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Telecomunicações têm a maior receita do setor de serviços – parte II

Em post anterior, mostramos os serviços de telecomunicações se destacando entre os demais serviços na geração de receitas. Neste post, mostraremos eles se destacando em produtividade e em remunerações no país, além da queda, ao longo do tempo, na participação do setor de telecomunicações no setor de serviços. Por último, será mostrado a relevância da inovação tecnológica para o setor seguir crescendo.

Desde a primeira série histórica da Pesquisa Anual de Serviços do IBGE – PAS com os serviços de telecomunicações discriminados (1999), eles ocupam o primeiro lugar entre os serviços de maior geração de receita operacional líquida no país e o primeiro ou segundo lugar entre os serviços de maior produtividade nacional (resultado da divisão de valor adicionado por pessoal ocupado), conforme tabela abaixo.

Tabela 1. Posição dos serviços de telecomunicações em rankings do setor de serviços, de 1999 a 2015.

Fonte: PAS-IBGE. Elaboração própria.

Apesar dos serviços de saúde e de intermediação financeira nunca terem sido incluídos na PAS, ao longo do tempo o número de serviços analisados se ampliou. Até 2006, por exemplo, serviço dutoviário não era abordado. Foi justamente a incorporação desse serviço de 2007 em diante que fez telecomunicações cair da 1ª para a 2ª posição no ranking de serviços com maior produtividade. Isto porque o serviço realizado por meio de dutovias gera alto valor adicionado por causa dos produtos caros transportados como gasolina e minério de ferro e, ao mesmo tempo, emprega pouquíssima mão de obra. Em 2015, por exemplo, o valor adicionado pelas telecomunicações foi 5,4 vezes maior que o valor adicionado pelos serviços dutoviários. Porém, a quantidade de pessoas ocupadas nas telecomunicações era 25 vezes maior, levando este último serviço a ocupar o 2º lugar no ranking de produtividade.

Os ocupados no setor de telecomunicações costumam receber maiores remunerações, comparativamente aos ocupados nos demais serviços no país. Enquanto a remuneração média anual dos primeiros, entre 1999 e 2015, foi de aproximadamente R$ 40.000,00, a dos últimos foi de aproximadamente R$ 14.000,00. Mas a diferença entre esses valores vem apresentando tendência de queda. A proporção percentual do setor de telecomunicações no setor de serviços ao longo do tempo é explorada na tabela abaixo.

Tabela 2. Participação percentual dos serviços de telecomunicações no total do setor de serviços, de 1999 a 2015.

Fonte: PAS-IBGE. Elaboração própria.

Observando a tabela acima percebemos contribuições paulatinamente menores das telecomunicações para os totais nos serviços, ao longo do tempo. Tal fato poderia ser interpretado de acordo com a teoria da commoditização digital, discutida em Arbache (2018): a popularização de uma nova tecnologia faz com que a contribuição dela para a competitividade seja cada vez menor por unidade produzida.

Por exemplo, a implementação da quinta geração de comunicação móvel (5G) numa fábrica resulta em melhor comunicação entre suas máquinas e, dessa forma, a unidade produzida sai em tempo menor comparativamente à mesma unidade produzida nas fábricas convencionais. Dessa forma, a primeira fábrica a implantar a inovativa 5G produzirá maior quantidade em menor tempo e, portanto, ganhará mercado, venderá mais e aumentará seus lucros. Porém, com a adoção da 5G pelas concorrentes, a quantidade ofertada ao mercado será maior e o preço do produto deve cair. Dessa forma, o lucro da primeira fábrica vai diminuindo conforme a popularização da 5G aumenta. Assim, o acesso à 5G vira condição necessária para a sobrevivência no mercado, mas não determina a vitória da competição. Concomitantemente, a disposição das fábricas em pagar pelo serviço da 5G cai com o tempo e, como consequência, assistimos queda dos preços dos serviços de 5G, desaceleração nas receitas dos ofertantes desse serviço de telecomunicação, desaceleração no valor adicionado, provável encolhimento do setor e etc. A relação entre commoditização digital e competitividade também segue na ilustração abaixo.

Figura 1. Relação entre commoditização digital e competitividade

Fonte: Arbache (2017).

Depois de um ponto de inflexão, quanto maior a quantidade de pessoas com acesso aos serviços de telecomunicações, menor se torna a contribuição desses serviços para a geração de riquezas. Dessa forma, a disposição em pagar por tais serviços é decrescente depois de um certo nível e, consequentemente, os preços deles tendem a cair. No Brasil, já devemos ter ultrapassado o ponto de inflexão em várias regiões pois o IBGE revelou crescimento abaixo da inflação dos preços dos serviços de telecomunicações em 2014.

Os preços dos serviços de comunicação, incluindo telefonia celular e banda larga, foram os que menos subiram em 2015 segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas. A instituição mediu a inflação da baixa renda, pelo Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), e constatou que a alta média de preços foi de 11,52% no acumulado do ano, enquanto os serviços de comunicação subiram 1,11%. Índices como os de habitação e de transportes, por exemplo, subiram 14,6% e 13,2%, respectivamente. Segundo o Telebrasil, esse índice pode ser explicado pela queda de preço nos serviços ao usuário. “Na telefonia celular, desde 2008, o preço médio do minuto caiu 60%, fruto de uma acirrada competição, redução nas margens de lucro das empresas e aumento dos ganhos de eficiência das prestadoras”, afirma, em nota. A entidade representa as operadoras e concessionárias (TELESÍNTESE).

Conforme resumido no livro “Introdução à Teoria do Crescimento Econômico” do Jones (2000), uma saída para a desaceleração das receitas, apontada por teóricos do crescimento econômico, seria o crescimento de investimentos em P&D indutoras de inovação tecnológica no setor. E as empresas já estão fazendo isso: a Pesquisa de Inovação (PINTEC) do IBGE revela crescimento de 382% no investido em P&D pelo setor de telecomunicações no Brasil entre 2011 e 2014. Ademais, o gasto total em P&D no Brasil em 2014 foi de 0,61% do PIB; sem telecomunicações, esse percentual teria sido de apenas de 0,54%.

Concluindo, desde 1999 os serviços de telecomunicações se destacam em produtividade e em geração de receitas no país. Isso deve se manter caso seja crescente a inovação tecnológica no setor, advinda de crescentes investimentos em P&D. Devido ao processo de commoditização digital, a inovação se mostra crucial no combate à tendência de redução de participação relativa dos indicadores de telecomunicações nos totais dos indicadores do setor de serviços aqui analisados.

Como as TICs têm proporcionado o crescimento de serviços

Conforme vem sendo discutido aqui no Blog, é nítido o crescimento da relevância do setor de serviços para geração de riquezas. A participação dos serviços nas exportações mundiais passou de aproximadamente 9% em 1970 para algo em torno de 20% em 2014. Atualmente, “os serviços já representam 75% das economias da OCDE; nos Estados Unidos, eles já passam dos 80%; e nas economias de renda média, eles já são 54%” (ARBACHE, 2014, p. 6). No Brasil, os serviços são responsáveis por 70% do PIB. Mas não foi sempre assim: o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tem possibilitado a crescente comercialização a longas distâncias de serviços modernos que independem de presença física entre consumidores e produtores. Esse processo viabiliza a crescente terceirização que tem aumentado o comércio de serviços entre unidades produtivas, intensificando a relação sinérgica e simbiótica dos serviços com a indústria e do Big Data, que proporciona oportunidades de novos serviços e negócios. Tudo isso tem contribuído para o aumento da importância do setor de serviços na geração de riquezas.

Através de análises empíricas, Loungani et al. (2017, p.13) afirmam que a relação entre o crescimento do setor de serviços e o crescimento de toda a economia tem se tornado mais forte. Especificamente, eles encontraram um coeficiente de correlação de 0,6 entre o crescimento de serviços e o crescimento do PIB per capita, versus um coeficiente de correlação de 0,24 entre o crescimento da manufatura e o crescimento do PIB per capita. O (coeficiente de determinação) para a parcela de valor agregado de serviço encontrado foi 0,51; e o R² para a parcela de valor agregado de manufatura, 0,19. A fim de ilustrar o maior espaço ocupado pelos serviços na participação do crescimento das exportações mundiais, os autores prepararam a figura abaixo.

Figura 1. Contribuição das exportações de serviços e manufaturas para o crescimento das exportações mundiais, de 1990 a 2014, em percentual.

Fonte: Manual 6 do Balanço de Pagamentos do Fundo Monetário Internacional (FMI), dados de 2016 da UN COMTRADE e cálculos dos autores que elaboraram o gráfico (LOUNGANI et al., 2017). Tradução própria.

A figura acima evidencia a separação proposta por Loungani et al. (2017) dos serviços em dois grupos: serviços tradicionais e serviços modernos. Os primeiros seriam aqueles que requerem proximidade física entre compradores e vendedores, como serviços de manicure, de cabeleireiro, serviços de transporte, de hotelaria e etc. Os modernos, por sua vez, dispensam proximidade física entre compradores e consumidores: seriam serviços de consultoria, de marketing, design, de pesquisa e desenvolvimento, tecnologia da informação (TI) e etc. Conforme a digitalização e o progresso tecnológico avançam, a diferenciação de tais serviços se tornaria cada vez mais imprecisa pois os tradicionais se tornariam modernos. Um exemplo desse fenômeno poderia ser a consulta médica: a princípio ela é serviço tradicional, mas na medida em que a telemedicina avança, os pacientes podem enviar exames online e serem atendidos remotamente.

Os serviços estariam crescendo em participação no comércio mundial e na renda dos países por quatro motivos principais. O primeiro é fácil de se imaginar: o progresso técnico nas TIC possibilita a crescente troca de dados entre países e, embutidos neles, serviços dantes impossíveis de serem comercializados. Serviços de logística, por exemplo, são hoje oferecidos para vários países pela empresa americana Amazon, através de sua plataforma online; seguros para bens móveis e imóveis podem ser contratados sem sair de casa; créditos podem ser adicionados ao celular com apenas alguns cliques em aplicativos de bancos e serviços de banda larga podem ser contratados através dos sites de provedores.

O segundo motivo para o crescimento do setor de serviços seria sua crescente participação nas cadeias globais de valor. De acordo com Arbache (2015, p. 3), o desenvolvimento e a massificação das TIC, bem como dos serviços de transporte e logística, contribuem para a popularização das tecnologias organizacionais e de produção que possibilitam às firmas focarem nas suas atividades principais, terceirizando as demais funções.

Podemos exemplificar essa ideia do autor com o caso de um fabricante de acessórios de informática no Brasil. Em sua cadeia de suprimento, serviços de telecomunicações são contratados de provedores regionais; empresas de transportes levam os insumos até a fábrica; um restaurante é contratado para servir alimento aos funcionários e a vigilância fica a cargo de uma empresa de segurança. Uma vez que as demais atividades necessárias ao funcionamento fabril são contratadas de terceiros, a fábrica está apta a focar estritamente na produção de acessórios de informática. Como exemplo deste processo, temos o avanço de 10% ao ano da terceirização de serviços de TI no Brasil:

     “O mercado de TICs avança no Brasil apesar da crise, em razoável medida ajudado pela cada vez maior terceirização de serviços de tecnologia da informação. Segundo balanço divulgado pela associação brasileira das empresas de TIC, Brasscom, entre 2010 e 2017, a receita com serviços, BPO e computação em nuvem dobrou de tamanho (…). A receita somada de outsourcing e TI in house passou de R$ 59,6 bilhões para R$ 104,9 bilhões nesse período. Mas enquanto o desenvolvimento interno cresceu 5,9% ao ano, a terceirização andou bem mais acelerada, ao ritmo de 10,5% ao ano. Como resultado, se em 2010 a TI in house chegou a representar 48,6%, em 2017 foi somente 41,2%. No caminho inverso, a terceirização de serviços passou de 51,4% para 58,8%, com receita anual superior a R$ 61 bilhões” (CONVERGÊNCIA DIGITAL, 23/04/2018).

O terceiro motivo para o crescimento do setor de serviços seriam as intensificações das relações sinérgicas e simbióticas deles com os produtos manufaturados. Segundo Arbache (2015), o valor agregado de fabricação aumenta quando a manufatura é combinada com serviços para formar um terceiro produto que não é em si nem um bem manufaturado, nem um serviço convencional. São produtos com alto conteúdo de serviços e vendidos em pacotes, como smartphones – dependentes fortemente de marketing, marcas, design e telecomunicações – e motores a jato para aeronaves cuja comercialização inclui serviços de leasing, seguros, treinamento, engenharia, manutenção e outros serviços pós-venda.

O autor cita o caso do smartphone Nokia N95 como um exemplo da relação moderna entre bens e serviços: nada menos que 81% do preço final do celular se relaciona com o valor acrescentado de serviços como licenças, software, marketing, branding e distribuição, enquanto apenas 19% se relaciona com peças, componentes e funções de montagem. Ademais, essa complementariedade entre produtos manufaturados e serviços também fica evidente em exemplos como telefone celular (manufatura) e serviços de valor adicionado – como os aplicativos: não há como se pensar no uso de aplicativos sem se imaginar o meio físico, a manufatura na qual o serviço se torna disponível.

Por último, a crescente geração de dados através de robôs e máquinas utilizadas no processo produtivo e a geração de dados nas plataformas digitais possibilitam surgimento de novos negócios e serviços. Não à toa, é crescente o interesse na exploração e interpretação de Big Data: os dados podem revelar desperdícios de insumos e consequentes oportunidades de melhoria na eficiência produtiva. Ademais, possibilitam customização de produtos e serviços ao oferecer informações de preferências e características dos consumidores, além de novos modelos de negócios.

Assim, podemos perceber a crescente relevância das TIC para a expansão dos serviços e para a consequente geração de riquezas. As empresas e governos devem se atentar ao desenvolvimento tecnológico das TIC, bem como seu uso para geração de novos serviços e negócios. Só assim serão capazes de desenvolver políticas condizentes com uma eficaz estratégia de crescimento frente à globalização digital.

5G no Brasil: uma nova rede a serviço de todos

O Brasil sairá de sua longa e profunda crise econômica. Mas só um salto tecnológico, e não as receitas convencionais de sempre, poderá garantir sustentabilidade. Como muitos outros países no mundo, a maior economia da América Latina terá de enfrentar os problemas de competitividade, crescimento econômico e geração de empregos. Hoje em dia, isso significa confrontar-se com os temas da inovação e da economia digital, que tornou-se o verdadeiro motor da economia moderna. A “bala de prata” do desenvolvimento econômico é a conectividade de banda larga. O Banco Mundial calcula que um aumento de 10% das conexões de Internet de alta velocidade representa uma expansão de 1,3% do crescimento econômico e promove uma “democratização da inovação”.

Sem dúvida, os principais desafios são o das novas redes de telecomunicações e a criação de um ecossistema de novos serviços ligados à 5G.

Afinal, por que a 5G é tão importante para o Brasil? Não se trata só de os consumidores brasileiros terem a possibilidade de desfrutar, no seu próprio telefone celular, de uma velocidade 1.000 vezes maior comparada à 4G, ou de baixar um filme em poucos segundos. A verdadeira revolução, muito mais profunda, está na capacidade de utilizar, de maneira massiva, a “Internet das Coisas” (IoT – Internet of Things) que permite conectar bilhões de objetos e, mais importante ainda, viabiliza novos serviços ditos de “baixa latência” como, por exemplo, os carros sem motorista ou os serviços de realidade aumentada para a medicina. Esses serviços de baixa latência são fundamentais para a produção dentro dos novos padrões da “Indústria 4.0” – basta pensar nos robôs industriais cada vez mais presentes nas fábricas.

Figura 1 – Possíveis usos para a tecnologia 5G

Fonte: NGMN, 2015

 

 

O atraso das redes brasileiras

 

Hoje, a infraestrutura de telecomunicações no Brasil é inadequada. As operadoras não investem de maneira suficiente, a concorrência é pouca, os preços são altos e muitas vezes a qualidade do serviço é medíocre. Tudo isso é mais do que sabido pelos brasileiros. Além disso, o Brasil tem um enorme problema de “fratura digital”: muitas áreas do país não estão cobertas, resultando num acesso praticamente impossível à Internet.

Olhando para o futuro, a situação é ainda pior. Em matéria de 5G, o Brasil ficou para trás e os operadores de telecomunicações que estão investindo na 4G – já com muito atraso – não demonstram nenhuma intenção de realizar, agora, novos investimentos na 5G, preferindo a ideia de fazer um simples upgrade da 4G. Mais grave ainda: essas operadoras farão tudo para bloquear a nova tecnologia e evitar que outros possam investir em seu lugar. Basta um só exemplo do atraso brasileiro: hoje, todos os clientes de telefonia móvel na China têm acesso à 4G. Não há razão nenhuma para que os brasileiros permaneçam no atraso.

 

Dividir atacado e varejo

 

O Brasil precisa da 5G e agora mesmo se não quiser ulteriormente perder competitividade no setor industrial e sobretudo nos campos da logística e dos sistemas de transporte. A 5G é uma infraestrutura de interesse nacional. O governo brasileiro deveria favorecer o nascimento de uma NewCo “5GBrasil”, junto com investidores privados (numa Parceria Público-Privada – PPP) cuja missão seria construir uma nova rede móvel de última geração 5G cobrindo o Brasil inteiro. A NewCo “5GBrasil” se limitaria a operar somente no mercado do atacado, incluindo os serviços ativos de rede, sem competir com as outras operadoras do mercado residencial. Qual seria a vantagem? Uma rede única é mais eficiente, com custos menores. Separando a rede propriamente dita dos serviços, ela favoreceria a concorrência com efeitos positivos para a redução dos preços, a melhoria da qualidade e maiores opções para os consumidores. Hoje, o mercado do varejo brasileiro está nas mãos de somente quatro operadoras, cada uma com sua própria rede. Com uma possível rede única, vários outros varejistas poderiam entrar no jogo, aumentando a concorrência – um poderoso incentivo para prestar maior atenção ao desenvolvimento de novos serviços.

A rede única também eliminaria a “fratura digital”. Atualmente no Brasil existem quatro redes móveis, com mais de uma em algumas áreas e nenhuma em outras. A vantagem da rede única seria também a de atrair novos investidores que apostam no longo prazo e não estão interessados em retornos de curto prazo como acontece hoje. As operadoras de telecomunicações e outros players poderiam se concentrar no mercado do varejo e nas plataformas tecnológicas para oferecer novos serviços. Os clientes da NewCo “5GBrasil” não seriam só as operadoras de telecomunicações mas também as emissoras de TV, a indústria verticalizada (automobilística, transportes, logística, indústria 4.0, etc) e as empresas de Internet. Todos teriam acesso à nova rede nas mesmas condições e sem discriminações. Os novos modelos de negócios, sustentados no acesso à fibra óptica generalizada e na partilha dos elementos ativos da rede, vão transformar o papel das empresas.

 

5G: Uma Parceria Público-Privada de 30 bilhões de dólares

 

O poder público brasileiro poderia facilitar o acesso às infraestruturas alternativas – as redes elétricas, por exemplo – e poderia entrar na NewCo “5GBrasil” com uma contribuição in natura, atribuindo as frequências e por meio de um fundo de garantia (por volta de 2 bilhões de dólares no caso de um investimento de 30 bilhões) de forma a reduzir o risco dos investidores. Uma estimação do investimento total poderia ser na ordem de 30/35 bilhões de dólares, que seriam assumidos pelos investidores internacionais privados, sócios industriais ou financeiros, e os grandes fornecedores também poderiam se parceiros dessa iniciativa.

Claro, não é possível ignorar a complexidade do mercado de telecomunicações no Brasil devida à situação da operadora Oi. Mas esse problema poderia também representar uma oportunidade. Se a Oi pudesse ser dividida em duas sociedades – Oi Rede e Oi Varejo – a NewCo “5GBrasil” poderia assumir a rede da Oi. Essa solução seria muito favorável para ambas as partes. A Oi resolveria parte de seus problemas financeiros e poderia voltar ao mercado com uma Oi Varejo muito mais competitiva, enquanto a NewCo “5GBrasil” poderia contar com uma rede já existente em muitas áreas do país.

O maior ponto positivo dessa rede 5G única é que todos saem ganhando. O governo brasileiro resolve o problema de construir uma rede de banda larga de última geração em todo o território nacional, eliminando o velho problema da “fratura digital”. As emissoras de TV brasileiras disporiam de uma nova plataforma de distribuição que poderia gerar novos serviços e novos e consistentes rendimentos. Os atuais operadores de telecomunicações poderiam utilizar a nova rede única pagando só o preço do aluguel, sem necessidade de novos investimentos, – uma vantagem que permitiria concentrar suas atividades nas novas plataformas de software, garantindo serviços de alta qualidade. Novas empresas americanas, europeias e chinesas poderiam entrar no mercado do varejo, oferecendo novos serviços aos consumidores brasileiros. Basta pensar, por exemplo, nas potencialidades do comércio eletrônico ou dos novos serviços de “Big Data” e Inteligência Artificial, Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Robótica, etc.

 

Luigi Gambardella é Presidente da EUBrasil, ex-Presidente Executivo da ETNO, European Telecommunications Network Operators’ Association.

 

 Prof. Alfredo Valladão é Presidente do Advisory Board da EUBrasil, Professor da Paris School of International Affairs (PSIA), Sciences Po Paris, Senior Fellow OCP Policy Center.

 

O 5G como catalisador de negócios no meio digital

Num mundo onde os dados assumem cada vez maior centralidade na geração de riqueza, as comunicações móveis evoluem para possibilitar maior capacidade, velocidade, segurança, ubiquidade e menor latência nas trocas de informações. Nesse contexto, a quinta geração de sistema sem fio (5G), prevista para 2020 pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), pretende ser poderosa e suficientemente flexível para atender aos cenários de tráfego de dados previstos e desconhecidos. Catalisando o surgimento de novos serviços e de novos modelos de negócios, o 5G deve contribuir com a tendência do crescimento da participação do setor de serviços no PIB dos países.

O ciclo da quinta geração deverá ser bem diferente das anteriores por uma razão em especial: os motivos econômicos nunca experimentaram tamanha influência na formação de suas características. Diferentemente da primeira, segunda, terceira e quarta geração de comunicação móvel, voltadas para comunicação entre pessoas, o 5G deve estar voltado para atender serviços, conectar dispositivos e máquinas, ao invés de pessoas. Exemplos: com o 5G, espera-se aumento de pagamentos efetuados online, de uso de aplicativos que aumentem a comunicação do comprador e vendedor, de máquinas interconectadas dentro das fábricas potencializando o just in time e de robôs realizando serviços.

Dessa forma, o 5G acelera o crescimento da internet das coisas (IoT) e desperta interesse de vários agentes: a exemplo da 4.0, a indústria poderá automatizar ainda mais sua linha de produção e estar mais conectada aos distribuidores e consumidores. Já o setor financeiro anseia por aumento de robôs operando nas bolsas de valores e aumento na velocidade de troca de informações, a fim de antecipar acontecimentos e reduzir latência. No mercado financeiro, o ganho de milissegundos pode ser crucial para o sucesso de várias operações financeiras. Donos de plataformas digitais e operadores de comércio eletrônico, por sua vez, pretendem expandir capilaridade, incluir novos usuários e, consequentemente, aumentar a publicidade, as compras e receitas. Também para as operadoras de telefonia, o 5G representa geração de receitas, pois se trata de um novo serviço a ser explorado. Por fim, os usuários das redes observam no 5G a possibilidade de conexão mais veloz e confiável.

Com tantos agentes interessados na evolução do serviço móvel de trocas de dados, duas preocupações são crescentes: o suporte ao uso intensivo da rede e a otimização espectral. Assim, a arquitetura de comunicação necessitará de conexões inteligentes, que recebam e enviem informações aproveitando os melhores canais e caminhos disponíveis no momento. Pela primeira vez na história da rede móvel sem fio, os serviços não estarão limitados a uma banda específica. Em vez disso, devem seguir o melhor espectro disponível no momento da transmissão de dados.

Assim, espera-se maior dinamicidade, adaptação, flexibilidade e reconfiguração automática para a rede. A inteligência para tomada de decisão quanto à conexão será máxima nos dispositivos móveis, robôs, nas antenas e nos servidores.  Ademais, baterias de longa vida devem se tornar foco de pesquisas para o suporte de toda essa inteligência.

Tudo isso permitirá o surgimento de novos serviços dependentes de internet confiável como telemedicina, transporte através de veículos autônomos, pulverização de inseticida através de drones e etc. Imagine o caso de uma cirurgia feita por robôs. Agora pense como ela se tornaria inviável se a internet é passível de falha durante o corte.

Segundo dados da IHS (2017), entre 2020 e 2035 devem ser gerados US$ 12,3 trilhões em bens e serviços através do 5G, e os investimentos médios anuais devem ser da ordem de US$ 200 bilhões em sua cadeia de valor. Tal investimento deve ser capitaneado pelos Estados Unidos (EUA) e China, conforme ilustração abaixo.

Figura 1. Proporção de investimento em bens de capital e em pesquisa e desenvolvimento da cadeia de valor do 5G, em média, por país, entre os anos de 2020 e 2035

Fonte: IHS (2017), adaptado

No Brasil, a primeira demonstração do 5G foi feita em 2016 e, no geral, as empresas de telefonia já começaram a se preparar para oferecer o serviço no país. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) tem se esforçado para ampliar o montante investido em 5G no território nacional e para estabelecer acordos multilaterais no desenvolvimento da tecnologia, com ações como chamadas de pesquisas conjuntas, fóruns de padronização e eventos anuais para compartilhamento de informações.

O mais recente esforço brasileiro para fomento e construção do ecossistema de quinta geração é o Projeto Brasil 5G, formalizado em fevereiro deste ano. Composto por Abinee, Anatel, Cetuc, CPqD, Ericsson, Fitec, Huawei, Inatel, Informa, NEC, Nokia, Oi, Qualcomm, Sindisat, SindiTelebrasil, Telebrasil, TIM, Trópico e MCTIC, o projeto também visa o preparo do país para as participações nas discussões internacionais. Esse grupo firmou em maio deste ano um acordo de cooperação tecnológica em 5G com a União Europeia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul, o Japão e a China para o desenvolvimento da nova tecnologia.

A exemplo das teorias do comércio internacional, essas trocas e parcerias entre instituições brasileiras e grupos internacionais pode ser proveitosa para ambos os envolvidos. Porém, é preciso não perder de vista que o 5G pretende ser um meio pelo qual muita riqueza será gerada e, por isso, é necessário permanente amadurecimento das estratégias nacionais para a maximização de seu uso para o desenvolvimento de negócios no país. Aparentemente, estamos diante de uma nova forma de desenvolvimento e, se o Brasil não investir de forma estratégica nessa área agora, no futuro, a distância dele para os países desenvolvidos tenderá a ser ainda maior.

O Ensino a Distância pode melhorar o desempenho educacional do país?

Em um post anterior, Tiago Xavier abordou a relação entre o setor de tecnologia da informação e comunicação e o desenvolvimento econômico. E quanto à educação? É possível utilizar tecnologias de informação para melhorar o desempenho educacional do país? A resposta parece ser positiva, e um dos caminhos para obter essa melhoria é a modalidade de educação a distância (EaD).

Para as empresas que adotam a EaD, para os estudantes e também para os educadores, essa modalidade apresenta diversos benefícios, como, por exemplo, a flexibilidade nos horários das aulas, a autonomia para os estudos, e a redução dos custos com deslocamento. O Canadá foi o pioneiro na educação a distância e hoje é membro global do Conselho Internacional de Educação Aberta e a Distância. Das 56 universidades canadenses existentes, 53 oferecem cursos a distância.

No Brasil, a EaD permitiu a ampliação no número de alunos que podem obter o nível superior sem que estes necessariamente precisem abrir mão de outras atividades que os impedem de comparecer às aulas presenciais, dada a possibilidade de adaptar as aulas aos seus horários disponíveis. Além disso, essa modalidade permite que estudantes tenham aulas com professores qualificados, em qualquer lugar do mundo, sem a necessidade de deslocamento. As empresas que adotam a EaD também economizam, visto que não há a necessidade de um espaço físico com estrutura para aulas presenciais.

Apesar dos benefícios, o ensino a distância traz alguns desafios. De acordo com o Censo realizado pela Associação Brasileira de Ensino a Distância, a evasão é o maior obstáculo enfrentado por instituições que oferecem cursos remotos, seguida da resistência dos educadores quanto à modalidade de EaD. Portanto, por parte das instituições de ensino, presar pela motivação dos alunos e contratar professores qualificados e atenciosos é condição essencial para o sucesso de cursos desse tipo.

Assim, os investimentos em EaD devem ser realizados com cuidado. É necessário que haja um contínuo monitoramento das atividades. Universidades como Harvard e MIT estão estudando como o big-data pode melhorar a atuação de seus professores em cursos online.

Presente em diversas áreas do conhecimento (ver Gráfico 1), o ensino a distância ainda recebe relativamente pouco investimento público. A maior parte dos investimentos realizados nessa área são privados e isso parece gerar disparidades regionais (ver Censo EaD 2014). No Brasil, 41% das instituições que oferecem cursos EaD estão no Sudeste; 25%, na Região Sul; 15%, no Nordeste; e 10%, no Distrito Federal. A menor quantidade de instituições encontra-se nas regiões Norte e Centro-Oeste (excluindo-se o DF), que, juntas, somam 9% do total.

O caso da EaD é apenas um exemplo de como uma economia globalizada e com trocas de informações e serviços pode melhorar e promover o crescimento de alguns setores. Economias que possuem excesso de mão de obra qualificada, ou aquelas que conseguem desenvolver melhores pesquisas em determinadas áreas, podem auxiliar os países menos desenvolvidos nessas áreas. Nesse contexto, a profusão de cursos online abertos do tipo MOOCS (Massive open online course), bem como a iniciativa MIT OpenCourseWare (que disponibiliza online o conteúdo dos cursos do MIT), são interessantes exemplos.

Gráfico 1. Percentual de cursos regulamentados e totalmente a distância: ofertados em 2014, por área do conhecimento

Senza titolo

Fonte: Censo da Associação Brasileira de Ensino a Distância (2014/2015)