Ao concentrar as regras políticas, econômicas, sociais e legais, as instituições influenciam o funcionamento dos mercados, ou seja, são as regras do jogo. Por meio de direitos de propriedade, contratos bem estabelecidos e custos de transação baixos, as instituições têm a função de garantir os incentivos necessários que levam à eficiência econômica.
Com o mercado de crédito não é diferente. Alguns avanços institucionais foram verdadeiros marcos na história da evolução do crédito brasileiro, tanto por possibilitar a expansão do crédito como por melhorar a qualidade das transações entre os agentes, a saber: a lei de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia (1997), a regulamentação do crédito consignado (2003) e a lei de falências (2005).
No entanto, nem todas as instituições são eficientes e acabam se desviando de seus objetivos. Esse é o caso do Cadastro Positivo, regulamentado em 2011.
A fim de corrigir o problema de assimetria de informação presente no mercado de crédito, onde as informações são limitadas sobre o comportamento dos demandantes de crédito, o Cadastro Positivo surgiu para distinguir os bons dos maus pagadores, possibilitando que os ofertantes de crédito diferenciem as taxas de juros de acordo com o risco.
Contudo, na contramão das melhores experiências internacionais que também o implementaram, o governo brasileiro fez a inclusão do Cadastro Positivo de forma a depender dos próprios consumidores, o formato opt-in. Sem um evidente ganho individual, não havia incentivo o bastante para que os consumidores enfrentassem todos os obstáculos burocráticos e aderissem ao cadastro, limitando os benefícios gerados pela medida. Para mensurar o resultado desta lei, há apenas 5 milhões de cadastros de uma população que conta com cerca de 100 milhões de clientes ativos no mercado de crédito, o que indica que houve um resultado tímido.
Dessa forma, é possível observar que hoje em dia apenas as informações de comportamentos negativos são utilizadas para as avaliações de concessão de crédito. Se dentre inúmeras transações de crédito, o consumidor atrasou uma única conta, ele já passa a sofrer impactos negativos em sua avaliação de risco e, com isso, restrições ao crédito. Assim, o resultado é um estoque de crédito aquém do desejado e taxas de juros e de inadimplência elevadas.
Entretanto, um projeto de lei federal que foi aprovado pelo Senado no mês de março, e seguiu à sanção presidencial, deve melhorar o formato do Cadastro Positivo. Nessa nova versão, o cadastro será no formato opt-out (mudança conhecida como “arquitetura da escolha” por Thaler e Sunstein), todas as pessoas e empresas serão automaticamente cadastradas e caso alguém seja contra ao compartilhamento de suas informações é só solicitar a remoção. Com esse processo inverso, a burocracia passa a desestimular a saída dos participantes.
A partir da regulamentação da nova medida, as informações de operações de crédito de pessoas e empresas – ao que se refere às operações de crédito contratadas – serão compartilhadas com os birôs de crédito, o que deve melhorar as avaliações de risco, levando à maiores aprovações de crédito e menores taxas de juros e de inadimplência. Com mais informações, os concedentes de crédito serão mais assertivos ao elaborar contratos específicos para cada perfil de demandante, impactando positivamente o mercado de crédito.
Estudos internacionais da OCDE e do Banco Mundial sobre os países que adotaram uma base de dados positivos no formato opt-out evidenciam crescimento do crédito com redução na taxa de inadimplência, beneficiando principalmente os mais pobres.
Porém, nem todos concordam com essa mudança. Os opositores da regra automática alegam que isso acaba com a livre determinação do consumidor e gera invasão de privacidade ao alterar a lei de sigilo bancário.
Contudo, analisando cuidadosamente as regras, têm-se que o consumidor será avisado previamente e as informações serão disponíveis por tempo determinado. Quando esse novo formato do cadastro começar a funcionar, apenas os scores estarão disponíveis, sendo que o histórico detalhado ainda dependerá da autorização do consumidor. Além disso, o consumidor tem direito ao opt-out a qualquer momento, à autoconsulta gratuita, à ratificação de informações, entre outros. Ao que tange à privacidade, as empresas que operam o cadastro têm que cumprir exigências rigorosas e possuir certificações que garantem o sigilo e a proteção dos dados.
Embora haja alguns questionamentos, os benefícios do Cadastro Positivo são relevantes. Aos concedentes, espera-se expandir a base de consumidores, reduzir o processo de aprovação de crédito e aumentar a competitividade. Os consumidores, por sua vez, serão incentivados a manter bons históricos de crédito, sendo recompensados com melhores negociações. No geral, promoverá inclusão financeira, bons comportamentos de pagamento, melhora na estabilidade bancária do país. Com isso, é projetado pela Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC) uma injeção de mais de R$ 1 trilhão no mercado de crédito nos próximos anos e uma inclusão de mais de 20 milhões de pessoas.
Apesar das mudanças do Cadastro Positivo serem em prol da melhoria do sistema, uma grande preocupação daqueles que não concordam com o novo formato do sistema é em relação ao sigilo de dados. Com isso, em 2018 foi discutido se o formato opt-out do Cadastro Positivo teria conflito com a nova Lei Geral de Proteção de Dados, que tem como objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade através da proteção de dados. Contudo, uma análise das duas Leis mostra que não há divergência entre elas, uma vez que o Cadastro Positivo mantém o consumidor informado sobre todas as informações que estão disponíveis e fornece o direito de opt-out.
Portanto, o Cadastro Positivo pode trazer diversos benefícios à população, como mencionados acima. A sua primeira implementação não foi muito bem sucedida devido à burocracia que envolvia o processo de aderir ao Cadastro Positivo e também ao desconhecimento de parte da população da existência dessa Lei. A nova versão do Cadastro Positivo propõe uma mudança de design que deve facilitar a sua difusão e resultar nos benefícios esperados.
Autoras:
Bruna de Abreu Martins é economista formada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atualmente aluna do programa de mestrado em Economia na Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou no departamento de Indicadores e Estudos Econômicos na BoaVista SCPC de 2012 a 2017.
Monica Guo Ming é economista formada pela Universidade de Brasília (UnB), atualmente aluna do programa de mestrado em Economia na UnB.
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