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Um Panorama da Educação Superior no Brasil

Conforme apontado em post recente, a modificação no mercado de trabalho advinda do progresso tecnológico e da automação está se expandindo ao setor de serviços, requerendo profissionais ainda mais especializados e eficientes. Nesse cenário, educação é um assunto crítico para que as economias tenham condições de caminhar em direção ao desenvolvimento. Também já apontamos os atrasos da educação básica no Brasil, impondo obstáculos para a inovação. Em linha com essa análise, estudar o desempenho da educação superior brasileira também é um aspecto relevante para entender como esse nível educacional contribui para o aumento da competitividade do país.

Em termos globais, o Brasil apresentou significativo aumento dos gastos públicos com educação desde 2000, compondo atualmente 19% do total dos gastos do governo, acima da média dos países da OCDE cuja fração é de 13%. Há, no entanto, disparidades nesses gastos. No Brasil, o gasto público por aluno do ensino superior é quatro vezes maior do que o gasto por aluno do ensino fundamental, maior disparidade entre os países da OCDE e parceiros.

Chama a atenção também a comparação com estes países quanto ao percentual de pessoas com formação superior entre os 25 e 64 anos (ver gráfico 1), em que o Brasil se posiciona abaixo da média e com baixa presença de mestres e doutores.

Gráfico 1 – Percentagem de pessoas entre 25 e 64 com educação superior, por nível de educação superior (2005)

Fonte: OCDE – EAG 2014

Os dados do Censo da Educação Superior de 2015 foram divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, trazendo informações relevantes sobre a forma como a educação de nível superior se organiza e se desenvolve no país. As instituições de ensino superior (IES) brasileiras englobam universidades, centros universitários, faculdades e ensino técnico (Institutos Federais e Cefets)[1], categorizadas em relação à sua administração (privada ou pública). Nota-se que, no conjunto de IESs, o número de instituições privadas supera largamente as públicas, compondo 87,5% do total. Já quando se trata apenas das universidades, 54,9% são públicas, e elas respondem pela maioria das matrículas de graduação.

Gráfico 2 – Percentual de Instituições de Educação Superior por categoria administrativa

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

O número de matrículas em cursos de graduação vem crescendo em todos os anos desde 2005. Na rede pública, o aumento no número de vagas nos últimos anos se deve, principalmente, ao programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Porém, a rede particular é, atualmente, a que mais recebe alunos de graduação – em 2015, respondeu por 75% das matrículas em cursos de graduação. O crescimento no número de matrículas na rede de ensino superior particular se deu principalmente pelo surgimento e o aumento de programas de financiamento subsidiado e bolsas para alunos de baixa renda, como o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) e o Prouni (Programa Universidade para Todos).

Gráfico 3 – Matrículas em cursos de graduação por categoria administrativa (1980-2015)

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

Referente às grandes áreas de formação, a maior parte das matrículas se concentra em Ciências sociais, negócios e direito, seguida de Educação. Apesar da média nos países da OCDE ser mais distribuída entre as grandes áreas, nota-se que não é tão grande a dissonância no percentual de alunos que optam por Engenharia, produção e construção e Ciências, matemática e computação. Quando se observa o número de concluintes (Tabela 1), no entanto, fica clara a discrepância. Considerando-se aqui um período médio de cinco anos para que um aluno se forme na graduação, o Brasil forma menos da metade dos alunos que optam por estas duas grandes áreas. A Tabela 1 também permite observar o crescimento no número de matrículas em todas as áreas de 2010 a 2015.

Tabela 1 – Número de Ingressos e Concluintes em cursos de graduação por 10.000 habitantes, segundo a área geral do Curso Países da OCDE 2014 em comparação com o Brasil 2010-2015

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015. Grifos nossos.

Estes dados são preocupantes quando consideramos que as áreas de Engenharia, produção e construção e Ciências, matemática e computação são aquelas com formação de capital humano mais capacitado para a inovação, já que atuam mais diretamente com produção tecnológica e desenvolvimento de patentes. A inovação tem o poder de impactar positivamente a capacidade de um país em absorver tecnologias e desenvolver suas próprias, o que impulsiona seu o crescimento e desenvolvimento.

Em nível de pós-graduação, o Brasil titulou 50.206 mestres e 16.729 doutores em 2014, apresentando um crescimento linear do número de titulados de 1996 até hoje. Destes, menos de 20% obtiveram o título por instituições particulares. É interessante frisar que estes acadêmicos permanecem concentrados principalmente nas grandes áreas de ciências humanas e saúde, tendo havido inclusive declínio nas engenharias.

Nas instituições de ensino superior, a parcela de professores com mestrado e doutorado também vem crescendo. Assinala-se que a rede pública é composta principalmente de professores doutores, enquanto a particular tem maioria de mestres, o que indica que a produção acadêmica pode estar concentrada nas instituições públicas.

Gráfico 4 – Proporção de docentes da educação superior pública e privada de graduação por grau de formação (2005-2015)

Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2015

A qualidade da educação superior, seja pública ou privada, é responsável pela produção científica e acadêmica de um país, podendo mudar sua posição em nível global de um simples assimilador de inovações estrangeiras para o pioneirismo. Na economia de serviços do século XXI, uma educação ampla e de qualidade é condição necessária (mas não suficiente) para um país ser competitivo. A análise da educação brasileira, aqui focalizada no nível terciário, evidencia que temos problemas estruturais a serem superados indo muito além da simples falta de recursos. Sem superar esses desafios, nos manteremos pouco competitivos globalmente.

[1] Universidades são instituições pluridisciplinares, com produção intelectual institucionalizada e requisitos mínimos de titulação acadêmica e carga de trabalho do corpo docente. Os centros universitários são semelhantes às universidades, porém não estão definidos na Lei de Diretrizes e Bases e não necessitam de pesquisa institucionalizada, enquanto as faculdades são instituições que não apresentam autonomia para conferir títulos e diplomas. Por fim, o ensino técnico apresenta caráter mais simplificado, com vistas à atuação no mercado de trabalho (Fonte: Divisão de Temas Educacionais – MRE).

nathaliaNatália Sarellas é formada em administração pela Universidade de Brasília. Contribui para o Boletim de Serviços e tem artigos científicos publicados na área de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) e setor bancário e participa de grupo de pesquisa em inovação.

 

Automação e o futuro do emprego

Em agosto deste ano, a UBER deu um novo passo em direção à substituição de pessoas por máquinas, com o lançamento do serviço prestado por carros autônomos em Pittsburgh. A novidade ainda está em fase de teste, mas já dá o sabor de como atividades rotineiras estão começando a ser executadas por máquinas inteligentes.

Essa nova realidade indica que tecnologias de automação extrapolam a substituição de mão de obra no ambiente industrial e já alcançam setores de serviços. O resultado desse processo evidencia uma tendência de extinção de diversas profissões tradicionais em diferentes setores da economia.

Pesquisadores de Oxford analisaram a suscetibilidade de empregos à informatização nos Estados Unidos, com o intuito de verificar o impacto sobre o mercado de trabalho da substituição de pessoas por computadores. Com base no estudo, os autores constatam que 47% do emprego total na economia americana encontra-se em situação de alto risco de automação nas próximas duas décadas – isto é, essas vagas apresentam uma probabilidade de computadorisation superior a 70%. O estudo indica, ainda, que os setores mais suscetíveis à automação são produção, serviços e comércio (ver gráfico abaixo).

Gráfico – distribuição do emprego por setor nos Estados Unidos, conforme probabilidade de automação

automacao

Fonte: Frey e Osborne (2013)

O estudo ainda permite verificar quais as áreas mais passíveis de serem automatizadas. Profissões como comerciantes, atendentes de caixa, contadores, auditores, atendentes de telemarketing, taxistas e motoristas de caminhão apresentam probabilidade em torno de 90% de serem automatizadas. E esses são apenas alguns exemplos de empregos que podem sumir em áreas como logística e transporte, atividades de escritório e serviços.

Conforme publicação recente da The Economist, o que determina a vulnerabilidade à automação é o quanto um trabalho pode ser considerado rotineiro. Atualmente, as máquinas são capazes de executar uma variedade de trabalhos manuais, bastando a programação adequada. E o mais surpreendente é que essas máquinas já são capazes de executar tarefas rotineiras mais complexas que exigem alguma capacidade cognitiva.

Na prática, as máquinas inteligentes já são capazes de executar algumas tarefas com qualidade superior a pessoas. O texto da The Economist cita o exemplo de uma máquina de radiografia capaz de escanear pacientes e identificar risco de tumor com grande precisão. Em comparação com radiologistas especializados, a máquina apresentou capacidade de classificação de tumores malignos 50% superior.

Por um lado, a automação é um salto no desenvolvimento, tornando possível a execução de atividades com maior grau de eficiência e precisão, por meio do emprego de tecnologias cada vez mais sofisticadas. Por outro lado, surge uma questão crucial: a automação resultará em maior desemprego?

Ainda não há uma resposta categórica para essa pergunta. Alguns especialistas argumentam que a automação substitui mais trabalhadores do que a capacidade da economia americana gerar novos empregos. Outros especialistas já são mais otimistas e garantem que a automação também abre novas oportunidades para a geração de empregos em áreas associadas ao desenvolvimento de tecnologias. Em outras palavras, o fator humano ainda é necessário para executar tarefas não automatizáveis.

De todo modo, a automação impõe um desafio maior para o mercado de trabalho: o capital humano deve ser cada vez mais habilidoso para que tenha chances de competir por vagas.

Achar uma solução para a equação automação e desemprego é um desafio para economias modernas. E essa solução demanda uma variedade de esforços para que o capital humano desenvolva as habilidades exigidas para acompanhar a nova dinâmica do mercado de trabalho cada vez mais automatizado.

Educação básica: um século de atraso a superar

Em post anterior, abordamos os limites do sistema educacional para preparar os jovens para lidar com as transformações de um mundo que se torna cada vez mais tecnológico e digitalizado. No Brasil, a estória não é diferente.

Segundo dados da CNI de outubro de 2013, a falta de trabalhadores qualificados é um problema para 65% das empresas das indústrias extrativas e de transformação. Este alto percentual é corroborado pelos dados da MangroupPower sobre o tema: de acordo com a instituição, 61% dos empregadores brasileiros reportam dificuldades em contratar trabalhadores com as habilidades demandadas, enquanto a média mundial é de 32%.

Como já dito em post anterior, embora não sejam suficientes, aptidões em disciplinas básicas ainda são cruciais para o desenvolvimento de habilidades demandadas pelo mundo tecnológico. O problema é que o Brasil ainda tem grandes dificuldades a superar em termos de indicadores básicos de educação.

Conforme apresentado no gráfico 1,  a escolaridade média da população brasileira em 2000 estava pouco acima da média de países como Estados Unidos, Canadá e Austrália em 1900 . Isso significa que chegamos aos anos 2000 com um século de atraso no quesito educação na comparação com países desenvolvidos. Mas talvez ainda mais grave seja o efeito cumulativo daquele atraso em áreas como produtividade, inovação, ciências e tecnologia.

Gráfico 1 – Escolaridade média para países selecionadosEscolaridade média

Fonte: OCDE

Os dados para o início do século XXI indicam que o Brasil segue atrasado em indicadores educacionais. Com base nas estimativas de escolaridade média de Barro-Lee para 2015, o Brasil encontra-se muito longe do nível educacional dos países desenvolvidos, tal como mostra o gráfico 2. Enquanto os brasileiros estudam em média 7,7 anos, a média de países como Estados Unidos e Coreia do Sul é de 13,3 anos. Previsões estatísticas de Barro-Lee também sugerem que o Brasil não ultrapasse 10 anos de estudo antes de 2040, permanecendo atrás dos demais países do BRICS.

Além do atraso em relação aos países mais desenvolvidos em termos quantitativos, ainda há o atraso em termos de qualidade. Considerando os resultados do PISA, o Brasil encontra-se entre os últimos colocados dentre os países avaliados pela pesquisa, destacando o fraco desempenho dos jovens em matemática, ciências e leitura (ver gráfico 3).

Esta breve exposição dos gargalos educacionais brasileiros levanta algumas questões cruciais para que o país possa superar os entraves ao desenvolvimento associados às lacunas de habilidades. Indiscutivelmente, não basta expandir a educação sem pensar em qualidade. E qualidade, neste caso, refere-se não apenas à garantia de que os alunos sairão da escola sabendo matemática e português, mas, principalmente, que saibam aplicar o conhecimento adquirido a situações reais.

O Brasil está chegando atrasado à era digital. E a tendência é de que fiquemos cada vez mais para trás se não formos capazes de desenvolver o capital humano necessário para competir no século XXI.

Gráfico 2

Fonte: Barro-Lee (2016).

Gráfico 3

Fonte: PISA.

Lacunas de habilidades: o trabalhador que o mercado do século XXI precisa

Aqui no blog, têm-se discutido os novos desafios da competitividade, que envolvem a tendência de crescente  digitalizaçãomudanças disruptivas no sistema produtivo. Nesse contexto, um ponto crucial reside na demanda cada vez mais intensa por um capital humano capaz de lidar com a dinâmica de um sistema produtivo cada vez mais baseado na tecnologia.

Como consequência, a contratação de trabalhadores se tornou tarefa mais árdua para os empregadores. De acordo com estudo do MangroupPower, cerca de 32% dos empregadores no mundo têm dificuldades em contratar trabalhadores com o talento desejado para as vagas disponíveis (ver gráfico abaixo). No Brasil, esse percentual é de 61%. E o resultado é que muitas dessas vagas permanecem desocupadas.

Gráfico – Percentual de empregadores que enfrentam dificuldades para contratar empregados qualificadosgrafFonte: MangroupPower

A justificativa para esse fenômeno é bem simples: de acordo com a coluna da Harvard Business Review, as novas tecnologias demandam habilidades específicas que não são ensinadas nas escolas e nem o mercado supre. Em meio a constantes avanços tecnológicos, empregadores simplesmente não encontram profissionais capazes de lidar com essas novas tecnologias. É a chamada lacuna de habilidades (ou skills gap, em inglês).

Conforme estudo do World Economic Forum, as economias caminham para um perfil mais criativo, inovador e colaborativo, o que demanda empregos voltados para a solução de problemas e a análise eficiente de informações e dados.

O fato é que o mundo está avançando tecnologicamente mais rápido do que a capacidade de adaptação dos trabalhadores. E, mais do que isso, o tradicional sistema educacional não parece capaz de suprir tais lacunas de habilidades. Isto não significa que o ensino usual de ciências, matemáticas e línguas deixou de ser importante. Certamente, tais conhecimentos ainda são importantes, porém não são suficientes. Tal como proposto pela WEF, é necessário combinar fundamentos teóricos com competências práticas.

Imagem – Habilidades demandas no século 21skills21stFonte: World Economic Forum

Mais do que um problema, as lacunas de habilidades também trazem oportunidade: os trabalhadores que adquirirem mais rapidamente as habilidades demandadas pela nova dinâmica produtiva conseguirão melhores empregos e maiores salários. Mas é preciso ter em conta que parte daquelas habilidades são desenvolvidas no próprio ambiente de trabalho. Logo, há que se desenvolver uma agenda de interesse mútuo entre trabalhadores  e empregadores — aqui reside uma das chaves para a qualificação do capital humano no século XXI.

No fim das contas, o que importa é que o capital humano seja capaz de lidar com o novo, o inexplorado e o incerto. Preparar trabalhadores para a era tecnológica é um processo que demanda esforços que vão desde o maior interesse dos jovens e a reestruturação do modelo educacional tradicional que incite o pensamento crítico e o raciocínio lógico passando pelo planejamento estratégico das empresas para o desenvolvimento das habilidades requeridas para se competir nesta nova era.