Economia de Serviços

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Month: fevereiro 2019

To be or not to be: as concessões aeroportuárias no Brasil e a situação da Infraero

Com o aumento da renda média dos brasileiros ao longo dos anos, houve expansão na demanda por passagens aéreas e na malha aeroviária brasileira. Contudo, os investimentos públicos em infraestrutura aeroportuária não acompanharam o crescimento do número de passageiros transportados, o que resultou na necessidade de concessões, visando uma melhor experiência para os usuários.

A primeira concessão realizada foi a de São Gonçalo do Amarante (RN), seguida da primeira rodada de concessões (Brasília, Guarulhos e Viracopos) e posteriormente outras duas rodadas foram realizadas concedendo os aeroportos de Confins (MG), Galeão (RJ), Eduardo Magalhães (BA), Pinto Martins (CE), Salgado Filho (RS) e Hercílio Luz (SC). Neste ano previa-se a concessão em blocos de 12 aeroportos nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, uma nova experiência em termos de formato de leilão e tamanho de aeroportos leiloados.

O crescimento do setor como um todo está diretamente ligado à demanda por passagens aéreas. O aumento de passageiros na aviação brasileira pode ser explicado pelo aumento de renda do brasileiro (gráfico 1) e a queda no preço das passagens aéreas (gráfico 2), entre outros. Porém, atualmente, as empresas conseguem influenciar a demanda por causa de promoções, diferenciação de tarifas e programas de fidelidade.

Gráfico 1 – Relação PIB per capita Brasil (USD) versus milhões passageiros transportados em voos domésticos,

Fonte: Anuário da Aviação  Civil (ANAC). Elaboração: Própria

Gráfico 2 – Evolução da Tarifa Aérea Média Doméstica Real (Preço real médio da passagem, R$) no 1º trimestre de cada ano, 2009 a 2018.

Fonte: ANAC. Elaboração: Própria.

Pelo lado da oferta, por sua vez, a aviação possui fatores de competitividade que representam fortes barreiras à entrada para companhias que desejam atuar no mercado. As companhias dominantes no mercado possuem hegemonia nas rotas mais rentáveis, por fatores como o maior número de horários disponíveis nos aeroportos para pousos e decolagens (slots). Além disso, os altos custos operacionais são também uma barreira que exige da companhia um poder de capital elevado para sanar os gastos de combustível e a manutenção das aeronaves – que são atrelados ao dólar – e representam mais da metade do custo total das companhias. O caso da Avianca é emblemático. Foi uma companhia que entrou no mercado depois das duas grandes líderes, não conseguiu as melhores rotas por conta dos slots já alocados e, aparentemente, possui menor escala de operação que as demais, dificultando sua inserção e atuação no mercado aéreo brasileiro, o que pode ter contribuído para a sua situação atual de desequilíbrio financeiro.

Trazendo o foco para a próxima rodada de concessões aeroportuárias, temos que essa se torna importante pela disparidade de tamanho entre os aeroportos já concedidos e os que ainda serão leiloados. Tal fato resulta na necessidade de ajustamento do modelo de leilão proposto pelo Governo Federal à realidade da demanda por esses aeroportos, uma vez que a finalidade das concessões não é apenas gerar receitas patrimoniais e aliviar despesas públicas, mas também permitir que as empresas obtenham receita para a execução dos investimentos dentro dos prazos e providenciem melhorias aos usuários, permitindo também a expansão do transporte aéreo.

Dessa forma, o modelo atualmente em pauta foi o de concessão em blocos, que visa o arremate de um conjunto de aeroportos pela mesma concessionária por um único valor de outorga. A ideia é que os aeroportos maiores, de maior rentabilidade, cubram a menor rentabilidade dos aeroportos menores, uma forma de subsídio cruzado entre os aeroportos. Foram, inicialmente (no governo Temer), criados três blocos que englobam os seguintes aeroportos:

  • Bloco Nordeste: Recife, Maceió, João Pessoa, Aracaju, Juazeiro do Norte e Campina Grande;
  • Bloco Sudeste: Vitória e Macaé;
  • Bloco Centro Oeste: Cuiabá, Sinop, Alta Floresta e Rondonópolis.

Existem inúmeras motivações para um Estado optar pela privatização ou venda de seus ativos. Dentre elas, estão: (1) aumentar a receita do Estado, uma vez que, em concessões, o ente privado paga uma taxa pelo direito à exploração e fornecimento de serviços públicos; (2) promover eficiência econômica, por meio da adoção de práticas e processos que reduzam os custos operacionais; (3) reduzir a interferência do Estado na economia, caso isso seja identificado como uma necessidade; (4) ampliar a base acionária do país, permitindo que um maior número de agentes participem de atividades econômicas outrora restritas aos governos; (5) promover condições para a formação de ambientes competitivos, por meio da abertura de mercados a um maior número de concorrentes; (6) submeter as empresas estatais a um ambiente competitivo; e, por fim, (7) desenvolver o mercado doméstico de capitais, com, por exemplo, a atração de investimentos estrangeiros. Acreditamos que alguns destes pontos já apresentaram avanços importantes no setor, após o início do processo de concessões. Para citar um exemplo de avanço recente, atualmente as companhias nacionais já podem ter até 100% de capital estrangeiro em sua composição.

Como o intuito do novo governo eleito é dar continuidade ao processo de concessões e privatizações no país, é fundamental percebermos as falhas e lacunas ocorridas no passado para que possamos aprimorar o modelo para o futuro. Uma das críticas feitas às primeiras rodadas de concessões de aeroportos foi a participação de 49% da Infraero. O intuito da companhia foi não perder participação nos grandes aeroportos brasileiros (que são os mais rentáveis), contudo, isso trouxe uma série de consequências maléficas para o resultado da empresa. A questão mais abordada é a situação dos funcionários que restaram após as concessões. Após a mudança de controle dos aeroportos, os funcionários tiveram a opção de seguir trabalhando no aeroporto como funcionários da Sociedade de Propósito Específico (SPE), entrar em um programa de demissão voluntária, seguir como funcionário da Infraero ou migrar para outra estrutura do Governo Federal. Como os funcionários da Infraero seguem um plano de carreira e o país vivia e ainda vive certa instabilidade econômica, não era racional deixar a companhia. Estima-se que um funcionário da Infraero recém-contratado receba cerca de R$2.000, o que é comparável ao salário pago no setor privado. Contudo, após 20 anos de permanência na companhia, os salários podem atingir R$ 10.000, o que não é pago na iniciativa privada. Assim, devido à expectativa dos aumentos e considerando a situação do país, muitos empregados decidiram permanecer na Infraero.

Observando a situação de forma geral, existe o seguinte panorama: a Infraero concedeu 51% dos seus maiores aeroportos e a totalidade de outros, o que causou redução na sua receita aeroportuária, porém houve recebimento de outorgas. Funcionários não desejam migrar para a iniciativa privada, acreditam que a instituição não vai falir por ser atrelada ao Governo Federal e permanecem recebendo aumentos por tempo de permanência na companhia.

Portanto, o que será da Infraero? Ela continuará existindo nos moldes atuais? Quais seriam as possíveis saídas? A companhia deve abrir capital? Isso poderia trazer aportes financeiros para a empresa. Mas será que, na atual situação dela, do governo, e do país, alguém estaria disposto a comprar ações da Infraero?

O modelo de concessões deve ser mantido (e ao final do contrato os ativos retornam ao governo para novo leilão) ou poderíamos partir pra um modelo de privatização (em que o ativo é de fato comprado e transferido e pertencerá ao ente privado ganhador do leilão)? Diante desta questão da Infraero, a possível vantagem da privatização seria que o passivo trabalhista fruto do processo poderia ser absorvido pela empresa ganhadora do leilão. Com isso, o governo teria uma preocupação a menos, em termos de custos. Por outro lado, precificar esses ativos de forma adequada poderia demandar tempo e também recursos, além de desgastes políticos.

Com a aproximação de novas rodadas de concessão e a situação da Infraero se deteriorando, é necessário um modelo de concessões que alivie o máximo possível as contas públicas e ao mesmo tempo permita rentabilização das operações em bloco. O Presidente Jair Bolsonaro liberou uma prévia dos blocos a serem supostamente concedidos em 2020, como pode ser observado abaixo:

Imagem 1 – Novas concessões previstas

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Fonte: Valor Econômico.

Os investimentos totalizariam mais de US$ 2,56 bilhões e a concessão contaria com a presença de dois grandes aeroportos brasileiros ainda não concedidos, Congonhas e Santos Dumont. Considerando o grande número de empregados nesses dois aeroportos, seria mais uma situação trabalhista complicada para a Infraero. Estaríamos vivenciando os momentos finais da Infraero? Ser ou deixar de ser, essa é a questão!


Autores:

Bernardo Mafra Mendes, 21 anos, Formado em Economia pela Universidade de Brasília, ex-diretor de projetos da empresa júnior de Economia (Econsult). 

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

O Desafio de Acemoglu e Robinson

Em 2012 James Robinson e Daron Acemoglu lançaram o livro Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty que foi um sucesso imediato, não só no mercado acadêmico, mas também no mercado editorial geral. A hipótese central do livro é que instituições, e não cultura, geografia, ou sorte, são a causa fundamental do crescimento econômico de longo prazo. Era essencialmente a mesma mensagem que algumas décadas de literatura da nova economia das instituições já havia desenvolvido (Douglass North, Ronald Coase, Oliver Williamson e Elinor Ostrom): que instituições abertas e inclusivas, caraterizadas por impessoalidade e rule-of-law e acompanhadas por freios e contrapesos sobre o poder do Estado, são imprescindíveis para que um país se torne verdadeiramente desenvolvido. Eles mostram através de inúmeros exemplos históricos e dados comparativos que somente um pequeno grupo de países em todo mundo conseguiu atingir este tipo de desenvolvimento, enquanto a grande maioria, onde prevalecem instituições extrativas e acesso limitado a mercados econômicos e políticos, falharam.

Com o sucesso do livro os autores foram convidados a dar palestras e apresentações em vários lugares diferentes. Na época, eu devo ter ouvido mais de uma dezenas de palestras via podcasts ou no Youtube. Dado o nível dos autores e sua segurança na exposição de seus argumentos, sempre havia a sensação de que o público estava convencido. Mas inevitavelmente, quando o moderador abria o microfone para a sessão de perguntas do público, vinha a mesma pergunta avassaladora que fazia muitos reconsiderar sua posição: “Mas então como vocês explicam a China? É uma ditadura, com instituições fechadas, extrativas e excludentes, e, no entanto, é o país que mais cresce no mundo há muito tempo e logo será o país mais rico do mundo.” Os autores sempre davam a mesma resposta, na linha desta argumentação em seu Why Nations Fail Blog:

When economic institutions take steps towards greater inclusivity — which has happened many times in history and is exactly what happened in China starting in 1978 — this can usher a rapid period of economic growth. Where political institutions come in is that inclusive economic institutions can emerge and encourage growth in the short run but cannot survive in the long run under extractive political institutions. It is for this reason that the rapid growth of China over the last three decades isn’t an exception to our theory.

E eles seguem com o seguinte desafio: Se a China continuar a crescer por mais várias décadas e chegar a níveis de PIB per capita comparáveis aos dos EUA e da Alemanha, mantendo o tempo todo o mesmo tipo de instituições políticas autoritárias e extrativas, então isto refutaria a sua teoria. É assim que deve ser a ciência, sujeita à falsificação pelas evidências. No entanto, naquelas palestras esta resposta dos autores não parecia convencer muitas pessoas. Afinal a China não parava de crescer e de deslumbrar o mundo com sua capacidade de exceder todas as expectativas. Talvez instituições sejam importantes, mas a China seja um caso especial que desafia as explicações convencionais.

Este ainda não é o momento de tirar a prova e ver quem vence o desafio. A transição da China ainda está se processando e não é possível ainda tirar conclusões definitivas. A China já está alcançando os EUA em termos de PIB nominal, mas ainda está mais ou menos no mesmo nível do Brasil em termos per capita. Como diz o desafio, trata-se de uma questão de longo prazo (várias décadas) e não de conjuntura. No entanto, pode ser interessante ver como estão evoluindo algumas variáveis da economia e sociedade chinesa para termos uma ideia de como vai a contenda até agora.

Não é preciso fazer muito esforço para argumentar que a trajetória ascendente da China continua forte. Sua economia continua crescendo a altas taxas independente de crises mundiais. Em janeiro deste ano um artigo de capa da The Economist explica How China Could Dominate Science. No mesmo mês uma nave Chinesa foi a primeira a aterrissar no lado escuro da lua. Dos 20 prédios mais altos do mundo 10 estão na China (11 se contar um em Taiwan). As companhias de tecnologia da informação da China já rivalizam as ocidentais, com o trio BAT (Baidu, Alibaba e Tencent) valendo atualmente acima de um trilhão de dólares.

Em novembro, de 2017 eu estive na China pela primeira vez, para uma conferência em Shenzhen. Nesta cidade, mais jovem do que Brasília, porém já com uma população de mais de 12 milhões de pessoas, eu quase me convenci de que Acemoglu e Robinson estavam errados. A cidade era imensa, moderna, agradável e bonita. Além disto, os anfitriões nos levaram para visitar o moderníssimo trem-bala que estavam prestes a inaugurar, ligando à cidade a Guangzhou em menos de 50 minutos (em vez de duas horas) Um país que tinha a capacidade de fazer cidades e infraestrutura assim certamente tornar-se-ia em pouco tempo um país desenvolvido.

Mas apesar de todo este deslumbre, havia alguma coisa errada. Demorou até que eu conseguisse perceber o que era, mas logo ficou claro: onde estão os pobres? Embora a China tenha bolsões de prosperidade, como Shenzhen, ainda é um país predominantemente pobre. O fato de não haver pobres em Shenzhen não era algo natural. Cidades de países pobres costumam ser feias e sujas exatamente por que os pobres migram para as cidades em busca de melhores oportunidades e serviços públicos. Se não havia mendigos ou favelas em Shenzhen não era por que eles não quisessem estar lá, mas por que lá há acesso limitado às cidades, algo que só pode ser mantido com mão de ferro. Da mesma forma, as ferrovias, hidroelétricas e prédios não deviam tanto à engenharia chinesa como à capacidade de construir sem ter que se preocupar com questões de direitos de propriedade, direitos humanos e maio ambiente.

Estas questões ilustram por que é tão difícil prever quem está vencendo o desafio. Por um lado, há diversas evidências de progresso, crescimento e prosperidade. Por outro, há desigualdade, exclusão e acesso limitado. Sempre é possível imaginar que um dos lados eventualmente irá prevalecer, extinguindo o outro. Talvez seja preciso primeiro crescer para depois redistribuir como afirmava Delfim Neto na década de 1970 e Ronald Reagan na de 1980 com trickle-down economics. Pode ser que democracia e direitos humanos sejam bens de luxo, cujo consumo só aumenta à medida que a renda suba suficientemente. Sob esta perspectiva, à medida que a população chinesa enriquecesse, surgiria uma grande classe média que demandaria voz, participação e rule-of-law.

Um artigo recente no The Economist nota que a mesma dúvida sobre a trajetória futura da China já existiu com relação à União Soviética. Nas décadas de 1950 e 1960 muitos observadores ocidentais, inclusive o eminente economista Paul Samuelson, achavam que a União Soviética estava mostrando uma forma superior de organizar a economia e que estava fadada a dominar o mundo. Assim como a China, a União Soviética atingiu maiores taxas de produtividade e de crescimento transferindo pessoas do campo para as cidades. Porém lá, este tipo de crescimento eventualmente se esgotou, e o efeito das instituições fechadas e extrativas foi exatamente o que as teorias institucionalista previam.

Seria a China diferente? Certamente há bastante diferenças. A China possui uma economia essencialmente capitalista e está integrada na economia global. Sabemos muito mais sobre a China hoje do que sabíamos sobre a União Soviética. Mas, e quanto às instituições políticas? Existe alguma evidência de alguma abertura política ou na direção de mais voz, inclusão e participação da população? Estes são os elementos chave na teoria do Acemoglu e Robinson, sem os quais, segundo eles, a China não poderia sustentar o crescimento recente.

Em um post não é possível considerar toda a evidência que seria necessário para resolver esta questão. Vejamos, no entanto, quatro fatos sobre a evolução recente das instituições políticas Chinesas, escolhidos, admitidamente, com um certo viés de confirmação. São todos elementos que refletem mudanças recentes nas instituições políticas Chinesas:

  1. Em Fevereiro de 2015 o Partido Comunista Chinês eliminou a regra que limitava o Presidente a um mandato único. Isto permitirá a Xi Jinping permanecer indefinidamente no poder. Como a China já era uma ditadura, pode não parecer uma mudança particularmente importante. Outras mudanças simultâneas, porém, sugerem uma centralização e endurecimento contrários à aparente abertura que muitos desejavam ver. Em outubro de 2017, a Constituição do Partido Comunista adicionou um novo princípio aos 23 já existentes. O novo princípio estabelece o conjunto de normas de comportamento e crenças conhecido por Xi Thought, como guia para o socialismo com características chinesas para a nova era. Já existe um instituto de Xi Jinping Thought com o objetivo de desaminar este conhecimento nas universidades e entre a juventude. Four legs good, two legs bad! Four legs good, two legs bad!
  2. Hoje o setor privado é responsável por 80% da produção industrial chinesa. Embora o Presidente Xi costume enaltecer este setor em seu discurso, tem havido uma clara tendência de aumento da interferência e usurpação do Estado em firmas privadas, muitas vezes para favorecer as grandes empresas estatais. Isto inclui desde interferência política nas decisões das firmas, pressão para incluir membros do Partido Comunista nas diretorias e até a compra forçada da empresa. O fenômeno é tão prevalecente que tem até um nome; guojin mintui, ou seja, ‘o Estado avança enquanto o setor privado se retraí’. Está certo que isto costuma acontecer em vários países. O Brasil, por exemplo, tem sua própria versão de guojin mintui tupiniquim. A questão de quão nocivo isto possa ser para a eficiência, investimento e inovação no longo prazo talvez dependa da existência de salvaguardas e freios e contrapesos que os empresários e investidores possuam para recorrer contra abusos e injustiças (Levy and Spiller, 1996). No Brasil existe um judiciário independente, uma imprensa livre, um ministério público atuante, uma sociedade civil organizada e participante, e eleições periódicas. Na China não há nada disso.
  3. O crescimento econômico chinês gera prosperidade e confortos, mas naturalmente tem os seus descontentes. O Partido Comunista permite protestos de massa, e eles existem em grande número. Não se tem números muito claros pois o Ministério da Segurança Pública parou de divulgar dados e vários pesquisadores e ONGs que tentam documentar os protestos costumam ser presos ou reprimidos. Em geral, os protestos permitidos são aqueles que não são percebidos como ameaça, em particular protestos que não tem alcance nacional. O Partido Comunista até encoraja protestos locais – muitas vezes relacionados à propriedade da terra, poluição ou escolas – como uma forma de controlar e monitorar políticos locais.
  4. A China construiu mais arranha-céus em 2018 do que qualquer outro lugar no mundo ou da história de acordo com o Council of Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH). São 88 prédios de mais de 200 metros. Isto pode parecer uma coisa boa. Existe porém uma maldição dos arranha-céus (skyscraper effect) segundo a qual a construção de arranha-céus em um país costuma levar a recessão. Esta regularidade empírica foi notada primeiro pelo economista Andrew Lawrence em 1999. Não se trata de superstição ou mandinga. O efeito atua através de distorções nos mercados de crédito, capital, terra e trabalho, além do gasto público, assim como a realização de Olimpíadas costuma deixar um contra-intuitivo legado negativo nos países hospedes.

Possivelmente, daqui a cinco ou dez anos iremos olhar para trás e estes quatro pontos terão sido pequenos percalços eventualmente superados por uma China próspera, dominante e democrática. Se este for o caso, Acemoglu e Robinson não terão sido refutados. As instituições políticas terão mudado e permitido que um crescimento de curto prazo se tornasse desenvolvimento de longo prazo. Se, porém, estes quatro indícios recrudescerem e forem seguidos de outros desenvolvimentos semelhantes, e isto provar ser um empecilho à transição chinesa, mantendo o país em uma armadilha da renda média (middle-income trap), eles não terão sido refutados. Façam as suas apostas.

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https://www.area148.com/the-babel-syndrome/

Bernardo Mueller é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor dos livros Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change (2016) e Institutional and Organizational Analysis: Concepts and Applications (2018).