Economia de Serviços

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Category: Serviços de custos

Infraestrutura e serviços de infraestrutura: um breve olhar sobre o caso brasileiro

Tendo em vista a atual conjuntura brasileira de retomada ainda tímida de crescimento e grande restrição fiscal por parte do Estado, num contexto de teto de gastos públicos aprovado para as próximas duas décadas, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento. Além disso, há ainda muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.

Mas o que é infraestrutura? Infraestrutura é “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal” (BID, 2000). Partindo desse conceito, podemos perceber complementariedade entre os chamados serviços de infraestrutura – que visam satisfazer às necessidades de um indivíduo ou de uma sociedade e são considerados serviços de interesse público; e a própria infraestrutura – que é a base física sobre a qual se dá a prestação destes serviços (IPEA, 2010).

Dessa forma, a infraestrutura seria representada por rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroviários, torres de telecomunicação, cabos de transmissão de energia elétrica (entre outros exemplos) que dão a possibilidade de oferta/prestação de serviços de infraestrutura. Já os serviços de infraestrutura são o frete rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário (transporte de mercadorias e/ou pessoas de um ponto a outro do território), o transporte urbano de uma cidade (linhas de ônibus, metrô e trens usados pelos cidadãos), os planos oferecidos por uma operadora de celular, etc. Todos esses exemplos de serviços se utilizam do capital físico instalado.

No setor de transportes, por exemplo, quando uma concessionária ganha uma licitação para a exploração da infraestrutura rodoviária e, portanto, passa a ter direitos e deveres contratuais firmados com o poder concedente (o Estado ou um representante do mesmo), todas as obras de manutenção, restauração e ampliação da capacidade da rodovia estarão incrementando os investimentos em infraestrutura, gerando então potencialmente maior estoque de capital fixo e adicionando estrutura física que será utilizada e usufruída pelos prestadores de serviço daquele setor e seus usuários de modo geral.

O setor de transportes, assim como outras áreas da infraestrutura – transportes, energia, saneamento e telecomunicações – possuem grande impacto no crescimento econômico de um país. Há vasta literatura que comprova que maiores investimentos em infraestrutura (fluxo) e maior estoque de capital fixo no setor (mais rodovias, maior capacidade energética instalada, etc.), ou seja, maior estoque de infraestrutura, levam a maior crescimento do produto e também elevam a produtividade, além de reduzirem a desigualdade de renda (Aschauer, 1989; Calderón e Servén, 2004; Ferreira e Maliagros, 1998).

Ainda, no caso específico do setor de transportes, os impactos são bastante relevantes, com efeitos de encadeamento para frente e para trás, relacionando-se ainda de modo importante com outros setores da economia. Para alguns produtos – como a soja e o milho – o valor final no porto é composto em mais da metade pelo chamado custo logístico. Portanto, mais uma vez, voltamos ao fato de que a infraestrutura física e seus serviços acessórios compõem o preço final dos produtos que produzimos e consumimos, seja para o consumo interno, seja para o consumo externo (por meio de exportações).

Dada a má qualidade média das rodovias brasileiras (comprovada pela série histórica das pesquisas anuais da CNT, com exceção das rodovias concedidas à inciativa privada, em especial as do estado de São Paulo) e sua relativa escassez (baixa densidade rodoviária quando comparada a outros países, com exceção também do estado de São Paulo), fatores esses somados ao fato de que cerca de 60% das cargas no Brasil são transportadas via modo rodoviário, percebemos que ainda temos muito a avançar nessa área.

A questão dos fretes, seu valor, sua rapidez, sua segurança, seu adequado manejo das mercadorias, o cumprimento de prazos, entre outros aspectos, ganhou notoriedade recentemente por conta da “greve dos caminhoneiros”, tendo já sido reportados impactos negativos dessa situação sobre o crescimento econômico do país (que foi revisado para baixo esse ano) e sobre a taxa oficial de inflação (que aumentou e elevou o índice esperado para o ano como um todo).

Isto posto, a infraestrutura (base física) precisa ser ampliada. Isso será feito, provavelmente e em grande parte, com a atuação do setor privado. Os programas de concessões foram intensificados nos últimos anos e muitos avanços foram feitos nos desenhos dos editais, contratos e regulamentos, como é o caso dos modos rodoviário e aeroviário. Aprimoramentos interessantes foram incorporados ao longo do tempo, como os gatilhos de demanda, o fator X, o fluxo de caixa marginal, entre outros. Ademais, maior participação do capital privado estrangeiro também tem sido verificada nos últimos 2 anos, tanto no setor de transportes quanto no setor elétrico. Nesse ponto, o papel maior do Estado daqui em diante seria de proporcionar condições macroeconômicas, institucionais e regulatórias apropriadas, robustas e condizentes com o objetivo de gerar incentivos e apoiar o investidor privado – seja ele de dentro ou de fora do país.

Em relação aos serviços de transporte de carga, em especial no caso dos fretes rodoviários, deveria tratar-se de mercado de livre concorrência, cujos preços deveriam seguir as forças de mercado (oferta e demanda). Por isso o “tabelamento de preços”, sancionado pelo Presidente da República em 09 de agosto de 2018, deve ser analisado de modo bastante crítico. O mais importante nesse caso é tentar ampliar e incentivar ganhos de produtividade no setor. Isso pode ser alcançado por meio de algumas inciativas distintas. A primeira seria aumentando o investimento na base física (melhorando a qualidade das rodovias, equipamentos, etc). A segunda forma seria ampliar a capacitação dos trabalhadores do setor (trabalhadores mais qualificados tendem a errar menos e terem melhores relações com seus clientes e fornecedores). A terceira seria promovendo melhorias institucionais, com ênfase na independência e profissionalização das agências reguladoras, tanto em âmbito federal, quanto estadual. Por fim, o incentivo à inovação permitiria o aumento na capacidade da prestação de serviços e até mesmo a abertura de novos mercados. Em resumo: avancemos na agenda de buscar maior produtividade!

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

 

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Referências

Aschauer, D. (1989) “Is Public Expenditure Productive?” Journal of Monetary Economics, 23, pp. 177-200.

Calderón, C.; Servén, Luis. (2004). The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution. Policy Research Working Paper; No.3400. World Bank, Washington.

Ferreira, P.C. and T. Maliagros (1998) “Impactos Produtivos da InfraEstrutura no Brasil — 1950/95”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28, n.2, pp.315-338.

IPEA (2010). Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Livro 6, Volume 1. Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.

Revolução digital e serviços de transporte

O setor de serviços passou por transformações importantes nas últimas décadas. Mais especificamente no setor de transportes, as mudanças foram também significativas em termos de crescimento e desenvolvimento. Em virtude da revolução digital e da universalização da Internet e de smartphones, os serviços de transporte estão se transformando estruturalmente, com papel cada vez mais relevante da economia compartilhada e do uso de plataformas digitais para promover o encontro entre a oferta e a demanda nos diversos mercados de transporte de cargas e passageiros.

O Brasil é altamente dependente do transporte rodoviário, que movimenta mais de 60% das cargas no país. Os custos de transporte no país são elevados e afetam de maneira mais intensa indústrias mais dependentes de logística, como a metalúrgica, de alimentos, bebidas e outras intensivas em recursos naturais em geral (Arbache, 2014). Os serviços de transporte de passageiros também são relevantes na cesta de consumo das famílias brasileiras, que gastam em média cerca de 15% de sua renda com transporte urbano (Carvalho e Pereira, 2012). Os dados da PNAD mostram que, em quase todas as regiões metropolitanas (RM) do Brasil, houve aumento no tempo médio de deslocamento casa-trabalho entre 2011 e 2015 e que parcela considerável da população gasta mais de uma hora para ir ao trabalho (Tabela 1). Outros trabalhos revelam que as pessoas de menor renda são as que gastam mais tempo nesse deslocamento diário, independentemente do meio de transporte utilizado.

Tabela 1 – Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho nas RMs brasileiras e parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora no descolamento.

RM Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho (em minutos) Parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora até o trabalho (%)
2011 2012 2013 2014 2015 2011 2012 2013 2014 2015
São Paulo 45 46 46 46 44 23% 24% 25% 26% 24%
Rio de Janeiro 44 47 49 50 48 22% 27% 29% 29% 26%
Belo Horizonte 37 37 37 36 36 16% 16% 16% 15% 15%
Porto Alegre 30 30 31 32 32 8% 8% 8% 10% 11%
Recife 37 38 40 41 39 12% 16% 17% 18% 16%
Fortaleza 32 32 32 33 34 10% 10% 10% 12% 12%
Salvador 38 40 39 39 38 16% 19% 19% 16% 15%
Curitiba 33 32 33 33 33 12% 11% 12% 11% 10%
Distrito Federal 34 35 38 38 40 10% 11% 16% 16% 18%
Belém 32 33 36 37 33 10% 11% 16% 13% 10%
Fonte: Microdados PNAD 2011,2012,2013,2014,2015.
Elaboração própria com metodologia adaptada de Pereira e Schwanen (2013).

 

Os principais desafios enfrentados pelos formuladores da política de transportes estão relacionados a questões demográficas, socioeconômicas, tecnológicas, ambientais e financeiras. O desenvolvimento tecnológico traz consigo um desafio resultante do aumento da complexidade em planejar, gerir e regulamentar os sistemas de transporte. Por isso, as novidades tecnológicas não devem ser ignoradas nas discussões políticas sobre mobilidade urbana e matriz de cargas, pois trazem benefícios não desprezíveis para a população.

Novas empresas estão crescendo significativamente nesses mercados e mudando a maneira tradicional de funcionamento dos mesmos. Por exemplo, nos EUA está ocorrendo substituição de linhas de ônibus pelo serviço do Uber, inclusive com subsídio público, e a empresa quer lançar uma versão aérea de seu serviço de transporte individual, com carros voadores, que estão sendo desenvolvidos em parceria com a Embraer e devem estar operando a partir de 2026.

Os caminhões autônomos e carros autônomos também são uma realidade. Em outubro de 2016 um caminhão autônomo da Uber percorreu mais de 190 quilômetros em uma rodovia dos EUA para fazer entrega de cervejas. Também no final de 2016, a Amazon, depois de quase 3 anos desde o primeiro anúncio, fez sua primeira entrega via drone em Cambridge, no Reino Unido, e, recentemente, entrou com um registro de uma patente diferente: uma torre cilíndrica composta por drones, como se fosse uma colmeia. Com isso, a empresa promete agilizar ainda mais o processo de entregas.

As mudanças que estão em curso no mercado de transportes de cargas e passageiros são consequências da nova globalização e da revolução digital, que compreendem não só o intercâmbio de bens, serviços e capital entre países, mas também o fluxo intenso de dados e serviços digitais. As plataformas digitais também são ricas fontes de informação para a tomada de decisão. Atualmente, algumas plataformas geram dados riquíssimos para subsidiar estudos que busquem identificar padrões de deslocamentos de pessoas e cargas em um determinado espaço geográfico. Por exemplo, a Uber lançou recentemente, por enquanto apenas para algumas cidades, o Uber Movement, sistema que fornece informações históricas detalhadas de milhões de viagens realizadas diariamente pelos usuários que permitem medir o impacto de melhorias nas estradas, grandes eventos e novas linhas de trânsito.

Contudo, a proliferação dos serviços digitais de transporte está provocando reações negativas de governos e grupos de interesses de alguns países, com a proibição do funcionamento de alguns serviços e conflitos trabalhistas. O Uber, por exemplo, enfrentou proibições na Índia, Espanha, Bélgica, Holanda, Tailândia e em outros lugares. Além disso, recentemente, o Tribunal do Reino Unido reconheceu a existência de vínculo trabalhista entre os motoristas e a Uber, implicando em efeitos tributários que encareceram o serviço. No Brasil, algumas decisões estão sendo tomadas por tribunais regionais tanto a favor quanto contra os motoristas, e essa discussão ainda está em aberto. A legislação nacional é pouco clara sobre essa espécie de relação de trabalho, dando margem para interpretação de juízes. Além disso, há projetos de lei em tramitação no Congresso que têm por objetivo proibir o serviço no país, e Estados e Municípios também enfrentam pressões de alguns grupos organizados da sociedade.

A inserção rápida e global de plataformas que fornecem serviços digitais de transporte mostrou que essas novas tecnologias podem gerar benefícios importantes para a sociedade e ao mesmo tempo demandam regulação por parte do poder público. Se a regulamentação do Uber vem enfrentando problemas atualmente, não é difícil imaginar que, quando chegar a vez dos veículos autônomos, carros voadores e das entregas via drones, as dificuldades serão muito maiores. A maneira de funcionar dos serviços de transportes de cargas e passageiros está mudando, e essas mudanças devem ser entendidas e consideradas pelos formuladores de políticas públicas nas discussões nacionais, estaduais e municipais sobre o tema. Visando o desenvolvimento econômico e social do país com papel ativo dos serviços digitais, é importante que o poder público trabalhe para facilitar e não para dificultar a inserção e o desenvolvimento de novas tecnologias e plataformas digitais no setor de transportes.

Caio Assumpção Silva é doutorando em economia pela UnB e analista de transportes da Confederação Nacional do Transporte (CNT).