A humanidade chegou neste patamar de desenvolvimento que hoje observamos principalmente a partir do momento em que novas e melhores ideias suplantaram as retrógradas[1].

Essas novas ideias revolucionaram a maneira como as sociedades se organizam, o modo pelo qual enxergamos o mundo, a forma pela qual resolvemos problemas, modificando também as relações de trabalho. Esse processo, contudo, foi lento, com diversas adversidades.

O que se observou, da Renascença até o Iluminismo, foi uma evolução de conhecimento em um mercado competitivo por novas ideias em que novos pensadores apresentaram teorias, fatos, observações e interpretações do mundo à sua volta. Ao invés de um sistema coordenado em que novas ideias eram vetadas pelos guardiões de uma ortodoxia monopolista, essas novas ideias eram expostas ao critério da lógica.

Neste sentido, o Iluminismo se tornou vitorioso por oferecer o link entre o florescimento de ideias e o crescimento econômico seguinte. A ideia de um mercado competitivo por ideias, que preza o conceito de destruição criativa de Schumpeter, implica na existência de um intelectual empreendedor, uma vez que ele tinha que convencer pessoas de suas teses.

A Maçonaria, por sua vez, foi um lugar que permitiu este livre intercâmbio de ideias em um tempo em que Oxford e Cambridge não permitiam. Ou seja, era uma importante organização no mundo moderno com instituições inclusivas[2].

A irmandade, confiança e lealdade dentro da Maçonaria foram chave para uma variedade de ideias. As lojas atuavam com uma instituição que garantia segurança jurídica dessas ideias, em um mundo em que o Estado ainda não desempenhava esse papel explicitamente.

As oficinas maçônicas, que se espalharam por toda Europa e depois para a América, abrigaram pensadores, escritores, políticos, empresários, artistas, profissionais liberais de todas as categorias. Naqueles espaços, seus membros tinham a liberdade de expor suas ideias, na busca constante pela razão e imperava a igualdade entre os irmãos, despidos dos preconceitos de raça, credo religioso, idioma, nacionalidade ou qualquer outro empecilho à unidade do ser humano.

A Maçonaria historicamente proclamou a virtude e combateu o vício, nesse espírito, os maçons da época do Iluminismo imbuíram-se de tal forma dos preceitos fundamentais da ordem, que ela própria passou a ser doutrinária daquelas ideias novas e revolucionárias marcantes no pensamento lógico e racional.

O que foi determinado na era do Iluminismo foi o princípio pelo qual disputas científicas seriam resolvidas quando novas ideias e informações surgissem. Assim, por que o mercado de ideias pioneiro na Europa foi mais suscetível a mudanças no sentido de a ordem dominante não represar novos pensamentos?

Mokyr (2007) destaca três pontos principais. O primeiro seria relacionado ao papel das inovações tecnológicas (como a impressora de Gutenberg), as quais diminuíram os custos de acesso. A tecnologia per se não era suficiente, também era preciso que seu uso fosse permitido, portanto, dependendo dos sistemas políticos e jurídicos de cada nação. O segundo fator se refere ao fato de que a fragmentação política na Europa criou um ambiente em que opiniões não conservadoras poderiam ser levadas a frente sem serem punidas. Se a Europa fosse dominada por um governo central incumbido de defender o status quo do absolutismo clerical e das cortes a qualquer custo, muitas das ideias trazidas pelo Iluminismo não teriam sido propostas em primeiro lugar. Por fim, a era do Iluminismo experimentou muitos casos de fugas de mentes para lugares mais complacentes com as ideias destes visionários. Com isso, a ciência como um todo ganhou com a fragmentação política não apenas dentro dos Estados, mas entre os Estados – basta ver que os intelectuais europeus se ajustaram a este jogo político buscando suas próprias proteções.

Argumenta-se aqui que a Maçonaria também teve um papel importante neste contexto. Não se pretende atribuir nenhuma ordem de causalidade entre a ação da Maçonaria e o Iluminismo, mas apenas afirmar que havia uma via de mão dupla, em que iluministas tinham espaço para difundir suas ideias em templos maçônicos, da mesma forma que esses ideais iluministas se espalharam pelas colônias americanas graças às lojas maçônicas. Os objetivos e princípios comuns das lojas maçônicas tornaram possível uma assimilação extensiva desses ideais e sua propagação.

Pode-se então traçar uma relação entre o crescimento do mundo moderno e o Iluminismo. O Iluminismo pode ser visto como um conjunto de ideias vencedoras nos campos de filosofia política, ciência, metafísica e economia. A Europa teve um Iluminismo de sucesso porque ela já dispunha de um mercado para ideias em que as ideias podiam competir e ganhar por mérito próprio, em contrapartida, outras partes do mundo ficaram para trás na busca pelo conhecimento e progresso.

E o que fez a diferença, no final das contas? Todo o processo de mudança institucional pelo qual a Europa passou, vendo o mundo não como um jogo de soma zero, mas como um ambiente capaz de produzir cada vez mais e de se viver melhor em comunidade, por mais que essa transição não tenha sido pacífica.

As instituições europeias mudaram em parte porque aqueles que escreveram as novas constituições e formularam as novas regras do jogo econômico foram convencidos que as ideias iluministas estavam corretas.

Desse modo, o sistema político-administrativo de alguns países da Europa e América do Norte foram pioneiramente reformados de maneira que o pluralismo começou a ser gradualmente implantado: direitos fundamentais começaram a ser garantidos a todos, e não apenas aos amigos do rei, invenções que traziam consigo não apenas eficiência, mas mudança de poder e quebra de monopólios referendados pela Coroa ficaram mais e mais frequentes; o reconhecimento que o progresso vem do trabalho e da troca, e não da exploração e expropriação, entre outros.

Os países que lideraram essa nova forma de organização de suas sociedades também estiveram na vanguarda da busca pelo desenvolvimento. Não é coincidência que a maioria dos países desenvolvidos de hoje são aqueles que se aproveitaram das ideias iluministas para organizarem suas instituições, seus modos de produção, etc.

Em suma, a Maçonaria, como veículo de pensamento liberal, contribuiu, de alguma maneira, para a construção de um melhor arcabouço institucional e não em benefício de algum ramo político em particular, aceitando no seio de suas lojas por quase 300 anos a inda e vinda de ideias cujo propósito agiria no sentido de melhorar a condição humana. O Mercado de Ideias em seu sentido amplo que se pretendeu resumir nos parágrafos acima foi beneficiado pela ação das lojas maçônicas espalhadas pelo mundo.

Com o amadurecimento das democracias e da liberdade de pensamento, com o florescimento das faculdades, partidos políticos, ONGs, organismos multilaterais, e da própria internet, pelo seu caráter comunicador e educador, a Maçonaria perdeu sua vantagem comparativa na disseminação de ideias pró desenvolvimento. Ou seja, a Maçonaria exerceu sua influência máxima em um mundo governado sob instituições destrutivas, quando não se observavam os direitos fundamentais que as pessoas hoje possuem. Hoje vivemos em democracias que se conversam entre si, há diversas outras organizações cujo objetivo é a propagação irrestrita de conhecimento e o segredo não é necessário para exercer a liberdade de se expressar. O Mercado de Ideias possui hoje um apoio universal e não apenas de homens iluminados.

  1. É isso o que defende J. Mokyr em The market for ideas and the origins of economic growth in eighteenth century Europe, de 2007. Os argumentos colocados ao longo do texto tomam como referência principal este trabalho.

  2. A relação entre a Maçonaria e o Iluminismo pode ser encontrada em Reason, Liberty and Science. The Contribution of Freemasonry to the Enlightenment, escrito por M. Calance em 2013.

Autor:

Fernando de Faria Siqueira é economista, com graduação pela UnB e mestrado pela FEA-USP. Atualmente, é aluno de doutorado em Economia Aplicada na Universidade de Brasília e servidor concursado da Anatel.