Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Vanessa Santos (page 3 of 3)

O comportamento do consumidor e o futuro do varejo

Hoje, metade da população adulta mundial possui um smartphone. Esse usuário checa seu celular, em média, 150 vezes ao dia. Ao entrar em uma loja, o contato com um produto já é imediatamente seguido por um click na tela mais próxima para se buscar avaliações e construir uma opinião sobre o item de interesse. Essa ausência de distinção entre os mundos offline e online marca uma transformação importante no padrão de comportamento do consumidor, que finalmente começou a ser compreendida pelas grandes redes varejistas de lojas físicas e online.

Entendendo o consumidor omni-channel

Uma pesquisa realizada pelo Google mostrou que, desde 2011, o uso do recurso de busca “perto de mim” aumentou em 34 vezes – sendo que 80% dessas buscas foram feitas por smartphones. Enquanto 94% dos consumidores pesquisaram sobre lojas próximas à sua localização, 51% de fato visitaram a loja, enquanto 29% realizaram uma compra.

stats                                        Fonte:  Think with Google

Isso demonstra que estar no radar das plataformas de busca tornou-se ainda mais crucial para o crescimento das vendas de qualquer rede de varejo. Assim, ter uma estratégia de sucesso hoje significa ser capaz de alcançar os consumidores onde quer que eles estejam, em qualquer dispositivo que eles estiverem usando.  Essa é a importância de se compreender o padrão de comportamento dos chamados consumidores omni-channel, que utilizam simultaneamente diversos canais de compra e que almejam uma experiência consistente e complementar entre eles, durante toda a sua jornada em busca do produto.

Em função disso, o que se constata é que os meios digitais não só fomentam o comércio eletrônico, mas também levam mais consumidores para as lojas. Pesquisa da MasterCard revelou que oito em cada dez  consumidores utilizam celulares em pesquisas dentro do próprio estabelecimento. Isto é, o celular já é parte da experiência de consumo, como um “assistente pessoal” para preencher lacunas informacionais e para planejar futuras compras. As empresas que desejam conquistar esses consumidores precisarão fornecer, por meio do celular, as informações necessárias para uma experiência de consumo mais integrada entre os canais, que eles ainda não conseguem obter. Um exemplo disso é a informação sobre a disponibilidade de um item – o chamado “inventário online” (local inventory ads ou LIAs), onde o cliente consegue saber, de forma precisa, onde ele poderá encontrar um determinado produto. Dados do Google mostram que a varejista Sears Outlet mais que dobrou o número de visitas às lojas da rede após o uso de LIAs em comparação com o retorno obtido por propagandas tradicionais. No caso da empresa, cada dólar gasto em mídias sociais reverteu-se em oito dólares em vendas nas lojas físicas. Por esse motivo, as empresas precisam avançar em direção ao frictionless shopping, isto é, a eliminação das barreiras entre sistemas físicos e digitais, algo crucial para atender as demandas dos consumidores omni-channel. A adoção dessa estratégia já gera resultados para várias empresas, como é o caso da rede Macy’s: as ações de marketing para atrair clientes em canais in-store e online elevaram consideravelmente as vendas em suas lojas físicas. Além disso, conforme pesquisa do Google, clientes que transitam entre canais são mais “valiosos”: seus gastos são cerca de 250% superiores aos dos que realizam compras por apenas por um canal.

É em função desse novo padrão de comportamento do consumidor que as empresas precisam se preparar para um futuro cada vez mais mobile. Assim, o sucesso na adoção de estratégias para a integração cada vez maior entre lojas físicas, sistemas de entrega dos produtos, smartphones, desktops e tablets  é que definirá os grandes varejistas de amanhã.

Economia do Compartilhamento: crescimento e desafios

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                                 Fonte: PwC, 2015

Economia colaborativa, do compartilhamento, da recorrência, do frila, do acesso, peer-to-peer (P2P), mesh. Inúmeros termos são utilizados para definir um modelo de negócios que permite a geração de receita por indivíduos e grupos a partir de dois eixos importantes: a desintermediação e o emprego de ativos ou capacidades subutilizadas. É o compartilhamento transformando ativos físicos em serviços. Mais do que uma ação altruísta, o modelo é baseado em negócios que geram ganhos para usuários e fornecedores de serviço – e, indubitavelmente, para as plataformas de interação entre esses agentes.

Esse novo modelo de negócios vai muito além dos já tradicionais Uber e Airbnb. Como apontado pela McKinsey&Company, diversos aplicativos obtiveram sucesso ao identificar ineficiências de mercado e permitir a transferência do controle nas transações para os consumidores. As plataformas possibilitam as mais diversas atividades, como a elaboração de refeições por chefs de cozinha, venda ou troca de itens usados, compartilhamento de casas, escritórios, caronas, vagas de garagem, wifi e horas como guia turístico, troca de tempo livre, empréstimo de utilidades domésticas, recursos financeiros e trabalho em afazeres como a montagem de uma estante ou um serviço de jardinagem.

A PwC estima o tamanho atual da economia compartilhada em US$ 15 bilhões, podendo chegar a US$ 335 bilhões até 2025. Como esperado, a grande maioria dos participantes desse mercado tem até 25 anos, mas quase 40% dos que se declaram fornecedores possuem mais de 45 anos.

Apesar do entusiasmo acerca do potencial do consumo colaborativo[1], há, indiscutivelmente, diversos desafios ao crescimento desse mercado. O baixo incentivo financeiro à locação de itens de baixo valor, como uma furadeira, por exemplo, vindos de custos de transação à la Coase, pode estar por trás dos inúmeros insucessos no modelo de micro-sharing, os quais se opõem ao sucesso no compartilhamento de itens únicos e de maior valor – como nos casos do Uber e do Airbnb. Aplicativos para venda de artigos semi-novos, por exemplo, parecem uma excelente ideia – mas quem já passou algum tempo explorando as plataformas já deve ter se confrontado com a infinidade de itens com preços pouco amistosos e qualidade discutível.

Há ainda sérias questões regulatórias a serem enfrentadas pelas startups e plataformas de compartilhamento. Indo além das questões que envolvem a Uber, poucas cidades avançaram na regulação de locações de pequena temporada, como aquelas prestadas pelo Airbnb, em relação a itens como pagamento de tributos. Enquanto Amsterdam incorporou esse tipo de prestação de serviço à legislação do setor, Paris seguiu o caminho oposto, com imposição de multas a ofertantes.  Outras questões envolvem a proteção ao cliente, coerência com regulações sobre mercado de trabalho e defesa da concorrência.

Ao crescimento da economia do compartilhamento adiciona-se o desafio da confiança do consumidor. O desenvolvimento de mecanismos que permitam a entrada de milhares de usuários como ofertantes, mas que ao mesmo possibilitem algum tipo de controle quanto à prestação de serviços com qualidade e segurança, figuram entre as questões a serem enfrentadas por qualquer empresa que vislumbre atuação no setor. Parte disso pode ser resolvida por sistemas de peer-regulation, como o envio de feedbacks e posterior ação das plataformas para lidar com os pontos levantados, como a retirada de prestadores de menor qualidade desse mercado.

A economia compartilhada é sim um passo importante em direção ao uso mais racional dos itens, e seu rápido crescimento cria espaço para novas oportunidades no mundo inteiro.  Mas é preciso lembrar que há uma racionale econômica inegável por trás dos casos de sucesso no mercado, pois há bilhões de dólares sendo gerados por essas plataformas. Modelos que buscam ganhos de eficiência no match entre oferta e demanda existem há décadas.  O potencial disso, todavia, foi desencadeado de forma inimaginável com o crescimento no número de dispositivos ao alcance da mão e capazes de conectar indivíduos de forma rápida e dinâmica. Os impactos sobre a inovação são claros. Resta ainda entender como esse modelo conseguirá se envolver de forma mais estruturada na solução dos evidentes entraves regulatórios a seu crescimento.

[1] BOTSMAN, R. & ROGER, R. What’s Mine Is Yours: The Rise of Collaborative Consumption. Ed. HarperBusiness, 2010.

Mudanças disruptivas nas relações entre indústria e serviços nos aguardam

Imagine que você é um designer sentado à frente de uma tela de computador utilizando um software para desenvolver o projeto de um determinado produto. Imagine, agora, uma outra tela, ao lado da primeira, mostrando os impactos de cada alteração no projeto no tempo para lançar o produto no mercado, nos custos de produção em cada elo da cadeia de fornecedores, no consumo de energia, etc. Isso é o que a manufatura digital será capaz de fazer.

O termo manufatura digital (também conhecido como Indústria 4.0) inclui desde avanços na produção de equipamentos, como impressão 3D e robótica; serviços de alto valor agregado, como softwares, design, computação na nuvem, inteligência artificial, simulação e mockups digitais (DMU); produtos inteligentes (conectados por meio da Internet das Coisas), até ferramentas avançadas de análise dos dados fornecidos por cada elo da cadeia produtiva. Assim, busca-se explorar, numa disruptiva relação entre indústria e serviços, a imensa quantidade de dados que a indústria, mais do que qualquer outro setor, é capaz de gerar.

Muitos setores e empresas já analisam dados para aperfeiçoar operações, melhorar o uso de equipamentos e a qualidade dos produtos e reduzir o consumo de energia. As indústrias de defesa e a aeroespacial utilizam ferramentas digitais para integrar sua densa e complexa rede de fornecedores, na qual pequenas mudanças no design de uma turbina a jato, por exemplo, impactam a produção de centenas de componentes.

A partir de ferramentas como computação na nuvem, já é possível compartilhar modelos tridimensionais com a rede de fornecedores, facilitando a troca de informações sobre qualidade, preço e entrega dos produtos e acelerando a capacidade de resposta dos fornecedores a mudanças de design. A Boeing desenvolveu duas fuselagens utilizando ferramentas de manufatura digital, o que reduziu o tempo de entrada em produção (time-to-market) em mais de 50%.

O que se vê, porém, é ainda certa desconexão entre os elos, os quais estão, muitas vezes, em diferentes partes do planeta. Plataformas para colaboração virtual fazem com que os elos absorvam mais informações sobre os demais parceiros, gerando um ambiente de maior colaboração e coordenação. Com isso, melhora-se a qualidade dos produtos e a produtividade e acelera-se o ritmo com o qual as firmas inovam na produção.

Há, porém, um longo caminho até que a manufatura digital se consolide entre as empresas das economias avançadas. Como mostra o gráfico abaixo, pesquisa feita pela Mckinsey&Company indica que apenas 13% das empresas têm alta “capacidade digital” em suas etapas industriais. Apesar disso, o que não se pode perder de vista é que muitos países já têm iniciativas para consolidar a manufatura digital.

A digitalização na manufatura

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Fonte: Mckinsey&Company, 2014

Na Alemanha, o Industrie 4.0 busca colocar o país como líder em soluções para a manufatura avançada. Nos Estados Unidos, a Digital Manufacturing and Design Innovation Iniciative (DMDII), formada pela parceria entre empresas, governo e universidades, é um hub voltado exclusivamente ao desenvolvimento da manufatura digital. A China, em 2015, anunciou a adoção da estratégia “Made in China 2025”, com o objetivo de aumentar a qualidade, a produtividade e a digitalização da sua indústria.

Os países que não conseguirem traçar a sua estratégia na direção da manufatura digital ficarão mais distantes de conseguir explorar seus benefícios em termos de ganhos de produtividade, de geração de valor e de crescimento econômico.

As identidades digitais e suas implicações para o Brasil

A Economist Inteligent Unity conduziu uma pesquisa com executivos de TI norte-americanos com o objetivo de avaliar o papel da identidade digital nas empresas. Até 2020, mais de sete bilhões de pessoas e 35 bilhões de dispositivos estarão conectados à internet, diz a pesquisa. As diversas – e dispersas – informações fornecidas a todo segundo pelo acesso a sites e aplicativos ou enviadas remotamente por vários dispositivos formam a identidade virtual de cada um desses usuários.

As empresas que não conseguirem tirar proveito desse fluxo de informações perderão a oportunidade de ampliar seu conhecimento sobre o mercado, fornecer produtos e serviços mais customizados e expandir seus negócios para atender à constante mudança nas preferências dos consumidores. Dos executivos entrevistados, 64% apontaram que os canais digitais são de grande importância para o faturamento das empresas.

grafico-EIU-2     Fonte: EIU, 2015

A construção das identidades digitais exigirá, todavia, a superação de uma série de obstáculos, como a segurança das informações compartilhadas virtualmente. Para 72% dos executivos entrevistados, esse é o principal desafio no uso das identidades digitais, sendo que apenas 19% deles disseram estar bem preparados para atender requerimentos de segurança.

Ainda, embora os consumidores estejam dispostos a responder questões básicas sobre seu perfil, há maior resistência em informar preferências, localização, relações interpessoais e dados financeiros, o que reduz as possibilidades de uso comercial dessas informações. Mostrar como estes dados estão sendo protegidos e de que forma eles poderão ser utilizados estão entre as estratégias mais empregadas pelas empresas pesquisadas. Outra forma é condicionar determinado serviço ao provimento de algumas informações – vários jornais, por exemplo, permitem a leitura gratuita de certa quantidade de artigos, mas sujeita ao registro prévio no site.

A pesquisa da EIU apontou, portanto, que há maior chance de se conseguir informações mais restritas quando há vantagens claras para o usuário. Observa-se, com isso, que o consumidor está cada vez mais consciente sobre o valor de sua identidade virtual e sobre a real possibilidade de que seus dados estejam sendo “monetizados” e de fato utilizados para explorar novos serviços.

As implicações dessa discussão para o Brasil são claras: como as empresas brasileiras estão se preparando para disputarem mercado em um ambiente digital que demanda a capacidade de absorver dados de milhares de usuários e unificá-los numa identidade virtual que possibilite extrair informações valiosas sobre seus perfis?

Também é preciso entender até que ponto haverá infraestrutura de rede e de comunicação necessária ao crescimento do volume de informações compartilhadas pelos diversos dispositivos que vão além dos tradicionais computadores e smartphones, e que alimentarão a identidade virtual de cada um desses usuários com informações sobre saúde, hábitos de lazer, trabalho e comportamento.

Como colocado pela pesquisa, a identidade digital é o passaporte para o mundo online de bens e serviços. Resta saber se as empresas brasileiras conseguirão navegar de forma satisfatória nesse universo ainda pouco desenvolvido no País, mas que mostra sinais claros de expansão global, com papel primordial para o desempenho e a liderança no mercado.

Vanessa SantosVanessa Santos é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e Analista de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
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