Economia de Serviços

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Cidades Inteligentes

O desenvolvimento das cidades se dá pelo acúmulo no espaço dos resultados sucessivos decorrentes de múltiplos e heterogêneos agentes que interagem entre si e com o seu meio. Nessas interações, indivíduos e empresas decidem estrategicamente suas ações mediando suas expectativas de pay-off com o conjunto de informações que os mesmos extraem do contexto onde estão inseridos.

Tais informações podem ser referentes às características e comportamentos dos demais agentes, à disponibilidade de recursos e as condições para acessá-los visando o alcance dos resultados desejados, às instituições (formais e informais) que regulam as relações sociais e econômicas da sociedade, às restrições impostas pelo meio físico (natural e construído), às forças políticas que atuam no ambiente, etc. Todas esses pedaços de informação se juntam formando um todo que configura um determinado espaço.

Uma característica dos agentes é que nas suas múltiplas rodadas de interação eles aprendem com a experiência, adquirem novas informações e modificam e adaptam suas estratégias e suas ações, o que produzirá cumulativamente no espaço novos resultados e novas informações, as quais, por sua vez, deverão ser processadas pelos agentes. Assim, na medida em que as cidades crescem, mais complexo se torna o ambiente, como nas regiões metropolitanas, ficando cada vez mais difícil o conhecimento e o processamento de todas as informações que o ambiente está constantemente produzindo.

Considerando a limitada capacidade do ser humano para processar quantidades gigantescas de informação, esse processamento é muito difícil também para aqueles que atuam no planejamento e na gestão das cidades, haja visto que elas podem evoluir tais como organismos vivos, muitas vezes sofrendo mutações no meio do caminho e mudando o curso do que foi planejado. Informação incompleta e planejamento baseado em tendências do passado que não necessariamente irão continuar no futuro muitas vezes produzem políticas públicas insuficientes ou inócuas para garantir um desenvolvimento urbano sustentável. Mudanças repentinas de rumo, em geral, não são bem aceitas pelos planejadores.

Ferramentas e sistemas digitalizados já são utilizados há algum tempo para tentar lidar com as informações relativas ao espaço urbano, cruzando dados georreferenciados, sobrepondo mapas, localizando infraestruturas, etc.; de modo a orientar a tomada de decisão no planejamento e na gestão das cidades. No entanto, as novas tecnologias digitais (internet das coisas, computação em nuvem, conectividade entre equipamentos, big data, inteligência artificial, internet de alta velocidade, etc.), tem oferecido um novo conjunto de soluções para lidar com a dinâmica da vida nas cidades, manejando um conjunto crescente de informações e elevando a um novo patamar o planejamento das cidades e a gestão na prestação de serviços públicos.

Por exemplo, o monitoramento em tempo real de atividades nas áreas públicas, de funcionamento de serviços públicos e o cruzamento simultâneo de informações de diversas fontes em bases territoriais oferecem a oportunidade para que o gestor público responda com mais agilidade a eventos fortuitos, tomando decisões mais seguras e rápidas.

Essas mudanças caracterizam, grosso modo, o surgimento das Cidades Inteligentes (Smart Cities) que, basicamente, podem ser descritas como cidades nas quais o aumento da capacidade de integração de dados e processamento de informações nos processos de planejamento e gestão das políticas públicas permitidas pelas tecnologias digitais, aumenta a eficiência e a eficácia na prestação de serviços à população e promove um desenvolvimento urbano mais sustentável. Certamente, o foco não é no uso da tecnologia em si, mas na utilidade que o seu uso gera para o cidadão, ao permitir que o poder público atenda as diversas demandas da sociedade com a utilização mais racional e eficiente dos recursos disponíveis, resultando na melhoria da qualidade de vida urbana.

O conceito de Cidades Inteligentes envolve mais elementos do que o simples uso de tecnologias digitais, desde que incorpora também noções de desenvolvimento sustentável, criatividade e inovação, cooperação e engajamento coletivo, participação social, parcerias público-privadas, difusão de conhecimento e co-criação em redes, novas abordagens de ensino e aprendizagem, ganhos de produtividade, clusters tecnológicos integrando indústrias e universidades, transparência e políticas de dados abertos, start-ups, etc. Por trás disso tudo está a organização do espaço físico e virtual tendo o conhecimento e o fluxo de informações como fatores de integração.

A incorporação de ferramentas tecnológicas digitais que permitem a utilização cada vez mais intensa das informações produzidas no dia-a-dia da vida urbana para atacar os principais problemas das cidades já é uma realidade em vários países, e cada vez mais intensa no Brasil.

No mercado já existem tecnologias digitais para transportes e mobilidade urbana, mitigação de congestionamentos com informação de tráfego e navegação em tempo real, semaforização inteligente, cobrança eletrônica de pedágios, sistemas de compartilhamento de veículos, geração de energia renovável e eficiência energética, iluminação pública inteligente, sistemas inteligentes e automatizados de distribuição de energia, abastecimento de água, detecção de perdas e furtos do sistema de abastecimento de água, monitoramento da qualidade da água, monitoramento digital do descarte de lixo, otimização de rotas e coleta seletiva de resíduos sólidos, resiliência e segurança em espaços públicos, mapeamento de crime em tempo real, detecção sonora de disparos de armas de fogo, sistemas avançados de vigilância e reconhecimento facial, sistemas de alertas de emergência de eventos climáticos extremos, aplicativos de alerta pessoais e domésticos, engajamento comunitário e participação social, monitoramento ambiental (temperatura, emissão e redução de gases, umidade relativa, precipitação), dentre outras soluções.

A promoção das cidades inteligentes no Brasil tem crescido atraindo diversos players para o desenvolvimento de soluções para as cidades, o que exige mais investimentos na melhoria da infraestrutura de telecomunicações e internet de alta velocidade no país. Exige também, novas estruturas organizacionais e de governança no setor público. Pouco adiantará soluções tecnológicas integradas se ainda estiverem atreladas a ideias e instituições obsoletas, como a lógica organizacional hierárquica baseada em processos verticais excessivamente formais e burocratizados. Organizações constituídas de unidades autônomas organizadas em redes, adotando processos horizontais, mais ágeis e flexíveis, e soluções integradas por meio do compartilhamento de informações podem garantir melhores resultados na utilização das novas tecnologias digitais.

Cada vez mais o crescimento econômico estará atrelado ao acesso e utilização de informações nos processos produtivos. Indivíduos, empresas e o próprio setor público tomarão suas decisões a partir do processamento de uma quantidade quase infinita de informações o que demanda, além da mencionada melhoria da infraestrutura de IC, investimentos em capacitação.

A capacitação de pessoas já é estratégica, considerando o conhecimento necessário para utilização das novas tecnologias digitais, como utilizar as informações produzidas, a mão-de-obra disponível mais e mais envelhecida e o desaparecimento de algumas profissões com o surgimento de outras novas. Isso será fundamental para não ampliar ainda mais as desigualdades sociais, em especial nas áreas urbanizadas onde a maior parte do PIB é produzida e onde se encontra grande parte da pobreza, comprometendo o próprio desenvolvimento do país. A implementação de cidades inteligentes, no seu conceito mais amplo, será um imperativo cada vez mais forte para a atração de investimentos e mão-de-obra qualificada, para garantir uma maior qualidade de vida nas cidades e para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Paulo Ávila é arquiteto e mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília. Atua profissionalmente na área de planejamento urbano e regional, com ênfase em aspectos econômicos do espaço urbano. Foi professor no Curso de Arquitetura e Urbanismo Universidade Católica de Brasília. Atualmente é Analista de Infraestrutura lotado na Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) do Ministério das Cidades onde coordena o Programa Nacional de Capacitação das Cidades.

Automação e Desemprego: Aspectos Microeconômicos

A automação crescente da produção e dos serviços tem sido motivo de muita preocupação nos últimos anos. O medo é o de que a computadorização em particular – ou das inovações tecnológicas em geral – desloque imensa quantidade de mão-de-obra para as hostes dos desempregados. A estimativa, feita por Frey & Osborne (2013), do Departamento de Engenharia Elétrica da Oxford University, de que 47% dos empregos nos EUA estariam em risco por causa dos avanços computacionais (robôs e automação) são um exemplo típico do Zeitgeist que aplica uma ótima Estatística a uma péssima Economia.

Essa onda alarmista, no entanto, é velha. No início do século 19, em plena Revolução Industrial, trabalhadores do setor de tecelagem destruíram as máquinas em protesto à substituição técnica. O movimento era liderado por uma personagem fictícia, Ned Ludd, criada pelos revoltosos para dar legitimidade ao movimento, o Luddismo. A gota d’água foi a destruição da tecelagem de William Cartwright em abril de 1812. Apesar da revolta, o mundo progrediu, como depois da invenção da roda, da moeda e dos direitos de propriedade.

Embora a sensação de incerteza quanto ao futuro do trabalho em situação de avanços tecnológicos seja compreensível, o que salta aos olhos é a incapacidade de enxergar o fenômeno sob as lentes da teoria econômica. A tese popular é de que a automação destrói empregos e que, portanto, medidas protetivas devem ser tomadas pelo Estado. Marchant et al (2014) propõem, por exemplo, entre outras coisas, reduzir a taxa de inovação! O que diz, porém, a teoria econômica?

Seria fácil, escreveu Armen Alchian, simplesmente dizer que o progresso tecnológico gera novos empregos em vez de destruí-los. Ele mostra, porém, que essa não é a questão econômica relevante.

Suponhamos que uma inovação tecnológica no setor de têxteis não gere qualquer novo tipo de trabalho, digamos o operador da máquina nova. Segue-se à introdução da máquina a demissão de João, que recebia $100 por semana. Ele será deslocado, por exemplo, para um emprego no setor de manufaturas, que não fora preenchido antes porque o custo de preenchê-los era alto. O benefício marginal de $91 de aumento de produto, por semana, no setor de manufaturas não compensava o custo marginal de contratação de João, cujo custo de oportunidade era $100. Porém, com a inovação no setor têxtil, o trabalho semanal de João passou a valer menos para o setor, digamos $70.

João foi demitido, mas poderia ter permanecido no emprego se aceitasse o salário de $70, com alguma redução de jornada. Ele, porém, não aceita o salário, pois sua oferta de trabalho é dada pelo trade-off entre trabalho e lazer, um termo técnico da Economia para denotar tudo aquilo que o trabalhador sacrifica quando opta pela ação de trabalhar. Ele aceitaria uma redução para $85, seu salário-reserva, mas não $70. Se você acha isso estranho, lembre que trabalhadores do setor automotivo, em momentos de crise, aceitam redução de jornada e salário para evitar a demissão. Quanto ao trade off, pergunte a si mesmo, que ganha R$18.000 por mês como engenheiro e diretor de operações, se aceitaria uma redução de salário para R$200. Certamente não. Há, portanto, algum salário que o deixa indiferente entre trabalhar ou não.

Voltemos a João. Se ele aceitar $90 no setor manufatureiro, será contratado. De fato, vale a pena para a empresa manufatureira contratar João, pois traz um lucro marginal de $1. Para João também, pois $90 é mais que seu salário-reserva, $85. O erro de muitos é não entender quais são as verdadeiras escolhas de João. O salário de $100 no setor têxtil não é mais uma alternativa. Sua escolha agora não é mais entre $100 e $90, mas entre $85 e $90. Não mais entre emprego antigo e novo, mas entre emprego novo e lazer (no sentido técnico). O problema é João e o empresário manufatureiro se encontrarem.

Portanto, mesmo que a inovação não gere um novo tipo de trabalho, ainda assim não é verdade que empregos são destruídos. Pelo contrário, empregos sempre existem. A demora na transição para novos empregos se deve à informação imperfeita, aos custos de busca e de transação, muitas vezes decorrência de restrições institucionais, e aos custos de oportunidade, que são subjetivos. Algumas pessoas reclamam que empregados da Disney recebem pouco e moram em motéis baratos, sendo que em cidades vizinhas há demanda por trabalho a salários “dignos”. Por que esses empregados não se mudam de cidade em busca de novo emprego? Porque o custo de mudança é um custo de transação que eles não estão dispostos a incorrer, talvez porque valorizem a relação com turistas ou porque na outra cidade não há cursos de Economia. Coisas não têm custos: ações têm – e quem age é o ser humano. O mercado é mediado essencialmente pelos custos de oportunidade dos seres humanos na economia.

O problema, então, não é se a inovação destrói ou cria novos empregos. A correlação positiva entre progresso tecnológico e desemprego é um falso problema econômico. O problema real que a Economia identifica é a decisão de quais trabalhos e tarefas executar e quais deixar inativos, além do reconhecimento de que o processo de transição entre empregos enfrenta custos de busca e de transação. Estes, sim, é que deveriam ser o alvo de políticas, nunca absurdos como “redução da taxa de inovação”.

Armen Alchian classifica em três grupos as pessoas afetadas pela inovação. (1) Algumas pessoas receberão maiores salários, em razão de seu capital humano ser mais escasso para as novas técnicas. Elas se beneficiam tanto do salário mais alto como da redução geral de preços e aumento de produto proporcionados pela inovação. (2) Algumas não sofrerão variação de renda, mas se beneficiarão da redução de preços e aumento de produtos. (3) Outras perderão seus empregos e deverão se mudar para empregos que paguem menos. A perda de renda destas pessoas não é compensada pela queda de preços e aumento de produto.

Inovações, de fato, criam novos tipos de trabalho, de forma que o valor do trabalho no resto da economia aumenta, pois as empresas nos outros setores têm agora que competir pelos trabalhadores com suficiente capacidade de ocupar os postos gerados pela inovação. Inovações não só substituem trabalho, mas também substituem bens de capital que obsolescem. Esse capital, então, perde lugar para trabalho e outros bens de capital. Inovações também incrementam trabalhos na cadeia de produção. A máquina nova que é produzida e substitui trabalho é, por sua vez, produzida pela utilização de capital “e” trabalho. A máquina que provocou a demissão de João foi produzida com uma combinação de capital e trabalho, digamos, com José, que foi contratado para a produção da máquina. A produção da nova máquina tem efeito positivo ao longo da cadeia sobre todos os fatores, inclusive trabalho.

Muitos advogam um sistema de compensações aos que perderam seus empregos, sob a alegação de que o incremento de valor gerado pela inovação é maior que as perdas dos trabalhadores demitidos. Essa proposta, no entanto, desconsidera tanto o fato de que a compensação altera os incentivos como o fato de que a identificação de quem perde e quem ganha envolve custos. Como dito, não só o trabalho, mas também o capital existente perde valor no setor que presencia a inovação, de modo que os detentores dos direitos de propriedade sobre esses recursos perdem riqueza. Taxá-los sem consideração dessas perdas é impor deadweight losses ainda maiores.

Que medidas podem ser implementadas para redução dos custos de busca e de transação na transição de empregos? Vejo pelo menos quatro. A primeira e mais óbvia é a eliminação (ou pelo menos a substancial redução) das restrições institucionais no mercado de trabalho, como salário mínimo, encargos trabalhistas, empecilhos à livre negociação e o rent-seeking de sindicatos. A segunda é uma profunda reforma tributária rumo ao IVA. Em terceiro lugar, abertura comercial e livre mercado. Finalmente, a educação, não só especializada, mas principalmente uma educação liberal que dê ao cidadão a capacidade intelectual de atuar em diversas áreas ou de enfrentar menores custos de aquisição de capital humano.

Rodrigo Peñaloza é Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade (UnB). É formado em Economia pela UnB, mestre pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Ph.D. pela UCLA (University of California at Los Angeles). Sua área de atuação é microeconomia e métodos matemáticos.

 

Referências

Alchian, A. (1964): University Economics. 2nd ed., Wadsworth Publishing Company, Belmont, CA.

Frey & Osborne (2013): “The Future of Employment: How susceptible are jobs to computerisation?” Disponível em:

https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf

Marchant, Y. Stevens & J. Hennessy (2014): “Technology, Unemployment & Policy Options: Navigating the Transition to a Better World”. Journal of Evolution and Technology, 24: 26-44.

 

A transformação digital impulsiona o futuro sustentável da agricultura

A conjunção de condições do solo, clima, relevo, ciência, tecnologia, políticas públicas e competência dos agricultores tornou o Brasil um dos líderes mundiais na produção e exportação agrícola. Esse setor representa, aproximadamente, 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e 50% das exportações. Significa que a cada R$ 4 que circulam no país, R$ 1 é agrícola. E, de cada US$ 2 que alimentam a nossa economia pela exportação, US$ 1 tem origem em chácaras, sítios, fazendas e estâncias brasileiras. Projeções recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)[1] indicam que a produção de grãos poderá passar do atual patamar de 230 milhões de toneladas podendo chegar a entre 300 e 350 milhões de toneladas na safra de 2027/2028. Quanto à produção de carnes (frango, suína e bovina), projeções indicam que passaremos dos atuais 27 milhões para 34 milhões de toneladas até o final da próxima década. Há, também, crescente demanda por frutas, que ocupam cada vez mais uma posição de destaque no mercado nacional e internacional.

A modernização da agricultura brasileira e sua eficiência produtiva formam o suporte para esse desempenho. As safras recordes registradas germinaram nas instituições de pesquisa e ensino e foram plantadas no solo brasileiro na forma de inovações e tecnologias a cada ano-safra. Só nas duas últimas décadas, aumentamos a produção de grãos em aproximadamente 250% com apenas 50% na expansão da área plantada. Desse modo, produzimos mais alimentos, fibras e bioenergia com menos recursos naturais, fazendo do Brasil também uma potência ambiental com 60% de sua área ainda preservada, e menos de 30% do território do país destinado à agropecuária. Em análise desenvolvida pela Embrapa, tecnologia foi identificada como o fator mais importante para esse crescimento. Ela contribuiu com aproximadamente 60% do valor bruto da produção agropecuária e o somatório dos demais fatores — terra, mão de obra, e recursos financeiros — respondeu por 40%.

Por sua vez, o aumento da população mundial, a contínua urbanização, a maior expectativa de vida e o poder econômico elevarão ainda mais o consumo de alimentos, fibras e energia nos próximos anos e o Brasil deverá assumir um papel de ainda maior protagonismo na produção agrícola e na responsabilidade ambiental. As tecnologias digitais elevam as possibilidades de ampliar o conhecimento e a interação entre todos os elos das cadeias produtivas. Podem ajudar a resolver uma equação complexa e com inúmeras variáveis econômicas, sociais e ambientais em que é preciso produzir mais alimentos, com qualidade e com menor uso de recursos naturais.

Essa “digitalização da agricultura” pode ser entendida como interdisciplinar e transversal, não limitada a culturas agrícolas, regiões ou classe de produtores. Em um mundo cada vez mais dinâmico, a agricultura tem a possibilidade de utilizar avanços como as tecnologias de informação e comunicação (TICs), internet das coisas agrícolas (IoTA), inteligência artificial, agricultura de precisão, automação, robótica e big data e small data. Estimativas apontam que o mercado mundial da agricultura digital em 2021 será de 15 bilhões de dólares e que 80% das empresas esperam ter vantagens competitivas nesse setor[2].

O Brasil já possui papel inovador no agro focado em uma Agricultura 4.0. Novas abordagens são aplicadas no planejamento da produção, manejo, colheita, acesso a mercados, comercialização e transporte de grãos, frutas, hortaliças, carnes, leite, ovos, fibras e madeira. Os produtores já podem contar com apoio público, cooperativas, associações, sindicatos ou com serviços privados baseados em imagens de satélites, veículos aéreos não tripulados (VANTs) e sensores terrestres, sistemas de posicionamento global por satélite (GPS) e sistemas de informações geográficas (SIG).

Esses instrumentais são determinantes para o planejamento rural, redução de custos e aumento da produtividade e renda dos produtores. Já fazem parte de atividades como o cadastro ambiental rural (CAR) o zoneamentos e a aptidão agrícola. Também intensificam a aplicação da certificação ambiental de propriedades e processos, ajudam na gestão do bem-estar animal e na georrastreabilidade, elevando a qualidade e segurança dos alimentos.

A agricultura digital mostra desempenho amplificado na análise integrada de uso de insumos com a variabilidade do solo e água de sítios, fazendas e estâncias pela agricultura, pecuária e floresta de precisão. Máquinas e equipamentos conectados têm atividades gerenciadas por meio de sistemas de telemetria otimizando seu uso. Imagens de satélite e de VANTs, GPS, georreferenciamento e mapas de produtividade são termos cada vez mais frequentes no vocabulário dos produtores rurais. Esses instrumentos apoiam o planejamento do uso e ocupação da terra por práticas agrícolas mais resilientes, a exemplo da integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e do plantio direto.

Novos satélites geoestacionários e de constelações de nanossatélites do setor privado de comunicação, monitoramento de recursos naturais e agricultura já orbitam a Terra. Monitoramentos geoespaciais asseguram a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e aquáticos. Dão sustentação à implementação da gestão sustentável de florestas plantadas e restauração de florestas e pastagens degradadas. Sistemas de telemetria e GPS colaboram em medidas preventivas e corretivas envolvendo o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas, mantendo a biodiversidade e elevando as oportunidades locais de subsistência sustentável de comunidades tradicionais. Bancos de dados armazenam informações de recursos genéticos vegetais e animais (nativos e exóticos), cadastramento de conhecimentos tradicionais, produtos locais e um catálogo de atrações que promovem o turismo rural.

Novos aplicativos, disponíveis para tablets e smartphones, são um suporte na tomada de decisão sobre inúmeras práticas envolvendo a produção animal e vegetal. Ajudam a compreender as condições meteorológicas, como secas e inundações, colaborando preventivamente na manutenção da qualidade do solo, água e ar. Permitem identificar, monitorar e reduzir a incidência de pragas e doenças. São imprescindíveis no gerenciamento de sofisticados sistemas de irrigação, minimizando desperdícios. Minimizam perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita. Auxiliam o gerenciamento técnico-financeiro de propriedades e se tornam fundamentais para a sustentabilidade do negócio rural.

Na vanguarda da inovação digital e com grande potencial para a agricultura, entram em campo as startups, com soluções disruptivas a problemas antes cristalizados. A “uberização” de máquinas e serviços já é uma realidade no meio rural, diminuindo custos de produção e aumentando postos de trabalho. Conceitos da economia digital, como fintech (finance & techonology), blockchain e criptomoedas servem de soluções para as áreas financeiras envolvendo o comércio internacional, importações e exportações de insumos e produtos agropecuários.

Os desafios estão em conferir maior dinamismo e integração entre a pesquisa, ensino, indústria, comércio, assistência técnica e extensão rural brasileira. Aproveitar o mundo rural mais conectado e fortalecer o processo de educação a distância (EAD) no campo. Atrair mais jovens, capacitar produtores rurais e profissionais para gerarem soluções cada vez mais interdisciplinares no dia a dia nas propriedades rurais elevando a produtividade e com menor pressão nos recursos naturais. Um perfil inovador, empreendedor e multiplicador é imprescindível a todos que buscam a digitalização da agricultura.

Esse ambiente digital molda agendas de desenvolvimento em várias escalas. Internacionalmente, pode ser associado à Agenda 2030 que envolve 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesse contexto, a transformação digital na agricultura pode contribuir significativamente para o alcance desses objetivos, por meio de um maior compartilhamento de informações, aumento da produtividade, irrigação de precisão, ampliação do poder de informação, monitoramento do desperdício da produção, maior integração entre o campo e as cidades, aperfeiçoamento das cadeias produtivas, da melhoria na produção aquícola, na gestão do território e uso eficiente da terra (Figura 1).

http://breakthrough.unglobalcompact.org/site/assets/files/1332/6_9_26691_digital_agriculture_07_hr.1630x0.jpg

Exemplos de aplicações da agricultura digital aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Fonte: United Nations Global Compact. Digital Agriculture. 2017.

http://breakthrough.unglobalcompact.org/disruptive-technologies/digital-agriculture

Essa transformação possui uma velocidade exponencial, com maior amplitude na economia, governo e pessoas, tendo impactos cada vez mais sistêmicos nos indivíduos e na sociedade. A integração entre o conhecimento rural tradicional e o tecnológico inovador é fundamental para fortalecer ainda mais o desenvolvimento da agricultura. Estudo recente da Embrapa[3] destaca que, nesse paradigma, os negócios convencionais se desenvolverão sob a ótica do mercado digital, no qual o relacionamento entre consumidores e clientes será fortalecido por meio dos ecossistemas empresariais, do uso intensivo da automação e da convergência das TICs na agricultura.

Diminuir a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas devem integrar agendas públicas e privadas nas próximas décadas.

Essas condições têm impulsionado a demanda por atividades cada vez mais complexas na agricultura. O uso da tecnologia digital no dia a dia das propriedades rurais não é questão de opção, mas um caminho obrigatório para tornar a agricultura mais competitiva e com maior agregação de valor. Com a transformação digital na agricultura, o mundo rural é repleto de novas oportunidades para trabalhar, produzir e viver com qualidade. É necessário fortalecer ainda mais a geração de conhecimentos, tecnologias e inovações a serviço do desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira.

 Édson Bolfe é Pequisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Suas áreas de pesquisa são geotecnologias, modelagem agroambiental, planejamento territorial e cenários de desenvolvimento da agricultura.  

Descubra mais em: www.embrapa.br/agropensa

Referências

  1. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Projeções do Agronegócio 2017/2018 – 2027/2028. http://www.agricultura.gov.br/assuntos/politica-agricola
  2. Parte superior do formulárioUnited Nations Global Compact. Digital Agriculture. 2017. http://breakthrough.unglobalcompact.org/disruptive-technologies/digital-agriculture
  3. Embrapa. Agropensa. Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira. Brasília, DF: Embrapa, 2018. https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira

Indústria de Transformação, Serviços e Qualidade do Emprego

Carlos Alberto Ramos [1]

 

Existe certo consenso sobre a existência da tendência de crescente desigualdade nos últimos 40 anos nos países centrais. As pesquisas empíricas identificaram diversas raízes na explicação desse fenômeno, causas que vão desde o impacto das novas tecnologias no perfil de demanda de mão-de-obra (Goldin, C.; Katz (2008), Acemoglu (2002)), passam pela introdução de robôs na indústria manufatureira e seu impacto no emprego e salários (Acemoglu; Restrepo (2017), Acemoglu (2017)) e chegam interpretações mais heterodoxas como a de Piketty (2013).

Esse aumento na dispersão dos rendimentos se observou em paralelo a uma alteração nas dinâmicas setoriais de emprego. O estoque de assalariados na Indústria de Transformação registra tendência de queda e é crescente a importância do emprego nos serviços. Esse deslocamento setorial seria mais acentuado em países que seriam pioneiros (talvez por esse vanguardismo) no processo de industrialização. Na Alemanha, a quantidade de assalariados na Indústria de Transformação (IT) representava em torno de 40% do emprego total em 1970, ano que podemos identificar como sendo o ápice do estilo de desenvolvimento pós-segunda guerra mundial. Um quarto de século depois o percentual apenas ultrapassa os 20%. Na Inglaterra, a “desindustrialização” do emprego também é particularmente acentuada (35% e 16%, respectivamente), tendência similar nos EUA (27% e 12%, respectivamente). [2]

A perda de relevância da Indústria de Transformação na geração de empregos ao se verificar em paralelo com uma crescente desigualdade abre espaço para uma reação quase intuitiva: estaria na “desindustrialização” do emprego a raiz última do aumento da polarização no mercado de trabalho?

Diversos são os argumentos que poderiam ser esgrimidos para ancorar essa relação de causalidade. Vamos citar alguns deles, mencionando suas fragilidades.

O mais usual faz uma associação direta entre emprego industrial e emprego de “qualidade”. Contrariamente, o setor serviços se caracterizaria pela “precariedade” dos vínculos. Deixando de lado, de forma momentânea, a necessidade de qualificação desses adjetivos (“qualidade”, “precariedade”, etc.), as séries não parecem indicar um nexo direto entre a redução das desigualdades no período que vai dos anos 40 ao 70 do século passado com uma crescente importância do emprego na Indústria de Transformação. Observemos dois aspectos. Em nenhum momento da história o emprego na IT foi majoritário. Tomemos o caso dos EUA. Desde um máximo de quase 40% a começos do século passado se inicia uma continua queda até 27,3% no ano de 1970. [3] Ou seja, o período considerado dourado em termos de crescimento e desconcentração de renda (entre a segunda guerra mundial e meados dos anos 70), a IT apresenta uma contínua queda na sua relevância como geradora de postos de trabalho. Na Inglaterra, o percentual de ocupados na IT atinge máximos de em torno de 40% em meados de século passado, sendo o emprego nos serviços sempre superior. Entre 1960 e 1970 se inicia uma queda (em termos absolutos) do número de empregados na IT e essa redução não redundou em alterações do Gini, que se manteve em torno de 0,26. [4]  Ou seja, associar a desindustrialização do emprego à precarização dos postos de trabalho e, imediatamente, fazer um nexo com as crescentes desigualdades dos últimos 40 anos ou ao “wageless growth” merece certo cuidado.

Uma segunda linha interpretativa diz respeito à queda no poder de barganha dos assalariados quando transitamos de empregos industriais a postos de trabalho nos serviços. O emprego na IT nuclearia grandes unidades de produção com significativos contingentes de trabalhadores, o que viabilizaria a união dessa mão-de-obra em sindicatos com elevado poder de negociação. Contrariamente, nos serviços prevaleceriam pequenas e dispersas unidades de produção que ocupariam reduzidos estoques de empregados. Essa característica tornaria o poder de barganha dos sindicatos menor e até mesmo dificultaria a sua proporia existência. Acompanhando essa matriz interpretativa, a desindustrialização do emprego teria como contrapartida uma queda na capacidade de negociar salários e, nesse sentido, a trajetória na composição setorial do emprego das últimas décadas teria contribuído para o crescimento das desigualdades. Neste caso, os dados parecem ancorar este diagnóstico. A densidade sindical (percentual de assalariados afiliados a um sindicato) vem caindo desde os anos 70 do século passado e a abrangência das negociações coletivas também registra tendência de queda. [5] Fica em aberto determinar a importância do ganho de participação dos serviços na geração de emprego na redução do grau de sindicalização. Lembremos que a elevação do desemprego, a concorrência internacional, etc. são outras tantas variáveis que podem estar contribuindo a essa nova configuração de barganha.

A essa considerações teóricas e empíricas podemos contrapor diversas outras. Vamos mencionar algumas delas.

Essa segmentação industria/serviços seria maniqueísta. A articulação entre a IT e os serviços seria evidente na crescente participação destes últimos no valor agregado da primeira, chegando a mais de 25% (IMF (2018)). Essa ““servicification of manufacturing” não permitiria seccionar um binômio “bons postos de trabalho”/IT versus “vagas precárias”/serviços.

A segunda observação diz respeito à necessidade de definir com algum grau de objetividade o conceito de “bom posto de trabalho” e “emprego precário”. As variáveis usualmente utilizadas para tipificar a qualidade de um posto de trabalho são: condições de trabalho, satisfação com as tarefas realizadas, monotonia, estabilidade, autonomia, salários indiretos, insalubridade, flexibilidade no tempo de trabalho, etc. [6] As pesquisas indicam que uma segmentação entre bons empregos no setor industrial e empregos precários no setor de serviços não pode ser taxativa. Se a rotatividade, o emprego temporário e a tempo parcial são mais usuais no setor de serviços, simultaneamente programas de treinamento são mais freqüentes e as condições de trabalho mais favoráveis aos assalariados. Por outra parte, controladas as características pessoais, os salários são próximos. [7]  Esta proximidade se observa tanto nos países centrais (OCDE (2001), IMF (2018)) como no Brasil (Alvarez (2017)).

Por último, merece reflexão um usual mecanicismo histórico que associa o processo de desenvolvimento, de longo prazo, com uma transição setorial do emprego. Assim, as etapas que as sociedades teriam percorrido seriam a transição de um período no qual a agricultura seria o setor dominante para uma sociedade urbana-industrial e, posteriormente, se constataria o ingresso a um pós-modernismo no qual os empregos e as atividades nos serviços seriam hegemônicos. A primeira transição teria possibilitado ganhos de produtividade elevados, empregos “clássicos” (assalariado industrial com contratos por tempo indeterminado e sindicalizados) e uma redução da dispersão dos rendimentos. A terceira etapa, na qual os serviços seriam hegemônicos, a “precariedade” das vagas geradas estaria comprometendo os ganhos em termos de igualdade e mesmo não estariam alheios às raízes da diagnosticada “estagnação secular” (Gordon (2017)). Existem contribuições teóricas sugerindo que essa caracterização mecanicista do processo de desenvolvimento pode ter sido reducionista em excesso, podendo ser vislumbradas experiências nas quais sociedades agrícolas abertas ao comercio mundial abriram espaço para um setor de serviços que, posteriormente, alavancou a industrialização (Thomé; Galiani; Heymann; Dabús (2008)).

Dos argumentos apresentados nos parágrafos anteriores podemos concluir que seria prematuro atribuir à IT uma superioridade qualitativa na oferta de emprego. Concentrar nesse setor os “bons postos de trabalho” e identificar os serviços com a “precarização das ocupações” constitui uma simplificação que não ajuda a avançar a fronteira do conhecimento na área. Existem complementações entre a IT e os serviços, sendo questionável o realismo de segmentos com reduzidos vasos comunicantes. As exportações mundiais apresentam uma crescente participação dos serviços (IMF (2018)). A caricatura de uma IT “tradable”, capaz de gerar ganhos de produtividade via mercados mundiais e possibilitando a oferta de empregos de qualidade versus um setor de serviços reduzido a satisfazer o mercado interno, com escassos ganhos de produtividade e pressões de salários (como o Modelo de Baumol predizia) merece ser repensado. Talvez seja necessário redefinir a categorização setorial, uma vez que hoje são classificadas como serviços desde atividades como finanças e business até serviços de restaurantes e hotéis. Dada essa diversidade, uma média pode deixar de ter a representatividade desejada.

Como balanço podemos concluir sobre a conveniência de superar estereótipos e direcionar os esforços a pesquisas teóricas e empíricas nessa área.

Bibliografia Citada

Acemoglu, D., “Technical Change, Inequality, and the Labor Market” Journal of Economic Literature. v.40. p,70-72. 2002.

——————-, “Automation and the Future of Jobs” Technology and Academic Policy. June, 2017. (Disponível em: https://bit.ly/2uxXAi8; consultado em Julio de 2018).

——————-; Restrepo, P. “Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets” NBER. Working Paper No. 23285. March 2017. (Disponível em: http://www.nber.org/papers/w23285; consultado em Julio de 2018).

Alvarez, J., “Structural Transformation and the Agricultural Wage Gap” IMF Working Paper 17/289. 2017.

Goldin, C.; Katz, L.F., The Race between Education and Technology. Massachuttes (USA):Belknap Press. 2008.

Gordon, R.J., The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War. New Jersey:Princeton University Press. 2017.

IMF, World Economic Outlook. Chapter 3. 2018.

Lebergott, S., Labor Force and Employment, 1800–1960, in Brady, D.S., (Ed.) Output, Employment, and Productivity in the United States after 1800. NBER. 1966. (Disponível em: http://www.nber.org/chapters/c1567.pdf; Consultado em Julio de 2018).

OCDE, Employment Outlook 2014. Paris:OCDE. 2014.

——–, Employment Outlook 2001. Chapter 3 (The Characteristics and Quality of Service Sector Jobs). Paris: OCDE. 2001.

Piketty, T., Le Capital au XXIe Siècle. Paris:Editions du Seuil. 2013.

Thomé, F.; Galiani, S.; Heymann, D.; Dabús, C., “On the emergence of public education in land-rich economies” Journal of Development Economics. v.86. p.434-46. 2008.

  1. Fonte: US. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics. Essa desindustrialização do emprego é uma tendência mundial. As exceções estão situadas quase todas em Ásia (China, Tailândia, Indonésia, etc.). Ver IMF (2018).
  2. Ver https://www.census.gov/prod/99pubs/99statab/sec31.pdf (Consultado em Julho de 2018).
  3.  Fonte: IFS (Institute for Fiscal Studies), UK.
  4.  Ver OCDE (2014). Logicamente, que esta tendência à “desindiscalização” tem nuances segundo cada país.
  5.  Ver OCDE (2001).
  6.  Essa proximidade depende muito do sub-setor nos serviços, sugerindo uma pronunciada heterogeneidade.
Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, doutorado na Université Paris-Nord.

 

20 anos do Google: Como a empresa evoluiu seguindo métodos e princípios não tradicionais

Em 2018, o Google completa 20 anos de sua fundação nos Estados Unidos. Desde 1998, a empresa é ao mesmo tempo produto e propulsora da globalização, pelo grande espectro de serviços fornecidos e pela explosão do número de dados on-line reproduzidos e disponibilizados. Já não é mais aceitável a concepção de um mundo sem o acesso livre e imediato à informação como o de décadas atrás.

É notável a importância da economia digital e dos serviços para o desenvolvimento econômico, e da adaptação às tendências. Muitas sociedades e organizações diversas buscam grandes resultados, e para isso desejam uma inserção mais ativa no mundo digital, para isso, tendem a abandonar práticas que possam ser disfuncionais no século da Internet.

Comumente sociedades discutem sobre a criação e replicação de “Vales do Silício”, regiões que concentrariam uma proliferação de inovações, de startups, e de empresas visionárias. O que também merece atenção são fatores como a cultura, a filosofia, e os novos modos de operação e de organização das empresas que despontaram como grandes plataformas. O Google é uma dessas plataformas, e alguns dos seus princípios e métodos foram descritos na obra “How Google Works” (2016) de Schmidt, Rosenberg e Eagle. Muitos desses princípios e métodos são compartilhados por outras grandes empresas do ramo, salvo algumas exceções (como a plataforma aberta).

A autonomia de pensamento é um princípio indispensável para o processo de criação e colaboração, e está desde o início no Google. É uma influência da raiz no mundo acadêmico da empresa, ao ser criada por Larry Page e Sergey Brin, cientistas da computação na Universidade de Stanford, com o suporte posterior de engenheiros e profissionais criativos. Na empresa, a discordância não é só estimulada, como é necessária, o que dá maior liberdade de opinião nas reuniões e encontros. E a qualidade da ideia é muito mais importante do que quem a sugere. Inclusive, há momentos em que, para o bem da empresa, a opinião da pessoa que recebe mais (tratadas de “Hippos”: Highest-Paid Person Opinions) não deve ser ouvida (!). Isso pode afetar o processo de criação na empresa, e o surgimento de novas ideias na equipe. Além disso, é muito valorizado na empresa a diversidade de origens dos talentos contratados, o que fornece vários pontos de vista e pensamentos.

Organizações de estrutura excessivamente hierárquica inibem a colaboração ativa e o questionamento. Tais estruturas supostamente promovem maior estabilidade, e os processos de tomada de decisão estão concentrados. No entanto, a competição com organizações de sucesso que estão mais adaptadas ao século das tecnologias da informação e comunicação pode tonar mais evidente a falta de progresso das empresas tradicionais. Ainda que seja necessária uma estrutura organizacional formal, arranjos mais planos permitem o acesso mais direto aos tomadores de decisões finais e fornecem maior celeridade na realização de projetos.

A própria organização do local de trabalho no Google é realizada de forma a valorizar a autonomia e a liberdade dos trabalhadores (o filme de comédia “The Internship”, de 2013, ajudou a difundir o ambiente pouco tradicional do Google ao público geral). Nesse ambiente, não necessariamente o reconhecimento está no tamanho da sala ou a vista mais bonita da janela. Os escritórios são projetados para maximizar a colaboração e a interação, evitando também a formação de “silos”, grupos que falham ao não se comunicarem livremente e efetivamente entre si.

O ambiente mais livre e que valoriza a autonomia de pensamento também é atrativo aos talentos denominados como “smart creatives”, trabalhadores multifuncionais e muito valorizados no mercado de trabalho. A contratação desses profissionais é uma das atividades mais importante dos executivos. E os líderes serão aqueles que demonstrarem maior paixão e desempenho (e não necessariamente experiência), sendo em torno deles/delas que serão formadas as equipes de trabalho. Nesse sentido, a recomendação é a de que os empreendedores invistam muito mais nas pessoas e na formação de equipes do que nos planos de trabalho. Os planos devem ser flexíveis e mudarão de acordo com o progresso e com as novas descobertas sobre produtos e tendências de mercado, e os talentos irão descobrir novos caminhos naturalmente.

No Google, assim como em outras plataformas digitais, a filosofia de trabalho defendida é a de foco no usuário e na excelência do produto. Para isso, a recomendação é apostar mais nos insights técnicos dos produtos e serviços do que necessariamente na receita. Supostamente, a receita acompanhará o ganho de mercado da excelência produzida. Como destacam Schmidt, Rosenberg e Eagle (2016), inicialmente os fundadores do Google não sabiam claramente como criar um modelo geral de receitas com adverstising, mesmo tendo uma ideia de um potencial. Larry Page e Sergey Brin passaram mais tempo no aumento de escala da plataforma. Mais tarde, a chegada de profissionais de conhecimento dos negócios ajudou no marketing e na captação de recursos.

Os insights técnicos promovem uma solução inovadora para algum problema, e são sobre eles que os produtos e plataformas são construídos. Exemplo disso é o mecanismo de anúncio e publicidade do Google que gera a maior parte da receita da empresa: o Google AdWords. O serviço foi baseado no insight de que os anúncios pudessem ser classificados e colocados em uma página com base em informações de valor e utilidade para os usuários, e não por quem ou qual empresa estivesse disposta a pagar mais (Schmidt; Rosenberg; Eagle, 2016).

O rápido crescimento da plataforma Google foi possível diante de outra importante decisão da empresa desde seus primeiros anos: deixá-la aberta aos usuários, o máximo possível. Após adquirir o sistema operacional Android em 2005, por exemplo, o Google optou por mantê-lo aberto, concedendo liberdade para usuários desenvolverem novos produtos, além de tê-lo disponibilizado para operadoras e fabricantes dos aparelhos. Tal decisão permitiu que a plataforma Google – e o acesso à Internet de modo geral – se expandisse ligeiramente pelos aparelhos móveis. Apesar disso, é claro que nem todo o sistema Google é aberto. A empresa mantém algoritmos relacionados ao mecanismo de pesquisa em segredo, sob a justificativa de manter a qualidade do serviço além da proteção da propriedade intelectual.

O Google inicialmente no final dos anos 1990 – com a concorrência da Netscape e da Microsoft – focou-se na qualidade de seu mecanismo de pesquisa, medindo-o em termos de velocidade, precisão, facilidade de uso, abrangência e atualização. Ao tornar-se principal referência na área no mundo, expandiu sua linha de atuação e de produtos. A empresa mais uma vez apostou mais nos insights técnicos e menos na pesquisa de mercado, buscando assim oferecer aos consumidores o que ainda não sabiam o que queriam (ponto também várias vezes destacado por Steve Jobs, apaixonado por excelência, e inspiração para os próprios fundadores do Google).

As atividades do Google foram e têm se expandido de tal forma que os seus fundadores realizaram em 2015 a maior restruturação da companhia ao criar a holding Alphabet. Dentre os objetivos estava o de tornar o Google mais enxuto e dedicado às atividades mais vinculadas aos serviços na Internet. Além, é claro, do Google, a Alphabet incorpora uma série de empresas e projetos: Fiber, serviço de Internet ultrarrápida; Verily, com pesquisas sobre saúde e prevenção de doenças; Sidewalk Labs, destinado a criar ambientes melhores nos centros urbanos; Calico, voltada à biotecnologia, e pesquisa sobre a longevidade; os braços de investimento CapitalG e GV; Jigsaw, que utiliza tecnologia para lidar com desafios de segurança global, como censura on-line, extremismo, ataques digitais; DeepMind, destinado à pesquisa sobre inteligência artificial; Waymo, para desenvolvimento de carros autônomos; Loon, voltada à provisão de acesso à Internet em áreas rurais e remotas; Project Wing, para desenvolvimento de drones para serviços de entrega; X, a fábrica de ambiciosos projetos de P&D; e Nest, voltada a produtos e dispositivos de automação residencial – “internet das coisas”, e incorporada pela equipe de hardware do Google. Esse “guarda-chuva” parece estar em constante mutação de acordo com o surgimento de novos projetos.

Apesar do sucesso, a dimensão de empresas como o Google merece muita atenção. Quanto maior o uso, maiores as plataformas, mais investimentos e recursos elas alavancam, e maior poder e concentração de mercado conseguem reter. Além disso, empresas de destaque como as citadas DeepMind e a Nest acabaram sendo adquiridas pelo próprio Google/Alphabet, o que o mantém numa posição muito privilegiada no mercado de inovação. Do ponto de vista da sociedade como um todo, essa concentração pode levar a questionamentos diversos, dentre eles a dificuldade de entrada de novos competidores e da livre concorrência.

Grande exemplo foi a decisão de autoridades antitruste da União Europeia em julho de 2018 de aplicar uma multa recorde de 4,34 bilhões de euros contra o Google por “utilizar o Android como um veículo para consolidar a posição dominante em seu motor de busca”, violando, assim, regras de livre concorrência, como o favorecimento de seus aplicativos. Além da grande parcela de mercado atingida, questiona-se a adoção de práticas abusivas pela empresa. A Comissão Europeia alega que o Google estaria obrigando operadoras e fabricantes a instalarem determinados aplicativos para ter acesso aos demais, além de incentivos financeiros, e impedimento para instalação de sistemas operacionais rivais por meio do Android. Outras investigações estão em andamento, como a do sistema de publicidade AdSense. O Google irá recorrer da decisão, e destaca os preços considerados acessíveis e a inovação rápida colaborativa dentro do ecossistema da plataforma.

Por fim, o século da Internet deve combinar a colaboração e a abertura, para que empreendedores tenham uma liberdade real de poder ascenderem nas redes com propostas inovadoras. Por outro lado, grandes plataformas digitais como o Google ditam os rumos da tecnologia e inovação, e possuem grande capacidade de se reinventarem. Por essas razões, possuem certo “poder de realizar previsões”. Logo, é extremamente importante acompanhá-las, e compreender sua forma de atuação – e suas mudanças, para que possamos conhecer um pouco do nosso futuro.

O mundo é digital: e é pra lá que eu vou

Eu sei, parece que a administração pública do Brasil não percebeu o potencial da tecnologia na melhoria da gestão e da qualidade dos serviços prestados à população. E olha que começamos bem: em 2003, estávamos em 41º no ranking de governo digital da Organização das Nações Unidas e chegamos a 33º em 2005. Infelizmente, nos perdemos em algum lugar pelo caminho e caímos até a 61ª posição em 2010. Em 2016, subimos um pouquinho e chegamos a 51ª, ufa!

Já nós, cidadãos brasileiros, invadimos o mundo digital. Somos o 4o maior país do mundo em número de usuários na internet. Conhecidos como early adopters de redes sociais, não resistimos a uma novidade.

Mas não foi só o governo que ficou para trás nessa história.

A vanguarda ficou do lado de fora da porta do trabalho. Inicialmente, nem o setor público nem o privado deram prioridade para a transformação digital e a inovação. O IBGE já mostrou que somente cerca de 35% das empresas investem em novos bens ou serviços ou na melhoria dos processos no Brasil.

E o mais curioso, eu costumo dizer, é que o desafio da transformação digital não é tecnológico, e sim conseguir reunir os diversos – e muitas vezes repetidos – esforços da sociedade e do governo para que o País esteja melhor preparado para aproveitar as oportunidades que a economia digital vem proporcionando.

Acredito que boa parte dos gestores públicos concordam que a tecnologia se tornou o motor do serviço público e que a transformação digital promove economia e simplificar a vida dos cidadãos brasileiros.

Hoje, entre outras conquistas, destaco o Processo Eletrônico Nacional (PEN), o portal de Serviços, o Login único e o caçula Documento Nacional de Identidade (DNI), ainda em piloto. Estes são componentes da Plataforma de Cidadania Digital, a partir da qual estamos acelerarando a transformação de serviços e de políticas públicas.

Desde o 2o semestre de 2017, lançamos 41 serviços públicos em ambiente digital, que  apresentaram redução da ordem de 90% no custo para o estado e para o cidadão. Parece promissor, mas ainda estamos muito longe de onde queremos e podemos chegar.

Primeiro é preciso ter em mente que a burocracia no setor público acaba por prejudicar as pessoas que mais precisam. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) fez um levantamento na América Latina e revelou que, em média, um quarto dos serviços públicos requer três ou mais interações, às vezes presenciais, até ser concluído.

Dá para imaginar o tanto de dinheiro, tempo e paciência que os cidadãos perdem por ano porque um serviço não foi modernizado? São passagens de ônibus, combustível, ligações telefônicas, preenchimento de formulários e tempo gasto em filas.

Até o ano passado, os jovens brasileiros de 18 gastavam R$ 118 milhões por ano para fazer o Alistamento Militar Obrigatório. Depois da transformação digital, o alistamento é feito pela Internet, e a presença do jovem só é necessária se ele for realmente servir. Além disto, para o governo, reduzimos a despesa em R$ 180 milhões por ano. Viu como dá para melhorar?

O Censo de Serviços Públicos, realizado pela primeira vez em 2017, revelou que menos de 40% de todos os serviços públicos prestados pelo Governo Federal são digitais. Ou seja, temos mais de mil serviços que devem ser transformados para efetivamente comemorarmos a virada.

Por fim, segundo a Accenture, a cada 1% de crescimento na digitalização do governo, crescerá 0,5% o PIB do país, 0,13 o IDH, 1,9% o comércio internacional entre diversos outros benefícios menos tangíveis. Ou seja, o desafio é grande, mas ainda maior será a recompensa: quem está comigo?

 Luis Felipe Salin Monteiro é Secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, responsável pelo processo de transformação digital do governo federal. É Mestre em gestão de tecnologia da informação pela Universidade Católica de Brasília e pela Fundação Getúlio Vargas, com graduação em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria.

Telecomunicações têm a maior receita do setor de serviços – parte II

Em post anterior, mostramos os serviços de telecomunicações se destacando entre os demais serviços na geração de receitas. Neste post, mostraremos eles se destacando em produtividade e em remunerações no país, além da queda, ao longo do tempo, na participação do setor de telecomunicações no setor de serviços. Por último, será mostrado a relevância da inovação tecnológica para o setor seguir crescendo.

Desde a primeira série histórica da Pesquisa Anual de Serviços do IBGE – PAS com os serviços de telecomunicações discriminados (1999), eles ocupam o primeiro lugar entre os serviços de maior geração de receita operacional líquida no país e o primeiro ou segundo lugar entre os serviços de maior produtividade nacional (resultado da divisão de valor adicionado por pessoal ocupado), conforme tabela abaixo.

Tabela 1. Posição dos serviços de telecomunicações em rankings do setor de serviços, de 1999 a 2015.

Fonte: PAS-IBGE. Elaboração própria.

Apesar dos serviços de saúde e de intermediação financeira nunca terem sido incluídos na PAS, ao longo do tempo o número de serviços analisados se ampliou. Até 2006, por exemplo, serviço dutoviário não era abordado. Foi justamente a incorporação desse serviço de 2007 em diante que fez telecomunicações cair da 1ª para a 2ª posição no ranking de serviços com maior produtividade. Isto porque o serviço realizado por meio de dutovias gera alto valor adicionado por causa dos produtos caros transportados como gasolina e minério de ferro e, ao mesmo tempo, emprega pouquíssima mão de obra. Em 2015, por exemplo, o valor adicionado pelas telecomunicações foi 5,4 vezes maior que o valor adicionado pelos serviços dutoviários. Porém, a quantidade de pessoas ocupadas nas telecomunicações era 25 vezes maior, levando este último serviço a ocupar o 2º lugar no ranking de produtividade.

Os ocupados no setor de telecomunicações costumam receber maiores remunerações, comparativamente aos ocupados nos demais serviços no país. Enquanto a remuneração média anual dos primeiros, entre 1999 e 2015, foi de aproximadamente R$ 40.000,00, a dos últimos foi de aproximadamente R$ 14.000,00. Mas a diferença entre esses valores vem apresentando tendência de queda. A proporção percentual do setor de telecomunicações no setor de serviços ao longo do tempo é explorada na tabela abaixo.

Tabela 2. Participação percentual dos serviços de telecomunicações no total do setor de serviços, de 1999 a 2015.

Fonte: PAS-IBGE. Elaboração própria.

Observando a tabela acima percebemos contribuições paulatinamente menores das telecomunicações para os totais nos serviços, ao longo do tempo. Tal fato poderia ser interpretado de acordo com a teoria da commoditização digital, discutida em Arbache (2018): a popularização de uma nova tecnologia faz com que a contribuição dela para a competitividade seja cada vez menor por unidade produzida.

Por exemplo, a implementação da quinta geração de comunicação móvel (5G) numa fábrica resulta em melhor comunicação entre suas máquinas e, dessa forma, a unidade produzida sai em tempo menor comparativamente à mesma unidade produzida nas fábricas convencionais. Dessa forma, a primeira fábrica a implantar a inovativa 5G produzirá maior quantidade em menor tempo e, portanto, ganhará mercado, venderá mais e aumentará seus lucros. Porém, com a adoção da 5G pelas concorrentes, a quantidade ofertada ao mercado será maior e o preço do produto deve cair. Dessa forma, o lucro da primeira fábrica vai diminuindo conforme a popularização da 5G aumenta. Assim, o acesso à 5G vira condição necessária para a sobrevivência no mercado, mas não determina a vitória da competição. Concomitantemente, a disposição das fábricas em pagar pelo serviço da 5G cai com o tempo e, como consequência, assistimos queda dos preços dos serviços de 5G, desaceleração nas receitas dos ofertantes desse serviço de telecomunicação, desaceleração no valor adicionado, provável encolhimento do setor e etc. A relação entre commoditização digital e competitividade também segue na ilustração abaixo.

Figura 1. Relação entre commoditização digital e competitividade

Fonte: Arbache (2017).

Depois de um ponto de inflexão, quanto maior a quantidade de pessoas com acesso aos serviços de telecomunicações, menor se torna a contribuição desses serviços para a geração de riquezas. Dessa forma, a disposição em pagar por tais serviços é decrescente depois de um certo nível e, consequentemente, os preços deles tendem a cair. No Brasil, já devemos ter ultrapassado o ponto de inflexão em várias regiões pois o IBGE revelou crescimento abaixo da inflação dos preços dos serviços de telecomunicações em 2014.

Os preços dos serviços de comunicação, incluindo telefonia celular e banda larga, foram os que menos subiram em 2015 segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas. A instituição mediu a inflação da baixa renda, pelo Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), e constatou que a alta média de preços foi de 11,52% no acumulado do ano, enquanto os serviços de comunicação subiram 1,11%. Índices como os de habitação e de transportes, por exemplo, subiram 14,6% e 13,2%, respectivamente. Segundo o Telebrasil, esse índice pode ser explicado pela queda de preço nos serviços ao usuário. “Na telefonia celular, desde 2008, o preço médio do minuto caiu 60%, fruto de uma acirrada competição, redução nas margens de lucro das empresas e aumento dos ganhos de eficiência das prestadoras”, afirma, em nota. A entidade representa as operadoras e concessionárias (TELESÍNTESE).

Conforme resumido no livro “Introdução à Teoria do Crescimento Econômico” do Jones (2000), uma saída para a desaceleração das receitas, apontada por teóricos do crescimento econômico, seria o crescimento de investimentos em P&D indutoras de inovação tecnológica no setor. E as empresas já estão fazendo isso: a Pesquisa de Inovação (PINTEC) do IBGE revela crescimento de 382% no investido em P&D pelo setor de telecomunicações no Brasil entre 2011 e 2014. Ademais, o gasto total em P&D no Brasil em 2014 foi de 0,61% do PIB; sem telecomunicações, esse percentual teria sido de apenas de 0,54%.

Concluindo, desde 1999 os serviços de telecomunicações se destacam em produtividade e em geração de receitas no país. Isso deve se manter caso seja crescente a inovação tecnológica no setor, advinda de crescentes investimentos em P&D. Devido ao processo de commoditização digital, a inovação se mostra crucial no combate à tendência de redução de participação relativa dos indicadores de telecomunicações nos totais dos indicadores do setor de serviços aqui analisados.

Patentes e dinamismo econômico

A World Intellectual Property Organization (WIPO) disponibiliza dados internacionais sobre direitos intelectuais, sendo importante fonte de informações sobre as patentes emitidas pelos países-membros desta organização. Os dados disponibilizados por esta fonte podem ser utilizados para se realizar uma comparação entre o número de patentes registradas pelo setor industrial e pelo setor de serviços no período entre 1980 e 2015.

Para isto, as patentes foram classificadas em três categorias, Serviços, Indústria e Outros.  Posteriormente, realizou-se a comparação entre o número de patentes geradas pelos setores no período citado. Esta comparação revela que ocorreu aumento considerável no número de patentes relacionadas ao setor de serviços, em detrimento das patentes industriais. Em 1980, 72% das patentes eram em tecnologias industriais e apenas 28% em serviços. Em 2015, a proporção de patentes relacionadas a tecnologias industriais recuou para 59%, de modo que 41% das patentes geradas eram em tecnologias relacionadas a serviços. Isto é, observou-se crescimento de 47% na proporção de patentes geradas em tecnologias relacionadas ao setor de serviços.

Separando os serviços em finais e intermediários, observa-se o crescimento na proporção de patentes relacionadas a serviços intermediários. Em 1980, apenas 29% das patentes de serviços eram em serviços intermediários e em 2015 esta proporção avança para 79%. Isto é, o setor que apresenta maior crescimento no número de patentes é serviços e, dentro deste setor, se observa avanço das patentes em serviços intermediários.

Estes dados mostram que a dinâmica de inovação mundial está se modificando. As novas tecnologias de comunicação criaram ambiente favorável ao desenvolvimento de inovações organizacionais no setor de serviços. Este setor está sendo profundamente transformado pela emergência destas tecnologias e está se convertendo em uma das principais fontes de inovação. Esta evidência mostra que o crescimento econômico não está associado à presença de um setor específico, mas ao conhecimento e à capacidade de gerar inovações que contribuem para o crescimento econômico.

A análise do número de patentes geradas entre 2000 e 2015 para as tecnologias que mais cresceram no período revela grande concentração nos Estados Unidos e na Ásia. Das patentes registradas em Métodos de TI para gerenciamento, 47% foram registradas nos Estados Unidos, 35% na Ásia; e apenas 10% na Europa. A América Latina e a África geraram quantidade muito baixa de patentes nesta tecnologia, não superior a 1%, como este padrão se repete para as demais tecnologias, estas regiões não serão analisadas.

Gráfico 1 – Proporção de patentes geradas nas tecnologias de serviços que se encontram entre as dez tecnologias com maior crescimento no número de patentes entre 2000 e 2015

Fonte: World Intellectual Property Orgamization

Em Comunicação digital, 50% das patentes foram registradas nos Estados Unidos, 26% na Ásia, e apenas 16% na Europa. Em Tecnologia computacional, 44% das patentes foram geradas nos Estados Unidos, 38% na Ásia e 11% na Europa. Já em tecnologia médica, 35% das patentes registradas foram nos Estados Unidos, 30% na Ásia e 23% na Europa. Assim, existe uma grande concentração nas patentes geradas em serviços nos Estados Unidos e na Ásia, e, em menor escala, na Europa.

A análise do número de patentes geradas revela que a dinâmica de inovação está migrando para o setor de serviços. O setor industrial ainda é o principal responsável por introduzir inovações que provocam modificações na estrutura produtiva e geram crescimento econômico. Porém, cada vez mais, o centro dinâmico gerador de inovações, introdutor de novas atividades econômicas, mudanças na estrutura produtiva e responsável por promover o crescimento econômico é o setor de serviços. Com grande destaque para o surgimento de novas atividades de serviços intermediários, intimamente relacionadas ao surgimento de novas tecnologias de comunicação, que provocam  inovações organizacionais nos processos produtivos e administrativos. Caso esta tendência permaneça, dentro de poucas décadas a transformação de atividades tradicionais de serviços em atividades modernas se transformará no principal vetor de inovações e no principal gerador de novas atividades econômicas, sendo responsável por explicar as mudanças estruturais observadas pelos países.

Os dados de patentes corroboram a argumentação de que o crescimento do setor de serviços nos países desenvolvidos não ocorre através da migração dos trabalhadores para atividades de serviços finais, que possuem baixa produtividade e que resultam em estagnação econômica. Na realidade, o crescimento deste setor está relacionado ao surgimento de atividades inteiramente novas, inovadoras, altamente dinâmicas e introdutoras de progresso técnico. Estas novas tecnologias estão introduzindo mudanças organizacionais que, provavelmente, resultam em crescimento elevado da produtividade do setor de serviços, contribuindo para que a produtividade da indústria e da economia como um todo se eleve significativamente.

Ensino baseado em projetos

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025]

10/05/2025 – Pierre, que tem 23 anos, é aluno de uma universidade particular e está chegando logo cedo para suas aulas. Ao passar pelo portão de entrada principal, um aplicativo instalado em seu celular já indica e dispara a informação de que ele está nas dependências da escola. Ele vê alguns colegas com quem se junta e vão rumo à sala de aula conversando animadamente. Ao adentrar a sala, por algum motivo, naquele dia específico, ele repara o quanto é agradável e estimulante aquele espaço. Mesas redondas com cadeiras confortáveis, acesso à internet, onde ele pode acessar diversos conteúdos facilmente e uma sala inteira onde ele, seus colegas e os professores podem utilizar as paredes para escreverem (ele ouviu falar que há alguns anos atrás nas universidades eram utilizados equipamentos que tinham o nome de “lousa”, “quadro”), dentre outros elementos estimulantes, incluindo alguns equipamentos e objetos que pareciam dar à sala de aula um ambiente de laboratório, misturado com sala de jogos.

Ele é recebido por três professores, o de genética, o de estatística e o de química, que estão acompanhando a turma no entendimento, desenvolvimento e resolução de um problema colocado por eles. Ele está feliz por ter chegado aquela hora, pois desde a noite anterior ele vinha pensando em algumas questões específicas do projeto que estão desenvolvendo (em sala e logicamente fora dela também, já que estão sempre conectados) e para os quais havia tentado buscar mais informações para ajudar o seu grupo a evoluir na solução do problema.

Em 2025, o cerne do processo de aprendizagem estará centrado no estudante e pelo menos a maior parte das universidades mais relevantes já terão construído um ambiente de sala de aula que lembre, de alguma forma, o ambiente hipotético descrito anteriormente. Apesar de essa centralidade no aluno parecer um caminho óbvio e já envelhecido, ela é, na verdade, mais complexo do que parece.

A aprendizagem baseada em projetos (do inglês project-based learning) ou problemas (problem-based learning), que coloca o aluno no centro do “palco”, é uma abordagem que tem sido discutida há pelo menos três décadas, tendo sua discussão e aplicação se intensificado nos últimos anos. Porém, essa abordagem tende a ser aplicada de maneira isolada, por alguns poucos professores e escolas, quando poderia ser vista como base de uma reestruturação mais profunda e geral no modelo de ensino.

A visão proposta por Venturelli (1997), quando construiu seu quadro comparativo entre as estratégias educacionais de metodologia centrada no professor versus uma estratégia educacional inovadora, centrada nos estudantes, conforme explicitado no quadro abaixo, ainda será uma realidade.

INOVADOR TRADICIONAL
Avaliação formativa contínua Avaliação formativa fora de contexto
Centrada em estudantes ativos e com objetivos definidos Centrada nos docentes
Uso de recursos educacionais múltiplos e relevantes Uso de exposição repetitivas

 

Considera qualidades pessoais e estilos; promove destreza educacional Não há espaço para o indivíduo. Entrega passiva de informações
Autoaprendizagem. Auto analítica criativa. Uso de alternativas Programas estabelecidos. Usa oportunidades existentes. Não aceita programas alternativos
Crítica, baseada em problemas relevantes, promove raciocínio Não crítica, baseada no uso da memória

Fonte: Venturelli (1997)

Quando esse grupo de escolas tiver concluído a migração de uma abordagem tradicional para uma abordagem inovadora, terá havido também uma profunda alteração do papel exercido pelo professor. Estes terão que pensar em soluções conjuntas para o suporte a processos de aprendizado e não mais apenas dentro da lógica e dimensão de uma única “disciplina”; e habilidades como mediação, facilitação, articulação e pesquisa serão as que deverão prevalecer.

Pensando nas abordagens e metodologias, teremos uma massificação daquelas que já são utilizadas hoje, como o flipped classroom (sala de aula invertida), gameficação (game-based learning), peer instruction (avaliação por pares), aprendizagem aumentada (combinando recursos 3D e elementos virtuais com o ambiente real) etc.

Iniciativa do Bank of America Merrill Lynch é um exemplo recente de demonstração de poder dessas novas abordagens e metodologias. A iniciativa, baseada num projeto-piloto começado em 2017 com noventa escolas públicas de municípios na região metropolitana de Fortaleza, utiliza jogos como apoio às estratégias de educação financeira para crianças de 10 a 14 anos. Por conta do maior engajamento dos alunos, foi possível constatar consideráveis melhorias no índice de educação financeira desses estudantes.

Um outro exemplo de sucesso recente das abordagens de ensino baseado em projetos é a proliferação de programas de MBA de renomadas escolas de negócios, que se utilizam fortemente de estudos de casos.  Por meio deles, os alunos aprendem fazendo e são instigados a encontrar soluções para problemas de negócios reais, o que exige análise profunda, pesquisa e multidisciplinaridade para proposição das soluções.

O que querem os países nas negociações de e-commerce?

O comércio digital tem crescido rapidamente no mundo todo. De acordo com a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), as vendas globais de bens e serviços pela internet alcançaram US$ 25,7 trilhões em 2016. Desse valor, 90% foram transações entre empresas (B2B). Como consequência, provisões sobre comércio digital cresceram substancialmente nos âmbitos dos acordos regionais de comércio com o objetivo de remover e evitar barreiras ao livre fluxo de dados e conter o surgimento do chamado “protecionismo digital” ou proteger e resguardar interesses nacionais associados à esta agenda.

Dado mais recente da Organização Mundial do Comércio mostra que 80 dos 305 acordos notificados à instituição têm provisões ou capítulos sobre o tema. Quando se olha apenas os acordos recentemente notificados, o que se vê é que a vasta maioria dos acordos já abarcam temas de e-commerce. Com os vários acordos ora em negociação bilateral e regionalmente, tudo indica que esse número ainda crescerá bastante nos próximos anos.

Em análise feita pela OMC focada em 63 acordos regionais com capítulos específicos sobre comércio eletrônico, entre eles o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CTPP), seriam os países desenvolvidos que estariam a “puxar” aquelas negociações. Estados Unidos, Cingapura, Austrália, Canadá e Coreia do Sul são os países que mais alavancaram o tema de e-commerce em ARCs. Muitos países em desenvolvimento hoje têm acordos com essas provisões à reboque da demanda de países desenvolvidos para fechar negociações.

Os temas que compõem os acordos variam bastante, não apenas em conteúdo, como, também, em profundidade dos compromissos. A maior parte inclui cláusulas de não-tributação de transmissão eletrônica, cooperação, proteção de dados pessoais e do consumidor. Em menor escala, mas também frequente, estão temas de aplicabilidade das regras da OMC ao comércio eletrônico, comércio sem papel, tratamento não-discriminatório de produtos digitais e autenticação eletrônica. Questões mais controversas, como localização de servidores e código-fonte, estão presentes apenas em acordos mais recentes. O formato desses acordos também varia — muitos têm capítulos separados para comércio digital, enquanto outros preferiram deixar o tema no capítulo de serviços.

Acordos ainda em negociação ilustram bem as posições dos países em relação ao tema de comércio digital. Na proposta apresentada na OMC ou nos textos em negociação com México e Chile, já é possível ver com clareza os pontos importantes na negociação para os europeus: a proibição da imposição de impostos aduaneiros sobre transmissões eletrônicas e o banimento de procedimentos de autorização focada apenas em serviços online “por motivos protecionistas” (colocado como princípio de não-autorização prévia), e o aceite de contratos e assinaturas eletrônicas.  O bloco ainda negocia o tema com o Mercosul, e o capítulo de comercio eletrônico ainda requer alguma convergência e a definição de exceções à aplicação das provisões.

O que se vê nesse e em outros acordos recentes é reflexo do avanço da União Europeia na promoção da economia digital no bloco, como o “mercado digital comum”, e na regulação sobre várias questões cruciais para a economia digital, como a proteção de dados, fluxo de dados e segurança nas transações digitais (autenticação eletrônica, por exemplo).

Ao colocar a proteção de dados pessoais como “não negociável” em acordos de comércio, por se considerar um direito fundamental, a Comissão Europeia retira o tema de pauta das negociações bilaterais. A regulação sobre proteção de dados europeia (GDPR, na sigla em inglês), que entra em vigor dia 25 de maio, responde à demanda dos cidadãos europeus por mais transparência sobre quem tem seus dados, de onde eles vieram e com quem eles são compartilhados. Ao mesmo tempo, o bloco tem trabalhado em provisões para evitar medidas protecionistas sobre o fluxo de dados entre fronteiras, ao tempo que garantam a proteção e a privacidade dos dados no patamar colocado pelas novas regras no bloco.

Apesar de terem se retirado das negociações do Acordo Transpacífico (originalmente TPP e agora CTPP) como um dos primeiros atos oficiais da administração Donald Trump e de terem apresentado diversas críticas à OMC em relação a comércio eletrônico, os Estados Unidos vêm firmando posição naquela Organização e destacando que o comércio digital segue como essencial para a economia do país, o que está em linha com a condição de sediar muitas das maiores e mais influentes empresas de economia digital, incluindo plataformas de e-commerce.

A posição dos americanos na OMC seguiu em defesa do livre fluxo de informações e de transferência de dados entre fronteiras, não exigência de localização de servidores e proibição do bloqueio de conteúdo online. Advoga-se pela não tributação sobre transmissões eletrônicas, não-discriminação no tratamento de produtos digitais, proteção a código-fonte e não restrição à encriptação. Trata-se de um claro esforço para avançar as discussões sobre comércio eletrônico na Organização e reduzir as possibilidades de barreiras digitais aos fluxos de dados, algo vital para o atual modelo de negócios das empresas super-hegemônicas americanas de tecnologia digital.

Já no continente africano, o tema do comércio eletrônico é dominado por um pequeno grupo de países, entre eles Egito, África do Sul, Gana e Etiópia. A região tem baixíssima participação no comercio digital global (inferior a 1%) muito em virtude dos grandes desafios que a região enfrenta, como acesso à eletricidade, tecnologia da informação e comunicação (TIC), logística, baixo uso de métodos de pagamentos eletrônicos, pouco acesso a cartão de crédito, fraca penetração bancária e falta de conhecimento sobre TI e habilidades ligadas a e-commerce, tanto de empresas como de consumidores.

O tema de comércio eletrônico não está na mesa nos acordos que a região da África está negociando, como é o caso da Zona de Livre Comércio Continental (CFTA, na sigla em inglês). No âmbito multilateral, o Grupo Africano, que não é composto por todos os países do continente, durante as reuniões pré-Ministeriais de Buenos Aires, mostrou grande preocupação com as implicações de novas regras em e-commerce e com a potencial restrição que tais regras colocariam sobre o espaço para políticas industriais digitais voltadas ao desenvolvimento da região. Uma adoção de regras “prematuras” poderiam reduzir ainda mais, na visão do bloco, as possibilidades futuras de catching up de crescimento econômico e tecnológico.

A Índia também está entre os países com ressalvas quanto ao avanço nas negociações em e-commerce na OMC. O país tem tido forte expansão do mercado de comércio eletrônico e da penetração da internet e de smartphones e tem receio de que as novas regras multilaterais prejudiquem o crescimento das plataformas de e-commerce nacionais. No último documento circulado pelo país na OMC, posicionaram-se contra o avanço nas negociações de regras em comércio eletrônico, tal como o Grupo Africano. O país assinou apenas um acordo que cobre o tema de comércio eletrônico, provavelmente por demanda da contraparte cingapuriana.

Em lado oposto, não há região mais promissora no comércio eletrônico que o leste da Ásia. A região já tem alguns dos gigantes globais da internet e do e-commerce e ao menos 1 de cada 3 novos unicórnios são daquela região. A região tem um mercado digital pujante, com forte aumento anual no número de consumidores. A China, sozinha, é, hoje, o maior mercado de comércio eletrônico do mundo, respondendo por 40% das transações globais. Nessa condição, a região tem uma postura diferente da de outros países em desenvolvimento. Afinal, a região se posiciona para ser parte do mainstream da indústria global do e-commerce e da economia digital. Ainda que o tema não se reflita em números de acordos assinados, já é possível ver apontando no horizonte as demandas que o país tem para seguir avançando na provisão de bens e serviços digitais para os mais diversos mercados.

Já o Brasil segue negociando acordos com União Europeia, Chile, México, Índia, Canadá e Associação Europeia de Livre Comércio (EEFTA) e tem mandato negociador já aprovado para negociações com a Coreia do Sul e conversas ainda preliminares com Cingapura. O país segue com participação ativa nas negociações na OMC, seguindo o indicado na Declaração Ministerial Conjunta de Comércio Eletrônico. Com o crescimento do interesse de países desenvolvidos por provisões em comércio eletrônico, alguns desses acordos passam a repercutir aqueles anseios. Na condição de país essencialmente “usuário” das tecnologias digitais, o Brasil tem sido cauteloso nas negociações de forma a resguardar espaço de política. O país tem colocado na mesa a necessidade de associar o e-commerce a preocupações de desenvolvimento econômico. Afinal, tem ficado cada vez mais evidente a tendência de concentração do mercado de e-commerce em nível global em torno de um pequeno punhado de grandes plataformas, bem como a distinção entre os benefícios de se “usar” e-commerce e os benefícios de se “desenvolver, distribuir e gerenciar” plataformas de e-commerce, o que é prevalecente para alguns poucos países. De fato, já se identificam evidências de que o hiato entre esses dois grupos de benefícios poderá ser a fonte fundamental de aumento da desigualdade de renda entre países.

Pela análise dos acordos em andamento, já é possível ver convergência para alguns temas centrais, que devem acabar sendo os principais assuntos a terem resultados em um eventual acordo multilateral sobre o tema. A grande presença do comércio digital em acordos regionais e bilaterais é uma clara resposta à ânsia dos países em avançar na agenda antes que mais barreiras ao comércio digital e ao fluxo de dados sejam aprovadas em nível doméstico.

Os países que têm maior receio quanto ao avanço da economia digital e do poder das mega-empresas digitais sobre as suas economias muitas vezes têm dificuldades em colocar a sua posição sobre um tema cujo alcance ainda não está claro. Acordos de comércio apresentam inúmeras frentes de negociação, sendo difícil consolidar posição em economia digital frente às demandas prementes e bem mapeadas em bens,  investimentos, regras de origem e compras públicas, por exemplo.

Orquestrar todos os interesses é matéria difícil quando se tem maior conhecimento e tactibilidade nos efeitos das provisões para o comércio entre os potenciais parceiros em temas tradicionais. Todavia, cada vez mais, os países atentam-se para a importância de se olhar com cautela para o que os capítulos de comércio eletrônico contemplam, o que torna ainda mais importante o engajamento em fóruns multilaterais de forma a manter espaço suficiente para políticas públicas digitais que permitam aos países, em especial os em desenvolvimento, otimizar os benefícios da revolução digital.

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