de subsídio cruzado entre os aeroportos. Foram, inicialmente (no governo Temer), criados três blocos que englobam os seguintes aeroportos:

  • Bloco Nordeste: Recife, Maceió, João Pessoa, Aracaju, Juazeiro do Norte e Campina Grande;
  • Bloco Sudeste: Vitória e Macaé;
  • Bloco Centro Oeste: Cuiabá, Sinop, Alta Floresta e Rondonópolis.

Existem inúmeras motivações para um Estado optar pela privatização ou venda de seus ativos. Dentre elas, estão: (1) aumentar a receita do Estado, uma vez que, em concessões, o ente privado paga uma taxa pelo direito à exploração e fornecimento de serviços públicos; (2) promover eficiência econômica, por meio da adoção de práticas e processos que reduzam os custos operacionais; (3) reduzir a interferência do Estado na economia, caso isso seja identificado como uma necessidade; (4) ampliar a base acionária do país, permitindo que um maior número de agentes participem de atividades econômicas outrora restritas aos governos; (5) promover condições para a formação de ambientes competitivos, por meio da abertura de mercados a um maior número de concorrentes; (6) submeter as empresas estatais a um ambiente competitivo; e, por fim, (7) desenvolver o mercado doméstico de capitais, com, por exemplo, a atração de investimentos estrangeiros. Acreditamos que alguns destes pontos já apresentaram avanços importantes no setor, após o início do processo de concessões. Para citar um exemplo de avanço recente, atualmente as companhias nacionais já podem ter até 100% de capital estrangeiro em sua composição.

Como o intuito do novo governo eleito é dar continuidade ao processo de concessões e privatizações no país, é fundamental percebermos as falhas e lacunas ocorridas no passado para que possamos aprimorar o modelo para o futuro. Uma das críticas feitas às primeiras rodadas de concessões de aeroportos foi a participação de 49% da Infraero. O intuito da companhia foi não perder participação nos grandes aeroportos brasileiros (que são os mais rentáveis), contudo, isso trouxe uma série de consequências maléficas para o resultado da empresa. A questão mais abordada é a situação dos funcionários que restaram após as concessões. Após a mudança de controle dos aeroportos, os funcionários tiveram a opção de seguir trabalhando no aeroporto como funcionários da Sociedade de Propósito Específico (SPE), entrar em um programa de demissão voluntária, seguir como funcionário da Infraero ou migrar para outra estrutura do Governo Federal. Como os funcionários da Infraero seguem um plano de carreira e o país vivia e ainda vive certa instabilidade econômica, não era racional deixar a companhia. Estima-se que um funcionário da Infraero recém-contratado receba cerca de R$2.000, o que é comparável ao salário pago no setor privado. Contudo, após 20 anos de permanência na companhia, os salários podem atingir R$ 10.000, o que não é pago na iniciativa privada. Assim, devido à expectativa dos aumentos e considerando a situação do país, muitos empregados decidiram permanecer na Infraero.

Observando a situação de forma geral, existe o seguinte panorama: a Infraero concedeu 51% dos seus maiores aeroportos e a totalidade de outros, o que causou redução na sua receita aeroportuária, porém houve recebimento de outorgas. Funcionários não desejam migrar para a iniciativa privada, acreditam que a instituição não vai falir por ser atrelada ao Governo Federal e permanecem recebendo aumentos por tempo de permanência na companhia.

Portanto, o que será da Infraero? Ela continuará existindo nos moldes atuais? Quais seriam as possíveis saídas? A companhia deve abrir capital? Isso poderia trazer aportes financeiros para a empresa. Mas será que, na atual situação dela, do governo, e do país, alguém estaria disposto a comprar ações da Infraero?

O modelo de concessões deve ser mantido (e ao final do contrato os ativos retornam ao governo para novo leilão) ou poderíamos partir pra um modelo de privatização (em que o ativo é de fato comprado e transferido e pertencerá ao ente privado ganhador do leilão)? Diante desta questão da Infraero, a possível vantagem da privatização seria que o passivo trabalhista fruto do processo poderia ser absorvido pela empresa ganhadora do leilão. Com isso, o governo teria uma preocupação a menos, em termos de custos. Por outro lado, precificar esses ativos de forma adequada poderia demandar tempo e também recursos, além de desgastes políticos.

Com a aproximação de novas rodadas de concessão e a situação da Infraero se deteriorando, é necessário um modelo de concessões que alivie o máximo possível as contas públicas e ao mesmo tempo permita rentabilização das operações em bloco. O Presidente Jair Bolsonaro liberou uma prévia dos blocos a serem supostamente concedidos em 2020, como pode ser observado abaixo:

Imagem 1 – Novas concessões previstas

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Fonte: Valor Econômico.

Os investimentos totalizariam mais de US$ 2,56 bilhões e a concessão contaria com a presença de dois grandes aeroportos brasileiros ainda não concedidos, Congonhas e Santos Dumont. Considerando o grande número de empregados nesses dois aeroportos, seria mais uma situação trabalhista complicada para a Infraero. Estaríamos vivenciando os momentos finais da Infraero? Ser ou deixar de ser, essa é a questão!


Autores:

Bernardo Mafra Mendes, 21 anos, Formado em Economia pela Universidade de Brasília, ex-diretor de projetos da empresa júnior de Economia (Econsult). 

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

Infraestrutura e serviços de infraestrutura: um breve olhar sobre o caso brasileiro

Tendo em vista a atual conjuntura brasileira de retomada ainda tímida de crescimento e grande restrição fiscal por parte do Estado, num contexto de teto de gastos públicos aprovado para as próximas duas décadas, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento. Além disso, há ainda muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.

Mas o que é infraestrutura? Infraestrutura é “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal” (BID, 2000). Partindo desse conceito, podemos perceber complementariedade entre os chamados serviços de infraestrutura – que visam satisfazer às necessidades de um indivíduo ou de uma sociedade e são considerados serviços de interesse público; e a própria infraestrutura – que é a base física sobre a qual se dá a prestação destes serviços (IPEA, 2010).

Dessa forma, a infraestrutura seria representada por rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroviários, torres de telecomunicação, cabos de transmissão de energia elétrica (entre outros exemplos) que dão a possibilidade de oferta/prestação de serviços de infraestrutura. Já os serviços de infraestrutura são o frete rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário (transporte de mercadorias e/ou pessoas de um ponto a outro do território), o transporte urbano de uma cidade (linhas de ônibus, metrô e trens usados pelos cidadãos), os planos oferecidos por uma operadora de celular, etc. Todos esses exemplos de serviços se utilizam do capital físico instalado.

No setor de transportes, por exemplo, quando uma concessionária ganha uma licitação para a exploração da infraestrutura rodoviária e, portanto, passa a ter direitos e deveres contratuais firmados com o poder concedente (o Estado ou um representante do mesmo), todas as obras de manutenção, restauração e ampliação da capacidade da rodovia estarão incrementando os investimentos em infraestrutura, gerando então potencialmente maior estoque de capital fixo e adicionando estrutura física que será utilizada e usufruída pelos prestadores de serviço daquele setor e seus usuários de modo geral.

O setor de transportes, assim como outras áreas da infraestrutura – transportes, energia, saneamento e telecomunicações – possuem grande impacto no crescimento econômico de um país. Há vasta literatura que comprova que maiores investimentos em infraestrutura (fluxo) e maior estoque de capital fixo no setor (mais rodovias, maior capacidade energética instalada, etc.), ou seja, maior estoque de infraestrutura, levam a maior crescimento do produto e também elevam a produtividade, além de reduzirem a desigualdade de renda (Aschauer, 1989; Calderón e Servén, 2004; Ferreira e Maliagros, 1998).

Ainda, no caso específico do setor de transportes, os impactos são bastante relevantes, com efeitos de encadeamento para frente e para trás, relacionando-se ainda de modo importante com outros setores da economia. Para alguns produtos – como a soja e o milho – o valor final no porto é composto em mais da metade pelo chamado custo logístico. Portanto, mais uma vez, voltamos ao fato de que a infraestrutura física e seus serviços acessórios compõem o preço final dos produtos que produzimos e consumimos, seja para o consumo interno, seja para o consumo externo (por meio de exportações).

Dada a má qualidade média das rodovias brasileiras (comprovada pela série histórica das pesquisas anuais da CNT, com exceção das rodovias concedidas à inciativa privada, em especial as do estado de São Paulo) e sua relativa escassez (baixa densidade rodoviária quando comparada a outros países, com exceção também do estado de São Paulo), fatores esses somados ao fato de que cerca de 60% das cargas no Brasil são transportadas via modo rodoviário, percebemos que ainda temos muito a avançar nessa área.

A questão dos fretes, seu valor, sua rapidez, sua segurança, seu adequado manejo das mercadorias, o cumprimento de prazos, entre outros aspectos, ganhou notoriedade recentemente por conta da “greve dos caminhoneiros”, tendo já sido reportados impactos negativos dessa situação sobre o crescimento econômico do país (que foi revisado para baixo esse ano) e sobre a taxa oficial de inflação (que aumentou e elevou o índice esperado para o ano como um todo).

Isto posto, a infraestrutura (base física) precisa ser ampliada. Isso será feito, provavelmente e em grande parte, com a atuação do setor privado. Os programas de concessões foram intensificados nos últimos anos e muitos avanços foram feitos nos desenhos dos editais, contratos e regulamentos, como é o caso dos modos rodoviário e aeroviário. Aprimoramentos interessantes foram incorporados ao longo do tempo, como os gatilhos de demanda, o fator X, o fluxo de caixa marginal, entre outros. Ademais, maior participação do capital privado estrangeiro também tem sido verificada nos últimos 2 anos, tanto no setor de transportes quanto no setor elétrico. Nesse ponto, o papel maior do Estado daqui em diante seria de proporcionar condições macroeconômicas, institucionais e regulatórias apropriadas, robustas e condizentes com o objetivo de gerar incentivos e apoiar o investidor privado – seja ele de dentro ou de fora do país.

Em relação aos serviços de transporte de carga, em especial no caso dos fretes rodoviários, deveria tratar-se de mercado de livre concorrência, cujos preços deveriam seguir as forças de mercado (oferta e demanda). Por isso o “tabelamento de preços”, sancionado pelo Presidente da República em 09 de agosto de 2018, deve ser analisado de modo bastante crítico. O mais importante nesse caso é tentar ampliar e incentivar ganhos de produtividade no setor. Isso pode ser alcançado por meio de algumas inciativas distintas. A primeira seria aumentando o investimento na base física (melhorando a qualidade das rodovias, equipamentos, etc). A segunda forma seria ampliar a capacitação dos trabalhadores do setor (trabalhadores mais qualificados tendem a errar menos e terem melhores relações com seus clientes e fornecedores). A terceira seria promovendo melhorias institucionais, com ênfase na independência e profissionalização das agências reguladoras, tanto em âmbito federal, quanto estadual. Por fim, o incentivo à inovação permitiria o aumento na capacidade da prestação de serviços e até mesmo a abertura de novos mercados. Em resumo: avancemos na agenda de buscar maior produtividade!

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

 

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Referências

Aschauer, D. (1989) “Is Public Expenditure Productive?” Journal of Monetary Economics, 23, pp. 177-200.

Calderón, C.; Servén, Luis. (2004). The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution. Policy Research Working Paper; No.3400. World Bank, Washington.

Ferreira, P.C. and T. Maliagros (1998) “Impactos Produtivos da InfraEstrutura no Brasil — 1950/95”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28, n.2, pp.315-338.

IPEA (2010). Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Livro 6, Volume 1. Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.

Quais serviços de infraestrutura e para que fim? Parte II

Em post anterior, discutimos a necessidade de se ser mais seletivo na priorização de carteiras de infraestruturas em países com grande hiato e carência de investimentos no setor. Neste post, seguimos discutindo o tema.

É consenso na literatura que infraestruturas aumentam a produtividade e o investimento. De fato, ao aumentarem o acesso e reduzirem os custos de transporte, de comunicação e de energia, investimentos em infraestruturas reduzem custos de produção e elevam o valor adicionado, o que impacta as métricas de produtividade e aumenta as margens, incentivando novos investimentos.

Mas há que se diferenciar os impactos das infraestruturas na competitividade absoluta e na relativa, bem como nos benefícios privado e social.

Infraestruturas que impactam majoritariamente custos, como uma ferrovia que transporta cargas da mina ao porto, colocam os produtores no jogo da competição ao elevar o benefício privado e a competitividade absoluta. Isto ocorre notadamente em setores comoditizados, cujo valor de mercado do bem está dado.

Já infraestruturas que incentivam a agregação de valor e a diferenciação de produtos e têm muitas externalidades, como um rodoanel ou redes de banda larga, impactam também os benefícios sociais e podem ajudar a elevar a competitividade relativa. Ou seja, além de ajudar a colocar os produtores no jogo, essa classe de infraestruturas pode ajuda-los a ganhar o jogo da competição.

Em países com forte escassez de recursos e grande demanda reprimida por infraestruturas, o custo marginal de uma determinada infraestrutura será tanto menor quanto maior for o impacto no benefício social. Pense, por exemplo, no impacto que a oferta abundante de energia elétrica pode vir a ter ao viabilizar, digamos, a agregação de valor da produção agrícola de uma região. Nesse caso, ao contribuir para a elevação do valor da produção, a oferta de energia poderá viabilizar economicamente, por exemplo, a construção de uma ferrovia ligando aquela região ao porto, já que o valor da carga transportada aumentou.

Países que buscam a convergência de renda per capita com países desenvolvidos e a participação na economia mundial em etapas mais avançadas das cadeias globais de valor deveriam, portanto, focar na relação entre infraestruturas e competitividade relativa.

Infelizmente, a equação da priorização de carteiras de investimentos em infraestruturas é ainda mais complexa do que parece. Straub (2008)[1], por exemplo, mostra que cerca de 50% dos projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento têm pouco ou nenhum impacto no PIB, o que indica graves deficiências na escolha daquelas daquelas carteiras e na implementação dos projetos.

O que fazer? Por óbvio, o problema varia de país para país, mas a atenção aos seguintes pontos pode ser útil.

Fragmentação, complementaridade e sinergias. Dentre as explicações para o modesto impacto dos investimentos em infraestrutura na economia estão a fragmentação dos projetos e a pouca ou nenhuma sinergia e complementariedade entre eles. A fragmentação ocorre, sobretudo, por falta de planejamento em níveis federal e subnacional e falta de coordenação entre unidades do próprio governo e entre os governos e o setor privado. A falta de planejamento leva não apenas à fragmentação, mas, também, ao não sequenciamento adequado dos projetos de infraestrutura para potencializar os seus impactos.

Serviços e não somente infraestrutura física. Projetos de infraestrutura têm que focar na potencialização da utilidade que geram para os agentes econômicos, sejam eles consumidores ou firmas. Isso leva a que os projetos de infraestrutura tenham que ser analisados também pelo seu componente intangível. Os benefícios de uma nova rodovia, por exemplo, serão maiores quando, para além de viabilizar a conectividade física, também viabilizarem serviços complementares, como banda larga ao longo do curso da via, serviços de energia, de segurança, de apoio logístico, dentre outros que agregam valor e façam daquela rodovia mais do que um meio para levar uma carga do ponto A para o ponto B. De fato, já há farta evidência empírica mostrando que projetos de infraestrutura intensivos em capital intangível têm maiores impactos na produtividade e na competitividade relativa.

Tecnologia e não apenas menor custo. É preciso que carteiras de infraestruturas priorizem o uso de novas tecnologias, sejam elas construtivas, de serviços de gestão, manutenção e de provisão de bens públicos e privados. Afinal, aqueles projetos são oportunidades únicas para se incentivar o emprego de novas tecnologias e podem funcionar como polo radiador de incentivos a investimentos sofisticados, geração de riquezas e capacitação.

Monitoramento e avaliação de projetos. É preciso avaliar com maior atenção o que deu certo e o que deu errado em projetos de infraestrutura, tanto no próprio país como no exterior, de forma a se evitar repetir erros e deixar de otimizar as chances de acertos.

Futuro e não apenas o passado. Mais que mirar no atendimento dos velhos gargalos de logística, é preciso que o planejamento combine esforços na provisão de serviços de conectividade física e também não física e mirem em atividades que apontem para o futuro, como serviços sofisticados e economia digital.

Implementação e pós-implementação. Para além de melhorar a implementação de projetos, é preciso maior foco na recuperação das infraestruturas já existentes e na sua manutenção, de forma a que se reduzam os custos dos projetos e se amplifiquem os seus benefícios sociais.

Por fim, é preciso se repensar as métricas convencionais de identificação dos benefícios das infraestruturas. Afinal, muitos benefícios sociais importantes nem sempre são de fácil identificação e mensuração. De outra forma, há espaço para o desenvolvimento de metodologias mais sofisticadas e flexíveis de mensuração das contribuições das infraestruturas para a economia e para a sociedade.

[1] S. Straub, Infrastructure and growth in developing countries: recent advances and research challenges, World Bank Policy Paper No. 4460, 2008.

Quais serviços de infraestrutura, para quem e para que fim?

O Brasil investe menos de 2% do PIB por ano em serviços de infraestrutura, quando teria que investir ao menos 5% para atender às suas necessidades correntes básicas. O acúmulo de serviços de infraestrutura não satisfeitos é elevado e têm trazido dificuldades tanto para as capitais como para o interior do país, e tanto para atender às pessoas como às empresas. Indicadores de infraestrutura do Fórum Econômico Mundial e do Banco Mundial posicionam o país entre aqueles com as maiores deficiências.

De fato, o custo de serviços logísticos tem peso anormalmente elevado nas atividades econômicas e o tempo médio de deslocamento de trabalhadores das grandes cidades de casa para o trabalho também é muito elevado. Cerca de 40% da população ainda não têm acesso à água tratada e parcela ainda maior não tem acesso a esgoto encanado.

Os serviços de infraestrutura são, portanto, um problema econômico e social a ser resolvido. Mas a infraestrutura também é uma espécie de “low hanging fruit” com substanciais benefícios potenciais de curto prazo para a produtividade e para o bem estar das pessoas. Por isto, ela pode e deve ser parte do “core” das políticas públicas.

Em razão do longo atraso no atendimento das demandas por serviços de infraestrutura, o Brasil se depara, hoje, com a premência de enfrentar tanto as necessidades do “passado” como as necessidades do “futuro”, quais sejam, as infraestruturas logísticas e de saneamento e energia, bem como as  infraestruturas de banda larga, serviços de telecomunicações avançados e cidades inteligentes.

Para muito além de ter que investir mais, planejar melhor, melhorar a eficiência e a eficácia na gestão de projetos, atrair o setor privado e desenvolver e encorajar novos modelos e fontes de financiamento, o país também terá que ser mais seletivo, já que já não há mais tempo nem recursos para avançar em todas as frentes simultaneamente. Logo, será necessário estabelecer prioridades de investimentos em serviços de infraestrutura.

Mas como priorizar?  Quais serviços, para quem e para que fim?

Sabemos que o tema da definição de prioridades dos investimentos em infraestrutura é espinhoso e perturba os governantes em razão da sua forte exposição às questões de economia política. Por isto, o emprego de um conjunto mínimo de princípios e critérios seria um bom ponto de partida para ajudar a orientar a definição das prioridades.

Obviamente, não há um conjunto de princípios e critérios inquestionáveis e imunes à criticas. Além disso, as realidades e necessidades variam não apenas entre países e entre unidades da federação mas, também, ao longo do tempo.

Parece-nos razoável partir da premissa de que, num país emergente, o principal critério de prioridade de serviços de infraestrutura deveria ser o atendimento das necessidades humanas básicas. Logo, investimentos em água, saneamento, gestão dos recursos hídricos e habitação deveriam merecer destaque.

Serviços de infraestrutura que tenham os maiores impactos em termos de externalidades positivas para mais pessoas e mais empresas e  serviços que mais encorajem a diversificação dos investimentos e a agregação de valor também deveriam ser critérios orientadores da decisão. Obras como metrôs e rodoaneis em grandes metrópoles seriam exemplos dessa classe de infraestruturas.

A garantia de fornecimento de serviços fundamentais, como energia elétrica e telecomunicações, também deveria constar do rol de critérios.

Critérios que promovam o ataque simultâneo aos hiatos de infraestrutura do passado e do futuro também deveriam ser considerados. Exemplos não faltam e, dentre eles, estão a inclusão de requisitos nos editais para que os concessionários de infraestruturas de logística enderecem a conectividade de banda larga ao longo das vias e requisitos para que as concessionárias de distribuição de energia promovam os postes inteligentes, de forma a ampliar o acesso à internet e outros serviços.

Obviamente, novas soluções podem requerer ajustes regulatórios.

Exercícios de priorização de serviços de infraestruturas devem levar em conta a coordenação e o sequenciamento de projetos com vistas a ampliar as sinergias e as complementariedades, otimizar o uso dos tempos e dos recursos e, enfim, alcançar o máximo de benefícios para o conjunto da sociedade.

Por fim, o emprego de princípios e critérios identificáveis e mensuráveis de priorização de projetos de infraestrutura permitirá o desenvolvimento de modelos e de instrumentos metodologicamente robustos úteis ao desenho das políticas públicas.

Serviços de logística e competitividade

Um dos argumentos mais populares para se explicar a baixa competitividade da economia brasileira é a infraestrutura defasada. De fato, a infraestrutura brasileira tem sido apontada como um dos principais obstáculos para a baixa competitividade das empresas. O indicador de competitividade do Fórum Econômico Mundial aponta o Brasil na 77ª posição dentre 140 países. No caso específico de indicadores de serviços de logística, o relatório mostra o Brasil na 111ª posição em infraestrutura de rodovias; 114ª posição em portos; e 93ª posição em transporte ferroviário. O relatório Doing Business do Banco Mundial mostra que a infraestrutura deficiente é um dos maiores empecilhos para se fazer negócios no Brasil.

As evidências empíricas sugerem que um dos principais problemas é o baixo investimento no setor. McKinsey (2013) mostra que enquanto o Brasil investe 2,2% do PIB em infraestrutura, os países em desenvolvimento investem, em média, 5,1% e a China 8,5%.  Mussolini e Teles (2010) mostram evidências de que uma das causas da baixa produtividade total dos fatores no Brasil desde a década de 1970 é o baixo investimento público em infraestrutura.

Todos os setores padecem da infraestrutura deficiente. Porém, os impactos diferem. De um lado, serviços de logística têm grandes impactos nas atividades com cadeias de produção mais longas e que requerem muita articulação e movimentação de cargas – este é o caso de muitos segmentos industriais. De outro lado, serviços de logística são importantes para atividades commoditizadas, como soja e ferro gusa, cuja competitividade é muito dependente de custos baixos.

Arbache (2014) mostra que as despesas com transportes e fretes respondem por 16% do total de serviços intermediários consumidos pela indústria manufatureira, o terceiro maior item, ficando atrás somente de serviços financeiros e serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros. Despesas com transportes e fretes no Brasil perfazem quase o dobro do que se observa internacionalmente a partir de matrizes de insumo-produto comparáveis.

São múltiplas as explicações dos elevados gastos com serviços de logística. Uma são as condições deficientes das infraestruturas, que elevam os custos operacionais das transportadoras e armadores. Mas há outras razões que também contribuem, incluindo a elevada carga tributária de 24% incidente sobre os serviços de transporte e a estrutura de mercado que, de um lado, é oligopolizada, quando se tratam de serviços mais sofisticados e, de outro, pulverizada, quando se tratam de serviços de cargas gerais.

De fato, Arbache (2015) mostra que as firmas de transporte rodoviário de cargas têm, em média, apenas 5,3 funcionários, sendo que 51,6% das firmas têm entre 0 e 2 funcionários, e que o setor é dominado por microempresas ou negócios individuais com pouco ou nenhum acesso a crédito e tecnologia. O setor de logística também padece de regulamentações que dificultam a competição em diversos segmentos do setor, o que reduz o espaço para inovações e aumento da eficiência.

Como resultado da limitação de oferta de infraestrutura e das características do setor de serviços de logística, os preços dos serviços são elevados, inflando a sua participação no consumo intermediário dos demais setores – no período 2007-2013, o custo do transporte de carga subiu pelo menos 50% mais que a inflação oficial.

Banco Mundial (2017) destaca que as deficiências de infraestrutura também se explicam pela baixa capacidade institucional e de planejamento, dificuldades de alocação de recursos orçamentários e problemas de execução e implementação de projetos.

A esta altura, como não é possível dar conta do enorme estoque de investimentos em infraestrutura não realizados no passado, será preciso priorizar. E a priorização deverá se basear tanto no modelo de intervenção pública no setor como nos objetivos econômicos e sociais que se quer atingir. A intervenção também deverá levar em conta a identificação dos maiores beneficiários diretos da infraestrutura e a capacidade deles pagarem pelos serviços (problema de ganhos públicos vs privados), de tal forma que haja uso mais eficiente dos recursos públicos e da participação privada na oferta e na operação.

A despeito da elevada importância, os serviços de logística servem primordialmente para reduzir custos e não para agregar valor e diferenciar produtos. Por isto, a melhoria desses serviços não deve ser vista como panaceia, mas sim como um dos requisitos para qualificar o país para entrar na competição global, e não para ganhar a competição.