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A consolidação de Amazon, Google e outras grandes plataformas

Como extensivamente noticiado, a Amazon, terceira maior varejista dos Estados Unidos, anunciou a compra da rede Whole Foods, a maior varejista de produtos orgânicos e naturais do país, por US$ 13,7 bilhões. Essa compra é um indicativo de um movimento cada vez mais claro do avanço de grandes empresas de tecnologia em mercados mais tradicionais e da consolidação dessas empresas em grandes plataformas de serviços.

O Google, fundado em 1998, que por muito tempo foi uma mera ferramenta de busca, hoje forma um conglomerado (Alphabet) que oferece de serviço de e-mail a carros autônomos. O Facebook, que em 2004 era uma mera rede social para universitários americanos, hoje já conta com quase 2 bilhões de usuários, é dona do Whatsapp (que tem mais de 1 bilhão de usuários) e do Instagram (mais de 700 milhões de usuários), além de fabricar óculos de realidade virtual e aumentada, por meio de sua subsidiária Oculus.

Vale lembrar, também, que a Amazon, que começou vendendo livros em 1995, hoje é a maior provedora de serviços de hospedagem do mundo, além de ser uma grande plataforma para pequenas empresas venderem seus produtos internacionalmente, por meio do seu marketplace. Fora isso, a empresa fabrica bens físicos que entregam serviços da Amazon e seus parceiros, como leitores de e-books, assistentes virtuais como o Alexa, drones, leitores de e-books, etc.

Movimentos similares são observados em empresas como Microsoft e Apple, em um processo de consolidação das gigantes de tecnologia em grandes plataformas de serviços e até de produtos.

Com a demanda por serviços cada vez mais customizados, os dados e algoritmos que permitem conhecer melhor cada consumidor e se antecipar às suas demandas se tornam um diferencial competitivo quase imensurável. Nesse quesito, essas grandes plataformas, à medida que vão crescendo e expandindo seus serviços, vão progressivamente expandido a sua base de clientes, conhecendo-os mais profundamente e se tornando mais indispensáveis.

Por meio de um processo virtuoso, essa expansão permite que seus algoritmos sejam continuamente aperfeiçoados, o que torna cada vez mais difícil concorrer com essas grandes empresas. Ou seja, o efeito rede alimenta o efeito plataforma e vice-versa. Soma-se a isso a inteligente estratégia de fusão e aquisição dessas gigantes: a título de exemplo, assim que o Whatsapp começou a se tornar uma ameaça aos serviços do Facebook, o Facebook simplesmente comprou o serviço.

Para o consumidor, no curto prazo, os serviços mais customizados – e em sua maioria baratos ou gratuitos – dessas plataformas podem ser bem-vindos. No médio e longo prazo, porém, tamanha concentração pode trazer problemas.

O primeiro deles, já mencionado rapidamente, é o possível aumento das barreiras à entrada por conta da vantagem competitiva dessas grandes plataformas. Com o avanço dos algoritmos dessas gigantes da tecnologia, será que vão seguir surgindo empresas capazes de concorrer nos seus mercados?

O segundo problema se refere a questões regulatórias. Pelo caráter global dessas empresas, regular seus serviços é extremamente complexo. Exemplo disso são os casos de processos antitruste contra a Microsoft e o Google na Europa, ou as polêmicas com o Facebook por suas táticas de evitar o pagamento de impostos ao redor do mundo.

Além disso, mudanças nas políticas de uso de uma plataforma como o Alibaba ou a Amazon podem ter efeitos em mercados do mundo inteiro. Como o custo de estar fora dessas plataformas é muito alto, pequenas empresas em geral simplesmente têm que se submeter às regras estabelecidas por essas grandes empresas, de forma que estas acabam se tornando uma espécie de regulador de facto.

O terceiro, e talvez o maior problema, relacionado aos dois anteriores, refere-se ao efeito dessa grande consolidação nos países em desenvolvimento. Como tem sido extensivamente discutido neste blog, o futuro, em termos de oportunidades de crescimento econômico, será daqueles países que não apenas consomem tecnologias, mas, acima de tudo, que desenvolvem, essas tecnologias e plataformas. A maior parte dessas grandes plataformas são originárias de países industrializados e, por mais que elas criem oportunidades de acesso a conhecimento e negócios nos países em desenvolvimento, o grosso do valor criado fica no primeiro grupo de países, não no segundo. Isso pode levar a um aumento da desigualdade global e a uma maior dificuldade de convergência de renda.

Por este motivo, preparar esta e as próximas gerações para as habilidades do século XXI, como programação, capacidade de trabalhar com machine learning, inteligência artificial, novos modelos de negócios, resolução de problemas complexos, etc, deveria ser prioridade das economias emergentes. Se não fizerem isso, estes países correm o risco de ficarem ainda mais despreparados para a corrida pelo desenvolvimento.

Por que a Apple vale mais que todas as empresas na Bovespa?

O Jornal O Estado de São Paulo de hoje informa que o valor de mercado da Apple fechou, ontem, 24/7/2015, a US$ 714 bilhões, US$ 29 bilhões a mais que todas as empresas de capital aberto na Bovespa.

Como isto é possível? Claro, são muitas as explicações, as quais incluem as condições atuais da economia americana e brasileira, taxa de câmbio, dentre outras. Mas tem um aspecto que merece destaque. Trata-se da natureza das empresas em questão.

A Apple nasceu essencialmente uma empresa de hardware. Por anos, seguiu o caminho de tantas outras empresas americanas em busca dos louros do mercado de computadores. Mas, com o passar do tempo, a Apple aprendeu que, muito mais que produzir equipamentos, o que cria mesmo valor adicionado são os serviços embutidos nesses equipamentos e as funcionalidades dos mesmos. Não por acaso, a empresa é, hoje, acima de tudo, uma vendedora de serviços.

A Google também teve a mesma compreensão, mas seguiu o sentido oposto. Nasceu essencialmente uma empresa de serviços, desenvolvendo e fornecendo os mais diversos tipos de funcionalidades, muitos delas gratuitamente. Mas, com o tempo, entendeu que a verdadeira agregação de valor está em vender esses serviços e funcionalidades embutidos em equipamentos. Claro, ao invés de produzirem funcionalidades para, digamos, a GM oferecê-los em seus carros, porque não ela mesma não faria isto? Bingo! A empresa é, cada vez mais, sócia e desenvolvedora de hardwares, como os carros inteligentes, os quais serão, acima de tudo, passaportes para os serviços e funcionalidades que ela cria.

No século XXI, a criação de valor e de bons empregos já está, mas estará cada vez mais associada ao conhecimento e à capacidade de fomentar a relação sinergética e simbiótica entre bens e serviços para se criar um terceiro bem que nem são serviços nem tampouco bens convencionais, mas um mix entre os dois. Por aqui passa uma das principais razões da Apple valer tanto.

E aqui entre nós? Bem, uma inspeção nas empresas listadas na Bovespa mostraria larga predominância de empresas de commodities ou fortemente dependentes de commodities, como siderúrgicas, empresas de consumo, empresas de serviços de baixo valor adicionado e empresas de ramos industriais de médio ou baixo conteúdo tecnológico. Ou seja, um rol de empresas que é a cara do século XX, se muito.

Claro que produzir commodities não é um problema. O problema é não agregar valor e não desenvolver conhecimentos e tecnologias que façam dessa vantagem comparativa um passaporte para o século XXI e para a geração de valor e de empregos de qualidade.