Economia de Serviços

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Quais serviços de infraestrutura e para que fim? Parte II

Em post anterior, discutimos a necessidade de se ser mais seletivo na priorização de carteiras de infraestruturas em países com grande hiato e carência de investimentos no setor. Neste post, seguimos discutindo o tema.

É consenso na literatura que infraestruturas aumentam a produtividade e o investimento. De fato, ao aumentarem o acesso e reduzirem os custos de transporte, de comunicação e de energia, investimentos em infraestruturas reduzem custos de produção e elevam o valor adicionado, o que impacta as métricas de produtividade e aumenta as margens, incentivando novos investimentos.

Mas há que se diferenciar os impactos das infraestruturas na competitividade absoluta e na relativa, bem como nos benefícios privado e social.

Infraestruturas que impactam majoritariamente custos, como uma ferrovia que transporta cargas da mina ao porto, colocam os produtores no jogo da competição ao elevar o benefício privado e a competitividade absoluta. Isto ocorre notadamente em setores comoditizados, cujo valor de mercado do bem está dado.

Já infraestruturas que incentivam a agregação de valor e a diferenciação de produtos e têm muitas externalidades, como um rodoanel ou redes de banda larga, impactam também os benefícios sociais e podem ajudar a elevar a competitividade relativa. Ou seja, além de ajudar a colocar os produtores no jogo, essa classe de infraestruturas pode ajuda-los a ganhar o jogo da competição.

Em países com forte escassez de recursos e grande demanda reprimida por infraestruturas, o custo marginal de uma determinada infraestrutura será tanto menor quanto maior for o impacto no benefício social. Pense, por exemplo, no impacto que a oferta abundante de energia elétrica pode vir a ter ao viabilizar, digamos, a agregação de valor da produção agrícola de uma região. Nesse caso, ao contribuir para a elevação do valor da produção, a oferta de energia poderá viabilizar economicamente, por exemplo, a construção de uma ferrovia ligando aquela região ao porto, já que o valor da carga transportada aumentou.

Países que buscam a convergência de renda per capita com países desenvolvidos e a participação na economia mundial em etapas mais avançadas das cadeias globais de valor deveriam, portanto, focar na relação entre infraestruturas e competitividade relativa.

Infelizmente, a equação da priorização de carteiras de investimentos em infraestruturas é ainda mais complexa do que parece. Straub (2008)[1], por exemplo, mostra que cerca de 50% dos projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento têm pouco ou nenhum impacto no PIB, o que indica graves deficiências na escolha daquelas daquelas carteiras e na implementação dos projetos.

O que fazer? Por óbvio, o problema varia de país para país, mas a atenção aos seguintes pontos pode ser útil.

Fragmentação, complementaridade e sinergias. Dentre as explicações para o modesto impacto dos investimentos em infraestrutura na economia estão a fragmentação dos projetos e a pouca ou nenhuma sinergia e complementariedade entre eles. A fragmentação ocorre, sobretudo, por falta de planejamento em níveis federal e subnacional e falta de coordenação entre unidades do próprio governo e entre os governos e o setor privado. A falta de planejamento leva não apenas à fragmentação, mas, também, ao não sequenciamento adequado dos projetos de infraestrutura para potencializar os seus impactos.

Serviços e não somente infraestrutura física. Projetos de infraestrutura têm que focar na potencialização da utilidade que geram para os agentes econômicos, sejam eles consumidores ou firmas. Isso leva a que os projetos de infraestrutura tenham que ser analisados também pelo seu componente intangível. Os benefícios de uma nova rodovia, por exemplo, serão maiores quando, para além de viabilizar a conectividade física, também viabilizarem serviços complementares, como banda larga ao longo do curso da via, serviços de energia, de segurança, de apoio logístico, dentre outros que agregam valor e façam daquela rodovia mais do que um meio para levar uma carga do ponto A para o ponto B. De fato, já há farta evidência empírica mostrando que projetos de infraestrutura intensivos em capital intangível têm maiores impactos na produtividade e na competitividade relativa.

Tecnologia e não apenas menor custo. É preciso que carteiras de infraestruturas priorizem o uso de novas tecnologias, sejam elas construtivas, de serviços de gestão, manutenção e de provisão de bens públicos e privados. Afinal, aqueles projetos são oportunidades únicas para se incentivar o emprego de novas tecnologias e podem funcionar como polo radiador de incentivos a investimentos sofisticados, geração de riquezas e capacitação.

Monitoramento e avaliação de projetos. É preciso avaliar com maior atenção o que deu certo e o que deu errado em projetos de infraestrutura, tanto no próprio país como no exterior, de forma a se evitar repetir erros e deixar de otimizar as chances de acertos.

Futuro e não apenas o passado. Mais que mirar no atendimento dos velhos gargalos de logística, é preciso que o planejamento combine esforços na provisão de serviços de conectividade física e também não física e mirem em atividades que apontem para o futuro, como serviços sofisticados e economia digital.

Implementação e pós-implementação. Para além de melhorar a implementação de projetos, é preciso maior foco na recuperação das infraestruturas já existentes e na sua manutenção, de forma a que se reduzam os custos dos projetos e se amplifiquem os seus benefícios sociais.

Por fim, é preciso se repensar as métricas convencionais de identificação dos benefícios das infraestruturas. Afinal, muitos benefícios sociais importantes nem sempre são de fácil identificação e mensuração. De outra forma, há espaço para o desenvolvimento de metodologias mais sofisticadas e flexíveis de mensuração das contribuições das infraestruturas para a economia e para a sociedade.

[1] S. Straub, Infrastructure and growth in developing countries: recent advances and research challenges, World Bank Policy Paper No. 4460, 2008.

Quais serviços de infraestrutura, para quem e para que fim?

O Brasil investe menos de 2% do PIB por ano em serviços de infraestrutura, quando teria que investir ao menos 5% para atender às suas necessidades correntes básicas. O acúmulo de serviços de infraestrutura não satisfeitos é elevado e têm trazido dificuldades tanto para as capitais como para o interior do país, e tanto para atender às pessoas como às empresas. Indicadores de infraestrutura do Fórum Econômico Mundial e do Banco Mundial posicionam o país entre aqueles com as maiores deficiências.

De fato, o custo de serviços logísticos tem peso anormalmente elevado nas atividades econômicas e o tempo médio de deslocamento de trabalhadores das grandes cidades de casa para o trabalho também é muito elevado. Cerca de 40% da população ainda não têm acesso à água tratada e parcela ainda maior não tem acesso a esgoto encanado.

Os serviços de infraestrutura são, portanto, um problema econômico e social a ser resolvido. Mas a infraestrutura também é uma espécie de “low hanging fruit” com substanciais benefícios potenciais de curto prazo para a produtividade e para o bem estar das pessoas. Por isto, ela pode e deve ser parte do “core” das políticas públicas.

Em razão do longo atraso no atendimento das demandas por serviços de infraestrutura, o Brasil se depara, hoje, com a premência de enfrentar tanto as necessidades do “passado” como as necessidades do “futuro”, quais sejam, as infraestruturas logísticas e de saneamento e energia, bem como as  infraestruturas de banda larga, serviços de telecomunicações avançados e cidades inteligentes.

Para muito além de ter que investir mais, planejar melhor, melhorar a eficiência e a eficácia na gestão de projetos, atrair o setor privado e desenvolver e encorajar novos modelos e fontes de financiamento, o país também terá que ser mais seletivo, já que já não há mais tempo nem recursos para avançar em todas as frentes simultaneamente. Logo, será necessário estabelecer prioridades de investimentos em serviços de infraestrutura.

Mas como priorizar?  Quais serviços, para quem e para que fim?

Sabemos que o tema da definição de prioridades dos investimentos em infraestrutura é espinhoso e perturba os governantes em razão da sua forte exposição às questões de economia política. Por isto, o emprego de um conjunto mínimo de princípios e critérios seria um bom ponto de partida para ajudar a orientar a definição das prioridades.

Obviamente, não há um conjunto de princípios e critérios inquestionáveis e imunes à criticas. Além disso, as realidades e necessidades variam não apenas entre países e entre unidades da federação mas, também, ao longo do tempo.

Parece-nos razoável partir da premissa de que, num país emergente, o principal critério de prioridade de serviços de infraestrutura deveria ser o atendimento das necessidades humanas básicas. Logo, investimentos em água, saneamento, gestão dos recursos hídricos e habitação deveriam merecer destaque.

Serviços de infraestrutura que tenham os maiores impactos em termos de externalidades positivas para mais pessoas e mais empresas e  serviços que mais encorajem a diversificação dos investimentos e a agregação de valor também deveriam ser critérios orientadores da decisão. Obras como metrôs e rodoaneis em grandes metrópoles seriam exemplos dessa classe de infraestruturas.

A garantia de fornecimento de serviços fundamentais, como energia elétrica e telecomunicações, também deveria constar do rol de critérios.

Critérios que promovam o ataque simultâneo aos hiatos de infraestrutura do passado e do futuro também deveriam ser considerados. Exemplos não faltam e, dentre eles, estão a inclusão de requisitos nos editais para que os concessionários de infraestruturas de logística enderecem a conectividade de banda larga ao longo das vias e requisitos para que as concessionárias de distribuição de energia promovam os postes inteligentes, de forma a ampliar o acesso à internet e outros serviços.

Obviamente, novas soluções podem requerer ajustes regulatórios.

Exercícios de priorização de serviços de infraestruturas devem levar em conta a coordenação e o sequenciamento de projetos com vistas a ampliar as sinergias e as complementariedades, otimizar o uso dos tempos e dos recursos e, enfim, alcançar o máximo de benefícios para o conjunto da sociedade.

Por fim, o emprego de princípios e critérios identificáveis e mensuráveis de priorização de projetos de infraestrutura permitirá o desenvolvimento de modelos e de instrumentos metodologicamente robustos úteis ao desenho das políticas públicas.

Quais serviços merecem mais atenção das políticas públicas?

Como este blog tem discutido, o Brasil tem grandes deficiências em serviços e o setor está entre as principais causas da nossa baixa produtividade e competitividade.

Posto isto, a pergunta relevante é: como não há recursos humanos e financeiros para tratar das deficiências de todo o setor de serviços ao mesmo tempo, que segmentos deveríamos priorizar?

Esta talvez seja uma das questões mais relevantes em política pública de serviços. Obviamente, a resposta a esta pergunta depende do foco e do método de análise que se utiliza.

Se a preocupação é o bem-estar das pessoas, então deveríamos atacar os serviços com maior participação na cesta de consumo de bens e serviços das famílias, tal como refletido pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-IBGE). Dentre os serviços com maior importância na cesta estão educação, saúde, serviços sociais, serviços financeiros, transportes e comércio de varejo.

Se a preocupação é com o impacto dos serviços na inflação, que historicamente tem aumentado mais que a inflação geral, então deveríamos focar nos itens cujos preços mais têm subido. Ali incluem-se serviços de utilidade pública, transportes, educação, saúde e serviços técnicos especializados.

Se a preocupação é o impacto dos serviços nas contas externas, então, de acordo com os dados da balança comercial divulgados pelo MDIC, deveríamos focar nos itens mais inclinados a déficits comerciais e com maior peso nas contas externas. Ali estão fretes, seguros, royalties, licenças, aluguel de equipamentos, serviços de comunicação e computação e viagens internacionais.

Se a preocupação é atacar as pressões de custos na indústria, então, de acordo com a Pesquisa Industrial Anual (PIA-IBGE), deveríamos focar nos serviços mais utilizados pelas empresas, dentre os quais estão os serviços de intermediação financeira, serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros, royalties e assistência técnica, despesas com propaganda e alugueis e arrendamentos.

Finalmente, se a preocupação é com a participação da economia brasileira na economia global, então deveríamos focar as nossas atenções em e-commerce, plataformas digitais, P&D, desenvolvimento de marcas, design, inteligência artificial, desenvolvimento de softwares customizados, serviços de marketing e distribuição, dentre outros serviços que fazem a ponte entre o hoje e o amanhã.

É provável que este post tenha desapontado alguns leitores, já que não indicou resposta única, mas várias. Mas isto se deve à natureza do setor. De fato, serviços se tornaram algo tão grande, abrangente, diversificado e heterogêneo que apresentar uma só resposta seria um desafio.

Agora, se o leitor gostaria mesmo de saber qual seria a prioridade deste blog, então lá vai: serviços digitais e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto, tal como indicado dois parágrafos acima. Afinal, como tanto temos debatido neste espaço, são eles que mais influenciarão o padrão da nossa inserção na economia internacional e a nossa capacidade de crescer de forma sustentada no futuro próximo.

E você, leitor, que setor priorizaria e por quê? Dê a sua opinião!

Serviços e riqueza

Como os serviços contribuem para a geração de riquezas? As respostas são, naturalmente, muitas e dependem do país e do seu estágio de desenvolvimento, da sua demografia e estrutura econômica, das condições internacionais, dentre outros aspectos. Mas uma das respostas está associada à relação entre os serviços e os demais setores da economia.

Evidências empíricas mostram que não é o tamanho do setor de serviços na economia que mais importa para a geração de riquezas, mas sim a parcela dos serviços que são voltados para a produção (e não para consumo). No Brasil, o setor de serviços responde por cerca de 74% do PIB, mas os serviços técnicos comerciais profissionais (PBS), que são insumos pré- e pós-produção, respondem por 18% do PIB. Nos Estados Unidos, os serviços representam 82% do PIB e o PBS por 31%, portanto, proporção mais que o dobro da brasileira.

A diferença entre Brasil e Estados Unidos não é casual. Afinal, o padrão e a quantidade de serviços produtivos são preditores da estrutura de produção e da complexidade do país e, assim, do estágio de desenvolvimento econômico. De fato, enquanto a economia brasileira é concentrada em serviços de consumo, bens manufaturados de baixo valor adicionado e commodities, a americana é concentrada na produção de serviços de média e alta sofisticação, manufaturas de alto valor adicionado e bens de capitais.

Conforme este blog tem destacado, os serviços estão se tornando componentes cada vez mais importantes – e determinantes, até – da produção da manufatura, agricultura e até mesmo da mineração. De serviços de logística, de manutenção de máquinas e equipamentos e financeiros a serviços de P&D, TI e design, as evidências empíricas mostram que os serviços se tornaram o componente com maior participação no valor adicionado. No Brasil, os serviços respondem por 64% do valor adicionado da manufatura. Nos Estados Unidos, passam dos 75%. No caso do iPhone, por exemplo, a participação dos serviços  é largamente predominante no valor adicionado.

Se os serviços correspondem a parcela tão elevada do valor adicionado, então a capacidade de desenvolver e gerenciar serviços produtivos é condição determinante para se ter uma economia competitiva. Há que se esperar, desta forma, relação positiva entre tamanho do PBS e variáveis como densidade industrial.

O gráfico 1 abaixo mostra evidências nesta direção. Observam-se, grosso modo, dois grupos de países. De um lado (parte alta e mais à direita), estão países de alta densidade industrial e alta renda per capita e; de outro lado estão países de baixa densidade industrial e de renda per capita relativamente mais baixa (parte de baixo e mais à esquerda).

Uma economia tão avançada e dinâmica com a alemã, por exemplo, cuja densidade industrial passa dos US$ 11 mil, requer muita capacidade de desenvolvimento de softwares, serviços de gestão de redes de distribuição e de cadeias de produção globais, logística avançada e tantos outros serviços críticos para se agregar valor à sua sofisticada manufatura. Não por acaso, a participação do PBS no PIB é de 28%. Já Turquia, Rússia e México têm densidade industrial de cerca de US$ 1800 e PBS no intervalo de 11% a 14%.

Para além do tamanho do PBS e da sua relação com a densidade industrial está a composição do PBS. Este blog classifica o PBS em dois grupos: serviços de custos e serviços de agregação de valor e diferenciação de produto. O primeiro grupo é composto, grosso modo, por serviços convencionais de cadeias de valor, como logística, manutenção de equipamentos, serviços de TI, financeiros e de telecomunicações básicos e tantos outros serviços que estão nas planilhas de custos das empresas. Já os serviços de valor incluem P&D, design, marketing, distribuição, marcas, instrumentos financeiros sofisticados, softwares customizados dentre outros que diferenciam o produto e lhes agregam valor.

Evidências empíricas mostram que a parcela de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos são maiores nos países de alta densidade industrial. E mostram,  também, que aqueles serviços estão por detrás do crescimento da produtividade, em contraposição aos serviços de custos, que têm pouco ou nenhum impacto nessa variável.

Em resposta à pergunta do início, os serviços contribuem para a geração de riquezas majoritariamente através do PBS e, mais especificamente, dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos. Logo, para se ter indústria, agricultura ou mineração competitivos é também preciso que o país seja capaz de disponibilizar serviços modernos, sofisticados e competitivos.

Gráfico 1 – Densidade industrial e serviços técnicos comerciais e profissionais (PBS)

Nota: fontes primárias dos dados: densidade industrial – World Development Indicators; PBS – WIOD. Densidade industrial é expressa em dólar corrente. PBS é expresso em parcela do PIB (0-1). Densidade industrial refere-se ao valor adicionado da manufatura per capita (dividido pela população total do país). PBS (professional business services).

A economia do Japão e o setor de serviços

O que explica a longa estagnação da economia japonesa? Obviamente, existem explicações diversas. O objetivo deste post é o de adicionar um pouco de luz num aspecto sintomático da estagnação: o padrão e o comportamento do setor de serviços.

Vários indicadores podem ser empregados para ilustrar a estagnação da economia japonesa. O gráfico abaixo mostra dois desses indicadores. O primeiro, o de densidade industrial (Arbache 2012); o segundo, o índice de complexidade de Hausmann-Hidalgo. Esses indicadores sugerem inequívoca tendência de queda da competitividade da indústria manufatureira japonesa.

De acordo com a literatura de espaço-indústria (Arbache 2012), a variável-chave da transformação econômica é a capacidade da manufatura elevar a densidade industrial. Essa capacidade não se revela pela participação da manufatura no PIB, mas pela sua capacidade de desenvolver uma relação sinergética e simbiótica com os serviços para, juntos, agregarem valor (Arbache 2017).

De fato, evidências empíricas internacionais mostram elevada e crescente parcela de serviços e inovações “embarcados” em bens manufaturados. Tratam-se de P&D, marcas, design, distribuição, projetos, softwares customizados, funcionalidades e conectividade, marketing, entre outros tantos serviços que diferenciam, agregam valor e conectividade ao bem tangível. Serviços de custos, como logística e serviços financeiros convencionais, são importantes, mas não diferenciam produtos e nem agregam valor.

Para agregar valor, a economia precisa ter um setor de serviços capaz de responder às demandas da indústria por novas soluções e de apoiar o desenvolvimento de novos modelos de negócios.

O que se observa no caso japonês? Observa-se estagnação da participação dos serviços comerciais profissionais no PIB (professional business services – PBS), que são os serviços que agregam valor à indústria. Observa-se, também, aumento da participação do setor de serviços no PIB. Logo, a participação do PBS no setor de serviços está contraindo, enquanto que os demais serviços, incluindo os voltados para o consumo, estão vendo a sua participação na economia aumentar.

Essas tendências vão na direção contrária do que se observa em economias mais dinâmicas, como Estados Unidos e Alemanha (e China, mais recentemente), em que o nível do PBS no PIB é mais elevado e segue crescendo.

Indicadores internacionais de conectividade são reveladores em razão da sua relação com o PBS. O indicador de conectividade da McKinsey Global Institute, por exemplo, mostra que o Japão está numa longínqua 24ª posição no ranking atrás, inclusive, de países emergentes asiáticos. Os Estados Unidos estão na terceira posição, a Alemanha na quarta e a China na sétima posição. Os componentes do indicador da McKinsey que mais explicam as diferenças entre o Japão e os três países são fluxo de serviços, fluxo de dados e fluxo de pessoas, fatores comumente presentes nas economias mais abertas e dinâmicas e associados à capacidade de desenvolvimento de serviços sofisticados e novos modelos de negócios.

A economia japonesa talvez só não esteja em situação ainda mais desafiadora em razão do elevado estoque de capital per capita que tem e do ainda elevado nível de densidade industrial da sua economia.

As características estruturais da economia do Japão sugerem insistência num modelo econômico tradicional incompatível com o nível do seu PIB per capita e que, claramente, já demonstra retornos decrescentes. Para avançar, o Japão terá que considerar adotar uma visão muito mais ampla e aberta de manufatura. Para isto, terá que aprofundar o entendimento acerca do imperioso papel dos serviços para a competitividade e a criação de valor industrial.

Notas sobre o gráfico: Densidade industrial: valor adicionado da manufatura per capita (em US$), eixo da esquerda. Fonte: calculado com dados do World Development Indicators.

%Manuf-PIB: participação percentual da manufatura no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

%PBS-PIB (professional business services): participação percentual dos serviços comerciais profissionais no PIB; consideram-se os serviços especializados destinados às cadeias de produção tais como correios e telecomunicações, intermediação financeira, atividades imobiliárias comerciais, aluguel de máquinas e equipamentos, TI e atividades correlatas, P&D e outras atividades comerciais profissionais, eixo da direita. Fonte: World Input-Output Database.

%Serviços-PIB: participação percentual dos serviços no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

Indicador de complexidade (0-1). Eixo da direita. Fonte: Atlas of Economic Complexity

Revolução digital e serviços de transporte

O setor de serviços passou por transformações importantes nas últimas décadas. Mais especificamente no setor de transportes, as mudanças foram também significativas em termos de crescimento e desenvolvimento. Em virtude da revolução digital e da universalização da Internet e de smartphones, os serviços de transporte estão se transformando estruturalmente, com papel cada vez mais relevante da economia compartilhada e do uso de plataformas digitais para promover o encontro entre a oferta e a demanda nos diversos mercados de transporte de cargas e passageiros.

O Brasil é altamente dependente do transporte rodoviário, que movimenta mais de 60% das cargas no país. Os custos de transporte no país são elevados e afetam de maneira mais intensa indústrias mais dependentes de logística, como a metalúrgica, de alimentos, bebidas e outras intensivas em recursos naturais em geral (Arbache, 2014). Os serviços de transporte de passageiros também são relevantes na cesta de consumo das famílias brasileiras, que gastam em média cerca de 15% de sua renda com transporte urbano (Carvalho e Pereira, 2012). Os dados da PNAD mostram que, em quase todas as regiões metropolitanas (RM) do Brasil, houve aumento no tempo médio de deslocamento casa-trabalho entre 2011 e 2015 e que parcela considerável da população gasta mais de uma hora para ir ao trabalho (Tabela 1). Outros trabalhos revelam que as pessoas de menor renda são as que gastam mais tempo nesse deslocamento diário, independentemente do meio de transporte utilizado.

Tabela 1 – Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho nas RMs brasileiras e parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora no descolamento.

RM Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho (em minutos) Parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora até o trabalho (%)
2011 2012 2013 2014 2015 2011 2012 2013 2014 2015
São Paulo 45 46 46 46 44 23% 24% 25% 26% 24%
Rio de Janeiro 44 47 49 50 48 22% 27% 29% 29% 26%
Belo Horizonte 37 37 37 36 36 16% 16% 16% 15% 15%
Porto Alegre 30 30 31 32 32 8% 8% 8% 10% 11%
Recife 37 38 40 41 39 12% 16% 17% 18% 16%
Fortaleza 32 32 32 33 34 10% 10% 10% 12% 12%
Salvador 38 40 39 39 38 16% 19% 19% 16% 15%
Curitiba 33 32 33 33 33 12% 11% 12% 11% 10%
Distrito Federal 34 35 38 38 40 10% 11% 16% 16% 18%
Belém 32 33 36 37 33 10% 11% 16% 13% 10%
Fonte: Microdados PNAD 2011,2012,2013,2014,2015.
Elaboração própria com metodologia adaptada de Pereira e Schwanen (2013).

 

Os principais desafios enfrentados pelos formuladores da política de transportes estão relacionados a questões demográficas, socioeconômicas, tecnológicas, ambientais e financeiras. O desenvolvimento tecnológico traz consigo um desafio resultante do aumento da complexidade em planejar, gerir e regulamentar os sistemas de transporte. Por isso, as novidades tecnológicas não devem ser ignoradas nas discussões políticas sobre mobilidade urbana e matriz de cargas, pois trazem benefícios não desprezíveis para a população.

Novas empresas estão crescendo significativamente nesses mercados e mudando a maneira tradicional de funcionamento dos mesmos. Por exemplo, nos EUA está ocorrendo substituição de linhas de ônibus pelo serviço do Uber, inclusive com subsídio público, e a empresa quer lançar uma versão aérea de seu serviço de transporte individual, com carros voadores, que estão sendo desenvolvidos em parceria com a Embraer e devem estar operando a partir de 2026.

Os caminhões autônomos e carros autônomos também são uma realidade. Em outubro de 2016 um caminhão autônomo da Uber percorreu mais de 190 quilômetros em uma rodovia dos EUA para fazer entrega de cervejas. Também no final de 2016, a Amazon, depois de quase 3 anos desde o primeiro anúncio, fez sua primeira entrega via drone em Cambridge, no Reino Unido, e, recentemente, entrou com um registro de uma patente diferente: uma torre cilíndrica composta por drones, como se fosse uma colmeia. Com isso, a empresa promete agilizar ainda mais o processo de entregas.

As mudanças que estão em curso no mercado de transportes de cargas e passageiros são consequências da nova globalização e da revolução digital, que compreendem não só o intercâmbio de bens, serviços e capital entre países, mas também o fluxo intenso de dados e serviços digitais. As plataformas digitais também são ricas fontes de informação para a tomada de decisão. Atualmente, algumas plataformas geram dados riquíssimos para subsidiar estudos que busquem identificar padrões de deslocamentos de pessoas e cargas em um determinado espaço geográfico. Por exemplo, a Uber lançou recentemente, por enquanto apenas para algumas cidades, o Uber Movement, sistema que fornece informações históricas detalhadas de milhões de viagens realizadas diariamente pelos usuários que permitem medir o impacto de melhorias nas estradas, grandes eventos e novas linhas de trânsito.

Contudo, a proliferação dos serviços digitais de transporte está provocando reações negativas de governos e grupos de interesses de alguns países, com a proibição do funcionamento de alguns serviços e conflitos trabalhistas. O Uber, por exemplo, enfrentou proibições na Índia, Espanha, Bélgica, Holanda, Tailândia e em outros lugares. Além disso, recentemente, o Tribunal do Reino Unido reconheceu a existência de vínculo trabalhista entre os motoristas e a Uber, implicando em efeitos tributários que encareceram o serviço. No Brasil, algumas decisões estão sendo tomadas por tribunais regionais tanto a favor quanto contra os motoristas, e essa discussão ainda está em aberto. A legislação nacional é pouco clara sobre essa espécie de relação de trabalho, dando margem para interpretação de juízes. Além disso, há projetos de lei em tramitação no Congresso que têm por objetivo proibir o serviço no país, e Estados e Municípios também enfrentam pressões de alguns grupos organizados da sociedade.

A inserção rápida e global de plataformas que fornecem serviços digitais de transporte mostrou que essas novas tecnologias podem gerar benefícios importantes para a sociedade e ao mesmo tempo demandam regulação por parte do poder público. Se a regulamentação do Uber vem enfrentando problemas atualmente, não é difícil imaginar que, quando chegar a vez dos veículos autônomos, carros voadores e das entregas via drones, as dificuldades serão muito maiores. A maneira de funcionar dos serviços de transportes de cargas e passageiros está mudando, e essas mudanças devem ser entendidas e consideradas pelos formuladores de políticas públicas nas discussões nacionais, estaduais e municipais sobre o tema. Visando o desenvolvimento econômico e social do país com papel ativo dos serviços digitais, é importante que o poder público trabalhe para facilitar e não para dificultar a inserção e o desenvolvimento de novas tecnologias e plataformas digitais no setor de transportes.

Caio Assumpção Silva é doutorando em economia pela UnB e analista de transportes da Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Outsourcing, shelfsourcing e netsourcing

A palavra outsourcing não é um desses anglicismos de modismo. Sua incorporação no linguajar empresarial/acadêmico brasileiro se presta a diferenciar a aquisição de serviços de custo de serviços de agregação de valor. Os serviços de custo são aqueles identificados com a terceirização.

A terceirização é decorre do acirramento da concorrência e da necessidade de cortar custos em toda sorte de atividades auxiliares – altamente padronizadas e raramente customizadas; são serviços de prateleira, simbolizando estágios cada vez mais radicais de um fenômeno que é tão antigo quanto o capitalismo: a divisão e especialização do trabalho. Portanto, o shelfsourcing não traz mudanças conceituais relevantes, pois a empresa compradora desse serviço apenas deixa de realizá-lo por conta própria e o adquire pronto e embalado nas prateleiras do mercado. Na contabilidade nacional, parte do crescimento do setor de serviços se deu pela mensuração do shelfsourcing (advocacia, contabilidade, transporte, limpeza, etc., são bons exemplos de atividades terceirizadas), que gerou uma “desindustrialização contábil” pela mudança de propriedade, mas dificilmente por mudanças estruturais reais.

Estudos[1] que investigam as razões que levam a organização empresarial para formatos mais centralizados ou descentralizados – no que diz respeito às suas atividades finalísticas – mostram que o alto nível de complexidade tecnológica de uma determinada atividade pode induzir à descentralização das decisões dentro de uma empresa. O aumento dessa complexidade proporciona estruturas de comando mais descentralizadas, na qual os gerentes das áreas finalísticas possuem maior autonomia decisória em virtude da elevação da assimetria de informações entre a direção central e os gerentes; um trade-off clássico do modelo principal-agente no qual os custos de delegação são comparados aos seus benefícios.

Se entendermos o outsourcing como o próximo passo após a descentralização empresarial, entenderemos que isso não trata da delegação externa de atividades avançadas previamente desempenhadas dentro da empresa; pelo contrário, elas representam o surgimento de soluções para desafios internos das empresas industriais, mas que, em face ao elevado grau de complexidade que tais desafios têm alcançado, não poderiam surgir internamente ou surgiriam a custos e esforços relativamente elevados. Mais do que isso, a multiplicação e o acúmulo de soluções disponíveis no mercado afrouxaram as fronteiras da capacidade inovadora de toda a economia, não apenas implicando em reduções de custo, mas tornando possível produtos e processos antes inimagináveis. Não se trata de uma empresa contratar um serviço de design industrial como ela contrataria um escritório de contabilidade. Nessa modalidade, a sinergia e a simbiose entre serviços e indústria não se manifesta apenas no design arrojado de um produto, mas na noção de que empresas operando em mercados distintos apenas conseguem evoluir em seus próprios negócios quando fornecem feedback mútuo. Nesse sentido, as empresas praticam netsourcing, pois a criação de soluções ocorre em redes, e é nelas que as empresas buscam e entregam tecnologias.

Esse momento de extrapolação dos limites da empresa em suas atividades finalísticas as coloca como conectores de um emaranhado de soluções que podem ou não ter sido elaboradas, inicialmente, para seus problemas específicos – essas soluções estão intimamente associadas aos serviços de agregação de valor. O netsourcing pode, sim, significar uma mudança conceitual relevante na forma como as empresas se organizam para a produção. No espaço-indústria a elevação da participação dos serviços na economia dos países desenvolvidos conjugada com o aumento da densidade industrial é consequência direta do netsourcing, e não do shelfsourcing – essas nações tornaram-se economias de serviços de agregação de valor, e não de custos. Muitos antigos centros de P&D internos de grandes corporações industriais abandonaram a pesquisa propriamente dita e tornaram-se membros colaborativos em redes de empresas, laboratórios governamentais e universidades, intercambiando agendas de pesquisa e soluções tecnológicas.

A maturidade e sofisticação industrial das últimas décadas estão na raiz do protagonismo do setor de serviços. O mundo moderno gerou uma vasta e complexa necessidade de novas soluções que estimulou a consolidação de uma rede de empresas especializadas em provê-las. Trabalhar em rede (o netsourcing) não é apenas o mantra do momento dos gurus da administração; é a verdadeira prática de organização empresarial que sustenta o domínio tecnológico e econômico das grandes corporações e das nações às quais pertencem.

[1] ACEMOGLU D. [et al.] Technology, information, and the decentralization of the firm [Artigo] // The Quarterly Journal of Economics. – Novembro de 2007. – pp. 1759-1799.

Custos e benefícios da abertura do mercado de serviços

Este blog tem discutido há muito que os serviços brasileiros são relativamente caros e de baixa qualidade para padrões internacionais, o que compromete a competitividade das empresas que os utilizam como insumos de produção. Também tem mostrado que vários segmentos do mercado de serviços são bastante protegidos da competição internacional.

A quase instantânea reação a essas evidências é a de apoiar a abertura do mercado de serviços como forma de minorar os impactos negativos mais imediatos para as empresas. Posição mais que legítima. A defesa da maior competição deve, porém, levar em conta outros pontos que também têm impactos para a competitividade, produtividade e geração de riquezas e empregos. Dentre esses pontos, incluem-se os que seguem.

Primeiro, os serviços de custos, como logística e fretes, portos, serviços financeiros convencionais, serviços industriais e serviços de manutenção e apoio, são normalmente menos comercializáveis internacionalmente em razão da sua natureza — pense nos serviços de cargas internas — e, portanto, são providos majoritariamente em nível local. Já os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, como licenças e royalties, softwares customizados, design, marcas, marketing, distribuição e pós-vendas, são mais passíveis de serem comercializados internacionalmente também em razão da sua natureza — pense nos serviços providos via internet.

Segundo, embora a participação dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos no valor adicionado esteja crescendo, os serviços de custos ainda são absolutamente majoritários nas nossas matrizes de custos industriais  e de commodities (juntas, as duas classes de serviços correspondem a nada menos que 64% do valor adicionado da indústria). Matrizes internacionais de insumo-produto (WIOD) mostram que a participação dos serviços de custos é desproporcionalmente elevada no Brasil porque ela espelha a estrutura de produção — bens sofisticados consomem mais serviços de agregação de valor, enquanto que bens menos sofisticados consomem mais serviços de custos. Commodities, semimanufaturados e outros produtos e serviços de baixo valor adicionado respondem pela maior parte do PIB e das nossas exportações.

Terceiro, muitos dos mais importantes serviços de custos consumidos pelas empresas no Brasil são excessivamente concentrados e oligopolizados, o que leva a preços altos, ineficiências e poucos incentivos para inovar. O mercado de serviços financeiros, que perfazem, em média, 25% dos serviços consumidos pelas empresas, é revelador.  O aumento da competição e da eficiência nos serviços de custos requer, antes de tudo, a remoção de barreiras à entrada de novas empresas e a modernização da regulação que governa aqueles serviços. A tributação incidente sobre muitos serviços de custos é elevada e distorciva e compõe o quadro de ineficiências e preços altos.

Quarto, evidências empíricas mostram que enquanto os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos elevam a produtividade e a competitividade das empresas, os serviços de custos têm pouco ou nenhum impacto na produtividade, o que decorre desses serviços serem condição necessária, mas não suficiente para se competir internacionalmente. Serviços eficientes e modernos de logística e portos, por exemplo, reduzem custo, mas não criam valor nem inserem o produto em estágios mais avançados das cadeias globais de valor. Isto, quem pode fazer, são os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, sobretudo por meio das relações sinergéticas e simbióticas entre bens e serviços para criar valor (Arbache 2016, capt 2).

As considerações acima sugerem que, na margem, a abertura do mercado terá maior impacto nas importações de serviços de agregação de valor do que nos serviços de custos. Por isto, não se deve esperar que a abertura venha, per se, a impactar substancialmente a competitividade e a produtividade das empresas.

A maior dependência da importação de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos decorrente da abertura poderá ter impactos não negligenciáveis nos incentivos para se desenvolver esses serviços no país, o que poderá ter implicações importantes na nossa capacidade de adicionar valor e de participar de fases mais sofisticadas das cadeias globais de valor. As maquilas do norte do México e a Zona Franca de Manaus são reveladores dos efeitos dessa dependência sobre o que e o como se produz.

Por fim, embora os serviços de custos sejam mais importantes para os produtos que mais produzimos e exportamos, mesmo ali os serviços de agregação de valor já exercem influência importante. Pense na soja em grão. P&D e royalties embutidos nas sementes e nos agrotóxicos, serviços técnicos especializados, serviços de satélite, comercialização em mercados futuro, comercialização internacional por trading companies, dentre outros serviços sofisticados — e que são majoritariamente importados – já respondem por elevada e crescente parcela do valor final da commodity.

O que fazer?

A esta altura do acirramento da competição global por um lugar ao sol, é crucial, crítico até, reconhecer as limitações dos nossos serviços e de seus impactos deletérios na produtividade das empresas e também na produtividade agregada, já que eles perfazem 73% do PIB.

Mas tão ou mais importante que abrir o mercado é remover as enormes barreiras à competição interna que geram verdadeiros cartórios. Além disso, é preciso identificar os principais bottlenecks a partir das relações sinergéticas e simbióticas entre bens e serviços para se criar valor e ali promover aumento dos investimentos e maior acesso à tecnologias (as novas políticas operacionais do BNDES são encorajadoras e vão nesta direção). Outras políticas que serão úteis para o desenvolvimento e a competitividade dos serviços incluem medidas que atraiam investimentos de multinacionais de serviços e seus laboratórios de P&D, estimulem as universidades e institutos de pesquisa a desenvolverem tecnologias de serviços sofisticados, reforma tributária que não discrimine a provisão de serviços de agregação de valor no país, investimentos em infraestruturas avançadas que estimulam negócios no setor (como banda larga) e formação de quadros voltados para as necessidades dos investimentos em serviços.

A maior abertura do setor é inquestionável, mas ela deve ser feita com visão estratégica e deve compor um conjunto coordenado de políticas que se complementem e que contribuam para gerar prosperidade e inserção internacional do país pela “porta da frente”. Deve, ainda, levar em conta a economia política da proteção e os erros de política que foram cometidos no passado e que ajudaram a criar tantas ineficiências no país.

Serviços de logística e competitividade

Um dos argumentos mais populares para se explicar a baixa competitividade da economia brasileira é a infraestrutura defasada. De fato, a infraestrutura brasileira tem sido apontada como um dos principais obstáculos para a baixa competitividade das empresas. O indicador de competitividade do Fórum Econômico Mundial aponta o Brasil na 77ª posição dentre 140 países. No caso específico de indicadores de serviços de logística, o relatório mostra o Brasil na 111ª posição em infraestrutura de rodovias; 114ª posição em portos; e 93ª posição em transporte ferroviário. O relatório Doing Business do Banco Mundial mostra que a infraestrutura deficiente é um dos maiores empecilhos para se fazer negócios no Brasil.

As evidências empíricas sugerem que um dos principais problemas é o baixo investimento no setor. McKinsey (2013) mostra que enquanto o Brasil investe 2,2% do PIB em infraestrutura, os países em desenvolvimento investem, em média, 5,1% e a China 8,5%.  Mussolini e Teles (2010) mostram evidências de que uma das causas da baixa produtividade total dos fatores no Brasil desde a década de 1970 é o baixo investimento público em infraestrutura.

Todos os setores padecem da infraestrutura deficiente. Porém, os impactos diferem. De um lado, serviços de logística têm grandes impactos nas atividades com cadeias de produção mais longas e que requerem muita articulação e movimentação de cargas – este é o caso de muitos segmentos industriais. De outro lado, serviços de logística são importantes para atividades commoditizadas, como soja e ferro gusa, cuja competitividade é muito dependente de custos baixos.

Arbache (2014) mostra que as despesas com transportes e fretes respondem por 16% do total de serviços intermediários consumidos pela indústria manufatureira, o terceiro maior item, ficando atrás somente de serviços financeiros e serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros. Despesas com transportes e fretes no Brasil perfazem quase o dobro do que se observa internacionalmente a partir de matrizes de insumo-produto comparáveis.

São múltiplas as explicações dos elevados gastos com serviços de logística. Uma são as condições deficientes das infraestruturas, que elevam os custos operacionais das transportadoras e armadores. Mas há outras razões que também contribuem, incluindo a elevada carga tributária de 24% incidente sobre os serviços de transporte e a estrutura de mercado que, de um lado, é oligopolizada, quando se tratam de serviços mais sofisticados e, de outro, pulverizada, quando se tratam de serviços de cargas gerais.

De fato, Arbache (2015) mostra que as firmas de transporte rodoviário de cargas têm, em média, apenas 5,3 funcionários, sendo que 51,6% das firmas têm entre 0 e 2 funcionários, e que o setor é dominado por microempresas ou negócios individuais com pouco ou nenhum acesso a crédito e tecnologia. O setor de logística também padece de regulamentações que dificultam a competição em diversos segmentos do setor, o que reduz o espaço para inovações e aumento da eficiência.

Como resultado da limitação de oferta de infraestrutura e das características do setor de serviços de logística, os preços dos serviços são elevados, inflando a sua participação no consumo intermediário dos demais setores – no período 2007-2013, o custo do transporte de carga subiu pelo menos 50% mais que a inflação oficial.

Banco Mundial (2017) destaca que as deficiências de infraestrutura também se explicam pela baixa capacidade institucional e de planejamento, dificuldades de alocação de recursos orçamentários e problemas de execução e implementação de projetos.

A esta altura, como não é possível dar conta do enorme estoque de investimentos em infraestrutura não realizados no passado, será preciso priorizar. E a priorização deverá se basear tanto no modelo de intervenção pública no setor como nos objetivos econômicos e sociais que se quer atingir. A intervenção também deverá levar em conta a identificação dos maiores beneficiários diretos da infraestrutura e a capacidade deles pagarem pelos serviços (problema de ganhos públicos vs privados), de tal forma que haja uso mais eficiente dos recursos públicos e da participação privada na oferta e na operação.

A despeito da elevada importância, os serviços de logística servem primordialmente para reduzir custos e não para agregar valor e diferenciar produtos. Por isto, a melhoria desses serviços não deve ser vista como panaceia, mas sim como um dos requisitos para qualificar o país para entrar na competição global, e não para ganhar a competição.

Doença de custos de Baumol no Brasil?

Quase ¾ do corpo humano é composto de H2O. Se a água que ingerimos estiver contaminada, haveria possibilidade de boa saúde? Provavelmente, não. Agora, note que quase ¾ da economia brasileira é composta por serviços, incluindo o comércio, e que os trabalhadores e empresas desse setor são, em geral, pouco produtivos e relativamente caros para padrões internacionais. Haveria possibilidade de boa saúde econômica? Provavelmente, não.

De fato, o setor de serviços brasileiro é composto por uma vastidão de micro e pequenas empresas pouco produtivas e competitivas, voltadas para o consumo final e distanciadas do mundo das novas tecnologias e do crédito (Arbache 2015). As empresas formais do setor têm, em média, apenas 5,3 empregados que recebem salário mínimo ou salários que são majoritariamente influenciados pelo salário mínimo — a correlação entre a remuneração média real nesse segmento e o salário mínimo real é de 70%. Se, de um lado, o setor de serviços ajudou o país a fazer a transição do emprego do campo para a cidade, com elevação da produtividade média, por outro lado, aqueles empregos se concentraram em atividades pouco dinâmicas e de baixo crescimento da produtividade (Timmer et al 2014), o que viria a caracterizar o mercado de trabalho brasileiro.

O setor de serviços mostrou enorme capacidade de geração de empregos desde meados dos anos 2000. Seja em razão das políticas fiscais expansionistas, boom das commodities, expansão do crédito, ampliação dos programas sociais e estímulos ao consumo, o fato é que o setor gerou empregos de forma desproporcional à sua contribuição no PIB. Em vários anos, para cada 100 novos empregos formais gerados, 82 ou mais estavam nos serviços. O que resta saber é se aquela capacidade de gerar empregos era sustentada.

De 2012 a 2016, período que já considera a recessão, foram criadas, de acordo com a PNAD Contínua Trimestral, aproximadamente 5,1 milhões de postos formais e informais de trabalho nos serviços, com aumento praticamente contínuo do estoque. No mesmo período, porém, o CAGED apontou a criação líquida de apenas 700 mil postos de trabalho com carteira assinada. Esse número chegou a quase 2 milhões no 4º trimestre de 2014. Mas, de lá para cá, todos os trimestres registraram destruição de postos formais de trabalho. O setor de serviços seguiu gerando postos de trabalho no período, mas o fez majoritariamente via empregos informais ou precários.

Como explicar essa perda de dinamismo? Claro, as explicações possíveis são muitas, incluindo a própria crise econômica. Mas o descolamento entre produtividade e custos do trabalho deve, no mínimo, ter potencializado aquele movimento de destruição de empregos formais e de precarização. Num setor intensivo em trabalho que combina baixa produtividade com elevado e crescente custo relativo do trabalho — o custo da folha salarial por trabalhador perfaz mais de um terço do valor adicionado médio por trabalhador (Arbache 2015) – aquele descolamento pode ter sido especialmente impactante num contexto de desaceleração econômica. Temos, aqui, um provável quadro de doença de custos de Baumol.

A bem-vinda política de recomposição real do salário mínimo iniciada na década passada combinada com a crescente escassez de trabalhadores observada em fins dos anos 2000 e início dos anos 2010 certamente pressionaram os custos do trabalho no setor de serviços, vulnerabilizando as empresas do setor e, consequentemente, o próprio emprego.

Que solução haveria? O dinamismo e a sustentabilidade do emprego neste que é, de longe, a principal fonte de postos de trabalho do país, requer políticas que elevem a produtividade das empresas e, consequentemente, a produtividade dos trabalhadores. Acesso à tecnologia, acesso a mercados, fomento à competição, acesso a crédito e acesso a treinamento e qualificação são requisitos mínimos básicos para o fortalecimento das empresas do setor e para a criação sustentada de empregos.

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