O acesso à educação superior é o sonho de muitas famílias brasileiras. Se, no passado, ter um diploma era um objetivo distante, restrito a poucos abastados, observa-se que esta não é mais a regra (apesar do grande número de jovens ainda fora do sistema educacional). A maior demanda por esse serviço, combinado às políticas públicas de acesso ao ensino superior, acabou resultando em um cenário perfeito para um lucrativo mercado. Tão rentável que, mesmo após a decisão do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em impedir a compra da Estácio pela Kroton, esta anunciou lucro recorde em 2017.

As preocupações concorrenciais nesse setor ficaram claras nos pareceres do Cade e nos votos dos Conselheiros durante o julgamento do caso. Ambas instituições possuem a maior quantidade de alunos matriculados no ensino superior privado no país. Paralelamente, considerou-se a área de influência de cada instituição de ensino, já que o deslocamento, principalmente no ensino presencial, é item importante na escolha do estudante. Durante a proposta da compra da Estácio pela Kroton, foram analisados os municípios onde cada uma atuava e observou-se que a fusão criaria uma empresa presente em 109 municípios, sendo que em 15 haveria sobreposição física. Em adicional, haveria sobreposição em 125 cursos, como direito, administração, ciências contábeis, entre outros.

O parecer da Superintendência Geral do Cade [1] ressaltou que, além das sobreposições destacadas, haveria uma excessiva concentração nos cursos de graduação à distância, cujo número de alunos tem aumentado gradativamente. Em alguns municípios, a nova empresa seria a única provedora desse serviço e colocaria a Kroton em posição de líder incontestável, com quase 50% do mercado nacional, bem distante dos demais concorrentes.

O tamanho de uma empresa é sempre motivo de discussão entre especialistas. Se, por um lado, ele pode ser resultante natural de inovações e de eficiências, não se descarta a hipótese de que a mesma, com grande poder de mercado, use isso como vantagem para abusar de sua posição dominante. Desse modo, são considerados fatores como probabilidade de entrada de outros concorrentes e quais seriam as barreiras que estes enfrentariam, em um exercício conjectural.

No mercado de ensino superior, o parecer do Departamento de Estudos Econômicos do Cade apontou a relevância da marca na comercialização dos cursos, principalmente na modalidade à distância. Isso colocaria a nova empresa, com duas marcas nacionais fortes, em vantagem em relação às demais concorrentes. Novas entrantes nesse mercado deveriam, desde o início, considerar custos com publicidade e propaganda para tornar sua marca tão conhecida como Kroton e Estácio, o que já seria uma barreira importante para novos centros de ensino.

A dificuldade de entrada aliada aos desafios que outras instituições teriam para competir criariam uma situação em que seria alta a possibilidade de práticas abusivas, como aumento nos preços das mensalidades, exclusão de marcas, combinação de preços ou de aquisição de serviços com outros competidores menores. Um ponto que diferencia esse caso de outros, todavia, foi a preocupação com a manutenção da qualidade do ensino a ser prestado. Destacou-se que haveria um risco de homogeneização da educação superior em patamares de qualidade que, apesar da conformidade com a regulação atual, poderia provocar prejuízos à educação superior como um todo e à própria economia do país, dada a importância desse setor para a formação de mão-de-obra. Como levantado pela Associação Brasileira de Ensino à Distância, citando obra da Hoper Educação:

Um dos efeitos sociais negativos dessa concentração de mercado é a concentração de conteúdos educacionais, já que os mesmos materiais didáticos acabam sendo utilizados por uma quantidade cada vez maior de alunos. A dominação do conteúdo por grandes grupos consolidadores nos ameaça com o risco de um cenário de McDonalds ou Blockbusters de conteúdo educacional, que tendem a provocar uma homogeneização cultural, apagando valores e formas de comunicação locais.” (PRESSE, 2016, p. 43). [2]

Assim, considerando os efeitos perversos de uma possível concentração nesse mercado, é importante que as autoridades reguladoras mantenham-se atentas à qualidade do serviço de ensino superior a ser prestado por grandes empresas, para que o sonho de muitos brasileiros não acabe se tornando um pesadelo.

Simone Cuiabano é Pós-doutora em Economia na Toulouse School of Economics (TSE). Foi Economista-chefe adjunta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre 2014 e 2016. É Auditora de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional desde 2007.

 

Referências:

[1]Ato de Concentração Ordinário, 8700.006185/2016-56 (Cade 31 de 08 de 2016). Fonte: Cade.

[2]Presse, P. (2016). Análise Setorial da Educação Superior Privada — Brasil. Foz do Iguaçu: Hoper Educação.