Economia de Serviços

um espaço para debate

Tag: serviços intensivos em conhecimento

As cidades no contexto da transformação digital

No cenário de mudança da sociedade para a era da informação, duas forças estão em ação induzindo mudanças estruturais na economia, com potenciais efeitos espaciais. O rápido desenvolvimento das tecnologias digitais e o uso de informação nos processos produtivos estão transformando o mercado de trabalho, os modelos de produção e de negócios. Também, o declínio do crescimento demográfico impactará o crescimento econômico no futuro. Nesse contexto, cabe a pergunta sobre qual o papel do espaço na nova produção do século XXI e o seu impacto no desenvolvimento de cidades, regiões e países.

No fim do século XIX, o progresso tecnológico e a queda dos custos de distância – transportes de bens, informação e interpessoal – intensificou o comércio inter-regional e mundial e também a fragmentação da produção no espaço. Associados ao crescimento demográfico e à abundante oferta de mão de obra, esses fatores induziram o desenvolvimento de grandes cidades e regiões, aproveitando os ganhos de eficiência na produção, nos transportes, nos mercados de trabalho e no intercâmbio de informações, dando forma ao desenvolvimento da sociedade industrial que adquire feições mundiais no século XX.

No século XXI, novas tecnologias de comunicação e processamento de informações e a criação de novos produtos digitais estão redesenhando os sistemas produtivos e a natureza das atividades econômicas. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que existem duas tendências de transformação da produção causadas pelas tecnologias digitais: (i) custos decrescentes a partir da sua maior difusão e utilização, e (ii) combinação de diferentes tecnologias da informação e comunicação (TIC) e sua convergência com outras tecnologias.

Nos países avançados, a produção industrial tem se tornado mais complexa, adaptada a um número reduzido de trabalhadores de alta qualificação onde o setor de serviços, especialmente os serviços digitais, adquire mais importância. Hoje interessa não mais o produto em si, mas a solução – ou serviço – a ele integrado. Estamos passando de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional, de um consumo em massa de produtos padronizados para um consumo de produtos customizados.

Junto à transformação digital da economia outra questão que se apresenta é a do baixo crescimento demográfico. O crescimento econômico a partir de 1960 em 56 países que sustentaram uma taxa de pelo menos 6% durante uma década ou mais foi acompanhado por um crescimento da força de trabalho – população acima de 15 anos – de 2,7% ao ano. No entanto, observa-se uma queda cada vez mais acentuada do crescimento demográfico na Europa, Japão, Estados Unidos e também nas economias emergentes, indicando um maior envelhecimento da população mundial com potenciais reflexos para o crescimento no longo prazo da força de trabalho mais jovem, do consumo e das cidades.

Gráfico 1 – População mundial (em azul) e seu crescimento (em vermelho), 1750-2100

Fonte: Max Roser and Esteban Ortiz-Ospina (2017) – ‘World Population Growth’. Publicado online em OurWorldInData.org.

Em setores da Indústria 4.0, na qual os processos produtivos são intensivos no fluxo de informações e conhecimento, a proximidade física a matérias primas, oferta abundante de mão-de-obra ou mercados consumidores podem perder importância como forças de aglomeração, pois insumos e produtos podem ser transportados por via remota a custos próximos a zero. Isso implica que empresas e trabalhadores poderiam se dispersar no espaço, buscando áreas com mais amenidades e dotadas de infraestrutura adequada, longe dos grandes centros urbanos congestionados, com alto custo de moradia, poluição e alta criminalidade.

Contudo, na nova economia, as tecnologias digitais e a informação são os fatores críticos para a produtividade e a competição das empresas – devido à sua rápida obsolescência. Mesmo contando com a comunicação remota, empresas e trabalhadores tenderiam a se localizar uns próximos aos outros devido à maior interação física potencializada nas aglomerações, por exemplo, junto a universidades e centros de pesquisa. Devido à demografia e à natureza da economia digital, no entanto, provavelmente, não haverá, no futuro, condições para a formação de cidades muito grandes.

Na medida em que cidades menores podem não oferecer toda a gama de serviços demandados por trabalhadores e empresas tecnológicas, que necessitam de escala para se viabilizarem – serviços financeiros, empresariais (design, marketing, consultorias especializadas, etc.), cultura e lazer –, a proximidade aos grandes centros urbanos ainda será importante.

Embora essas tendências possam sugerir que a formação de grandes cidades poderá perder força nas sociedades informacionais, os sistemas urbanos continuarão a atuar com força no progresso tecnológico e no desenvolvimento das inovações, mas agora sob uma nova ordem. Cidades hiperconectadas e integradas a uma produção centrada em serviços digitais e no intercâmbio de conhecimento estabelecerão uma dinâmica própria, formando redes globais de relacionamentos sem uma coordenação centralizada. Este é um cenário possível. Assim, não é irreal pensar em cidades como entidades discretas que competem e colaboram entre si, independentemente dos Estados a que pertencem.

Paulo C. Avila é Mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília. Atualmente é Coordenador do Programa Nacional de Capacitação das Cidades, do Ministério das Cidades.

Menos emprego e mais trabalho

Meu pai me deu inúmeros conselhos. Um que jamais esqueci foi: “Em uma entrevista, nunca diga que quer emprego; diga que quer trabalhar”. Benjamin Franklin, Karl Marx e outros grandes pensadores nunca perceberam o caráter edificante e dignificante do emprego, mas todos o viram no trabalho. Na língua inglesa, a referência é labor e não job; no nosso português, trabalho e não emprego. No mercado de trabalho, as pessoas vendem sua capacidade de trabalho para que seja empregada nas necessidades das empresas. Nesse caso, a expressão mercado de trabalho é corretíssima: esse é um mercado em que se compra e se vende trabalho; o trabalhador vende seu trabalho, e o empregador o emprega como precisa.

Em economia dizem que a produtividade marginal do trabalho em relação ao capital é positiva, o que significa dizer que máquinas melhores ou mais maquinário por empregado o permitem produzir mais. Ainda segundo os preceitos da economia, a remuneração de um fator de produção é dada por sua produtividade marginal, implicando salários influenciados pela quantidade/qualidade das máquinas disponíveis aos empregados. Em resumo: mais máquinas, menos trabalhadores, maiores salários. A automação e a robotização não estariam substituindo “trabalhadores”, mas sim, contribuindo para a substituição de empregos menos qualificados por empregos mais qualificados – mas isso não costuma ocorrer na proporção 1:1. No limite, o que farão todas essas pessoas menos qualificadas? Se qualificarão para postos de trabalho mais qualificados que eliminam inúmeros outros postos de trabalho menos qualificados?

Uma empresa emprega pessoas em seu negócio, mas também emprega capital e máquinas. Empregar é o mesmo que utilizar, aplicar. Portanto, o empregado está no polo passivo da ação. O empregador emprega; o empregado, bem… o empregado é empregado. Na economia, o empregado é aquele fator de produção que desempenha uma tarefa específica. Há um século, eram empregadas pessoas na linha de produção de automóveis e agora são empregadas máquinas. Então, não se iluda: os empregadores vão empregar mais máquinas – e robôs –, e, como cada máquina – e robô – substitui várias pessoas, a empregabilidade do ser humano enquanto fator de produção, “peça de uma engrenagem”, tende a diminuir consideravelmente no longo prazo. Carro anda sozinho, avião anda sozinho, até meu aspirador de pó anda sozinho!

O verdadeiro problema não é acabar o emprego, é acabar o trabalho. E este só aumenta e nenhuma máquina ou robô é capaz de fazê-lo. Os desafios que a humanidade vem acumulando são cada vez mais complexos e demandam soluções “fora da caixa” como nunca antes. Não é por outro motivo que parcela cada vez maior da população está trabalhando no setor de serviços em atividades não padronizadas, não repetitivas e não automatizáveis. E cada vez menos estão mantendo vínculos empregatícios.

Em 2015, mais de 50 milhões de americanos (aproximadamente ¼ da força de trabalho dos EUA) atuaram exclusivamente ou parcialmente como freelancers, e as razões para tanto são simplesmente incompreensíveis para robôs: liberdade e flexibilidade. Essa multidão de pessoas quer contribuir, realizar, trabalhar, passar para o polo ativo da ação, e não apenas vender sua capacidade de trabalho e serem empregadas em algo. Mais de 60% dos freelancers entrevistados numa pesquisa realizada pelo Freelancers Union nos EUA percorrem esse caminho por opção e não por necessidade e oferecem serviços e soluções baseados na criatividade, na empatia e no arranjo de decisões negociadas e compartilhadas em redes colaborativas. Esses trabalhos são realizados com base em algo que robôs não podem compreender, por razões igualmente incompreensíveis a eles.

O trabalho dignifica o homem porque o coloca no polo ativo da ação, lhe dá razão de ser e de fazer. O emprego resume a motivação ao salário, numa recompensa pelo tempo e esforço vendidos. Não é que o emprego de muitas pessoas não seja digno; é que ele é digno de uma pessoa até que um robô seja mais digno que ela. O empregado é, por definição, o polo passivo da história.

Do que é feito um iPhone?

A resposta para a pergunta no título parece óbvia: metais, microchips, vidro e outros materiais comumente utilizados em eletrônicos. Porém, a resposta é mais complexa do que parece. Em 2011, três pesquisadores (Kraemer, Linden e Dedrik) estudaram a cadeia de produção do famoso celular da Apple e a composição do preço final do produto.

Nesse estudo, eles encontraram que os lucros da Apple representam quase 60% do preço final do produto (ver gráfico abaixo). As matérias-primas físicas supracitadas representavam 22% do preço; a mão de obra, 5%, enquanto os lucros de demais empresas na cadeia de produção respondiam por cerca de 15% do valor final. Os gastos com a mão de obra da China, onde é montada a maior parte dos iPhones, não representam 2% do preço final.

Nada mais esperado que a Apple, empresa que efetivamente pensou e lançou o iPhone, fique com a maior parte dos lucros e do valor final do produto. Vale a pena destacar, porém, as atividades que a empresa efetivamente realiza nessa cadeia: pesquisa & desenvolvimento (P&D), design, desenvolvimento de software, marketing e branding, e, em alguns casos, atividades de varejo, por meio de suas lojas próprias. Todas essas atividades são classificadas como de serviços. Embora a Apple seja uma empresa que desenvolve e lança produtos (computadores, smartphones, tablets, smartwatches, etc), ela efetivamente realiza atividade de serviços, que terminam “embutidos” nesses bens.

O exemplo do iPhone é ilustrativo de alguns processos em curso na economia atual. Talvez o mais óbvio deles seja a total desatualização dos conceitos de setores como áreas completamente distintas e separadas: está cada vez menos claro como separar serviços de indústria, indústria de agricultura, agricultura de serviços, etc. Os três tradicionais setores (serviços, indústria e agropecuária) estão progressivamente mais integrados e, em muitos casos, são quase indistinguíveis. Ao fabricar lâmpadas e equipamentos e depois prestar serviços de iluminação para cidades, a GE é uma empresa de indústria ou de serviços?

Um segundo e talvez mais relevante aspecto que o caso do iPhone traz é que o valor adicionado, nas cadeias de valor, está cada vez menos concentrado nas matérias-primas e na efetiva montagem (“manufatura”) de produtos, e mais em serviços de maior sofisticação. Esses serviços têm alto conhecimento abarcado e servem para diferenciar e agregar mais valor a produtos, aumentando o poder monopolista de seus produtores – são os chamados “serviços de agregação de valor”.

A “smiley curve” (ou “curva sorriso”), mostrada abaixo, apresenta bem esse processo, ainda que de maneira nocional. Em uma cadeia de produção, as atividades no começo e no final do processo de produção, predominantemente de serviços sofisticados (inovação, P&D, design, marketing, branding, etc) tendem a capturar mais valor do que aquelas no centro, predominantemente de manufatura e serviços básicos (logística, matérias-primas, produção, montagem, etc) e normalmente concentradas em países de renda baixa ou média, como o Brasil.

Aqui não se pretende desprezar a importância da indústria ou da agropecuária, pelo contrário: no século XXI, serviços ganham valor com a indústria (e a agropecuária) e vice-versa. Um aplicativo não tem valor sem um celular, assim como um celular não tem valor sem um aplicativo.

Esse processo de servitização da indústria (ou industrialização dos serviços) não é exclusivo de produtos ultrassofisticados como um smartphone. Segundo dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), do IBGE, em 2013, para cada R$ 1 de valor adicionado pela indústria brasileira, foram gastos R$ 0,70 em serviços, no processo produtivo.  E esse indicador é alto para segmentos tão distintos quanto extração de carvão mineral e fabricação de equipamentos de informática (Arbache e Moreira, no prelo).

Portanto, para crescer de maneira sustentável no século XXI, não servirão de nada estratégias como a atração de maquiladoras estrangeiras apenas para montar artigos tecnológicos no país. Estratégia mais interessante é enxergar o setor de serviços como um setor de soluções para os problemas dos demais segmentos (ou até mesmo de outras atividades de serviços), gerando uma maior integração de cadeias e o surgimento de serviços que efetivamente agreguem valor e contribuam para o aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Os Serviços e a Indústria Química

Com o objetivo de se tornarem mais competitivos globalmente, segmentos da indústria brasileira começaram a implementar mudanças importantes nos últimos anos. Com a indústria química não foi diferente. Uma das principais mudanças foi a maior incorporação de serviços na comercialização de seus produtos.

A indústria química, segundo elo na cadeia de produção, tem como produto base commodities químicas utilizadas pelas empresas fabricantes de bens de consumo, como tintas, cosméticos, produtos de limpeza, etc. 

Figura 1 – Elos da cadeia da indústria petroquímica e química

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) a indústria química brasileira é a 6ª colocada em faturamento no ranking mundial. Em 2015, o segmento, no Brasil, faturou US$ 54,9 bilhões, com exportação de US$ 13,1 bilhões e importação de US$ 39,6 bilhões. Pelo significativo déficit na balança comercial do setor, é possível observar a pouca competitividade internacional da indústria química nacional. Matéria-prima cara, cadeias produtivas não integradas e altos custos de produção tornam as commodities químicas brasileiras praticamente inviáveis no mercado externo.

Atendendo basicamente ao mercado interno, a indústria química brasileira teve que se reinventar agregando valor aos seus produtos e focando na prestação de serviços para seus clientes. O que se observa neste setor é o desenvolvimento de especialidades químicas e químicos de fontes renováveis.

Aproveitando a biodiversidade brasileira e as pesquisas para combustíveis de fontes renováveis, a indústria química passou a desenvolver produtos que as serve, utilizando essas mesmas bases. Esses produtos, como o plástico verde e o eteno derivado de cana de açúcar, tornaram-se produtos específicos do Brasil, permitindo à indústria a entrada em um nicho de mercado, ligados aos valores de sustentabilidade. Os serviços nos elos da cadeia do setor também são, em geral, relacionados às questões ambientais, como a redução de emissões na fabricação e no uso pelo cliente e pelo consumidor.

Já nas especialidades químicas, a indústria tem agregado ainda mais serviços. As especialidades são produtos desenvolvidos a partir de demandas específicas dos clientes. O cliente demanda algo específico para seu produto e a indústria química faz a pesquisa e o desenvolvimento de matérias-primas que podem ser aplicadas. Além do desenvolvimento específico, a indústria presta assistência técnica para a aplicação correta da matéria-prima e a adequação do processo produtivo do cliente, visando otimizar a matéria-prima na produção.

As especialidades são produzidas em menor escala, em plantas multipropósitos, o que pode reduzir custos de produção, apesar de ter maior custo de desenvolvimento. Em geral, as empresas que demandam especialidades químicas estão dispostas a pagar pelo desenvolvimento específico.

As especialidades podem auxiliar a indústria brasileira a entrar de maneira mais substancial nas cadeias globais de valor. Indústrias químicas multinacionais podem atender outras indústrias em todo mundo, tornando-se fornecedores globais de determinadas especialidades, principalmente especialidades de fontes renováveis.

Uma das principais barreiras competitivas para essa indústria no Brasil é a infraestrutura insuficiente e de baixa qualidade, principalmente logística. Este é um gargalo que precisa ser resolvido o quanto antes, caso o Brasil queira se tornar um país com empresas globais no setor.

Observa-se a migração da indústria química fabricante de commodities para uma indústria química voltada cada vez mais para as especialidades, agregando mais serviços nos seus produtos. Esta agregação de valor por meio de serviços pode contribuir para aumentar a competitividade da indústria nacional no mercado internacional. É esperar para ver!

O Barômetro da Internet das Coisas (IoT)

A Vodafone, uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, publica, anualmente, o relatório “Vodafone IoT Barometer” para medir não só a percepção do mercado em relação à Internet das Coisas (IoT), mas para também avaliar os resultados práticos da adoção da tecnologia no mundo inteiro. O relatório de 2016 foi baseado em 1.096 entrevistas realizadas com empresas em 17 países (incluindo o Brasil).

Dentre os resultados apresentados, o relatório de 2016 dividiu as aplicações em seis grandes grupos que abrangem a maioria das soluções IoT, indicando o percentual de organizações que possuem ao menos um projeto em cada um destes grupos. O resultado é bastante significativo:

  • 51% possuem projetos em otimização e monitoramento do uso de bens e veículos;
  • 48% possuem projetos em automação predial;
  • 46% possuem projetos em segurança e monitoramento de ambientes;
  • 42% possuem projetos em automação de processos da cadeia de valor;
  • 41% possuem projetos em novos produtos conectados;
  • 40% possuem projetos em melhoria da segurança e sustentabilidade de espaços públicos.

Diante dos dados apresentados, uma das conclusões que se pode inferir do relatório é que estamos começando a entrar em uma segunda onda da Internet das Coisas. Na primeira onda IoT, a pergunta que todos se faziam era “o que eu posso conectar?” A ideia era simplesmente sair conectando “coisas” e avaliar o que fazia sentido e o que não funcionava. Nesta época surgiram ideias como a geladeira conectada, fechaduras e portas conectadas e a maioria dos wearables que vemos hoje.

Na segunda onda IoT, que estamos começando a vivenciar, já se observam modelos de negócios orientados aos dados, não à conexão. Com isso, a pergunta certa a se fazer hoje passa a ser “quais os objetivos de negócio eu quero atingir e quais os tipos de dados eu tenho de coletar para alcançar esses objetivos?” As organizações hoje passaram a se perguntar o que elas precisam fazer para operar mais eficientemente e qual solução IoT é necessária para atingir esse objetivo. Com isso, a IoT passa a ganhar uma cara mais corporativa.

O grande fato relevante por trás disso tudo é que estes novos modelos de negócio tem um tema subjacente em comum, que pode ser resumido como “tudo-como-serviço” ou everything-as-a-service. Hoje já é possível observar projetos de economia de energia como serviço, por exemplo. A empresa americana ADT Security, do ramo de segurança e automação residencial, já oferece o produto de segurança como serviço, permitindo monitorar sua casa apenas durante o período de férias. A grande vantagem destes modelos é a massificação da tecnologia: ao comprar um serviço, o usuário evita fazer pesados investimentos para utilizar sozinho um serviço que pode ser compartilhado. Por outro lado, os prestadores de serviço passam a rentabilizar melhor a infraestrutura necessária para ofertar sua solução. Ganha o usuário, ganha o prestador de serviço, e ganham os desenvolvedores da tecnologia.

Olhando para o cenário interno brasileiro, a segunda onda IoT, com essa proposta de “servicificação” da tecnologia, pode ajudar na recuperação do nosso combalido setor de serviços, que vem sofrendo bastante com a recessão econômica dos dois últimos anos. Mais do que isso, esta segunda onda IoT pode ajudar a efetivamente desenvolver nosso setor de serviços, levando-o a um patamar maior de especialização, incorporando-o ao processo de produção e de negócios empresariais, e reduzindo o peso dos serviços de custo e de baixa especialização no nosso PIB.

Enquanto o mercado IoT se apresenta como uma oportunidade multibilionária no mundo todo, o custo de entrada no negócio de desenvolvimento de soluções IoT pode ser surpreendente modesto em algumas ocasiões. Para entender onde estão estas oportunidades, precisamos lembrar como está organizado um ecossistema IoT. De maneira geral, esse ecossistema é composto por quatro camadas: são elas, “de baixo para cima”, hardware, comunicações, software e aplicações. A figura a seguir ilustra um ecossistema típico IoT, descrevendo as quatro camadas citadas.

Figura 1 – Ecossistema IoT (fonte: www.iot-analytics.com)

A primeira camada abrange os dispositivos físicos. É verdadeiramente a “coisa” da internet das coisas. Aqui encontramos sensores, processadores, termostatos e vários outros componentes que já existem há algum tempo, mesmo antes de ouvirmos falar da internet das coisas. Por estarem conectados à internet, estes dispositivos passaram a ter sistemas de defesa mais aprimorados para evitar o acesso indevido e ataques de hackers.

A segunda camada, responsável pelas comunicações, faz a coleta dos metadados associados ao serviço. A grande maioria dos protocolos são os mesmos já utilizados nas comunicações móveis e na internet comum. É nesta camada que estão, por exemplo, os padrões de comunicação como Bluetooth, Near Filed Communication (NFC), WiFi e LTE(4G). Aqui a padronização é essencial pois é por meio dela que dispositivos IoT irão “conversar” com sistemas de integração. Neste segmento, não se observam grandes oportunidades para novos players, especialmente porque estes componentes já são produzidos atualmente em cadeias globais de valor, principalmente pelos asiáticos, com grandes vantagens competitivas. Por mais que a retórica do recém-eleito presidente americano aponte em sentido contrário, dificilmente a “Doutrina Trump” vai conseguir reverter este quadro.

A terceira camada traz consigo todo hardware de backend e sistemas de integração. Aqui, todos os dispositivos IoT e seus metadados são agregados. É nesta camada que os desenvolvedores de aplicações IoT agregam seus dispositivos. Neste segmento, também não se observam grandes oportunidades para novos players. As barreiras de entrada são grandes porque os investimentos para se montar uma plataforma de agregação IoT são bastante elevados. Por precisar agregar centenas de milhares, às vezes até milhões de dispositivos, estes sistemas necessitam de alta capacidade de armazenamento de dados e de alta capacidade de processamento.  Não por coincidência, as maiores plataformas do mercado hoje estão associadas a grandes empresas do mercado de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). São elas: Amazon AWS IoT, IBM Watson, Cisco Cloud Connect e Microsoft Azure.

A última camada é composta por aplicações que agregam dispositivos e sistemas em uma solução para qual existe uma demanda específica. Uma aplicação de cidade inteligente, por exemplo, agrega as informações de câmeras de segurança, sensores de estacionamento, sinais de trânsito, frotas de veículos de transporte público e os transforma em informação relevante para um centro de gerenciamento integrado de serviços públicos, permitindo melhor monitoramento de uma cidade e de seus serviços e um melhor tempo de resposta para situações de crise. É nesta camada que está a grande oportunidade para novos players deste mercado, sobretudo de desenvolvedores e empresas nacionais, em virtude das baixas barreiras de entrada. Desenvolvedores de aplicações diversas podem passar a desenvolver aplicações IoT sem a necessidade de grandes investimentos. Além disso, a vantagem para o desenvolvedor nacional torna-se mais evidente se ele optar por explorar nichos de mercado tipicamente brasileiros. Peculiarmente diferente do resto do mundo em muitos aspectos, nosso jeito de nos comunicarmos, nosso sistema bancário e nosso governo são apenas alguns exemplos de nichos especialmente nossos.

Assim, por tudo isso, pode-se dizer que a nova onda IoT vem para incorporar de vez a tecnologia ao mercado corporativo. Já é possível imaginar que em um futuro próximo, ela será tratada como indistinguível dos processos de negócio das corporações e passará a ser vista como uma funcionalidade intrínseca de um moderno sistema de uma fábrica, de uma frota de carros ou de uma solução de segurança, por exemplo. Dentre os desenvolvedores de aplicações, vai sair na frente aquele que melhor conseguir identificar as oportunidades e necessidades das organizações e conseguir traduzir essa necessidade em uma solução de serviços que incorporem aplicações IoT funcionando como uma parte intrínseca do ambiente de negócios.

Por que a regulação tradicional não pode ser a única resposta a serviços inovadores

Este mês o Google anunciou um novo serviço de carona na Califórnia, chamado Waze Carpool. O aplicativo Waze, comprado pelo Google por US$ 1,5 bilhões em 2013, possui hoje mais de 50 milhões de usuários em todo mundo conectados diariamente em busca da melhor rota para fugir de engarrafamentos e demais problemas do trânsito. Uma mistura de rede social com um sistema de navegação via GPS, o Waze utiliza informações providas pelos próprios usuários para definir a melhor rota de um ponto a outro.

O novo serviço funciona da seguinte forma: passageiros devem fazer o download de um novo aplicativo, o Waze Rider. Pelo aplicativo, os passageiros procuram pelo motorista mais próximo que já está planejando dirigir pela mesma rota do passageiro para ir ao trabalho. Os motoristas, por sua vez, recebem pedidos de carona no próprio aplicativo Waze. O serviço faz a correspondência entre motoristas e passageiros com rotas praticamente idênticas, baseados nos seus endereços residenciais e de trabalho, cadastrados previamente em uma base de dados.

Disponível inicialmente apenas na região do Vale do Silício, o objetivo do serviço é permitir que os trabalhadores da região encontrem mais facilmente caronas de ida e volta de casa ao trabalho, uma maneira de incentivar caronas solidárias e viagens compartilhadas. Além de oferecer mais uma alternativa de transporte a custos relativamente baixos, a medida também ajuda a reduzir engarrafamentos e a poluição. Pesquisas na região mostraram que, durante os horários de pico, 70% dos veículos trafegam apenas com o motorista.

Um sistema automático de transferência de recursos, embarcado no aplicativo, transfere o dinheiro referente ao combustível de passageiros para o motorista por meio de um cartão de crédito cadastrado, a exemplo de outros aplicativos de carona e transporte privado. O valor atual é de US$ 0,54 por milha percorrida (cerca de R$ 3,10 por km), valor sugerido pelo Internal Revenue Service (IRS), uma agência americana com funções similares às da Receita Federal no Brasil. Esta é a grande diferença do Waze Carpool para os demais aplicativos de transporte como Uber: os recursos repassados ao motorista são suficientes apenas para cobrir os custos com combustível. Ele não consegue fazer deste serviço seu meio de ganhar a vida. Não há margem de lucro para o motorista. Ele não pode pegar passageiros que vão para outro lugar diferente do endereço de trabalho cadastrado. Além disso, as corridas estão limitadas a duas por dia: uma para ir, outra para voltar do trabalho.

Por mais que o novo serviço seja diferente de um serviço de táxi, uma vez que não tem por objetivo contratar motoristas para o transporte de passageiros, ele pode gerar competição com táxis e com o Uber, por fornecer uma alternativa de baixo custo, ou por servir como opção para aqueles que preferem socializar com colegas de trabalho da mesma empresa durante o trajeto casa-trabalho. Portanto, é natural se esperar que o novo serviço sofra algum tipo de tentativa de censura e repressão, assim como enfrenta o Uber na maioria das praças em que o serviço é lançado.

O rápido crescimento dos serviços de corrida compartilhada por aplicativos tem forçado mudanças fundamentais em um setor antigo e tradicionalmente protegido da competição pela regulação. O que se observa são batalhas entre atores que seguem um mesmo padrão: uma empresa startup entrega um novo serviço criativo e inovador que nasce quebrando regras antigas e segue ignorando estas mesmas regras até obter uma grande massa crítica de clientes satisfeitos. Os prestadores do antigo serviço, desacostumados com um ambiente de competição, passam a pressionar os formadores de opinião e reguladores para tentar encerrar os novos serviços inovadores. As empresas inovadoras e seus clientes satisfeitos contra-atacam, criticando os reguladores. Este ciclo se repete até que se chegue a um consenso, uma solução regulatória que, usualmente, não é um Ótimo de Pareto.

Na visão tradicional de modelo regulatório, normalmente utilizada pelo governo na regulação do mercado privado, a autorização prévia ou licença para prestação do serviço é utilizada como ferramenta básica. Assim funciona, por exemplo, com as licenças emitidas pela ANATEL quando um provedor quer começar a prestar um serviço de internet em banda larga e precisa de uma licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) para iniciar suas operações. A abordagem da regulação é impor o controle prévio dos atores por meio da imposição de altas barreiras de entrada.

Entretanto, para os novos serviços de tecnologia prestados sobre plataformas de comunicação e sobre a internet, este modelo não funciona. A maioria desses serviços não teria o sucesso que têm hoje se tivessem de pedir permissão para iniciar suas operações. Suas ideias simplesmente não teriam sido colocadas à prova. Na verdade, umas das principais inovações trazidas por estas plataformas é justamente a capacidade de se autorregularem, adaptativamente e em escala. A partir da grande quantidade de dados em tempo real disponíveis, os próprios provedores do serviço passam a fazer sua regulação. Esta realidade já é observada hoje pelo Uber. Por meio de um sistema que analisa uma grande quantidade de informação (as avaliações dos usuários finais do serviço), o Uber regula sua relação com seus motoristas, utilizando as informações disponibilizadas pelos usuários para forçar um padrão de atendimento e de comportamento aceitável. Esse processo se repete para grande maioria dos novos serviços solicitados por meio de aplicativos.

Nesse sentido, a pergunta que se faz é como implementar a regulação destes novos serviços? A questão, ainda sem resposta definitiva, nos traz também uma certeza: não será utilizando o modelo ultrapassado de barreiras de entrada criado no século passado. Os processos e modelos regulatórios devem ser transformados para adotar a ampla quantidade de dados disponíveis hoje, num modelo similar ao utilizado pelas empresas de inovação para regular seus parceiros.

O novo modelo deve oferecer um trade-off entre as partes, propondo uma relação “ganha-ganha” entre regulados e reguladores: por um lado, ele deve oferecer menores barreiras de entrada a empresas que queiram ingressar no mercado por meio da inovação, garantindo uma maior liberdade de operação para startups. Por outro, deve prever uma relação de maior cooperação dos regulados para com os reguladores, com mais transparência e, principalmente, com acordos de compartilhamento de informações com o poder público em caso de problemas específicos, como uma grande concentração de reclamações dos usuários ou em casos de crimes e infrações às leis nacionais.

Enquanto não houver consenso sobre as premissas acima entre as partes interessadas, vamos continuar tentando regular serviços inovadores da mesma forma que se iniciou a regulação de serviços de infraestrutura básica como energia elétrica, água e esgoto. As propostas de regulamentação dos serviços de transporte por aplicativo atualmente se baseiam, quase que majoritariamente, na cobrança de uma licença anual e um valor por quilômetro rodado. A proposta resolve apenas em parte o problema, pois acaba com o argumento de ilegalidade que paira atualmente sobre o Uber. Porém, certamente não é uma solução ideal, pois faz da barreira à entrada o ponto principal da regulamentação. Um serviço de carona solidária como o Waze Carpool, que propõe apenas um compartilhamento de custos entre os usuários dos serviços, poderia não resistir a uma cobrança destas, proposta por este modelo de regulação. Neste caso, estaríamos diante do cenário mais temerário a respeito deste tema: ao invés de termos um serviço inovador atuando às margens da lei, estaríamos diante de uma regulação anacrônica que inibe e atrapalha a inovação e a criação de novos serviços tecnológicos.

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Inovação via serviços

Durante o período pós-guerra, a indústria emergiu por sua capacidade de promover o crescimento e impulsionar o progresso tecnológico. Por esta razão, durante bastante tempo as discussões acerca da inovação se concentraram nesse setor da economia.

No entanto, o processo de mudança estrutural e a “servicização” abriram espaço para o debate sobre o potencial ganho de competitividade da economia por meio da adoção de serviços de maior teor tecnológico e intensivos em conhecimento (Arbache e Aragão, 2014; OECD, 2014).

Nesse tópico, começam a emergir questões sobre a inovação impulsionada pela adoção de serviços ao longo do processo produtivo nos diversos setores da economia. Não por acaso, percebe-se que, de um lado, a inovação na indústria está cada vez mais associada ao aumento da demanda por serviços e, de outro, que constitui uma resposta ao avanço tecnológico nas atividades desse setor (Cáceres e Guzmán, 2015). Isto é, a inovação passa a ser vista como resultado da interação entre os setores da economia, em que o consumo intermediário de serviços avançados tem um papel de destaque.

O diagrama da OECD (2003) ilustra a interação entre serviços e manufatura no sistema nacional de inovação, em que serviços intensivos em conhecimento (ou KIS – Knowledge Intensive Services – na sigla em inglês) ganham importância por sua capacidade de difundir o conhecimento e dar suporte a inovação nos demais setores, aumentando o valor adicionado dos produtos.

Figura: interação entre serviços e indústria no sistema nacional de inovação

interação kis-ind

Fonte: OECD (2003)

Nesse contexto, serviços empresariais (telecomunicações, P&D, serviços de TI, dentre outros) estimulariam a capacidade inovativa de seus clientes-firmas, dando suporte à introdução de novos processos tecnológicos e aumentando a capacidade de design, desenvolvimento, introdução e alocação eficiente no mercado ou melhoria de produtos (Evangelista, 2013).

Evidências empíricas do impacto de serviços sobre a inovação na economia são encontradas em trabalhos como o de Hipps et all (2015):  com base em dados para a economia europeia, os autores encontram uma relação positiva entre o emprego em serviços intensivos em conhecimento e o nível de inovação no país (Gráfico) — o índice de correlação entre as variáveis chega a 0,827.

Assim, a inovação em serviços deixa de ser vista como um fim em si mesma e passa a ganhar dimensão no sistema nacional de inovação. Desse modo, promover a interação entre os setores e o avanço tecnológico nas atividades de serviços passa  ser um passo estratégico para recuperar a competitividade da economia e, especialmente, da indústria.

Gráfico – Relação entre serviços intensivos em conhecimento e o nível de inovação

kisXinovação

Fonte: Hipp et all (2015)

 

Referências

ARBACHE, J. e ARAGÃO, C. (2014): Infraestrutura e competitividade da indústria brasileira, Confederação Nacional da Indústria – Brasília: Confederação Nacional da Indústria.

CÁCERES, R. e GUZMÁN, J. (2015): Seeking an innovation structure common to both manufacturing and services. Services Bbusiness, 9: 361-379.

EVANGELISTA, R., LUCHESE, M e MELICIANI, V. (2013). Business services, innovation and sectoral growth, Structural Change and Economics Dynamics, 35: 119-132.

HIPP, C., GALLEGO, J. e RUBALCABA, L. (2015): Shaping innovation in European knowledge-intensive business services. Service Business 9: 41-55.

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OECD (2014), OECD Perspectives on Global Development 2014: Boosting Productivity to Avoid the Middle Income Trap, Paris: OECD.

Inovação e Serviços Intensivos em Conhecimento

O debate sobre crescimento e competitividade tem dado importância cada vez maior para a inovação com o intuito de explicar o desenvolvimento de atividades de alto valor adicionado, o que tem levado à discussão de formas de se impulsionar o processo inovativo.

Nesse contexto, surge uma nova concepção acerca do papel dos serviços no processo de inovação tecnológica. Mais especificamente, ganham relevância na discussão os Serviços Intensivos em Conhecimento (SIC). Conforme definição da OECD (2006), os SIC são fontes ou portadores de conhecimento que influenciam a performance individual de organizações e de cadeias de valor. Dentro dessa classificação, destacam-se serviços relacionados com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Por aqui, há evidências da baixa competitividade na oferta desses serviços. O gráfico abaixo mostra déficit elevado e crescente da balança comercial do item de Serviços de Comunicação e Informação, o que indica aumento da dependência brasileira de importações para suprir a demanda dos serviços que compõem o conjunto dos SIC.

Em um cenário de baixo crescimento e câmbio desfavorável, o custo relativo dos SIC aumenta significativamente, impondo barreiras para a inovação no setor produtivo. Dentre os desafios que temos nesta área estão os de incorporar mais e melhores SIC no processo produtivo e o de ampliar e tornar mais competitiva a oferta nacional desses serviços.