A questão da neutralidade de rede foi bastante debatida durante a discussão e posterior aprovação do chamado “Marco Civil da Internet”. Este é um assunto que vem sendo tratado há pelo menos uma década no restante do mundo e há argumentos razoáveis contra e a favor de se estabelecer normas e leis que garantam essa neutralidade. Mas o que é a “neutralidade de rede” e por que se trata de questão importante?

A neutralidade de rede é o princípio segundo o qual todos os conteúdos, websites, plataformas e aplicativos devem ser tratados de maneira igual pelos provedores de internet, independentemente dos pacotes contratados. Por esse princípio, uma pessoa não deveria ser obrigada a fazer um plano especial com o seu provedor de internet para poder acessar a Wikipédia, o Netflix ou qualquer outro serviço. Sob o mesmo princípio, uma pequena loja online (ou mesmo a Amazon) não deveria ter de pagar aos provedores de internet para que os usuários possam ter acesso aos seus serviços.

O princípio garante, por exemplo, que uma operadora de celular não restrinja o acesso a serviços como o Skype, que concorrem diretamente com os serviços de telefonia da própria operadora. Alternativamente, sem a neutralidade de rede, uma provedora de internet poderia fazer pacotes de acesso para serviços específicos, com diferentes precificações, tal qual as empresas de TV a cabo fazem com os canais de televisão (ver exemplo hipotético na imagem abaixo).

Para seus defensores, a neutralidade de rede é importante para não inibir a entrada de sites e aplicativos inovadores no mercado atualmente aberto da internet. Ao mesmo tempo, a neutralidade assegura a livre navegação por parte dos usuários.

Garantir a neutralidade de rede seria justificado pela natureza oligopolística (e, em alguns casos/regiões, até monopolística) das provedoras de internet fixa e móvel. Em muitas cidades, há apenas uma ou duas empresas provedoras de internet fixa e cobertura de duas ou três operadoras de internet móvel. Esse ambiente de alta concentração poderia, no limite, fazer com que os consumidores só tivessem acesso (ou tivessem acesso preferencial) a conteúdos e aplicativos escolhidos por estas operadoras.

Os contrários à imposição da neutralidade de rede também argumentam que ela pode trazer restrições a discriminações benéficas ao consumidor. Por exemplo, uma operadora poderia fazer um plano básico e barato de internet com acesso limitado a serviços como email, WhatsApp e Facebook para usuários que não utilizam mais que isso,[1] e outro plano mais avançado e rápido para pessoas que usam frequentemente serviços intensivos em banda, como Netflix ou torrents. Nessa situação hipotética, o primeiro usuário se beneficiaria de um plano barato e adequado às suas necessidades, enquanto o segundo poderia ter um acesso mais rápido aos serviços utilizados.

Outro argumento dos que são contrários ao estabelecimento de leis garantindo a neutralidade de rede é que impedir provedoras de internet de fornecer pacotes específicos a preços diferentes para distintos usuários limitaria o retorno dessas empresas, o que, por sua vez, poderia fazer com que elas investissem menos em infraestrutura. Outros argumentam que, mesmo a internet tendo passado décadas sem regras que obrigassem as provedoras a manterem a neutralidade de rede, a neutralidade pouco teria sido violada ou ameaçada. Portanto, impor regras nesse sentido seria desnecessário.

A discussão é relevante para os dias atuais,já que o acesso à internet tornou-se um serviço de utilidade pública e as linhas que dividem as atividades de empresas voltadas para a internet têm se tornado cada vez mais tênues. Grandes empresas de conteúdo, como o Google (através do Project Loon) e o Facebook (por meio do internet.org), estão interessadas em levar internet gratuita ou de baixo custo a áreas pobres e remotas do mundo.

O projeto do Facebook tem sido criticado por fornecer apenas serviços que a companhia escolhe – naturalmente, o próprio Facebook é um desses serviços. Já o Google tem sido criticado pelo seu potencial de direcionar os usuários, podendo, inclusive, decidir eleições acirradas, por meio de seus algoritmos.

Sem dúvida, uma maior cobertura da internet pelo mundo é bem-vinda, mas, como não há almoço grátis, é preciso saber se os benefícios superam os custos (financeiros ou não). Apesar dos argumentos contrários à garantia da neutralidade de rede, manter os princípios da internet aberta, livre e com poucas barreiras de entrada para novos empreendedores ainda é o melhor caminho.

 

Figura – Exemplo hipotético de como as provedoras de internet poderiam cobrar por pacotes específicos de serviços online, sem a exigência de neutralidade de rede

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Fonte: Le Monde

[1] De certa maneira, algumas operadoras de telefonia brasileira já têm aderido a esse tipo de prática ao não cobrarem de seus clientes o acesso ao Facebook, Whatsapp e Twitter.