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O Problema da Inflação de Serviços da Saúde no Brasil

A inflação no Brasil é um problema recorrente e o aumento dos preços relacionado a serviços da saúde tem chamado a atenção das famílias. Abaixo são apresentados alguns números que descrevem esta realidade.

Relativamente ao índice de preços geral, IPCA, a inflação dos serviços de saúde é muito acentuada a mais de uma década. Na tabela abaixo estes fatos são resumidos utilizando o IPCA do IBGE. Entre 1999 e 2018 o IPCA teve aumento acumulado de 214% frente a 314% de aumento no índice de preços de serviços de saúde. Quando se considera uma janela de 10 anos, 1998-2008, o IPCA subiu 83% e os serviços de saúde 139%. Por sua vez, no período de 5 anos o IPCA aumentou 39% enquanto que os preços dos serviços de saúde subiram 69%.

O que compõe a cesta de serviços de saúde são as despesas com médicos e dentistas, preços de hospitais e exames laboratoriais, bem como, os preços dos planos de saúde. Desta forma, o aumento dos preços dos serviços podem ser decompostos nestes três componentes. Após realizar investigação do comportamento destes componentes se observa que o o preço de planos de saúde é o que mais acelerou nos últimos 18 anos. Assim, a velocidade de crescimento dos preços dos planos de saúde aumenta as depesas das famílias com saúde. Resumidamente o aumento dos preços dos planos de saúde tem aproximadamente o dobro de aumento do IPCA.

Inflação acumulada IPCA, Serviços de Saúde em Geral e Planos de Saúde: Diversos Períodos

Inflação acumulada (%)

Período Serviços saúde Planos de saúde IPCA
1999-2018 314 396 214
2008-2018 139 155 83
2013-2018 69 82 39

Fonte: IPCA, IBGE.

Na Figura abaixo é apresentada a trajetória destes três índices de preços. Observe que a trajetória dos planos de saúde é a mais elevada e superior ao nível de preços dos serviços de saúde em geral. Outro ponto importante é que enquanto se observa desaceleração recente do IPCA, a inflação dos serviços de saúde continua crescendo na sua trajetória exponencial.

Quais os fatores estão por trás deste aumento exponencial dos preços dos planos de saúde? Dois fatores se destacam entre demais explicações. O primeiro é a mudança demográfica do Brasil e, o segundo, a ineficiência do sistema de saúde (público + privado). Estes dois fatores ou vetores são explicados abaixo.

Nível de Preços IPCA: Serviços de Saúde em Geral, Planos de Saúde e Índice do IPCA (jul 1999 = 100)

O Brasil vive uma grande mudança estrutural. Em 2020, quase 10% da população terá idade acima de 65 anos. Esse padrão é similar a países ricos que possuem grande capacidade e organização para prover serviços de saúde. Esta mudança demográfica tende a pressionar muito as despesas com serviços de saúde no futuro se não forem realizados novos investimentos. Este é o primeiro vetor que contribui para o aumento recente dos preços dos planos de saúde.

No Brasil os preços dos planos de saúde são parcialmente livres. A parte crucial da forma de reajuste aqui é a de que estes preços recuperam custos e tem pouco a ver com regulação voltada para a eficiência da infraestrutura. Isto é, quanto maior a despesa maior deve ser o preço cobrado pelo plano de saúde – vale mencionar que esta lógica é similar para a saúde pública. Isto implica que quanto maior o custo maior será o preço do plano de saúde privado (e também dos impostos pagos). Portanto existe forte vetor de ineficiência de custos no sistema de saúde privado.

O Brasil gasta cerca de 9% do PIB em despesas com saúde para infraestrutura de 2,3 leitos hospitalares por mil habitantes (em média). Esta relação é desproporcional quando se compara com a média dos países da OCDE, onde, em média, o dispêndio é de menos de 10% do PIB para infraestrutura de 4,9 leitos por mil habitantes. Isto mostra parte da grande ineficiência do serviço brasileiro de saúde, qual seja, infraestrutura muito menor gera gasto comparável a de economias desenvolvidas.

Deste modo, se o sistema de determinação de preços dos planos de saúde não forem revistos e não existirem novos investimentos para atender a demanda decorrente do envelhecimento populacional, devemos esperar ao menos a manutenção da taxa de crescimento dos preços dos planos de saúde.

 

Serviços de saúde: cada vez mais on-line

Em artigo anterior, abordei a expansão do uso da telessaúde no Brasil, inclusive por universidades e hospitais públicos, permitindo a disseminação do conhecimento para regiões com menos acesso. A cada ano essa modalidade de ensino e compartilhamento de informações para ajudar no aprendizado e diagnósticos de doenças tem aumentado, auxiliando os médicos e pacientes em todo país.

Além da telessaúde, outras ferramentas digitais têm sido amplamente empregadas para auxiliar pacientes e médicos na prestação de serviços para saúde. De acordo com pesquisa realizada pelo SEBRAE, as startups de serviços são as mais buscadas pelos investidores (97%). Entre os serviços, destacam-se os serviços de saúde, com quase 30% da preferência.

O atendimento de pacientes para diagnóstico e tratamento on-line não é permitido atualmente, mas aplicativos e outras ferramentas podem ser utilizados para outros serviços relacionados à saúde, como o monitoramento dos pacientes, agendamento de consultas, histórico médico, etc. Além de diminuir os custos, essas ferramentas contribuem com a organização e economia de tempo (tanto do paciente como do serviço médico).

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem utilizado o sistema de envio de mensagens por SMS para agendar consultas de pacientes, lembrá-los do agendamento e monitorar pacientes crônicos (com diabetes e hipertensão). No monitoramento, o SMS é enviado aos pacientes cadastrados, que devem responder à mensagem informando sua pressão arterial ou seu nível de glicose. Com a informação em mãos, o serviço de saúde pode orientá-lo a procurar o posto médico mais próximo para orientações ou passar dicas de exercícios ou nutrição.

O envio de SMS custa ao governo entre R$ 1,50 e R$ 2,00 por paciente, por mês. Um custo baixo que pode auxiliar os médicos do serviço de saúde a monitorar seus pacientes mais críticos, sem a necessidade desses se deslocarem até o local. Esse método pode auxiliar a desafogar os ambulatórios que recebem milhares de pessoas diariamente, além de agilizar os atendimentos aos pacientes críticos, uma vez que os registros geram o histórico.

Há também aplicativos desenvolvidos com o intuito de aproximar médicos e pacientes, onde quer que estejam. Esses aplicativos permitem a “contratação” de especialistas que visitam os pacientes em casa ou em consultórios próximos à localização do paciente, facilitando o atendimento e o tratamento de casos menos graves. Além de atendimento médico, esses aplicativos disponibilizam uma rede integrada de laboratórios, fisioterapeutas e cuidadores.

Em um país como o Brasil, que passa por um processo de envelhecimento de sua população, serviços desse tipo facilitam o atendimento de idosos. Em muitos casos não há como deslocar a pessoa idosa, e o aplicativo permite o deslocamento do especialista. De certa forma, esses aplicativos ajudam na prestação do serviço de saúde suplementar. Tornam-se alternativas viáveis às pessoas que não podem arcar com os custos de um plano de saúde, mas podem pagar por uma consulta com preço mais baixo.

As operadoras de serviços de saúde também se utilizam dessas ferramentas. Visando a comodidade dos clientes, os prestadores de serviços disponibilizam aplicativo com a rede credenciada, a possibilidade de agendamento de consultas, boleto virtual, além de instrumentos de promoção da saúde (como contador de passos, alimentação saudável, etc.). Há ainda o uso de aplicativos gerenciais, que auxiliam as operadoras do serviço a gerenciar seus fluxos. Isso é de grande valia para empresas de menor porte. De certa forma essas ferramentas contribuem para respostas mais imediatas aos pacientes/clientes, podendo agregar ainda mais valor ao serviço prestado.

Outra modalidade de serviço digital para saúde é o de diagnóstico. Além daqueles aplicativos já bastante conhecidos que medem frequência cardíaca e temperatura, uma nova tecnologia portátil deve chegar ao mercado, diagnosticando de maneira rápida e precisa doenças a partir de um exame de sangue. Uma gota de sangue colocada em um dispositivo que captura imagens em alta resolução conta as células e identifica anomalias. O equipamento portátil está em análise pelo FDA, agência reguladora dos EUA, e deve ser aprovado para uso em breve.

A tecnologia tem agregado muito valor aos serviços de saúde, agilizando diversos processos, auxiliando na organização (tanto de empresas como de clientes) e facilitando o diagnóstico de doenças e os tratamentos. Ainda tem reduzido custos do serviço, o que permite uma ampliação do atendimento. Há grande expectativa de que a tecnologia seja cada vez mais agregada aos serviços de saúde, dando maiores oportunidades aos usuários desse importante serviço.

O financiamento dos serviços de saúde no Brasil

A saúde no Brasil não vai bem. Observa-se diariamente a dificuldade financeira da União, dos estados e municípios em manter o Sistema Único de Saúde (SUS) e garantir o direito constitucional à saúde universal no país. A saúde suplementar não está em situação melhor, sofrendo com dificuldades financeiras e uma estrutura de financiamento não sustentável.

Foram feitas diversas mudanças na legislação que regula o financiamento do SUS nos últimos anos. Em 1996, houve a criação da CPMF (suspensa em 2007); em 2000, a promulgação da Emenda Constitucional nº 29 e a regulamentação desta em 2012. Essa regulamentação (dada pela Lei Complementar 141/2012) não previu mudanças na participação federal no financiamento dos serviços de saúde. Com isso, estados e municípios, que costumam ter maior limitação orçamentária que o Governo Federal, seguiram financiando importante parte dos serviços de saúde.

O gráfico 1 mostra a contribuição, em percentual da receita de impostos, nos últimos três anos, da União, estado de SP e município de São Paulo (usados como exemplo), para o financiamento dos serviços de saúde. De acordo com a Lei Complementar 141/2012, os estados e Distrito Federal devem destinar no mínimo 12% da receita de impostos e os municípios 15% . À União cabe o investimento de 10% da receita arrecadada com impostos. Assim, observa-se que os municípios investem muito mais do que o exigido por lei, enquanto estados e União investem menos do que o mínimo obrigatório.

Gráfico 1: Financiamento dos serviços de saúde de São Paulo-SP, por fonte, em percentual da receita de impostos.

Gráfico financiamento saúde

 

Fonte: autoria própria, a partir de dados do SIOPS (2016).

Além da questão do financiamento, outros aspectos contribuem para a atual situação dos serviços de saúde. Nas últimas décadas, o poder público tem conseguido dar mais acesso à saúde. Com isso, pessoas que não tinham atendimento passaram a tê-lo com a descentralização do sistema e a criação de unidades básicas. O aumento do número de pessoas atendidas gerou aumento da demanda. Porém, como tratado anteriormente, a destinação de recursos para saúde não acompanhou o ritmo.

Especificamente nos últimos dois anos, tem-se observado significativo aumento do número de atendimentos, o que pode ser explicado, ao menos em parte, pelo aumento das pessoas que deixaram de ter planos de saúde, seja porque perderam o emprego, seja para cortar despesas de seu orçamento. Esse aspecto atinge tanto a saúde suplementar, que perde recursos para o financiamento da sua rede privada, como também o SUS, que vê a demanda pelos seus serviços aumentarem e a arrecadação diminuir.

Somam-se a esse quadro:

  •  O envelhecimento da população, que contribui consideravelmente para o aumento das despesas com saúde.
  • O maior número de carros e motocicletas, o que vem acompanhado de maior número acidentes de trânsito, com impacto nas despesas com saúde — entre 2008 e 2013, o número de internações por acidentes de transporte terrestre no SUS aumentou 72%.
  • Tendência à judicialização dos serviços de saúde — tratamentos que não tinham cobertura prevista passaram a ser obrigatórios por meio de mandados judiciais, criando despesas imprevistas para o Estado e planos de saúde.

É preciso reconhecer que o atual sistema de financiamento dos serviços de saúde, tanto público como privado, não tem funcionado. Diante dos enormes desafios que se apresentam, atores públicos e privados do setor de saúde terão que desenvolver novas estratégias de financiamento ou até mesmo repensar o próprio sistema.

Leitos hospitalares no Brasil: temos pouca infraestrutura?

A demanda por mais médicos para atendimento público e o déficit de leitos no país são questões que tendem a se agravar frente ao envelhecimento populacional e a crise fiscal. Certamente devemos pensar em reformas que promovam a eficiência do sistema nacional de saúde (a combinação da oferta pública e privada). A questão que colocamos aqui é que a oferta de infraestrutura, hospitais, leitos e equipamentos é escassa quando comparamos com outros países e heterogênea entre os Estados, como esperado em um país grande e diverso como o Brasil.

O que define uma boa rede de infraestrutura de assistência a saúde? De forma mais simples, qual o volume de leitos hospitalares que é considerado adequado para se ofertar a determinada população?

De acordo com o padrão internacional, a Organização Mundial de Saúde estabelece uma faixa de 3 a 5 leitos por mil habitantes como ideal. Neste padrão estabelecido pela OMS, o Brasil se apresenta como um país com baixa oferta de leitos, com 2,3 leitos por mil habitantes. A posição do Brasil é assim qualificada quando comparamos com a média dos países da OCDE, que é de 4,9 leitos por mil habitantes (veja Figura abaixo). No panorama internacional o Brasil está acompanhado de países como Turquia (2,5 leitos por mil habitantes) e Chile (2,22). A densidade brasileira ainda é mais baixa do que países asiáticos de crescimento recente, como é o caso de China (2,75) e Coréia (9.56).

Figura 1 – Número de leitos por mil habitantes, em países selecionados

graficoleitos

Fonte: OECD e CNES/Datasus.

Além do Brasil possuir baixa densidade de leitos, devemos observar que internamente somos desiguais. A definição da oferta de leitos parece não depender apenas do número de vidas em cada unidade da Federação.

Quando comparamos a densidade de leitos entre os Estados, observamos dois fatos estilizados (ver Tabela 1 abaixo) [1]. Os Estados com menor razão de leitos por habitantes estão na região Norte e Nordeste. A região Nordeste é a que apresenta mais disparidade. Por exemplo, Alagoas apresenta 3,5 leitos por mil habitantes em 2015, enquanto que Sergipe, estado vizinho, tem apenas 1,5 leitos de densidade. Seria como se o primeiro possuísse densidade similar aos EUA, e o segundo com densidade do México (que possui 1,68). Ainda na região Nordeste, a maior proporção de leitos do país está no Estado de Pernambuco, com 4,3 leitos por mil habitantes, enquanto que a Bahia possui apenas 1,94.

A riqueza não parece ser o grande determinante da capacidade de oferta de leitos, como poderia se esperar. Apenas Alagoas e Pernambuco apresentam densidade de leitos superior a 3, que é o corte de mínimo sinalizado pela OMS. Para se ter idéia de comparação, um Estado rico como São Paulo possui densidade de 2,03, que é inferior a média do Brasil (2,2) e muito inferior à média de grande parte dos países da OCDE.

A comparação direta entre leitos pode levantar alguma dúvida se estamos objetivamente falando de estruturas comparáveis. O mesmo leito em um Estado diferente pode utilizar diferentes procedimentos e tecnologias. Para tentar trazer mais elementos de comparação entre a infraestrutura dos Estados, olhamos para a densidade de máquinas de tomografia computadorizada (CTScan) por grupo de um milhão de habitantes[2].

De acordo com a comparação internacional (veja os dados na Organização Mundial de Saúde), países ricos possuem, em média, 20 aparelhos de tomografia para cada milhão de habitantes – o Japão é exceção e possui mais de 40 aparelhos por um milhão de pessoas. Vários Estados brasileiros apresentam número de densidade em torno de 20, o que é melhor do que a medida de leitos. Também aqui não observamos padrão homogêneo por região. Na região Norte e Nordeste existe a maior predominância de baixa densidade de equipamentos, mas ao mesmo tempo também temos os Estados com a mais alta densidade – são os casos de Alagoas, Pernambuco e Piauí. No sentido internacional, a oferta de aparelhos de tomografia parece mais adequada, mas com grande variação entre grande parte dos Estados.

Para resumir, o Brasil possui poucos leitos quando comparamos com outros países. Internamente os desequilíbrios são grandes. Estados como São Paulo, que possui quantitativo menor de leitos do que o esperado, acendem a luz da necessidade de organização do serviço de oferta de serviços de saúde.

Tabela 1 – Densidade de leitos e máquinas de tomografia computadorizada (CTScan), por Estado

Estados Leitos por mil hab. CTScan por milhão de hab.
AC 1.8 13.7
AL 3.6 21.0
AM 1.6 8.1
AP 1.4 11.7
BA 1.9 11.8
CE 2.0 13.8
DF 2.5 29.8
ES 2.1 19.3
GO 2.5 20.9
MA 2.0 10.7
MG 2.0 19.2
MS 2.2 20.7
MT 2.3 26.6
PA 2.0 12.5
PB 2.2 16.6
PE 4.3 19.7
PI 2.3 18.7
PR 2.4 21.6
RJ 2.3 26.1
RN 2.1 11.3
RO 2.6 20.9
RR 1.9 13.8
RS 2.7 24.5
SC 2.2 22.4
SE 1.5 9.4
SP 2.0 22.1
TO 1.8 17.8

Fonte: CNES/Datasus.

[1] Para se comparar os leitos entre Estados excluímos os leitos de tratamento de longo prazo.

[2]Utilizamos aqui dados do CNES/Datasus de 2015.

Mudanças regulatórias nos Serviços de Saúde

Os serviços de saúde no Brasil passaram a ser um direito de todos a partir da Constituição Federal de 1988. Dois anos depois, nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), e em 1998 surgiu o sistema de Saúde Suplementar.

Com a reforma do Estado, em 1999 foram criadas as Agências Reguladoras, dentre elas, duas relevantes para a saúde: a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Estas Agências tornaram-se responsáveis por regulamentar o setor e fiscalizar o cumprimento das legislações vigentes, visando à proteção e à saúde da população. A partir da criação das Agências, marcos regulatórios para os serviços de saúde foram surgindo e se modificando conforme o avanço tecnológico do setor e as demandas dos usuários desses serviços.

A primeira mudança regulatória significativa, após a criação das Agências reguladoras, foi a descentralização dos serviços de saúde, tornando, além da União, os municípios e estados responsáveis pelo atendimento da população[1].
Após a criação da ANS, a saúde suplementar passou a ser regulada, apesar da existência de planos de saúde antes mesmo daquele período. Ao mesmo tempo, observou-se crescimento da saúde suplementar no país, com os provedores privados chegando a atender 50 milhões de pessoas em 2015 (aproximadamente 25% da população). Esse aumento fez com que o controle se tornasse ainda maior.

Figura 1: Gráfico de crescimento de beneficiários dos planos de saúde privado em 10 anos.

Beneficiários de planos privados

Fonte: Autoria própria, 2016. A partir de dados da ANS.

A regulação da saúde suplementar ocorre para que se atinjam três objetivos principais: estabilidade do mercado; controle de informações e assimetria de condições (empresa-consumidor); e participação do consumidor no mercado privado. Nos últimos anos os planos individuais têm sido os mais regulados, tendo a ANS controlado até mesmo o aumento de preço dos contratos. Já os planos coletivos por adesão ou empresariais sofrem menos regulação, sendo os seus reajustes não controlados.

Além do preço, a prestação dos serviços de saúde também é regulada, sendo definido o rol de procedimentos mínimos que o plano de saúde deve cobrir. Neste caso, o próprio SUS também tem uma tabela de procedimentos obrigatórios cobertos pelo sistema.

Os procedimentos mínimos cobertos na prestação do serviço de saúde também dependem de regulamentações. Há uma comissão no âmbito do Ministério da Saúde que avalia os procedimentos e produtos que serão financiados pelos serviços públicos e privados. Muito mudou em relação aos procedimentos e produtos, tendo em vista o avanço tecnológico. Diversos procedimentos e produtos (em especial este último) incluídos no Brasil também são utilizados no exterior, demonstrando o acompanhamento das discussões internacionais pelos agentes reguladores brasileiros.

Na ANVISA, o destaque da mudança regulatória está na observação dos regulamentos internacionais e na tentativa de harmonização da Agência brasileira com demais Agências no mundo. Quase todos os regulamentos publicados pela ANVISA observam padrões internacionais, procurando-se evitar as distorções regulatórias brasileiras, costumeiramente observadas.

A mais nova mudança regulatória no país trata do Telessaúde, sistema de atendimento à distância que une a saúde com a telecomunicação e a informática, permitindo o acesso ao serviço de saúde mesmo para pacientes distantes dos grandes centros. Os marcos regulatórios de Telessaúde dispõem sobre a criação do sistema, os convênios com universidades e entes da federação e a integração do Sistema com o SUS. Ainda não estão regulamentados os serviços prestados por aplicativos de celulares e o acompanhamento de informações sobre os avanços de sistema.

Um marco regulatório que tem sido observado no país e traz mudanças significativas para a sociedade é a questão da Avaliação do Impacto Regulatório (AIR). Este procedimento deveria ser aplicado a todos os regulamentos e legislações nacionais, mas ainda é pouco utilizado pelos legisladores. Para os serviços de saúde, a boa notícia é que as Agências reguladoras têm se empenhado na aplicação de metodologias capazes de avaliar, antes da publicação de regulamentos, os impactos positivos e negativos para a população e para a economia. Isto deve contribuir para a melhoria dos serviços de saúde, minimizando os impactos causados pela regulação. A AIR está sendo implementada por todas as Agências no mundo e o Brasil não pode ficar de fora.

A regulação de mercado nos serviços de saúde pode trazer grande impacto, inclusive em seu crescimento. Faz-se essencial e necessária a regulação do setor de serviços de saúde alinhada com regulamentos internacionais, atingindo-se a convergência regulatória, visando a melhor inserção desses serviços brasileiros em cadeias globais de valor.

 

[1] VIEIRA, C. Gestão Pública e relação público-privada na saúde. Revista de Administração Hospitalar e Inovação em Saúde. V. 12, nº 01, p. 85 – 100. 2015.

Brasil possui o sistema de saúde mais ineficiente do mundo

O sistema de saúde brasileiro é composto pelo SUS e pelo braço privado representado por planos de saúde e por profissionais autônomos. Para a realidade brasileira, o SUS representa significativo avanço na saúde pública. Entretanto, a existência do sistema privado evidencia a necessidade de complementação. Neste contexto, emerge o debate sobre a necessidade de mais fundos para financiar a saúde pública. Mas, como se sabe em círculos mais técnicos, o sistema de saúde brasileiro é ineficiente, o que significa que os recursos não são bem empregados.

No ranking anual de eficiência de sistemas nacionais de saúde, editado pela agência de notícias de negócios Bloomberg, o Brasil aparece consistentemente entre os últimos colocados (desde 2008). Como qualquer indicador de eficiência econômica, o ranking compara medidas de benefícios gerados com o custo de prover os serviços. Em linhas gerais, o ranking compara a expectativa de vida com o custo local do sistema de saúde.

Na lista de 55 países analisados em 2015, o Brasil ocupa a última posição. Como se trata de ranking de eficiência, a posição do Brasil no ranking significa que o país gasta muito com saúde, mas entrega pouco. O custo da saúde  no Brasil é comparável ao de países da Europa Ocidental. Gastamos em torno de 9% do PIB, número próximo ao de países como Noruega, Suécia e Reino Unido. O outro fator de custo utilizado pelo ranking é a comparação do gasto em dólares per capita com saúde. Mesmo com a depreciação cambial recente, o Brasil gasta bastante no setor. Por esse indicador, o gasto brasileiro se aproxima ao de países da Europa Oriental (Rússia, Hungria e República Tcheca) e da América do Sul (Argentina e Chile), que gastam cerca de 1000 dólares per capita.

Por outro lado, a expectativa de vida do Brasil é a sexta mais baixa entre os países analisados. Com 73,9 anos de vida, a expectativa de vida aqui é similar à de países como Jordânia, Irã, República Dominicana e Colômbia. Portanto, pela comparação entre expectativa de vida e custo do sistema nacional, o Brasil esta entre os países com gastos mais elevados, mas com relativa baixa expectativa de vida.

Certamente, outros fatores, além do sistema de saúde, afetam a expectativa de vida, tais como saneamento, violência urbana e estilo de vida da população. Como todo ranking, o posicionamento do Brasil não estabelece uma verdade absoluta, mas pode ser usado para levantar a questão do financiamento do sistema de saúde brasileiro (público e privado). Simplesmente aumentar o dispêndio em um sistema que onera demais a economia pode não ser a melhor opção.

Com o envelhecimento da população, os desafios serão ainda maiores. Com tratamentos mais caros em média e com a necessidades de grandes investimentos, a conta da saúde tende a pressionar a atividade econômica. Mais gastos por habitantes serão necessários, pressionando tanto o Estado quanto quanto o cidadão.

A pergunta crucial é se o sistema brasileiro, público e privado, possui estrutura organizada para suportar crescimento. De acordo com um ranking simples como o aqui apresentado, a comparação entre países sugere que o Brasil não aloca bem os recursos em saúde, pois gasta muito para um país sem alta expectativa de vida. Portanto, estratégias inteligentes para a organização do sistema de saúde serão fundamentais para o nosso futuro.

Veja o ranking abaixo:

gráfico6

Fonte: Bloomberg

Envelhecimento demandará grandes investimentos em hospitais

Além dos já conhecidos problemas de qualidade e eficiência dos serviços de saúde, o Brasil começa a enfrentar um desafio adicional nesta área em razão do envelhecimento populacional. Hoje, 7,6% da população têm 65 anos ou mais. Mas esta parcela será de 9,4% em 2020 e de 11,3% em 2025, padrão similar ao de alguns países ricos. Esta mudança vai requerer significativo aumento da oferta de infraestrutura de saúde, já que a população idosa usa muito mais intensamente aqueles serviços. Esta condição, juntamente com o reduzido espaço fiscal para investimentos públicos, requer que discutamos com urgência soluções que elevem os investimentos no setor.

O Brasil despende cerca de 9% do PIB com saúde, média parecida com a da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Porém, esta comparação direta tem limitações. Primeiro, porque enquanto o Brasil gasta cerca de US$ 1100 per capita por ano com saúde, a OCDE gasta US$ 2800. Segundo, porque enquanto o número de leitos no Brasil era de 2,3 por grupo de mil habitantes em 2012, na OCDE era de 4,9. E, terceiro, porque as despesas com remédios, consultas privadas e outros itens não diretamente associados à remuneração da infraestrutura absorvem pelo menos 30% das despesas totais com saúde no Brasil, enquanto que na OCDE esse número é de aproximadamente 17%.

Para piorar, o número de leitos diminuiu nos últimos anos e a tendência é de mais redução. Se não forem tomadas providências que freiem esse movimento e, ainda mais importante, que encorajem novos investimentos, será praticamente inevitável que haja piora na oferta de serviços de saúde.

Nossas simulações sugerem que, se quisermos um padrão de oferta de leitos compatível com a nossa estrutura demográfica e que seja minimamente comparável ao padrão de países de renda média e alta, então teremos que criar cerca de 177 mil novos leitos até 2020 ao custo de pelo menos 20 bilhões de dólares (veja Figura abaixo).

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O maior desafio que temos à frente é o de aceitarmos rever conceitos e rediscutir, de forma desapaixonada, o desenvolvimento de um setor de saúde que seja realista e sustentável, sem abrir mão do SUS. Com a estrutura vigente o cenário é de piora acentuada da cobertura e atendimento à população. Portanto, reformas que melhorem a alocação e uso dos recursos, bem como gerem investimentos na infraestrutura hospitalar são urgentes e não podem esperar.

euVictor Gomes é Doutor em Economia. Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Foi Economista-Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).