Em alguns momentos da história, o poder de decisão muda de lugar. Nestes momentos uma alteração nas crenças e paradigmas se fazem presentes. As revoluções se apresentam ao longo da história como um canal de passagem que rompe a inercia e provoca a sociedade para um novo equilíbrio com (supostamente) mais bem-estar social. Esta sociedade, mesmo com toda a cultura e conservadorismo, vai pouco a pouco aceitando as novas ideias. Moedas virtuais fazem parte de uma nova revolução digital e financeira. Uma revolução que passa por uma perda de poder das autoridades monetárias como guardiões do poder de compra da moeda e da solidez dos sistemas financeiros nacionais.
A tensão cresce à medida que o mercado de criptomoedas prospera. A quantia movimentada em BitCoin passa de 400 milhões de dólares por dia. Os bancos centrais estão sofrendo para impor suas vontades ao mercado. Os que tentaram proibir a circulação de Bitcoin, inclusive com a criminalização, não obtiveram êxito. A dicotomia entre intervencionistas e liberais sobe no palco mais uma vez. Desta vez, porém, não estão definidos os mecanismos de política monetária aplicada neste cenário.
Como fica o poder da autoridade monetária quando ela deixa de participar da emissão da moeda? Bitcoin, assim como outras moedas virtuais, possui um processo de emissão que passa pela mineração e segue pelo registro em um blockchain. É um modelo descentralizado. Não existe autoridade monetária. Um software controla o fluxo de emissão. O dinheiro virtual pode ser guardado em carteiras e, há alguns anos, já pode ser trocado por dólares ou outras moedas. Associado a isso, as criptomoedas já passam a ser aceitas como meio de troca para compra de mercadorias.
Em junho de 2019, o site coinmap.org apontava que mais de 15 mil estabelecimentos ao redor do mundo já aceitavam Bitcoin como pagamento pelos seus serviços ou produtos. Bitcoin, portanto, já pode ser usado como unidade de conta visto que é possível obter os valores das mercadorias usando-o como referência. Por fim, o Bitcoin tem sido bastante usado como reserva de valor. Embora tenha passado por uma queda significativa no ano de 2018, observando o gráfico abaixo, vemos que ele continua atraindo investidores.
O gráfico acima, do dia 27/06/19, apresenta outras informações relevantes. Primeiramente, a variação das últimas 52 semanas. Neste período a cotação do Bitcoin oscilou entre 13.764 e 3.216 dólares. O valor de mercado chegou a 19 mil dólares no início de 2018, em seguida caiu, atingindo a mínima em $ 3.216. Voltou a subir com força nas últimas semanas quando se aproximou dos 14 mil dólares. No dia 27/06, a cotação estava em 11.915 dólares, com uma queda de 5,25%. Isso mostra uma grande instabilidade e provoca insegurança em várias pessoas que poderiam ter essa moeda como reserva de valor.
Mas, se seu interesse for investir na moeda, como você deve proceder? Aqui começam a aparecer instituições que fazem dinheiro no mercado de criptomoedas. No mundo físico, você guarda sua carteira no bolso da calça ou na bolsa. A carteira é um bem que você deve deixar protegido para evitar que seja furtada. O universo das moedas virtuais segue o mesmo princípio. O Bitcon pode ficar armazenado em carteiras on-line ou offline. O site bitcoin.org apresenta vária dicas para proteger sua carteira.
De posse da carteira você pode comprar ou fazer operações de câmbio. Uma empresa que trabalhe com troca ou exchange de moedas deve entrar em campo. Hoje, a maior empresa que atua no mercado brasileiro é a Mercado Bitcoin, para você não afirmar que estamos fazendo propaganda para alguém podemos citar também Foxbit. Por fim, é possível comprar nas várias empresas brasileiras que oferecem esse serviço no site da Biscoint.
A possibilidade de troca entre moedas faz surgir uma outra oportunidade de negócio neste contexto: a arbitragem. A arbitragem é uma estratégia muito comum nos mercados financeiros e que pressupõe a existência de preços diferentes para um mesmo ativo que seja comercializado em diferentes praças. Algumas empresas que trabalham no setor usam robôs para automatizar a execução das ordens de compra e venda e maximizar seus lucros.
Já temos alguns exemplos de empresas que atuam neste meio; exchanges, companhias que trabalham com carteiras digitais, arbitragem, e mineração. Temos ainda instituições que vendem relatórios ou estudos sobre o desempenho das moedas no mercado. Esse cenário ainda é incrementado por lançamento de novas moedas virtuais. Esse tipo de ação funciona de forma semelhante a uma oferta pública de ações, contudo nem sempre as moedas têm lastro como as empresas. Uma lista da últimas ICO (Initial Coin Offering) pode ser encontrada no site https://coinlauncher.io/.
As autoridades monetárias
Até aqui trouxemos uma rápida visão do ecossistema ao redor de uma criptomoeda. Agora como os bancos centrais entram em cena? Será que eles podem atuar de forma efetiva ao menos na regulação das criptomoedas?
No Brasil, o Banco Central, aparentemente, apenas estuda o assunto, mas não atua de forma proativa. No site da instituição observamos um FAQ e nele é deixado claro que “as chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas” são representações digitais de valor que não são emitidas por Banco Central ou outra autoridade monetária. O seu valor decorre da confiança depositada nas suas regras de funcionamento e na cadeia de participantes”. Perceba que você não pode reclamar ao Bacen se sua carteira de moedas virar pó de uma hora para outras.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por sua vez, entende que as criptomoedas, como o bitcoin, não se submetem ao órgão regulador, uma vez que o ativo “não é considerado atualmente um valor mobiliário”. Interessante é que o STJ decidiu em 2019 que a competência para julgar crimes relacionados a moedas virtuais é da justiça estadual. Aparentemente ainda temos muito o que entender antes de regularmos nacionalmente as moedas virtuais.
Outros países estão preocupados com a expansão das moedas virtuais. O Financial Stability Board (FSB) e a autoridade monetária do Reino Unido demonstram receio com o anúncio do Facebook da sua própria moeda virtual. Segundo o Financial Times, “o Facebook espera mudar os rumos do mercado global de pagamentos com sua nova moeda, chamada Libra, a empresa promete transferências instantâneas e quase gratuitas. A empresa está trabalhando com outros grupos de internet e pagamentos, incluindo Uber, Lyft, Visa e Mastercard, cada um dos quais se comprometeu a investir US$ 10 milhões no projeto.”
O Banco de Cingapura está conversando com o Facebook para entender suas intenções. O potencial de uma empresa que tem bilhões de usuários causar um impacto no mercado financeiro global é significativo. As preocupações vão desde a segurança e privacidade dos valores, até lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas. No momento, existem vários grupos de estudos dedicados a entender os impactos e tentando desenvolver uma regulamentação para alinhar os requisitos legais seguidos pelos bancos comerciais aos seguidos pelas moedas. Contudo, nada de muito concreto foi apresentado.
Hoje, o que sabemos é que as moedas virtuais funcionam de forma descentralizada, com baixos custos de transações aparentemente livres de regulação das autoridades monetárias. Esse fato limita o governo no sentido de impedir o uso da moeda pelos cidadãos. Algumas tentativas de criminalizar o Bitcoin foram feitas em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Vietnã. Todas sem sucesso. A tendência por uma regulamentação supranacional está cada vez mais visível, o problema é como alinhar a cabeça de vários líderes em um único texto. Vamos aguardar os próximos passos dessa metamorfose ambulante chamada criptomoedas.
Autor:
Thiago Rodrigues Cavalcanti é analista do Banco Central do Brasil na Área de Tecnologia da Informação (TI). Formado em Ciência da Computação na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Mestrado em Engenharia de Software pela UPFE. Professor de Análise da Informações e Banco de dados para concursos e cursos de TI. Trabalhou com modelagem e administração de dados, construção de Data Warehouses e ferramentas de análise de dados voltadas para consolidação de informações sobre o sistema financeiro nacional. Atualmente é aluno de doutorado em economia na UnB.
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