Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Carlos Eduardo Véras Neves

Concessões de Rodovias e Fator-X – PARTE (II)

No post anterior apresentamos o contexto no qual emergiram as primeiras concessões federais para exploração da infraestrutura rodoviária na década de 1990.

Mostramos que o cenário de escassez de recursos que vinha sendo desenhado desde meados da década de 1970 foi definitivo para que se optasse pelas concessões. Tal opção pouco teve a ver com convicções ideológicas ou planejamento de longo prazo para aprimorar a infraestrutura rodoviária nacional. Esse cenário, em parte, justifica a realização das concessões da Primeira Etapa sem ainda existir uma agência reguladora responsável, a qual somente foi criada em 2001.

Falamos também da necessidade de o regulador aprimorar continuamente os contratos de concessão para melhorar a sua gestão, o que deveria redundar em um melhor serviço prestado para os usuários das rodovias.

Entre os mecanismos regulatórios adotados na Terceira Etapa de concessões, consta contratualmente o chamado Fator X. E é sobre ele que trataremos no presente post, entendendo como que esse mecanismo funciona, e qual o provável impacto da sua supressão no contrato da Rodovia de Integração Sul, projeto que será licitado em 01 de novembro de 2018.

Regulação Tarifária e Fator X

A tarifa consiste em uma contraprestação que os usuários praticam em face da utilização da infraestrutura pública disponibilizada pelo concessionário (GUIMARÃES, 2017). Assim, a tarifa se trata de preço arcado pelos usuários na esfera da relação jurídica contratual que trava com o concessionário, mas é também um preço regulado e controlado pelo poder concedente, em vista de sua ligação estreita com os valores intrínsecos ao serviço público. Além disso, também é elemento que integra a equação econômico-financeira do contrato de concessão, a qual pertence à esfera de relação entre concessionário e poder concedente.

De acordo com a Teoria da Regulação Econômica do Interesse Público (POSNER, 2004), uma vez que o mercado funciona de forma ineficiente, a intervenção do Estado se faz desejável, e até necessária. Ao se verificar a existência de uma falha de mercado – um monopólio natural no caso do serviço de exploração da infraestrutura rodoviária – a regulação de preços neste mercado visa a garantir que os usuários não sejam explorados indevidamente pelo concessionário e que a equidade no acesso ao serviço seja assegurada.

Considerando então que os monopólios não regulados tendem a produzir quantidades menores do serviço, e cobram preços maiores que aquele que maximizaria o bem-estar, o governo deve intervir de modo a simular um ambiente competitivo que, inclusive, incentive a realização de investimentos por parte do monopolista (PICOT, 2015).

Tirole e Laffont (1993) afirmam que o regulador deve apoiar-se exclusivamente nas informações contratuais detidas pelas firmas. As limitações informacionais, portanto, comprometem a eficiência da regulação. Esta é a chamada assimetria de informações entre regulador e regulado.

Portanto, os contratos de concessão devem incluir fortes incentivos, como o mecanismo do preço-teto (price cap) que não são indexados aos custos de produção das firmas, como um modo de vencer os problemas de assimetria de informação com os quais o regulador invariavelmente se depara (TIROLE, 2017). Dessa forma, o regulador autoriza uma tarifa máxima, e a firma pode escolher seus preços contanto que estejam abaixo do limite e cubram a totalidade dos seus custos.

O modelo de preço-teto como forma de regulação com alto grau de incentivo pode envolver métodos de reajustamento limitado da tarifa a partir da conjugação de índices de produtividade (GUIMARÃES, Op. Cit.). Uma fórmula prestigiada na experiência britânica pela modalidade price cap é a RPI-X (Retail Price Index menos um fator de produtividade X) ou IPC-X (índices gerais de preços menos um fator de produtividade X). Ou seja, aplica-se à tarifação um reajustamento segundo um índice geral de preços, limitado à evolução do valor-resultado por um fator de produtividade, que lhe subtrai um percentual arbitrado pelo poder concedente regulador.

Agrell e Bogetoft (2013) afirmam que uma das áreas mais proeminentes para aplicação das técnicas de benchmarking é justamente na regulação de monopólios naturais, uma vez que tais técnicas podem informar se determinada regulação produz efeitos econômicos em usuários e firmas reguladas de modo equilibrado.

O benchmarking – comparação do desempenho relativo entre empresas – é uma técnica bastante utilizada por reguladores de diversos países, como Noruega, Áustria, Finlândia, Holanda e Alemanha na regulação dos mais diversos tipos de serviços associados à infraestrutura. O objetivo da técnica é extrair uma métrica de desempenho relativo entre as empresas do setor regulado, de modo que possam ser identificadas aquelas mais eficientes. A eficiência relativa é então convertida em Fator-X, o qual será aplicado na equação tarifária de cada empresa, de modo que aquelas menos eficientes tenham um Fator-X maior, o que resulta no decremento do índice de reajuste tarifário ao qual faria jus.

A ideia é que ao final do próximo ciclo regulatório, aquelas empresas menos eficientes tenham conseguido melhorar o seu desempenho de modo que, na próxima aplicação do Fator-X, possam figurar entre as mais eficientes, para então fazer jus a um maior índice de reajustamento tarifário.

Portanto, o mecanismo tende a equilibrar o ímpeto de maximização da receita pelas empresas reguladas (minimização do Fator-X), com a produção de melhores resultados para os usuários daquele serviço público.

Possíveis impactos da retirada do Fator-X dos contratos de concessão rodoviária

Como brevemente descrito, o Fator-X é apoiado não somente pela teoria econômica, mas também pela experiência internacional. Então, o que justifica a sua supressão do contrato de concessão da Rodovia de Integração Sul (RIS)?

Não detemos informações sobre as razões para a sua retirada, e não gostaríamos de realizar especulações acerca do assunto, pois aos usuários interessam tão somente os possíveis impactos da não existência de mecanismos de regulação por incentivos no contrato.

É importante deixar claro que até hoje, o único contrato de que se detém informações sobre a aplicação do Fator-X é o da BR-101/BA/ES. Nesse contrato, o Fator-X corresponde a uma tabela de aplicação de valores pré-definidos em nada parametrizados com as outras empresas do mercado. Deste modo, conforme os conceitos que expusemos, não se pode afirmar que o Fator-X assim estabelecido possa ser considerado efetivamente um mecanismo de incentivo.

Ao mesmo tempo, que se tenha conhecimento, não foi produzido qualquer normativo sobre o assunto pela ANTT, em que pese terem sido produzidos estudos com propostas para a regulamentação do Fator-X. Sabemos, por outro lado, que os contratos de concessão da Terceira Etapa estabelecem que até o quinto ano da concessão o Fator-X será 0 (zero), portanto, não teria como produzir efeitos nos contratos assinados em 2013.

Mas o fato de o Fator-X não produzir efeitos até o quinto ano da concessão não pode ser considerado justificativa plausível para a omissão regulatória da ANTT, especialmente em um cenário em que as concessões rodoviárias federais vêm sendo sistematicamente criticadas pelo TCU, como pode ser verificado na avaliação técnica do órgão de controle sobre a RIS (TCU, 2018):

52. O estudo da BR-101/290/386/448/RS mesclou premissas contratuais da 1ª, 2ª e 3ª etapas do Programa de Concessões Rodoviárias Federais (Procrofe) . Apesar da esperada evolução regulatória em relação aos contratos anteriores, diversos dispositivos que contribuíram para os problemas enfrentados pelas concessões vigentes permanecem na minuta contratual em tela.

(…)

54. De forma geral, as fiscalizações empreendidas pelo TCU em concessões rodoviárias federais têm constatado significativos níveis de inadimplemento contratual. Apesar disso, as tarifas de pedágio continuam a sofrer aumentos anuais acima da inflação, e isso ocorre em razão da inclusão de relevantes investimentos nos contratos.

(…)

62. O cenário do setor retrata um modelo regulatório e regras contratuais que, apesar das variações ao longo das suas três etapas, incentivam a inexecução das obrigações pelas concessionárias. (…) (grifos nossos)

Notamos que o TCU, ao analisar o contrato de concessão da RIS, afirma que não é possível identificar a esperada evolução regulatória. Ademais, ele aponta que os mecanismos regulatórios existentes nos contratos vigentes, e em grande medida inseridos no contrato da RIS, tampouco são suficientes para garantir a execução das obrigações contratuais pelas concessionárias.

Desse modo, é evidente que a adoção de mecanismos que possam incentivar a melhora no desempenho das concessionárias reguladas pela ANTT é urgente. Não que o Fator-X fosse suficiente para solucionar todos os problemas de inexecução contratual apontados pelo TCU, mas já seria um primeiro passo importante.

Por outro lado, ao mesmo tempo que ANTT erra ao manter determinados mecanismos contratuais que já se demonstraram (no mínimo) ineficazes, suprimir um mecanismo de incentivo do contrato de concessão tampouco parece contribuir para a necessária melhora da regulação dos contratos de concessão de rodovias.

O fato é que não parece haver respaldo teórico e técnico na decisão tomada por aqueles à frente do leilão da RIS quanto à supressão do Fator-X. Sem a necessária evolução dos mecanismos de incentivo neste novo contrato de concessão, não é excesso de ceticismo duvidar que este novo contrato apresente melhores resultados que aqueles até então apresentados pelos contratos em andamento.

Aparentemente, a existência do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e a adoção de outras medidas supostamente “modernizadoras da gestão” da área de infraestrutura, não foram suficientes para promover a melhora efetiva dos projetos de concessão rodoviária, sequer em relação aos ciclos anteriores, quanto mais em relação às melhores práticas internacionais. Isto resultou na persistência de dispositivos contratuais há muito conhecidos e questionados, ao lado da supressão de outros que poderiam promover melhora na regulação.

Como alguém disse certa vez: “A definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”.

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Fontes:

AGRELL, P. J.; BOGETOFT, P. Benchmarking and regulation. Core Discussion Paper- Center for Operations Research and Econometrics, Université catholique de Louvain, CORE and Louvain School of Management, B-1348 Louvain-la-Neuve, Belgium, p. 23, 2013.

GUIMARÃES, F. C. V. Concessão de serviço público. [s.l.] Editora Saraiva, 2017.

LAFFONT, J.-J.; TIROLE, J. A theory of incentives in procurement and regulation. [s.l.] MIT press, 1993.

PICOT, A. The Economics of Infrastructure Provisioning: The Changing Role of the State. [s.l.] MIT press, 2015.

POSNER, R. A. Teorias da regulação econômica. Regulação econômica e democracia: o debate norte-americano. São Paulo: Editora, v. 34, p. 49–80, 2004.

TCU. Tribunal de Contas da União. ACÓRDÃO 1174/2018 – PLENÁRIO – Acompanhamento do processo de desestatização do lote rodoviário denominado Rodovia de Integração do Sul (RIS), que compreende trechos das rodovias BR-101/290/386/448/RS. Análise do primeiro estágio. Relator: Ministro Bruno Dantas. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A1174%2520ANOACORDAO%253A2018/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/false/1/false>. Acesso em: 24 out. 2018.

TIROLE, J. Economics for the common good. [s.l.] Princeton University Press, 2017.

 

Concessões de Rodovias e Fator-X – Parte (I)

O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi criado pela Lei nº 13.334 de 2016, com a finalidade de ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria e de outras medidas de desestatização.

Entre os oito projetos de concessão para exploração da infraestrutura rodoviária qualificados no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, está o projeto de concessão das rodovias BR-101/RS, BR-290/RS, BR- 386/RS e BR-448/RS, no Estado do Rio Grande do Sul – conhecido como Rodovia de Integração Sul (RIS). Foi lançado, em julho de 2018, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em parceria com o Ministério dos Transportes e o PPI, o edital para concessão da RIS, cujo leilão ocorrerá em 01/11/2018 (ANTT, 2018a).

Várias questões emergem a partir da análise detida das opções regulatórias registradas nos documentos licitatórios publicados, porém, neste conjunto de posts, trataremos de uma opção em específico: a supressão do chamado “Fator X” da minuta contratual (ANTT, 2018b).

De modo simples, o que é o Fator X? É uma medida de desempenho, de eficiência do concessionário. A ideia é que o concessionário busque por ganhos de produtividade durante o longo período de vigência de sua concessão, e que parte desse ganho fique retido com a própria concessionária (que teria, portanto, incentivos pra continuar almejando e buscando incorporar novas técnicas e ampliar, com isso, sua produtividade) enquanto outra parte seja revertida em forma de menor tarifa para o usuário do serviço. Ou seja, os ganhos de produtividade seriam repartidos/compartilhados entre a concessionária e o usuário final.

E por que chamamos a atenção para a supressão da cláusula que trata do Fator-X?

A Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões) estabelece em seu art. 6º que toda concessão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, sendo que o serviço adequado é que aquele que satisfaz, dentre outras condições, a eficiência. A mesma lei também imputa ao poder concedente o dever de estimular o aumento da produtividade e incentivar a competitividade dos serviços concedidos.

Para cumprir tais preceitos legais, o regulador deve alterar a estrutura de incentivos ou o conjunto de ações possíveis do concessionário de modo que este, ao maximizar o seu retorno sobre o contrato, acabe também maximizando o bem-estar coletivo, fornecendo assim um serviço adequado aos usuários. Nesse sentido, a teoria econômica e a experiência internacional (AGRELL; BOGETOFT, 2013) tem demonstrado que a aplicação de regulação da tarifa por preço-teto (price cap), associada ao Fator-X, tende a incentivar ganhos de produtividade por parte do setor regulado.

Então, por que suprimir o Fator-X da equação tarifária dos novos contratos de concessão rodoviária?

Infelizmente não temos resposta para essa pergunta. Ao contrário, pretendemos sensibilizar o leitor quanto à necessidade de reguladores brasileiros adotarem técnicas de regulação baseadas em incentivos (como o Fator-X) para promover maior ganho de bem-estar aos usuários.

Para tanto, começaremos falando sobre o contexto das concessões rodoviárias federais brasileiras e como que surgiu o “Fator X” nesses contratos. Já na segunda parte, falaremos sobre o que é, de modo mais formal, o Fator X e discutiremos os possíveis impactos da retirada do referido mecanismo regulatório dos contratos de concessão.

O contexto das concessões para exploração da infraestrutura rodoviária federal

O que antecedeu as primeiras concessões para exploração da malha rodoviária federal na década de 1990 contribuiu para a modelagem dos primeiros contratos de concessão para exploração da infraestrutura rodoviária federal.

Após a forte expansão da malha rodoviária nas décadas de 1960 e 1970, já em 1974, se iniciou o processo de crescente escassez de recursos para investimento em obras e manutenção. Fora os choques externos que contribuíram para o endividamento do Estado brasileiro, até a Constituição Federal de 1988 (CF/88), os investimentos na malha rodoviária contavam com financiamento do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), formado com recursos do Imposto Único sobre Lubrificantes Líquidos e Gasosos (IULCLG). O FRN tinha como objetivo custear os programas de construção, conservação e melhoria das rodovias compreendidas no Plano Rodoviário Nacional (PNV).

Com o advento da CF/88, de todas as alterações tributárias impostas, a que mais afetou o financiamento do PNV foi a proibição de vinculação de receitas tributárias. Ou seja, a partir daquele momento, os investimentos em infraestrutura rodoviária que, até então, contavam com uma fonte exclusiva de custeio, passaram a ter que disputar com outras políticas públicas os recursos advindos das receitas da União. O resultado de tais mudanças foi o estado deplorável em que se encontrava as rodovias federais na década de 1990.

Por outro lado, a CF/88 também trouxe a possibilidade de empresas privadas prestarem serviço de utilidade pública, sempre precedido de procedimento licitatório. Em 1995, foi sancionada a lei das concessões (Lei no 8.987), a qual regula a concessão de serviços públicos à iniciativa privada. Assim, a transferência de rodovias foi a saída encontrada pelo poder público para tentar resolver parcialmente a impossibilidade de realizar os necessários investimentos na expansão, manutenção e conservação da malha rodoviária federal.

As primeiras concessões ocorreram em 1995 ainda sob a tutela do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) em conjunto com o Ministério dos Transportes. Vale destacar que não havia à época agência reguladora. Desta forma, os contratos de concessão assemelhavam-se muito mais a contratos de obras públicas de longo prazo (até 25 anos), cujo foco estava no controle (ainda que parcial) de alguns poucos parâmetros de desempenho e na obrigação de execução de algumas obras pelos contratados. Não é possível então afirmar que havia uma preocupação primordial com a produtividade ou a eficiência das concessionárias.

Somente em 2001 foi criada a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por meio da Lei no 10.233, cuja instalação ocorreu cerca de um ano depois. A ANTT assumiu então a gestão dos contratos em andamento, ao todo 1.315,9 km, denominados Primeira Etapa de Concessões. Posteriormente, em 2008 e 2009, foram licitados e firmados os contratos da Segunda Etapa. Finalmente, em 2013 e 2015, foram firmados os contratos da Terceira Etapa. Ao todo são 9.224 km de rodovias sob responsabilidade da ANTT.

A ANTT, desde o seu início, teve como seu grande desafio na área de concessões rodoviárias, o desenvolvimento de mecanismos regulatórios que incentivassem as concessionárias a entregarem um melhor serviço para os usuários.

É claro que nos contratos da Primeira Etapa a margem de melhoria não era grande, uma vez que os contratos firmados na década de 1990 devem ter o seu equilíbrio econômico-financeiro respeitado. Portanto, restou à ANTT e ao Ministério dos Transportes inserir inovações nos contratos de concessão seguintes.

Nesse contexto, entre uma etapa e outra de concessão, algumas inovações e ajustes foram sendo realizados, no intuito de aprimorar a gestão contratual por parte da ANTT.

Para citarmos um exemplo, em 2007 o Tribunal de Contas da União (TCU) demandou da ANTT ajustes no mecanismo de inclusão de obras então existente nos contratos da Primeira Etapa de Concessões (TCU, 2007). Tal exigência do TCU resultou na Resolução no 3.651/2011, por meio da qual foi estabelecido o chamado Fluxo de Caixa Marginal (FCM). O FCM foi incorporado a todos os contratos de concessão anteriores e posteriores. Hoje, tal mecanismo vem sendo bastante questionado pelo próprio Tribunal de Contas da União, e sua análise pode ser objeto de outro post.

Quanto ao Fator-X, relatório do Banco Mundial de 2010 (Veron e Cellier, 2010) sugeriu “rever custos futuros de manutenção e operação com base num mix de índice de inflação e produtividade, calculado, por exemplo, em função de ganhos de produtividade observados em outras concessões, introduzindo assim um processo semelhante a uma regulação por medição (yardstick regulation). Os ganhos de produtividade esperados poderiam ser estabelecidos para cada período de cinco anos”.

O Fator X nos contratos para exploração da infraestrutura rodoviária federal

Dentre as inovações discutidas com os principais atores envolvidos nos novos projetos de concessão (setor regulado, governo e TCU – este especialmente preocupado quanto aos problemas àquela altura já identificados nos contratos da Primeira Etapa), em 2012, na chamada Terceira Etapa, foi pela primeira vez inserido no contrato de concessão rodoviária o chamado Fator X. De acordo com o contrato da BR-101/BA/ES, o Fator X é o (ANTT, 2012):

(…) redutor do reajuste da Tarifa de Pedágio – calculado na forma da subcláusula 16.3.3, e revisto na forma da subcláusula 16.3.5 – referente ao compartilhamento, com os usuários do Sistema Rodoviário, dos ganhos de produtividade obtidos pela Concessionária.

O Fator X é um redutor no índice de reajustamento para atualização monetária do valor da Tarifa de Pedágio (IRT). No contrato da BR-101/BA/ES, o Fator X é 0 (zero) até o quinto ano da concessão, sendo incrementado de modo pré-definido quinquenalmente, e atingindo no máximo 1% (um porcento) entre o vigésimo primeiro e o vigésimo quinto ano do prazo da concessão. Nos demais contratos da Terceira Etapa, o Fator X foi definido como 0 (zero) até o quinto ano de concessão, sendo revisto quinquenalmente, com base em estudos de mercado realizados pela ANTT, de modo a contemplar a projeção de ganhos de produtividade do setor rodoviário brasileiro.

Ainda, na “Ata de Resposta aos Esclarecimentos (sic)” do processo licitatório da Terceira Etapa (ANTT, 2013), a comissão de outorga assim se pronunciou sobre o Fator X:

O Fator X é o mecanismo que permite o compartilhamento com os usuários dos ganhos de eficiência e produtividade do negócio. Na teoria econômica a Eficiência Econômica é tratada como sendo a associação da eficiência técnica, que é a habilidade da unidade decisória em extrair o maior nível de produto para um dado nível de insumo, com a Eficiência Alocativa, habilidade da unidade decisória em utilizar os insumos na melhor proporção de forma a minimizar os custos. Há também o conceito de Produtividade, que pode ser alterado por quatro fontes de variações: 1) Modificações tecnológicas: alteram a posição da Fronteira da Possibilidade de Produção, isto quer dizer que a produtividade de uma determinada unidade pode melhorar sem que haja aumento em sua eficiência. 2) Modificações na Eficiência: neste caso a unidade se torna mais produtiva por aproveitar melhor os seus insumos. 3) Modificações na escala: a unidade pode ampliar sua produtividade adequando a sua escala de produção de modo a torná-la mais eficiente. 4) Modificações no mix de insumos e produtos: as composições de insumos e/ou produtos podem também afetar a produtividade. Assim, como pode se observar os conceitos de eficiência e produtividade que o Fator X compartilhará com os usuários somente poderão ser mensurados com a operação do negócio e isto somente será compartilhado com o usuário caso haja aumento da produtividade e eficiência (…). (grifos nossos)

Tanto o dispositivo contratual, como a resposta da comissão de outorga deixam bem evidente a intenção dos responsáveis pela elaboração do contrato à época: resumidamente, o Fator X deveria ser um mecanismo que colocaria em evidência a necessidade de considerar eventuais ganhos de produtividade das concessionárias e compartilhá-los com os usuários. Além disso, o Fator X deveria incentivar ganhos de eficiência nas empresas reguladas, pois estas detêm o monopólio na prestação daqueles serviços de expansão, manutenção e conservação da malha rodoviária sob sua responsabilidade e, em regra, os usuários não detêm rotas alternativas.

Então, perguntamos: por que iniciar toda uma discussão a respeito de Fator X no início dessa década, direcionar corpo técnico dentro da agência para formulação de uma proposta metodológica para seu cálculo e, depois de tudo isso, simplesmente suprimir o Fator X do próximo contrato de concessão a ser assinado? É este o melhor caminho?

Na próxima parte deste post exploraremos a teoria econômica e a experiência internacional que justificam a adoção do Fator X como mecanismo de incentivo nos contratos de concessão rodoviária, e quais as possíveis consequências da sua supressão dos contratos que serão licitados daqui para frente.

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Fontes:

AGRELL, P. J.; BOGETOFT, P. Benchmarking and regulation. Core Discussion Paper- Center for Operations Research and Econometrics, Université catholique de Louvain, CORE and Louvain School of Management, B-1348 Louvain-la-Neuve, Belgium, p. 23, 2013.

ANTT. Agência Nacional de Transportes Terrestres – 3a Etapa (fase III) – BR-101/ES/BA. Disponível em: <http://3etapaconcessoes.antt.gov.br/index.php/content/view/1169/3__Etapa__fase_III_.html>. Acesso em: 24 out. 2018.

ANTT. Agência Nacional de Transportes Terrestres – Concessão da BR-101/290/448/386/RS. Disponível em: <http://www.antt.gov.br/rodovias/RIS.html>. Acesso em: 24 out. 2018a.

ANTT. Agência Nacional de Transportes Terrestres – Ata_de_Respostas_aos_Pedidos_de_Esclarecimentos. Disponível em: <http://www.antt.gov.br/backend/galeria/arquivos/2018/09/21/Ata_de_Respostas_aos_Pedidos_de_Esclarecimentos.pdf>. Acesso em: 24 out. 2018b.

TCU. Tribunal de Contas da União – Acórdão 2154/2007 TC 026.335/2007-4. Relator: Ministro Ubiratan Aguiar. Disponível em: <https://bit.ly/2ArZEf2>. Acesso em: 24 out. 2018.

VERON, A; CELLIER, J. Participação privada no setor rodoviário no Brasil: Evolução recente e próximos passos. The World Bank Group, Estudo de Transporte, março de 2010.

 

Infraestrutura e serviços de infraestrutura: um breve olhar sobre o caso brasileiro

Tendo em vista a atual conjuntura brasileira de retomada ainda tímida de crescimento e grande restrição fiscal por parte do Estado, num contexto de teto de gastos públicos aprovado para as próximas duas décadas, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento. Além disso, há ainda muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.

Mas o que é infraestrutura? Infraestrutura é “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal” (BID, 2000). Partindo desse conceito, podemos perceber complementariedade entre os chamados serviços de infraestrutura – que visam satisfazer às necessidades de um indivíduo ou de uma sociedade e são considerados serviços de interesse público; e a própria infraestrutura – que é a base física sobre a qual se dá a prestação destes serviços (IPEA, 2010).

Dessa forma, a infraestrutura seria representada por rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroviários, torres de telecomunicação, cabos de transmissão de energia elétrica (entre outros exemplos) que dão a possibilidade de oferta/prestação de serviços de infraestrutura. Já os serviços de infraestrutura são o frete rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário (transporte de mercadorias e/ou pessoas de um ponto a outro do território), o transporte urbano de uma cidade (linhas de ônibus, metrô e trens usados pelos cidadãos), os planos oferecidos por uma operadora de celular, etc. Todos esses exemplos de serviços se utilizam do capital físico instalado.

No setor de transportes, por exemplo, quando uma concessionária ganha uma licitação para a exploração da infraestrutura rodoviária e, portanto, passa a ter direitos e deveres contratuais firmados com o poder concedente (o Estado ou um representante do mesmo), todas as obras de manutenção, restauração e ampliação da capacidade da rodovia estarão incrementando os investimentos em infraestrutura, gerando então potencialmente maior estoque de capital fixo e adicionando estrutura física que será utilizada e usufruída pelos prestadores de serviço daquele setor e seus usuários de modo geral.

O setor de transportes, assim como outras áreas da infraestrutura – transportes, energia, saneamento e telecomunicações – possuem grande impacto no crescimento econômico de um país. Há vasta literatura que comprova que maiores investimentos em infraestrutura (fluxo) e maior estoque de capital fixo no setor (mais rodovias, maior capacidade energética instalada, etc.), ou seja, maior estoque de infraestrutura, levam a maior crescimento do produto e também elevam a produtividade, além de reduzirem a desigualdade de renda (Aschauer, 1989; Calderón e Servén, 2004; Ferreira e Maliagros, 1998).

Ainda, no caso específico do setor de transportes, os impactos são bastante relevantes, com efeitos de encadeamento para frente e para trás, relacionando-se ainda de modo importante com outros setores da economia. Para alguns produtos – como a soja e o milho – o valor final no porto é composto em mais da metade pelo chamado custo logístico. Portanto, mais uma vez, voltamos ao fato de que a infraestrutura física e seus serviços acessórios compõem o preço final dos produtos que produzimos e consumimos, seja para o consumo interno, seja para o consumo externo (por meio de exportações).

Dada a má qualidade média das rodovias brasileiras (comprovada pela série histórica das pesquisas anuais da CNT, com exceção das rodovias concedidas à inciativa privada, em especial as do estado de São Paulo) e sua relativa escassez (baixa densidade rodoviária quando comparada a outros países, com exceção também do estado de São Paulo), fatores esses somados ao fato de que cerca de 60% das cargas no Brasil são transportadas via modo rodoviário, percebemos que ainda temos muito a avançar nessa área.

A questão dos fretes, seu valor, sua rapidez, sua segurança, seu adequado manejo das mercadorias, o cumprimento de prazos, entre outros aspectos, ganhou notoriedade recentemente por conta da “greve dos caminhoneiros”, tendo já sido reportados impactos negativos dessa situação sobre o crescimento econômico do país (que foi revisado para baixo esse ano) e sobre a taxa oficial de inflação (que aumentou e elevou o índice esperado para o ano como um todo).

Isto posto, a infraestrutura (base física) precisa ser ampliada. Isso será feito, provavelmente e em grande parte, com a atuação do setor privado. Os programas de concessões foram intensificados nos últimos anos e muitos avanços foram feitos nos desenhos dos editais, contratos e regulamentos, como é o caso dos modos rodoviário e aeroviário. Aprimoramentos interessantes foram incorporados ao longo do tempo, como os gatilhos de demanda, o fator X, o fluxo de caixa marginal, entre outros. Ademais, maior participação do capital privado estrangeiro também tem sido verificada nos últimos 2 anos, tanto no setor de transportes quanto no setor elétrico. Nesse ponto, o papel maior do Estado daqui em diante seria de proporcionar condições macroeconômicas, institucionais e regulatórias apropriadas, robustas e condizentes com o objetivo de gerar incentivos e apoiar o investidor privado – seja ele de dentro ou de fora do país.

Em relação aos serviços de transporte de carga, em especial no caso dos fretes rodoviários, deveria tratar-se de mercado de livre concorrência, cujos preços deveriam seguir as forças de mercado (oferta e demanda). Por isso o “tabelamento de preços”, sancionado pelo Presidente da República em 09 de agosto de 2018, deve ser analisado de modo bastante crítico. O mais importante nesse caso é tentar ampliar e incentivar ganhos de produtividade no setor. Isso pode ser alcançado por meio de algumas inciativas distintas. A primeira seria aumentando o investimento na base física (melhorando a qualidade das rodovias, equipamentos, etc). A segunda forma seria ampliar a capacitação dos trabalhadores do setor (trabalhadores mais qualificados tendem a errar menos e terem melhores relações com seus clientes e fornecedores). A terceira seria promovendo melhorias institucionais, com ênfase na independência e profissionalização das agências reguladoras, tanto em âmbito federal, quanto estadual. Por fim, o incentivo à inovação permitiria o aumento na capacidade da prestação de serviços e até mesmo a abertura de novos mercados. Em resumo: avancemos na agenda de buscar maior produtividade!

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

 

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Referências

Aschauer, D. (1989) “Is Public Expenditure Productive?” Journal of Monetary Economics, 23, pp. 177-200.

Calderón, C.; Servén, Luis. (2004). The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution. Policy Research Working Paper; No.3400. World Bank, Washington.

Ferreira, P.C. and T. Maliagros (1998) “Impactos Produtivos da InfraEstrutura no Brasil — 1950/95”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28, n.2, pp.315-338.

IPEA (2010). Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Livro 6, Volume 1. Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.