Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: julho 2019

Projeto de Autonomia do Banco Central

Em 17 de abril de 2019, foi encaminhado à Câmara do Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/20191 que trata da autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central. Apesar de o documento fazer parte das metas para os 100 primeiros dias de mandato do Presidente Bolsonaro, desde 1991 propostas semelhantes são apresentadas ao Congresso Nacional. Entre projetos de lei complementar e propostas de emenda à Constituição, ao todo outros nove documentos que discutem a autonomia do Banco Central foram protocolados junto ao Senado Federal e mais um encontra-se arquivado na Câmara dos Deputados2, local onde o novo PLP começou a tramitar em caráter de urgência. Para ter efeito, o PLP precisa passar pelas duas Casas, sendo aprovado em turno único no Senado e em dois turnos na Câmara, em ambas, exigindo maioria absoluta de votos.

Bancos Centrais e o Debate sobre Autonomia

Em que medida o projeto de autonomia do Banco Central é interessante? Antes de entendermos porque a resposta não é tão óbvia quanto possa parecer, faz-se conveniente entender qual a função dessa instituição e seu protagonismo na formulação e execução da política econômica.

Seja no Brasil, seja no mundo, os bancos centrais atuam com o propósito de garantir o valor de compra da moeda nacional e assegurar a solidez do sistema financeiro. São objetivos amplos que permitem margem para discricionariedade. De tal modo, observa-se diferentes formatos institucionais que divergem quanto aos instrumentos de política econômica, ao grau de intervenção no mercado financeiro e, majoritariamente, sobre a ligação da instituição com o governo. 

Desde que foi formalmente implementado em 1999, o regime de metas de inflação tem logrado sucesso na busca da estabilidade do real.  Apesar do espaço para aperfeiçoamento, esse modelo de regime monetário tem sido o principal alicerce do Banco Central em sua missão de estabilizar a economia brasileira e afastar a recente memória inflacionária das décadas de 1980 e 1990.

No modelo vigente, o grau de autonomia do Banco Central é limitado pelo Decreto 3.088/1999, cujo propósito é definir as prioridades da autarquia no âmbito do regime de metas de inflação. Entre seus principais pontos, destacam-se que “as metas e os respectivos intervalos de tolerância serão fixados pelo Conselho Monetário Nacional – CMN’’, além disso, decreta que “ao Banco Central do Brasil compete executar as políticas necessárias para cumprimento das metas” ³.

Atualmente, portanto, o que se observa é a autonomia de instrumentos, em que as metas são de competência do governo (tal ponto fica mais claro quando a composição do CMN é elencada⁴), e cabe ao Banco Central arbitrar sobre os instrumentos para alcançá-las. Na nova proposta enviada pelo Executivo, o Banco Central não apenas teria voz sobre os instrumentos de operacionalização, como também seria responsável por estabelecer suas próprias metas em ordem de prioridade que deliberar conveniente — pontos específicos da PLP 112/2019 serão discutidos a seguir. Nesse cenário, ter-se-ia um Banco Central com autonomia de mandato, como é o caso do Federal Reserve e do Banco Central Europeu.

Entretanto, a discussão é mais profunda do que parece, uma vez que os bancos centrais, para além do objetivo de manter a inflação estável, podem fazer uso da política monetária para aquecer a economia. Como resultado, a política de estímulos pode gerar algum crescimento de curto prazo vis-à-vis uma tendência inflacionária no longo prazo. É nesse ponto que o porquê da autonomia se torna relevante. 

O Executivo enfrenta um incentivo curto-prazista de estimular a economia e extrair os benefícios no exercício do mandato, postergando para o sucessor os malefícios inflacionários — diz-se, então, que a política monetária sofre de inconsistência dinâmica. Note que estimular a economia pode ser uma arma poderosa em corridas presidenciais, além de passar a sensação de um legado positivo. Além de poderosa, pode ser perversa. No modelo vigente, toda a mesa diretora do Banco Central pode ser exonerada pelo Executivo, o que é um poder de barganha considerável se o objetivo do Planalto for afrouxar o cumprimento da meta de inflação e buscar aumentar o nível de emprego.

Esse cenário ilustra o principal ponto de defesa da autonomia de mandato, qual seja, diminuir a pressão e a discricionariedade do Executivo sobre a autoridade monetária para que essa possa projetar sua atuação pautada na estabilidade macroeconômica como fundamento para o crescimento de longo prazo.

Na literatura sobre bancos centrais, o entendimento geral é que a autonomia está correlacionada com a diminuição da inconsistência dinâmica e, consequentemente, com aumento da credibilidade do policymaker⁵. Notadamente, a credibilidade tem poder de influenciar o impacto da política monetária sobre as variáveis forward-looking, tal como as expectativas quanto ao comportamento da inflação⁶. Portanto, a credibilidade importa porque exige menores custos de desinflação, tanto em termos de taxa de juros como de emprego.

Entretanto, absolutamente nada garante que o Banco Central sabe qual a melhor estratégia a ser seguida, muito menos se o resultado esperado será alcançado e sob os custos intencionados. Além disso, o intento de ter um Banco Central autônomo de mandato não é suficiente para que o texto submetido ao Congresso esteja livre de vícios e seus termos sejam coerentes com o estado das artes da evidência empírica.

Projeto de Lei Complementar 112/2019

Em consonância com o argumento de isolar o ciclo político do ciclo da política econômica e mitigar a problemática da inconsistência dinâmica, o PLP traz em seus pontos restrições à exoneração da mesa diretora, além de instituir mandatos fixos para o presidente e os diretores do Banco Central de quatro anos, intercalados e com possibilidade única reiteração. Pela proposta, seus diretores só serão nomeados e demitidos com o aval do Senado Federal, como já acontece com o presidente da autarquia. Pelas alíneas do texto-base, as situações passíveis de exoneração são restritas e de limitada imputação.

Outro ponto positivo é atribuir respaldo legal para a remuneração de depósitos voluntários junto ao Banco Central, de sorte que sejam usados para controlar a liquidez da economia. Na prática, essa possibilidade serve como mais um instrumento à disposição da política monetária. Em especial, diminui as necessidades do Tesouro Nacional em emitir títulos para Banco Central realizar as operações compromissadas — espécie de empréstimo, lastreado em título público e com liquidação agendada, que é amplamente utilizado para adequar a liquidez da economia à meta de taxa básica de juros.

O PLP também formaliza metas prioritárias para a política econômica, privilegiando a estabilidade de preços e, secundariamente, a solidez do sistema financeiro. No mais, não faz menção alguma a metas de emprego ou nível de renda. Se por um lado o mandato único respalda os pressupostos teóricos por trás da proposta de autonomia e, também, do próprio regime de metas de inflação, por outro, desprivilegia o debate em torno do papel da autoridade monetária em intervir em episódios de choques exógenos, de modo a acomodá-los e suavizar as oscilações do nível de atividade econômica. Tal ponto ganha fôlego quando a observação de práticas de mandatos duplos em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália⁷ é contrastada com o baixo desempenho da economia brasileira nos anos recentes e sem expectativa clara de recuperação. Para complexificar mais a discussão, nenhuma dessas economias citadas possui uma taxa de juros estruturalmente tão elevada como a economia brasileira.

Um ponto especialmente incerto trata sobre a desvinculação do Banco Central como Ministério, assumindo, então, status de “autarquia de natureza especial” e livre de subordinação hierárquica. O mesmo artigo advoga que a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira é necessária para viabilizar o projeto de autonomia de mandato. O texto-base não deixa claro se isso significa que a gestão interna terá autonomia orçamentária para executar contratações sem autorização do Ministério da Economia, além de aprovar aumentos salariais de forma unilateral. Tudo indica ser essa a intenção. A experiência recente mostra que a autonomia orçamentária em órgãos dos Poderes Judiciário e Legislativo é subterfúgio para que uma classe privilegiada desconsidere a realidade fiscal em busca de supersalários e mais regalias.

Entretanto o ponto mais preocupante do PLP trata da “proteção legal de dirigentes e servidores do Banco Central por atos praticados de boa fé no exercício de suas atribuições legais’’. Sobre esse ponto não há hesitação de palavras. Na prática, toda a classe de servidores do Banco Central não pode ser responsabilizada por atos praticados no exercício de suas atribuições, salvo a presunção de dolo ou de fraude. Ainda, essa espécie de foro especial por prerrogativa de função é estendida a todos os ex-servidores.

Tal proposta de imunidade irrestrita dificulta a responsabilização por negligência na supervisão de instituições financeiras, por exemplo. Mais grave, mecanismos ao alcance dos servidores, como as reservas internacionais e a taxa de câmbio, poderiam ser usados para interesses pessoais. Autonomia de mandato não deveria vir acompanhada de anistia e falta de transparência. Tal proposta em nada tem a ver com a função do Banco Central em garantir o valor de compra da moeda nacional e oferecer os fundamentos macroeconômicos necessários para o crescimento sustentado, como defendem os apoiadores do projeto de autonomia. 

Considerações Finais

Ter um Banco Central plenamente autônomo não é uma proposta nova, nem entre os especialistas nem entre os parlamentares.  O primeiro projeto a ser apresentado ao Congresso data de antes da introdução do real. Como visto, são vários os benefícios em diminuir a interferência do Executivo sobre a autoridade monetária. Destarte, o que assusta é o PLP 112/2019 ter sido protocolado com tantos vícios e amadorismo, especialmente em um momento estratégico de reformas. Boas intenções não bastam! Tampouco se elas são disfarçadas de tecnicidades para promover uma agenda de privilégios e lançar incerteza sobre a condução da política econômica.

Referências:

  1. Texto-base do Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/2019 e sua tramitação: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2198617
  2. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/04/11/bolsonaro-propoe-autonomia-do-bc-assunto-e-discutido-no-senado-ha-30-anos
  3. Decreto Nº 3.088, de 21 de junho de 1999: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3088.htm
  4. Até 2018, o CNM era integrado pelo ministro da Fazenda (presidente do Conselho), pelo ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e pelo presidente do Banco Central. A partir de 2019, como o superministério da Economia, a composição passou a ser feita pelo ministro da Economia (presidente do Conselho), pelo presidente do Banco Central e pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia.
  5. KYDLAND, Finn E.; PRESCOTT, Edward C. Rules rather than discretion: The inconsistency of optimal plans. Journal of political economy, v. 85, n. 3, p. 473-491, 1977.
  6. BLINDER, Alan S. Central-bank credibility: why do we care? How do we build it?. American economic review, v. 90, n. 5, p. 1421-1431, 2000.
  7. ROGER, S. Inflation targeting at 20: achievements and challenges. IMF Working Papers, v. 9, n. 236, p. 1, 2009.

Autor:

Matheus Biângulo é graduado em Economia pela Universidade de Brasília. Atualmente, é mestrando em Economia pela Universidade de Brasília.

Iluminismo, Maçonaria e Desenvolvimento Econômico

A humanidade chegou neste patamar de desenvolvimento que hoje observamos principalmente a partir do momento em que novas e melhores ideias suplantaram as retrógradas[1].

Essas novas ideias revolucionaram a maneira como as sociedades se organizam, o modo pelo qual enxergamos o mundo, a forma pela qual resolvemos problemas, modificando também as relações de trabalho. Esse processo, contudo, foi lento, com diversas adversidades.

O que se observou, da Renascença até o Iluminismo, foi uma evolução de conhecimento em um mercado competitivo por novas ideias em que novos pensadores apresentaram teorias, fatos, observações e interpretações do mundo à sua volta. Ao invés de um sistema coordenado em que novas ideias eram vetadas pelos guardiões de uma ortodoxia monopolista, essas novas ideias eram expostas ao critério da lógica.

Neste sentido, o Iluminismo se tornou vitorioso por oferecer o link entre o florescimento de ideias e o crescimento econômico seguinte. A ideia de um mercado competitivo por ideias, que preza o conceito de destruição criativa de Schumpeter, implica na existência de um intelectual empreendedor, uma vez que ele tinha que convencer pessoas de suas teses.

A Maçonaria, por sua vez, foi um lugar que permitiu este livre intercâmbio de ideias em um tempo em que Oxford e Cambridge não permitiam. Ou seja, era uma importante organização no mundo moderno com instituições inclusivas[2].

A irmandade, confiança e lealdade dentro da Maçonaria foram chave para uma variedade de ideias. As lojas atuavam com uma instituição que garantia segurança jurídica dessas ideias, em um mundo em que o Estado ainda não desempenhava esse papel explicitamente.

As oficinas maçônicas, que se espalharam por toda Europa e depois para a América, abrigaram pensadores, escritores, políticos, empresários, artistas, profissionais liberais de todas as categorias. Naqueles espaços, seus membros tinham a liberdade de expor suas ideias, na busca constante pela razão e imperava a igualdade entre os irmãos, despidos dos preconceitos de raça, credo religioso, idioma, nacionalidade ou qualquer outro empecilho à unidade do ser humano.

A Maçonaria historicamente proclamou a virtude e combateu o vício, nesse espírito, os maçons da época do Iluminismo imbuíram-se de tal forma dos preceitos fundamentais da ordem, que ela própria passou a ser doutrinária daquelas ideias novas e revolucionárias marcantes no pensamento lógico e racional.

O que foi determinado na era do Iluminismo foi o princípio pelo qual disputas científicas seriam resolvidas quando novas ideias e informações surgissem. Assim, por que o mercado de ideias pioneiro na Europa foi mais suscetível a mudanças no sentido de a ordem dominante não represar novos pensamentos?

Mokyr (2007) destaca três pontos principais. O primeiro seria relacionado ao papel das inovações tecnológicas (como a impressora de Gutenberg), as quais diminuíram os custos de acesso. A tecnologia per se não era suficiente, também era preciso que seu uso fosse permitido, portanto, dependendo dos sistemas políticos e jurídicos de cada nação. O segundo fator se refere ao fato de que a fragmentação política na Europa criou um ambiente em que opiniões não conservadoras poderiam ser levadas a frente sem serem punidas. Se a Europa fosse dominada por um governo central incumbido de defender o status quo do absolutismo clerical e das cortes a qualquer custo, muitas das ideias trazidas pelo Iluminismo não teriam sido propostas em primeiro lugar. Por fim, a era do Iluminismo experimentou muitos casos de fugas de mentes para lugares mais complacentes com as ideias destes visionários. Com isso, a ciência como um todo ganhou com a fragmentação política não apenas dentro dos Estados, mas entre os Estados – basta ver que os intelectuais europeus se ajustaram a este jogo político buscando suas próprias proteções.

Argumenta-se aqui que a Maçonaria também teve um papel importante neste contexto. Não se pretende atribuir nenhuma ordem de causalidade entre a ação da Maçonaria e o Iluminismo, mas apenas afirmar que havia uma via de mão dupla, em que iluministas tinham espaço para difundir suas ideias em templos maçônicos, da mesma forma que esses ideais iluministas se espalharam pelas colônias americanas graças às lojas maçônicas. Os objetivos e princípios comuns das lojas maçônicas tornaram possível uma assimilação extensiva desses ideais e sua propagação.

Pode-se então traçar uma relação entre o crescimento do mundo moderno e o Iluminismo. O Iluminismo pode ser visto como um conjunto de ideias vencedoras nos campos de filosofia política, ciência, metafísica e economia. A Europa teve um Iluminismo de sucesso porque ela já dispunha de um mercado para ideias em que as ideias podiam competir e ganhar por mérito próprio, em contrapartida, outras partes do mundo ficaram para trás na busca pelo conhecimento e progresso.

E o que fez a diferença, no final das contas? Todo o processo de mudança institucional pelo qual a Europa passou, vendo o mundo não como um jogo de soma zero, mas como um ambiente capaz de produzir cada vez mais e de se viver melhor em comunidade, por mais que essa transição não tenha sido pacífica.

As instituições europeias mudaram em parte porque aqueles que escreveram as novas constituições e formularam as novas regras do jogo econômico foram convencidos que as ideias iluministas estavam corretas.

Desse modo, o sistema político-administrativo de alguns países da Europa e América do Norte foram pioneiramente reformados de maneira que o pluralismo começou a ser gradualmente implantado: direitos fundamentais começaram a ser garantidos a todos, e não apenas aos amigos do rei, invenções que traziam consigo não apenas eficiência, mas mudança de poder e quebra de monopólios referendados pela Coroa ficaram mais e mais frequentes; o reconhecimento que o progresso vem do trabalho e da troca, e não da exploração e expropriação, entre outros.

Os países que lideraram essa nova forma de organização de suas sociedades também estiveram na vanguarda da busca pelo desenvolvimento. Não é coincidência que a maioria dos países desenvolvidos de hoje são aqueles que se aproveitaram das ideias iluministas para organizarem suas instituições, seus modos de produção, etc.

Em suma, a Maçonaria, como veículo de pensamento liberal, contribuiu, de alguma maneira, para a construção de um melhor arcabouço institucional e não em benefício de algum ramo político em particular, aceitando no seio de suas lojas por quase 300 anos a inda e vinda de ideias cujo propósito agiria no sentido de melhorar a condição humana. O Mercado de Ideias em seu sentido amplo que se pretendeu resumir nos parágrafos acima foi beneficiado pela ação das lojas maçônicas espalhadas pelo mundo.

Com o amadurecimento das democracias e da liberdade de pensamento, com o florescimento das faculdades, partidos políticos, ONGs, organismos multilaterais, e da própria internet, pelo seu caráter comunicador e educador, a Maçonaria perdeu sua vantagem comparativa na disseminação de ideias pró desenvolvimento. Ou seja, a Maçonaria exerceu sua influência máxima em um mundo governado sob instituições destrutivas, quando não se observavam os direitos fundamentais que as pessoas hoje possuem. Hoje vivemos em democracias que se conversam entre si, há diversas outras organizações cujo objetivo é a propagação irrestrita de conhecimento e o segredo não é necessário para exercer a liberdade de se expressar. O Mercado de Ideias possui hoje um apoio universal e não apenas de homens iluminados.

  1. É isso o que defende J. Mokyr em The market for ideas and the origins of economic growth in eighteenth century Europe, de 2007. Os argumentos colocados ao longo do texto tomam como referência principal este trabalho.

  2. A relação entre a Maçonaria e o Iluminismo pode ser encontrada em Reason, Liberty and Science. The Contribution of Freemasonry to the Enlightenment, escrito por M. Calance em 2013.

Autor:

Fernando de Faria Siqueira é economista, com graduação pela UnB e mestrado pela FEA-USP. Atualmente, é aluno de doutorado em Economia Aplicada na Universidade de Brasília e servidor concursado da Anatel.

BITCOIN, uma nova perspectiva sobre o dinheiro e as autoridades monetárias

Em alguns momentos da história, o poder de decisão muda de lugar. Nestes momentos uma alteração nas crenças e paradigmas se fazem presentes. As revoluções se apresentam ao longo da história como um canal de passagem que rompe a inercia e provoca a sociedade para um novo equilíbrio com (supostamente) mais bem-estar social. Esta sociedade, mesmo com toda a cultura e conservadorismo, vai pouco a pouco aceitando as novas ideias. Moedas virtuais fazem parte de uma nova revolução digital e financeira. Uma revolução que passa por uma perda de poder das autoridades monetárias como guardiões do poder de compra da moeda e da solidez dos sistemas financeiros nacionais.

A tensão cresce à medida que o mercado de criptomoedas prospera. A quantia movimentada em BitCoin passa de 400 milhões de dólares por dia. Os bancos centrais estão sofrendo para impor suas vontades ao mercado. Os que tentaram proibir a circulação de Bitcoin, inclusive com a criminalização, não obtiveram êxito. A dicotomia entre intervencionistas e liberais sobe no palco mais uma vez. Desta vez, porém, não estão definidos os mecanismos de política monetária aplicada neste cenário.

Como fica o poder da autoridade monetária quando ela deixa de participar da emissão da moeda? Bitcoin, assim como outras moedas virtuais, possui um processo de emissão que passa pela mineração e segue pelo registro em um blockchain. É um modelo descentralizado. Não existe autoridade monetária. Um software controla o fluxo de emissão. O dinheiro virtual pode ser guardado em carteiras e, há alguns anos, já pode ser trocado por dólares ou outras moedas. Associado a isso, as criptomoedas já passam a ser aceitas como meio de troca para compra de mercadorias.

Em junho de 2019, o site coinmap.org apontava que mais de 15 mil estabelecimentos ao redor do mundo já aceitavam Bitcoin como pagamento pelos seus serviços ou produtos. Bitcoin, portanto, já pode ser usado como unidade de conta visto que é possível obter os valores das mercadorias usando-o como referência. Por fim, o Bitcoin tem sido bastante usado como reserva de valor. Embora tenha passado por uma queda significativa no ano de 2018, observando o gráfico abaixo, vemos que ele continua atraindo investidores.

O gráfico acima, do dia 27/06/19, apresenta outras informações relevantes. Primeiramente, a variação das últimas 52 semanas. Neste período a cotação do Bitcoin oscilou entre 13.764 e 3.216 dólares. O valor de mercado chegou a 19 mil dólares no início de 2018, em seguida caiu, atingindo a mínima em $ 3.216. Voltou a subir com força nas últimas semanas quando se aproximou dos 14 mil dólares. No dia 27/06, a cotação estava em 11.915 dólares, com uma queda de 5,25%. Isso mostra uma grande instabilidade e provoca insegurança em várias pessoas que poderiam ter essa moeda como reserva de valor.

Mas, se seu interesse for investir na moeda, como você deve proceder? Aqui começam a aparecer instituições que fazem dinheiro no mercado de criptomoedas. No mundo físico, você guarda sua carteira no bolso da calça ou na bolsa. A carteira é um bem que você deve deixar protegido para evitar que seja furtada. O universo das moedas virtuais segue o mesmo princípio. O Bitcon pode ficar armazenado em carteiras on-line ou offline. O site bitcoin.org apresenta vária dicas para proteger sua carteira.

De posse da carteira você pode comprar ou fazer operações de câmbio. Uma empresa que trabalhe com troca ou exchange de moedas deve entrar em campo. Hoje, a maior empresa que atua no mercado brasileiro é a Mercado Bitcoin, para você não afirmar que estamos fazendo propaganda para alguém podemos citar também Foxbit. Por fim, é possível comprar nas várias empresas brasileiras que oferecem esse serviço no site da Biscoint.

A possibilidade de troca entre moedas faz surgir uma outra oportunidade de negócio neste contexto: a arbitragem. A arbitragem é uma estratégia muito comum nos mercados financeiros e que pressupõe a existência de preços diferentes para um mesmo ativo que seja comercializado em diferentes praças. Algumas empresas que trabalham no setor usam robôs para automatizar a execução das ordens de compra e venda e maximizar seus lucros.

Já temos alguns exemplos de empresas que atuam neste meio; exchanges, companhias que trabalham com carteiras digitais, arbitragem, e mineração. Temos ainda instituições que vendem relatórios ou estudos sobre o desempenho das moedas no mercado. Esse cenário ainda é incrementado por lançamento de novas moedas virtuais. Esse tipo de ação funciona de forma semelhante a uma oferta pública de ações, contudo nem sempre as moedas têm lastro como as empresas. Uma lista da últimas ICO (Initial Coin Offering) pode ser encontrada no site https://coinlauncher.io/.

As autoridades monetárias

Até aqui trouxemos uma rápida visão do ecossistema ao redor de uma criptomoeda. Agora como os bancos centrais entram em cena? Será que eles podem atuar de forma efetiva ao menos na regulação das criptomoedas?

No Brasil, o Banco Central, aparentemente, apenas estuda o assunto, mas não atua de forma proativa. No site da instituição observamos um FAQ e nele é deixado claro que “as chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas” são representações digitais de valor que não são emitidas por Banco Central ou outra autoridade monetária. O seu valor decorre da confiança depositada nas suas regras de funcionamento e na cadeia de participantes”. Perceba que você não pode reclamar ao Bacen se sua carteira de moedas virar pó de uma hora para outras.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por sua vez, entende que as criptomoedas, como o bitcoin, não se submetem ao órgão regulador, uma vez que o ativo “não é considerado atualmente um valor mobiliário”. Interessante é que o STJ decidiu em 2019 que a competência para julgar crimes relacionados a moedas virtuais é da justiça estadual. Aparentemente ainda temos muito o que entender antes de regularmos nacionalmente as moedas virtuais.

Outros países estão preocupados com a expansão das moedas virtuais. O Financial Stability Board (FSB) e a autoridade monetária do Reino Unido demonstram receio com o anúncio do Facebook da sua própria moeda virtual. Segundo o Financial Times, “o Facebook espera mudar os rumos do mercado global de pagamentos com sua nova moeda, chamada Libra, a empresa promete transferências instantâneas e quase gratuitas. A empresa está trabalhando com outros grupos de internet e pagamentos, incluindo Uber, Lyft, Visa e Mastercard, cada um dos quais se comprometeu a investir US$ 10 milhões no projeto.”

O Banco de Cingapura está conversando com o Facebook para entender suas intenções. O potencial de uma empresa que tem bilhões de usuários causar um impacto no mercado financeiro global é significativo. As preocupações vão desde a segurança e privacidade dos valores, até lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas. No momento, existem vários grupos de estudos dedicados a entender os impactos e tentando desenvolver uma regulamentação para alinhar os requisitos legais seguidos pelos bancos comerciais aos seguidos pelas moedas. Contudo, nada de muito concreto foi apresentado.

Hoje, o que sabemos é que as moedas virtuais funcionam de forma descentralizada, com baixos custos de transações aparentemente livres de regulação das autoridades monetárias. Esse fato limita o governo no sentido de impedir o uso da moeda pelos cidadãos. Algumas tentativas de criminalizar o Bitcoin foram feitas em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Vietnã. Todas sem sucesso. A tendência por uma regulamentação supranacional está cada vez mais visível, o problema é como alinhar a cabeça de vários líderes em um único texto. Vamos aguardar os próximos passos dessa metamorfose ambulante chamada criptomoedas.

Autor:

Thiago Rodrigues Cavalcanti é analista do Banco Central do Brasil na Área de Tecnologia da Informação (TI). Formado em Ciência da Computação na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Mestrado em Engenharia de Software pela UPFE. Professor de Análise da Informações e Banco de dados para concursos e cursos de TI. Trabalhou com modelagem e administração de dados, construção de Data Warehouses e ferramentas de análise de dados voltadas para consolidação de informações sobre o sistema financeiro nacional. Atualmente é aluno de doutorado em economia na UnB.