Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Jorge Arbache (page 7 of 7)

TPP, Serviços e Desenvolvimento Econômico

O colapso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o ritmo lento das discussões em torno de disciplinas como serviços e propriedade intelectual contribuíram para estimular uma profusão de acordos plurilaterais. O principal acordo ora em discussão é o Trans-Pacific Partnership (TPP), que merece atenção especial em razão do porte das economias envolvidas e da sua declarada pretensão de ocupar espaço não preenchido pela OMC de estabelecer bases e padrões conceituais de governança e de abrangência da agenda do comércio. O TPP envolve Estados Unidos, Japão e mais outros tantos países do Pacífico. O acordo deverá ser finalizado em breve e submetido para ratificação dos respectivos parlamentos provavelmente em 2016.

O grande diferencial desse acordo não está na remoção de barreiras tarifárias entre os países envolvidos, que já são bastante baixas, mas em temas como compras governamentais, investimentos, mercado de trabalho, meio ambiente, competição e, sobretudo, em serviços e propriedade intelectual.

Para os Estados Unidos, país com ampla vantagem comparativa em serviços, o acordo tem caráter estratégico não apenas pelos seus impactos nas exportações de serviços e na consolidação do comando de cadeias globais de valor, mas, sobretudo, porque garantirá a geração de empregos em larga escala. De fato, como os serviços estão se tornando “tradable” e cada vez mais são providos a partir de um terceiro país, então a liberalização terá profundas repercussões na forma como entendemos comércio internacional, investimentos, fluxos de mão de obra qualificada e de capitais e, sobretudo, crescimento econômico.

Quando calculado em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, mas estima-se que serão 75% até 2025. O mercado mundial do segmento de serviços comerciais, por exemplo, é de US$ 4 trilhões, mas estima-se que chegará US$ 9 trilhões nos próximos 10 anos.

Economistas como Dani Rodrik, Joseph Stiglitz e Andrés Velasco argumentam que, por serem excessivamente restritivas para atender aos interesses de grandes corporações, as cláusulas de propriedade intelectual propostas no TPP reduzirão, ao invés de aumentar a eficiência e a competição em vários mercados, com impactos negativos no acesso ao conhecimento, tecnologias e inovações por parte dos países em desenvolvimento.

Embora haja apelo na abertura ampla dos mercados de serviços devido aos seus efeitos mais imediatos no bem-estar das pessoas e no acesso a serviços comerciais mais competitivos, há, também, outros aspectos que devem ser considerados. Países que buscam escapar da armadilha do crescimento não deveriam abrir mão de encorajar e estimular atividades econômicas em que ainda seja possível aliar crescimento do emprego com aumento da produtividade. Este é precisamente o caso dos serviços, notadamente por seus efeitos potenciais no desenvolvimento de inovações tecnológicas e de novos modelos de negócios, bem como no aumento da densidade industrial e da diversificação da produção e das exportações.

Proteger a propriedade intelectual e promover a eficiência dos mercados são postulados. Mas também é preciso reconhecer a necessidade de se acelerar a disseminação e a absorção do conhecimento e a crucial relevância dos serviços para o desenvolvimento econômico.

Como se dá a moderna relação entre bens e serviços?

O aumento da participação do setor de serviços na economia é um fato estilizado. Mas o aumento desta participação e a forma como ela evolui dependem do estágio de desenvolvimento do país.

Análise da trajetória do desenvolvimento industrial ajuda no exame do crescimento e da dinâmica dos serviços.[1] Os países iniciam as suas respectivas jornadas de desenvolvimento industrial, cada um ao seu tempo e ao seu modo, na região R1 do gráfico 1 abaixo. Nessa região, a participação da agricultura no PIB ainda é elevada. Mas à medida que as economias se urbanizam, cresce a demanda por produtos industriais básicos como ferro, aço, cimento e produtos químicos. A região R2 caracteriza a fase do desenvolvimento em que expandem a indústria de base, manufaturas de baixo valor adicionado e serviços gerais.

Tudo o mais constante, quanto mais as indústrias básicas e leves expandem, menor será a sua contribuição marginal para o crescimento do PIB, o que decorre do aumento da diversificação da demanda em favor de bens e serviços mais sofisticados.

espaco industria

As economias eventualmente atingem um ponto de inflexão e entram num outro estágio da dinâmica do desenvolvimento industrial, este, muito mais sofisticado que R2. A região R3 é caracterizada pela fase em que crescem os investimentos em atividades industriais que requerem mais serviços de logística, serviços financeiros, projetos de engenharia, marketing, dentre tantos outros de apoio ao desenvolvimento industrial, ao comércio e à terceirização da produção. Nesta fase, a densidade industrial passa a crescer rapidamente e vir acompanhada do aumento da participação dos serviços comerciais na economia, ao tempo em que declina a participação relativa da indústria no PIB.

A passagem de R2 para R3 normalmente caracteriza o rompimento da armadilha da renda média. Neste estágio, a demanda das famílias por serviços mais sofisticados de saúde, educação, previdência, lazer, mobilidade urbana, segurança e conectividade crescem rapidamente.

A região R4 é caracterizada pelo estágio mais avançado do desenvolvimento industrial. A densidade industrial continua a expandir e vem acompanhada de demanda mais que proporcional de serviços comerciais, enquanto a participação relativa da indústria continua a declinar. Esse estágio também é caracterizado pela intensa participação da indústria no desenvolvimento de inovações e soluções do setor de serviços com vistas a se produzir bens cada vez mais sofisticados e com mais funcionalidades. Serviços avançados nas áreas de telecomunicações, serviços de Internet, big data, internet das coisas, cloud computing e desenho de sistemas de computadores, por exemplo, estão na mira dos investimentos em P&D da indústria.

O declínio da participação relativa da indústria no PIB não implica dizer que a indústria perdeu relevância. Na verdade, o aumento da densidade industrial caracteriza uma fase muito mais sofisticada e influente da indústria, a qual é marcada pela mudança da natureza dos bens, da forma como são produzidos e da sua relação com os serviços. A indústria passa a ocupar papel catalisador de geração de riquezas e de P&D, mas num nível muito mais complexo e sofisticado.

As regiões R3 e R4 caracterizam estágios do desenvolvimento industrial em que se desenvolve relação simbiótica e sinergética entre a indústria e os serviços para criar valor. O valor do bem industrial será maior quando combinado com serviços para formar um terceiro produto que não é propriamente um bem industrial nem tampouco um serviço. Trata-se de bens industriais com elevada participação de serviços no seu valor agregado, como é o caso dos iPads e de produtos vendidos em “pacotes”, como computadores de grande porte ou turbinas de aviões – a comercialização de turbinas, por exemplo, é acompanhada de serviços de leasing, seguros, treinamento, engenharia, manutenção e outros serviços pós-venda e B2B. Mas produtos com elevado componente de serviços, como aqueles em que design e branding têm grande contribuição no valor final, também não se enquadram nas rígidas classificações convencionais de bens e serviços.

O gráfico 2 mostra o espaço-indústria em 2011. Brasil e Estados Unidos tinham participação parecida da indústria no PIB. No entanto, a densidade industrial americana era oito vezes maior que a brasileira, a qual se devia, em boa parte, à criação de valor conjunta e complementar entre a indústria e os serviços. No século XXI, o setor de serviços é crucial e determinante para o desempenho da indústria e para a geração de riquezas.

Espaço Indústria

[1] A densidade industrial de um país é calculada como o valor adicionado da indústria de transformação dividido pela sua população total. A densidade industrial reflete a disponibilidade de recursos que contribuem para a agregação de valor, incluindo capital humano, C&T, P&D, instituições e infraestrutura. A densidade industrial captura a disposição, tácita ou explicitamente, da sociedade de disponibilizar recursos para o avanço do desenvolvimento industrial (Arbache 2012). O espaço-indústria tem três dimensões: participação da indústria no valor adicionado (D1), densidade industrial (D2), e participação dos serviços comerciais no PIB (D3).

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