Economia de Serviços

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GATS e TISA: a necessidade de atualizar os acordos de comércio de serviços

O TISA (Trade in Services Agreement) é um acordo comercial que busca a expansão do comércio mundial de serviços. O acordo visa ampliar o comércio de serviços de telecomunicações, como o fornecimento de internet, energia, de tecnologia, de serviços de entrega, entre outros. Ele foi iniciado pelos Estados Unidos e pela Austrália em 2012. Atualmente o acordo já conta com 23 participantes.

Além de expandir o comércio de serviços, um dos objetivos desse acordo é ampliar os postos de emprego e aumentar o crescimento da economia, via exportação de serviços entre os países-membros, ampliando a oferta de serviços e, espera-se, reduzindo o seu preço. Porém, há pouca informação sobre os termos do acordo, já que suas negociações e seus documentos não estão disponíveis para o público.

Atualmente o maior acordo de comércio de serviços é o GATS (Acordo Geral Sobre Comércio de Serviços, que é um acordo da OMC – Organização Mundial do Comércio). Tal acordo entrou em funcionamento em 1995 e, desde então, não houve novos grandes acordos que se adaptassem ao crescimento da demanda por serviços. Por isso, há a necessidade da criação de novos acordos comerciais. No final de 2001, houve tentativa de um novo acordo de liberalização chamado Rodada Doha, mas ela não foi bem-sucedida.

A integração que a globalização tem gerado e as novas tecnologias exigem que o GATS esteja sempre revisando os seus termos de compromisso e atualizando frequentemente as suas provisões, o que nem sempre ocorre. Se de fato o TISA puder lidar com essas atualizações e levar em conta as condições ainda bastante assimétricas entre países no mercado de serviços, então ele poderá ser uma alternativa atrativa para muitas economias.

O Quadro 1 apresenta alguns trabalhos da literatura que destacam a importância das negociações comerciais dos serviços. Dos trabalhos apresentados, apenas Marchetti e Roy (2013) e Gould (2014) trazem alguma abordagem sobre o TISA, os demais trazem propostas para melhorar o GATS ou as negociações comerciais dos serviços em geral.

Em razão do sigilo dos termos do acordo, da aridez e dos fortes interesses envolvidos na agenda do TISA, há dificuldades para se contabilizar ganhos e perdas que os países membros terão ao aderirem ao acordo.

Quadro 1. Literatura sobre as Negociações Comerciais dos Serviços

Autores Do que se trata? Metodologia Empregada Resultados Obtidos
Cuadrado-Roura, Rubalcaba Bermejo e Bryson, (2002). Discute, no contexto do GATS, a importância da participação de serviços da economia mundial e as perspectivas futuras para a liberalização do comércio de serviços. Descreve os principais setores de serviços que são passíveis de liberalização, destacando a importância deles no comércio mundial de serviços. Conclui que as negociações do GATS, que começaram na OMC no início dos anos 2000, foram as mais importantes até então, desde a Rodada do Uruguai em 1994, que os serviços já seriam o grande motor do crescimento das economias e que a liberalização em curso poderia trazer grandes ganhos de bem-estar para a população.
Abugattas (2006) Alerta para o fato da necessidade de conciliar a legislação local aos compromissos assumidos quando da participação nos GATS. Examina a regulação doméstica e as imposições que serão criadas a partir da entrada dos países nos GATS. Argumenta que a falta de clareza quanto ao alcance dos compromissos futuros nos regulamentos internos indica que deveria haver cautela na adoção de compromissos que possam por em risco a futura regulamentação nacional e a autonomia do Estado. Além disso, as negociações deveriam incorporar um tratamento especial para os países em desenvolvimento, levando em conta as suas capacidades institucionais e regulatórias.
Adlung e Mamdouh (2013) O trabalho fornece uma perspectiva sobre o impacto das negociações de serviços e os resultados dos acordos. O artigo levanta ainda algumas falhas no GATS que impedem membros da OMC a avançar nas negociações e liberalização dos serviços. Realiza uma análise da evolução dos serviços, comparando alguns acordos comerciais similares ao GATS em níveis multilaterais e regionais. Traz a reflexão de que o desafio existente para alcançar os resultados esperados nas negociações de serviços encontra-se na vontade política em articular e implementar os propósitos a serem alcançados.
Marchetti e Roy (2013) Apresenta algumas considerações acerca das negociações do TISA, trazendo uma reflexão sobre a importância do acordo. Analisa os fluxos comerciais e a participação nas negociações entre os membros do TISA O TISA pode ter grandes e imprevisíveis implicações para o comércio de serviços, mas é o único desenvolvimento mais significativo que surgiu aos longo dos últimos anos na área das negociações.
Gould, E. (2014) Realiza uma apresentação acerca das propostas do TISA com a finalidade de ajudar a superar o sigilo e a complexidade existente do acordo. Utiliza discurso dos negociadores, revistas especializadas na área e documentos que vazaram a respeitos das negociações. O TISA é um significante passo em relação a Acordos de Serviços e, por isso, os servidores que operam com comércio internacional pressionam para que os reguladores levantem as preocupações sobre os impactos do TISA nos interesses públicos.
Cernat e Kutlina-Dimitrova (2014) Propõe um novo modo de oferta de serviços (Modo 5) para incluir no GATS, que seriam os serviços incorporados aos produtos e que não são contabilizados, principalmente em serviços intensos em tecnologia. Utilizando dados sobre os serviços nos EUA e União Europeia, o autor mede as exportações de serviços que utilizam o “Modo 5” e verifica a importância da sua criação. Os 4 modos que são utilizados pelo GATS não contabilizam de fato os serviços que são utilizados nas transações comerciais realizadas no mundo. Uma forma de mensurar esses serviços seria criar um modo 5, para facilitar o comércio de serviços e torna-lo mais justo quanto às regras aplicadas.

Fonte: Elaboração própria

 

ericaErica Gonzales é graduada em Economia  pela Universidade Federal de Sergipe, possui mestrado em Economia na Universidade Estadual de Maringá e atualmente é doutoranda em Economia na Universidade de Brasília  (UnB).

O Setor de Serviços é Protegido?

Este blog tem destacado que o setor de serviços do Brasil é pouco produtivo, caro e tecnologicamente defasado. Por detrás desse perfil está, dentre outros, a modesta competição em muitos de seus segmentos, que inibe a modernização, a inovação e o aumento da produtividade.

De fato, como mostram indicadores internacionais, segmentos tão variados como telecomunicações, aviação civil, bancos comerciais, construção civil, serviços legais, dentre outros segmentos e atividades profissionais, são altamente regulados e protegidos. Essa proteção não é neutra e, como consequência, mesmo provedores de serviços pouco eficientes seguem no mercado provocando impactos negativos nos consumidores finais, empresas e na competitividade sistêmica.

Curiosamente, porém, as estatísticas de comércio exterior não corroboram a visão de que o mercado de serviços seja fechado. Afinal, o Brasil é um dos maiores importadores de serviços do mundo quando examinamos indicadores como, por exemplo, importação/PIB. Não por acaso, os serviços são a principal fonte de constrangimento às contas externas – em 2014, o déficit da conta de serviços foi de nada menos que US$ 49 bilhões!

Há que se considerar, porém, que, como indica o gráfico abaixo com o saldo do comércio de serviços, os serviços importados são muito concentrados em aluguel de máquinas e equipamentos e em viagens internacionais, que respondem por 84% daquele déficit.

Como o setor de serviços é, e será ainda mais determinante para a geração de riquezas e de bons empregos, participação em cadeias globais de valor e para a competitividade das nações, ter um setor de serviços doméstico moderno e competitivo está se tornando requisito fundamental para a promoção do crescimento econômico e para redução do hiato de renda que separa países emergentes e avançados.

Desta forma, o desafio das políticas públicas vai muito além de simplesmente abrir o mercado. O grande desafio é, isto sim, encontrar o equilíbrio entre redução da proteção, promoção da competição e atração de investimentos em serviços, em especial naqueles segmentos mais críticos para o crescimento econômico sustentado.

Políticas de estímulo ao aumento da competição nos segmentos mais relevantes para as cadeias de produção de terceiros setores, como são os casos dos serviços de intermediação financeira, tecnologias de informação e comunicação e serviços comerciais, combinada com políticas de atração de empresas estrangeiras de serviços é exemplo de uma dobradinha que pode ajudar a virar o jogo.

 

post 1 de setembro

Serviços e Comércio Exterior: A Relevância da Importação de Serviços para a Indústria e suas Exportações

Na última década, o comércio mundial em serviços dobrou. Além disso, apesar de responder por menos de um quarto do comércio total, os serviços, como insumos, representam 45% do valor agregado dos bens exportados no mundo.

No Brasil essa tendência também é visível. O país triplicou suas exportações do setor na última década e subiu de 37º maior exportador para 31º no ranking mundial. No entanto, as importações brasileiras de serviços tiveram um incremento ainda maior, de 5 vezes, e o país subiu 13 posições como maior importador, de 30º para 17º. Essa assimetria levou o Brasil a um déficit de US$ 46 bilhões em 2014.

Ranking Brasil como exportador no mundo
  2005 2014
Bens manufaturados 27º 31º
Serviços 37º 31º
 Fonte: OMC

O que fazer com o déficit grande na balança comercial de serviços?

Para responder essa pergunta é preciso levar em conta que os serviços representam cerca de 56% do custo para agregação de valor da produção industrial. Em adição, os serviços sobre o valor agregado dos bens exportados alcança, segundo dados do TiVA da OCDE, o valor de 40%, muito maior do que as exportações contabilizadas como de serviços.

O que se pode afirmar a partir disso é que restringir a importação de serviços não é o caminho mais interessante.

Várias empresas de ponta no Brasil precisam de serviços importados para viabilizar suas exportações, como aluguel de equipamentos para o setor extrativo ou garantia de peças para empresas de caminhões, ônibus e aeronaves. Mais importante, é que muitas vezes esses serviços não competem com serviços ofertados dentro do país, pois são necessariamente consumidos no local de destino das exportações de bens.

Mesmo assim, devido à distorções do sistema tributário brasileiro, qualquer operação de importação de serviços no Brasil encara uma carga tributária que varia entre 41% e 51%.

Competir melhor com suas exportações de bens e inserir se mais e melhor nas cadeias globais de valor demandam do Brasil uma política comercial ativa em serviços e a revisão da tributação nas importações neste setor.

O caminho é promover mais as exportações de serviços do Brasil no exterior e ter uma política industrial ativa para melhorar a oferta interna. Onerar as importações de serviços, muitas vezes, significa onerar as exportações de bens.

Foto FabrizioFabrizio Panzini é Mestre em Economia Política pela PUC-SP e Especialista em Políticas e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Economia colaborativa (?)

Como discutido previamente em post sobre o Uber, a natureza dos serviços está em constante mutação. Se, antes, serviços como transportes individuais eram considerados non-tradables, hoje, uma empresa estrangeira compete diretamente com taxistas brasileiros. Exemplos similares são o Netflix, que concorre com locadoras (embora se possa contestar se estas já não estariam extintas), AirBnB com hotéis, e o Coursera com empresas de capacitação. Os exemplos não se encerram aí e estão nos mais diversos setores, como indicado por Jeremiah Owyang (ver abaixo).

Nesse contexto, o consumidor se beneficia de maior oferta de serviços e de maior competição, o que leva a mais variedade e a menores preços. Do ponto de vista da oferta, essas plataformas também abrem caminhos para que mais empreendedores e freelancers entrem no mercado, provendo “caronas” pagas, leitos e outros serviços.

Entretanto, o crescimento da chamada “economia colaborativa” incita algumas questões. Como apontado por Olivier Blanchard, essas empresas, em geral, atuam em desigualdade de concorrência com as locais. Por mais que seja conveniente alugar uma casa durante as férias, os imóveis listados no AirBnB não precisam passar pelo mesmo tipo de vistorias e nem pagam os mesmos impostos que as pousadas licenciadas.

Fundamentalmente, as pessoas não estão “colaborando” ou “compartilhando” umas com as outras, mas, sim, vendendo e comprando serviços através de aplicativos. Logo, o que se costuma chamar de “economia colaborativa” ou “economia compartilhada” estaria mais próximo de uma economia de serviços baseada em micropagamentos feitos em grandes plataformas que costumam trespassar regulações. Não se trata, portanto, de uma economia genuinamente colaborativa.

Na velocidade em que as mudanças estão ocorrendo na área de serviços, o Estado deveria ser mais ágil para atualizar marcos regulatórios de forma a não prejudicar nem consumidores, nem prestadores de serviços.

Nesse contexto, o caso do Uber é exemplar. Não se pretende, evidentemente, condenar ideias inovadoras ou novas formas de se fazer negócios, essenciais para o crescimento de longo prazo. A questão fundamental é que, se o serviço de taxi não fosse tão cartelizado e repleto de barreiras de entrada, os taxistas possivelmente estariam em melhores condições de competir com inovações como o Uber.

Portanto, é essencial tornar os mercados de serviços mais competitivos, com empresários e empregados mais capacitados e com diminuição de custos de transação e de barreiras de entrada. Somente assim prestadores de serviços tradicionais terão condições de competir com os “Uber da vida” e os consumidores poderão usufruir dos benefícios das novas tecnologias e formas de prestação de serviços.

Exemplos de empresas da “economia colaborativa”, por áreas (clique na imagem para ver em maior resolução).

Inovação e Serviços Intensivos em Conhecimento

O debate sobre crescimento e competitividade tem dado importância cada vez maior para a inovação com o intuito de explicar o desenvolvimento de atividades de alto valor adicionado, o que tem levado à discussão de formas de se impulsionar o processo inovativo.

Nesse contexto, surge uma nova concepção acerca do papel dos serviços no processo de inovação tecnológica. Mais especificamente, ganham relevância na discussão os Serviços Intensivos em Conhecimento (SIC). Conforme definição da OECD (2006), os SIC são fontes ou portadores de conhecimento que influenciam a performance individual de organizações e de cadeias de valor. Dentro dessa classificação, destacam-se serviços relacionados com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Por aqui, há evidências da baixa competitividade na oferta desses serviços. O gráfico abaixo mostra déficit elevado e crescente da balança comercial do item de Serviços de Comunicação e Informação, o que indica aumento da dependência brasileira de importações para suprir a demanda dos serviços que compõem o conjunto dos SIC.

Em um cenário de baixo crescimento e câmbio desfavorável, o custo relativo dos SIC aumenta significativamente, impondo barreiras para a inovação no setor produtivo. Dentre os desafios que temos nesta área estão os de incorporar mais e melhores SIC no processo produtivo e o de ampliar e tornar mais competitiva a oferta nacional desses serviços.

TPP, Serviços e Desenvolvimento Econômico

O colapso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o ritmo lento das discussões em torno de disciplinas como serviços e propriedade intelectual contribuíram para estimular uma profusão de acordos plurilaterais. O principal acordo ora em discussão é o Trans-Pacific Partnership (TPP), que merece atenção especial em razão do porte das economias envolvidas e da sua declarada pretensão de ocupar espaço não preenchido pela OMC de estabelecer bases e padrões conceituais de governança e de abrangência da agenda do comércio. O TPP envolve Estados Unidos, Japão e mais outros tantos países do Pacífico. O acordo deverá ser finalizado em breve e submetido para ratificação dos respectivos parlamentos provavelmente em 2016.

O grande diferencial desse acordo não está na remoção de barreiras tarifárias entre os países envolvidos, que já são bastante baixas, mas em temas como compras governamentais, investimentos, mercado de trabalho, meio ambiente, competição e, sobretudo, em serviços e propriedade intelectual.

Para os Estados Unidos, país com ampla vantagem comparativa em serviços, o acordo tem caráter estratégico não apenas pelos seus impactos nas exportações de serviços e na consolidação do comando de cadeias globais de valor, mas, sobretudo, porque garantirá a geração de empregos em larga escala. De fato, como os serviços estão se tornando “tradable” e cada vez mais são providos a partir de um terceiro país, então a liberalização terá profundas repercussões na forma como entendemos comércio internacional, investimentos, fluxos de mão de obra qualificada e de capitais e, sobretudo, crescimento econômico.

Quando calculado em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, mas estima-se que serão 75% até 2025. O mercado mundial do segmento de serviços comerciais, por exemplo, é de US$ 4 trilhões, mas estima-se que chegará US$ 9 trilhões nos próximos 10 anos.

Economistas como Dani Rodrik, Joseph Stiglitz e Andrés Velasco argumentam que, por serem excessivamente restritivas para atender aos interesses de grandes corporações, as cláusulas de propriedade intelectual propostas no TPP reduzirão, ao invés de aumentar a eficiência e a competição em vários mercados, com impactos negativos no acesso ao conhecimento, tecnologias e inovações por parte dos países em desenvolvimento.

Embora haja apelo na abertura ampla dos mercados de serviços devido aos seus efeitos mais imediatos no bem-estar das pessoas e no acesso a serviços comerciais mais competitivos, há, também, outros aspectos que devem ser considerados. Países que buscam escapar da armadilha do crescimento não deveriam abrir mão de encorajar e estimular atividades econômicas em que ainda seja possível aliar crescimento do emprego com aumento da produtividade. Este é precisamente o caso dos serviços, notadamente por seus efeitos potenciais no desenvolvimento de inovações tecnológicas e de novos modelos de negócios, bem como no aumento da densidade industrial e da diversificação da produção e das exportações.

Proteger a propriedade intelectual e promover a eficiência dos mercados são postulados. Mas também é preciso reconhecer a necessidade de se acelerar a disseminação e a absorção do conhecimento e a crucial relevância dos serviços para o desenvolvimento econômico.

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