Economia de Serviços

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Por que as novas gerações não vão adquirir produtos?

Somos parte da geração que pertence à modernidade, tecnologia e facilidades! O que dizer de tempos passados quando o celular só servia para fazer ligações e mais nada? Hoje temos um computador na palma da mão e uma vida alterada pelo acesso.

Os serviços de assinatura, por exemplo, tornaram-se imprescindíveis para o cotidiano dos conectados. Se música é a paixão, o Spotify é o primeiro nome que jovens citam. Se livros: Amazon. E filmes, então, já não vêm mais em mídias, e sim por streaming.

Não dá para ficar sem as atualizações do LinkedIn que indicam quais são os melhores profissionais para a empresa, sem a timeline do Facebook, que mais parece um planeta do que uma rede social, sem as notificações do Twitter quando alguém que você segue favorita algo, sem as atualizações do app de música, sem todas as opções de assistir séries pelo Netflix, Youtube e aquela foto do almoço em família, que você precisa postar no Instagram. É o mundo em torno de um smartphone. E esse mundo é bem diferente de tempos atrás.

É uma vida mobile.

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(Foto: reprodução ilustração do livro Life as a Service)

Antigamente, somente pessoas mais velhas tinham condições e poder para comprar e tomar as decisões. Hoje, o alcance da maturidade possibilita que jovens de todas as idades comprem casas, carros e tudo mais. Mas será que eles estão preocupados com isso? Na constante transformação pela qual adquirir algo é menos importante que experimentar, os jovens serão os grandes donos das novas economias. O sonho de um jovem, na sua maioria, não é mais ter bens, acumular patrimônios, ter a segurança de se aposentar em uma grande empresa e ter a tranquilidade que nossos pais sempre buscaram.

Agora, o sonho é a experiência e a liberdade de escolher o próprio futuro, sem precisar seguir os padrões com os quais estávamos acostumados.

Economia do acesso 

Setenta e dois porcento da geração Millennials não sobrevivem sem seus dispositivos. Pesquisa da Nielsen identificou que, para os jovens de até 29 anos, o maior sonho é o acesso. Eles não sabem o que é viver sem internet, smartphones, aplicativos e toda tecnologia de conexão com a qual vivemos hoje. Muitos colocam celulares, por exemplo, como itens indispensáveis. Já automóveis, sonho máximo da “geração coca-cola”, não é mais o desejo deles.

As gerações anteriores, de certa forma, prepararam esse novo consumidor para dar valor às novas tendências de produtos e serviços. Com o advento da tecnologia no final dos anos 90, nossos pais começaram com a mudança de “Propriedade para Acesso”. E isso vem transformando empresas, vidas, negócios e produtos. Tudo passa a ser serviço.

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(Foto: reprodução ilustração do livro Life as a Service)

Na ilustração acima, a casa é o único item no qual necessitamos ainda ter a propriedade. Até o telefone, que há 20 anos era item que se adquiria com linha e título, já virou um serviço mais do que comum.

Da propriedade para o acesso

Dois grandes exemplos de que o acesso a serviços já domina parte do nosso consumo são os filmes e a fotografia. Difícil não ter na nossa cabeça como principal exemplo a morte da Blockbuster e a crescente adesão a serviços de streaming de filmes. Pra quê, em pleno 2015, precisamos comprar um DVD? Nesse mesmo espírito, deixamos de revelar fotos há anos.

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(Foto: reprodução ilustração do livro Life as a Service)

Esse novo consumo nos trouxe um agente importante para o segmento de serviços. Tudo é serviço, praticamente. Música, filmes, educação, entretenimento, segurança e, agora, transporte. Sem levar em questão a miopia de empresas como Kodak, Blockbuster, entre outras que vão morrer brevemente, podemos afirmar que quem dita a regra são os consumidores empurrados pela tecnologia. O Uber é um bom exemplo. Deixando de lado a polêmica, ele potencializa ainda mais a teoria do acesso. Em algumas cidades dos Estados Unidos, caso de São Francisco, o Uber, Lyft e Sidecar geram mais receita do que a maioria dos transportes públicos.

O Airbnb, o serviço de hospedagens 3.0, permite que, cada vez mais, preços e experiência estejam na vida dos viajantes. Redes de hotéis, operadoras de turismo e até sites de reservas já se desesperam por conta da popularização de serviços como esse, no qual o usuário quer a experiência além do serviço. Poderíamos enumerar centenas de novas empresas como essas que já iniciam a revolução do consumo de propriedade para acesso.

Preço e valor percebido

O valor percebido pelos consumidores atuais mudou bastante, o que faz com que algumas culturas simplesmente desapareçam. Adquirir algo e usar por poucas vezes é extremamente desnecessário nesses tempos. No livro Life as a Service, em parceria com o Murilo Gun, um dos pontos centrais é o exercício comum das pessoas em ter algo extremamente obsoleto como um bem. Caso da furadeira, citada pelo livro, ferramenta comum de se ter em casa, mas de pouco uso. Pra que a furadeira, se o que precisamos é um furo? Esse tipo de produto será automaticamente colocado na proposta de acesso. Alugar uma furadeira por, por exemplo, R$15/dia vale muito mais à pena que comprar uma por R$250 numa loja de departamentos.

Imobilizar um patrimônio será um grande sacrilégio para novas gerações.

A experiência acima de tudo e a reputação como pagamento

A geração Y (dos chamados Millennials) e as novas que virão vão pressionar ainda mais a mudança como empresas ganham dinheiro. Negócios que visam ao lucro somente já são percebidos por eles como “sem valor algum”. É evidente que algumas empresas ainda não notaram, outras tentam se adaptar e poucas assumem as rédeas da transformação.

Novas economias como a Criativa, a da Recorrência e a do Compartilhamento (todas elas inseridas no segmento de serviços) serão, de fato, os pilares para que empresas como o Uber, por exemplo, valha mais do que uma mineradora, que aplicativos como WhatsApp sejam o meio de comunicação universal, entre outros bons exemplos nos quais a experiência do consumidor está acima de qualquer coisa. Já existem, inclusive, formas de pagamento para receber um serviço que vão além da questão financeira. Caso do CouchSurfing, onde pessoas recebem, em suas casas, viajantes de quaisquer lugares do mundo, sem cobrar um centavo em troca. É a reputação em forma de pagamento. Dois imóveis no mesmo local, com o mesmo preço de aluguel, mas com reputações diferentes no Airbnb são diferenciados rapidamente um do outro, por conta de um simples “review” positivo. E o que esses novos consumidores buscam? Experiência e acesso.

Acima de tudo, as novas gerações serão os motores para que empresas tradicionais desapareçam e novas formas de se ganhar dinheiro e emprego se renovem.

 

rodrigo dantasRodrigo Dantas é fundador e CEO da Vindi (www.vindi.com.br) – plataforma de pagamentos online), criador do maior evento de empresas SaaS e Assinaturas do país, o “Assinaturas Day” (assinaturasday.com) e co-autor do livro Economia do Acesso e os modelos de negócios baseados em compartilhamento, recorrência e assinaturas.

Qual é a Grande Novidade Trazida pelo UBER?

A polêmica, aqui e além-mar, associada ao UBER é própria de mudanças de paradigmas tecnológicos de gestão e de produção – lembre-se dos Luddites durante a revolução industrial inglesa, que destruíram teares por medo de perderem seus empregos.

UBER, Amazon, Hotel.com, Decolar.com, Netflix e muitos outros serviços disponíveis na internet seriam parte daquilo que vem sendo chamado por autores como Paul Mason de “infocapitalismo”, qual seja, negócios que se beneficiam das novas tecnologias de comunicação e da superconectividade para explorar falhas de mercado (pense nos serviços de taxi de qualidade duvidosa), mercados latentes associados à ociosidade de recursos produtivos e de ativos (pense no Airbnb) e mudanças nas necessidades e nas preferências das pessoas e empresas (pense no e-commerce).

Qual seria, então, a grande novidade trazida pelo UBER? O UBER não é propriamente uma novidade do ponto de vista tecnológico, já que há outras plataformas similares no mesmo setor e em outras áreas de negócios. O UBER também não é uma novidade do ponto de vista de proposta de compartilhamento e de modelo de negócios, já que o que ele busca é desafiar um modelo de monopólio no transporte público individual que beneficia somente os donos de licenças de taxis para, se deixar, instalar o seu próprio monopólio.

A novidade associada ao UBER é, isto sim, a profunda mudança na natureza da prestação de serviços. Serviços que até então eram tidos como convencionais e fornecidos localmente “face-to-face” pelo Seu João do ponto de táxi da esquina estão se transformando em commodities fornecidas internacionalmente. Afinal, o cliente interage e paga a um prestador de serviços que está na Califórnia.

De outra forma, até mesmo serviços que eram classificados pelos economistas de “não comercializáveis” (protegidos da concorrência internacional) estão passando à categoria de “comercializáveis” (expostos à concorrência internacional). Isto era algo impensável até muito recentemente e é revolucionário do ponto de vista conceitual e indica que a globalização está definitivamente atingindo a todos os mercados.

Os UBER da vida sinalizam as mudanças profundas que ainda estão por vir. As repercussões no funcionamento dos mercados, na competição, nas finanças públicas (pense na carga tributária), nas contas externas (pense na transferência de milhões de dólares entre países), no mercado de trabalho e nas relações entre consumidores e prestadores de serviços são grandes e requerem reflexão.

Independentemente do que vier a acontecer com o UBER, as mudanças que ele trouxe provavelmente vieram para ficar e teremos que nos preparar para elas. Ao Estado, caberá desenvolver e adaptar a sua capacidade regulatória aos novos desafios, ao tempo em que fomenta a competição e encoraja start-ups e novos modelos de negócios. Ao consumidor, caberá defender a competição e a qualidade dos serviços, sem perder de vista que o que está em jogo não é somente uma corrida de táxi até o shopping do bairro.

Economia colaborativa (?)

Como discutido previamente em post sobre o Uber, a natureza dos serviços está em constante mutação. Se, antes, serviços como transportes individuais eram considerados non-tradables, hoje, uma empresa estrangeira compete diretamente com taxistas brasileiros. Exemplos similares são o Netflix, que concorre com locadoras (embora se possa contestar se estas já não estariam extintas), AirBnB com hotéis, e o Coursera com empresas de capacitação. Os exemplos não se encerram aí e estão nos mais diversos setores, como indicado por Jeremiah Owyang (ver abaixo).

Nesse contexto, o consumidor se beneficia de maior oferta de serviços e de maior competição, o que leva a mais variedade e a menores preços. Do ponto de vista da oferta, essas plataformas também abrem caminhos para que mais empreendedores e freelancers entrem no mercado, provendo “caronas” pagas, leitos e outros serviços.

Entretanto, o crescimento da chamada “economia colaborativa” incita algumas questões. Como apontado por Olivier Blanchard, essas empresas, em geral, atuam em desigualdade de concorrência com as locais. Por mais que seja conveniente alugar uma casa durante as férias, os imóveis listados no AirBnB não precisam passar pelo mesmo tipo de vistorias e nem pagam os mesmos impostos que as pousadas licenciadas.

Fundamentalmente, as pessoas não estão “colaborando” ou “compartilhando” umas com as outras, mas, sim, vendendo e comprando serviços através de aplicativos. Logo, o que se costuma chamar de “economia colaborativa” ou “economia compartilhada” estaria mais próximo de uma economia de serviços baseada em micropagamentos feitos em grandes plataformas que costumam trespassar regulações. Não se trata, portanto, de uma economia genuinamente colaborativa.

Na velocidade em que as mudanças estão ocorrendo na área de serviços, o Estado deveria ser mais ágil para atualizar marcos regulatórios de forma a não prejudicar nem consumidores, nem prestadores de serviços.

Nesse contexto, o caso do Uber é exemplar. Não se pretende, evidentemente, condenar ideias inovadoras ou novas formas de se fazer negócios, essenciais para o crescimento de longo prazo. A questão fundamental é que, se o serviço de taxi não fosse tão cartelizado e repleto de barreiras de entrada, os taxistas possivelmente estariam em melhores condições de competir com inovações como o Uber.

Portanto, é essencial tornar os mercados de serviços mais competitivos, com empresários e empregados mais capacitados e com diminuição de custos de transação e de barreiras de entrada. Somente assim prestadores de serviços tradicionais terão condições de competir com os “Uber da vida” e os consumidores poderão usufruir dos benefícios das novas tecnologias e formas de prestação de serviços.

Exemplos de empresas da “economia colaborativa”, por áreas (clique na imagem para ver em maior resolução).

Uber

O Rio de Janeiro acordou hoje com manifestações dos motoristas de táxi contra o Uber. Essas manifestações não são próprias do Rio e algo similar acontece em outros países. Não é nosso objetivo comentar sobre aspectos de legalidade ou legitimidade da contenda. Nosso objetivo é comentar o que está em jogo.

Ao que tudo indica, a causa dos taxistas é perdida. Isto porque ela é parte de um movimento muito maior que está em curso no mundo, qual seja, a da crescente transformação da natureza dos serviços. Aprendemos na escola de economia que os serviços em geral são “non-tradable”, ou seja, não estão expostos à concorrência internacional. Este é o caso dos serviços de cabeleireiro, de jardineiro e de taxi e da loja da esquina. De outro lado, aprendemos que os bens industriais são “tradable” e, portanto, estão expostos à concorrência de produtos importados da China e de outros países.

Mas essa classificação está se tornando obsoleta. Isto porque os serviços são cada vez mais comercializáveis. Pense na Amazon, no Netflix, nos programas de TV a cabo, no Airbnb e em tantos outros serviços que consumimos no dia a dia. Pense também nos serviços de internet na nuvem, nos serviços de projetos e design adquiridos fora, softwares e tantos outros insumos do setor produtivo. Mas, acima de tudo, pense nos serviços embutidos nos produtos industriais que consumimos no dia a dia – no caso do iPad, nada menos que 93% do valor final remunera serviços, a maior parte deles sediados nos Estados Unidos. Os demais 7% remuneram peças e montagem.

O UBER é parte desta mudança. Mas, neste caso, o mais intrigante para os economistas é que até mesmo um serviço como o de taxi se tornou tradable. Afinal, uma empresa sediada milhares de quilômetros daqui controla um serviço de transporte individual local e fica com a maior parcela do valor adicionado.

Manifestações como as de hoje podem até adiar, mas é improvável que venham a impedir o avanço da nova geração de serviços.

Para consolo, a indústria também passa pela mesma situação – parte significativa de uma sonda da Petrobrás construída num estaleiro nacional remunera projetos, design, softwares, etc, todos eles vindos de fora.

A esta altura, o melhor a fazer é aceitar que já estamos no século XXI e desenvolver políticas e práticas que criem oportunidades para que se possa concorrer em melhores condições. Ao invés de bloquear a quase inevitável mudança, é preciso investir em conhecimento e empreendedorismo, incentivar o investimento e a produtividade e atrair empresas estrangeiras de serviços para o Brasil. Somente assim poderemos ter condições de gerar riquezas e empregos aqui.

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