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O financiamento dos serviços de saúde no Brasil

A saúde no Brasil não vai bem. Observa-se diariamente a dificuldade financeira da União, dos estados e municípios em manter o Sistema Único de Saúde (SUS) e garantir o direito constitucional à saúde universal no país. A saúde suplementar não está em situação melhor, sofrendo com dificuldades financeiras e uma estrutura de financiamento não sustentável.

Foram feitas diversas mudanças na legislação que regula o financiamento do SUS nos últimos anos. Em 1996, houve a criação da CPMF (suspensa em 2007); em 2000, a promulgação da Emenda Constitucional nº 29 e a regulamentação desta em 2012. Essa regulamentação (dada pela Lei Complementar 141/2012) não previu mudanças na participação federal no financiamento dos serviços de saúde. Com isso, estados e municípios, que costumam ter maior limitação orçamentária que o Governo Federal, seguiram financiando importante parte dos serviços de saúde.

O gráfico 1 mostra a contribuição, em percentual da receita de impostos, nos últimos três anos, da União, estado de SP e município de São Paulo (usados como exemplo), para o financiamento dos serviços de saúde. De acordo com a Lei Complementar 141/2012, os estados e Distrito Federal devem destinar no mínimo 12% da receita de impostos e os municípios 15% . À União cabe o investimento de 10% da receita arrecadada com impostos. Assim, observa-se que os municípios investem muito mais do que o exigido por lei, enquanto estados e União investem menos do que o mínimo obrigatório.

Gráfico 1: Financiamento dos serviços de saúde de São Paulo-SP, por fonte, em percentual da receita de impostos.

Gráfico financiamento saúde

 

Fonte: autoria própria, a partir de dados do SIOPS (2016).

Além da questão do financiamento, outros aspectos contribuem para a atual situação dos serviços de saúde. Nas últimas décadas, o poder público tem conseguido dar mais acesso à saúde. Com isso, pessoas que não tinham atendimento passaram a tê-lo com a descentralização do sistema e a criação de unidades básicas. O aumento do número de pessoas atendidas gerou aumento da demanda. Porém, como tratado anteriormente, a destinação de recursos para saúde não acompanhou o ritmo.

Especificamente nos últimos dois anos, tem-se observado significativo aumento do número de atendimentos, o que pode ser explicado, ao menos em parte, pelo aumento das pessoas que deixaram de ter planos de saúde, seja porque perderam o emprego, seja para cortar despesas de seu orçamento. Esse aspecto atinge tanto a saúde suplementar, que perde recursos para o financiamento da sua rede privada, como também o SUS, que vê a demanda pelos seus serviços aumentarem e a arrecadação diminuir.

Somam-se a esse quadro:

  •  O envelhecimento da população, que contribui consideravelmente para o aumento das despesas com saúde.
  • O maior número de carros e motocicletas, o que vem acompanhado de maior número acidentes de trânsito, com impacto nas despesas com saúde — entre 2008 e 2013, o número de internações por acidentes de transporte terrestre no SUS aumentou 72%.
  • Tendência à judicialização dos serviços de saúde — tratamentos que não tinham cobertura prevista passaram a ser obrigatórios por meio de mandados judiciais, criando despesas imprevistas para o Estado e planos de saúde.

É preciso reconhecer que o atual sistema de financiamento dos serviços de saúde, tanto público como privado, não tem funcionado. Diante dos enormes desafios que se apresentam, atores públicos e privados do setor de saúde terão que desenvolver novas estratégias de financiamento ou até mesmo repensar o próprio sistema.

Brasil possui o sistema de saúde mais ineficiente do mundo

O sistema de saúde brasileiro é composto pelo SUS e pelo braço privado representado por planos de saúde e por profissionais autônomos. Para a realidade brasileira, o SUS representa significativo avanço na saúde pública. Entretanto, a existência do sistema privado evidencia a necessidade de complementação. Neste contexto, emerge o debate sobre a necessidade de mais fundos para financiar a saúde pública. Mas, como se sabe em círculos mais técnicos, o sistema de saúde brasileiro é ineficiente, o que significa que os recursos não são bem empregados.

No ranking anual de eficiência de sistemas nacionais de saúde, editado pela agência de notícias de negócios Bloomberg, o Brasil aparece consistentemente entre os últimos colocados (desde 2008). Como qualquer indicador de eficiência econômica, o ranking compara medidas de benefícios gerados com o custo de prover os serviços. Em linhas gerais, o ranking compara a expectativa de vida com o custo local do sistema de saúde.

Na lista de 55 países analisados em 2015, o Brasil ocupa a última posição. Como se trata de ranking de eficiência, a posição do Brasil no ranking significa que o país gasta muito com saúde, mas entrega pouco. O custo da saúde  no Brasil é comparável ao de países da Europa Ocidental. Gastamos em torno de 9% do PIB, número próximo ao de países como Noruega, Suécia e Reino Unido. O outro fator de custo utilizado pelo ranking é a comparação do gasto em dólares per capita com saúde. Mesmo com a depreciação cambial recente, o Brasil gasta bastante no setor. Por esse indicador, o gasto brasileiro se aproxima ao de países da Europa Oriental (Rússia, Hungria e República Tcheca) e da América do Sul (Argentina e Chile), que gastam cerca de 1000 dólares per capita.

Por outro lado, a expectativa de vida do Brasil é a sexta mais baixa entre os países analisados. Com 73,9 anos de vida, a expectativa de vida aqui é similar à de países como Jordânia, Irã, República Dominicana e Colômbia. Portanto, pela comparação entre expectativa de vida e custo do sistema nacional, o Brasil esta entre os países com gastos mais elevados, mas com relativa baixa expectativa de vida.

Certamente, outros fatores, além do sistema de saúde, afetam a expectativa de vida, tais como saneamento, violência urbana e estilo de vida da população. Como todo ranking, o posicionamento do Brasil não estabelece uma verdade absoluta, mas pode ser usado para levantar a questão do financiamento do sistema de saúde brasileiro (público e privado). Simplesmente aumentar o dispêndio em um sistema que onera demais a economia pode não ser a melhor opção.

Com o envelhecimento da população, os desafios serão ainda maiores. Com tratamentos mais caros em média e com a necessidades de grandes investimentos, a conta da saúde tende a pressionar a atividade econômica. Mais gastos por habitantes serão necessários, pressionando tanto o Estado quanto quanto o cidadão.

A pergunta crucial é se o sistema brasileiro, público e privado, possui estrutura organizada para suportar crescimento. De acordo com um ranking simples como o aqui apresentado, a comparação entre países sugere que o Brasil não aloca bem os recursos em saúde, pois gasta muito para um país sem alta expectativa de vida. Portanto, estratégias inteligentes para a organização do sistema de saúde serão fundamentais para o nosso futuro.

Veja o ranking abaixo:

gráfico6

Fonte: Bloomberg