Economia de Serviços

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Cidades Inteligentes

O desenvolvimento das cidades se dá pelo acúmulo no espaço dos resultados sucessivos decorrentes de múltiplos e heterogêneos agentes que interagem entre si e com o seu meio. Nessas interações, indivíduos e empresas decidem estrategicamente suas ações mediando suas expectativas de pay-off com o conjunto de informações que os mesmos extraem do contexto onde estão inseridos.

Tais informações podem ser referentes às características e comportamentos dos demais agentes, à disponibilidade de recursos e as condições para acessá-los visando o alcance dos resultados desejados, às instituições (formais e informais) que regulam as relações sociais e econômicas da sociedade, às restrições impostas pelo meio físico (natural e construído), às forças políticas que atuam no ambiente, etc. Todas esses pedaços de informação se juntam formando um todo que configura um determinado espaço.

Uma característica dos agentes é que nas suas múltiplas rodadas de interação eles aprendem com a experiência, adquirem novas informações e modificam e adaptam suas estratégias e suas ações, o que produzirá cumulativamente no espaço novos resultados e novas informações, as quais, por sua vez, deverão ser processadas pelos agentes. Assim, na medida em que as cidades crescem, mais complexo se torna o ambiente, como nas regiões metropolitanas, ficando cada vez mais difícil o conhecimento e o processamento de todas as informações que o ambiente está constantemente produzindo.

Considerando a limitada capacidade do ser humano para processar quantidades gigantescas de informação, esse processamento é muito difícil também para aqueles que atuam no planejamento e na gestão das cidades, haja visto que elas podem evoluir tais como organismos vivos, muitas vezes sofrendo mutações no meio do caminho e mudando o curso do que foi planejado. Informação incompleta e planejamento baseado em tendências do passado que não necessariamente irão continuar no futuro muitas vezes produzem políticas públicas insuficientes ou inócuas para garantir um desenvolvimento urbano sustentável. Mudanças repentinas de rumo, em geral, não são bem aceitas pelos planejadores.

Ferramentas e sistemas digitalizados já são utilizados há algum tempo para tentar lidar com as informações relativas ao espaço urbano, cruzando dados georreferenciados, sobrepondo mapas, localizando infraestruturas, etc.; de modo a orientar a tomada de decisão no planejamento e na gestão das cidades. No entanto, as novas tecnologias digitais (internet das coisas, computação em nuvem, conectividade entre equipamentos, big data, inteligência artificial, internet de alta velocidade, etc.), tem oferecido um novo conjunto de soluções para lidar com a dinâmica da vida nas cidades, manejando um conjunto crescente de informações e elevando a um novo patamar o planejamento das cidades e a gestão na prestação de serviços públicos.

Por exemplo, o monitoramento em tempo real de atividades nas áreas públicas, de funcionamento de serviços públicos e o cruzamento simultâneo de informações de diversas fontes em bases territoriais oferecem a oportunidade para que o gestor público responda com mais agilidade a eventos fortuitos, tomando decisões mais seguras e rápidas.

Essas mudanças caracterizam, grosso modo, o surgimento das Cidades Inteligentes (Smart Cities) que, basicamente, podem ser descritas como cidades nas quais o aumento da capacidade de integração de dados e processamento de informações nos processos de planejamento e gestão das políticas públicas permitidas pelas tecnologias digitais, aumenta a eficiência e a eficácia na prestação de serviços à população e promove um desenvolvimento urbano mais sustentável. Certamente, o foco não é no uso da tecnologia em si, mas na utilidade que o seu uso gera para o cidadão, ao permitir que o poder público atenda as diversas demandas da sociedade com a utilização mais racional e eficiente dos recursos disponíveis, resultando na melhoria da qualidade de vida urbana.

O conceito de Cidades Inteligentes envolve mais elementos do que o simples uso de tecnologias digitais, desde que incorpora também noções de desenvolvimento sustentável, criatividade e inovação, cooperação e engajamento coletivo, participação social, parcerias público-privadas, difusão de conhecimento e co-criação em redes, novas abordagens de ensino e aprendizagem, ganhos de produtividade, clusters tecnológicos integrando indústrias e universidades, transparência e políticas de dados abertos, start-ups, etc. Por trás disso tudo está a organização do espaço físico e virtual tendo o conhecimento e o fluxo de informações como fatores de integração.

A incorporação de ferramentas tecnológicas digitais que permitem a utilização cada vez mais intensa das informações produzidas no dia-a-dia da vida urbana para atacar os principais problemas das cidades já é uma realidade em vários países, e cada vez mais intensa no Brasil.

No mercado já existem tecnologias digitais para transportes e mobilidade urbana, mitigação de congestionamentos com informação de tráfego e navegação em tempo real, semaforização inteligente, cobrança eletrônica de pedágios, sistemas de compartilhamento de veículos, geração de energia renovável e eficiência energética, iluminação pública inteligente, sistemas inteligentes e automatizados de distribuição de energia, abastecimento de água, detecção de perdas e furtos do sistema de abastecimento de água, monitoramento da qualidade da água, monitoramento digital do descarte de lixo, otimização de rotas e coleta seletiva de resíduos sólidos, resiliência e segurança em espaços públicos, mapeamento de crime em tempo real, detecção sonora de disparos de armas de fogo, sistemas avançados de vigilância e reconhecimento facial, sistemas de alertas de emergência de eventos climáticos extremos, aplicativos de alerta pessoais e domésticos, engajamento comunitário e participação social, monitoramento ambiental (temperatura, emissão e redução de gases, umidade relativa, precipitação), dentre outras soluções.

A promoção das cidades inteligentes no Brasil tem crescido atraindo diversos players para o desenvolvimento de soluções para as cidades, o que exige mais investimentos na melhoria da infraestrutura de telecomunicações e internet de alta velocidade no país. Exige também, novas estruturas organizacionais e de governança no setor público. Pouco adiantará soluções tecnológicas integradas se ainda estiverem atreladas a ideias e instituições obsoletas, como a lógica organizacional hierárquica baseada em processos verticais excessivamente formais e burocratizados. Organizações constituídas de unidades autônomas organizadas em redes, adotando processos horizontais, mais ágeis e flexíveis, e soluções integradas por meio do compartilhamento de informações podem garantir melhores resultados na utilização das novas tecnologias digitais.

Cada vez mais o crescimento econômico estará atrelado ao acesso e utilização de informações nos processos produtivos. Indivíduos, empresas e o próprio setor público tomarão suas decisões a partir do processamento de uma quantidade quase infinita de informações o que demanda, além da mencionada melhoria da infraestrutura de IC, investimentos em capacitação.

A capacitação de pessoas já é estratégica, considerando o conhecimento necessário para utilização das novas tecnologias digitais, como utilizar as informações produzidas, a mão-de-obra disponível mais e mais envelhecida e o desaparecimento de algumas profissões com o surgimento de outras novas. Isso será fundamental para não ampliar ainda mais as desigualdades sociais, em especial nas áreas urbanizadas onde a maior parte do PIB é produzida e onde se encontra grande parte da pobreza, comprometendo o próprio desenvolvimento do país. A implementação de cidades inteligentes, no seu conceito mais amplo, será um imperativo cada vez mais forte para a atração de investimentos e mão-de-obra qualificada, para garantir uma maior qualidade de vida nas cidades e para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Paulo Ávila é arquiteto e mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília. Atua profissionalmente na área de planejamento urbano e regional, com ênfase em aspectos econômicos do espaço urbano. Foi professor no Curso de Arquitetura e Urbanismo Universidade Católica de Brasília. Atualmente é Analista de Infraestrutura lotado na Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) do Ministério das Cidades onde coordena o Programa Nacional de Capacitação das Cidades.

Automação e Desemprego: Aspectos Microeconômicos

A automação crescente da produção e dos serviços tem sido motivo de muita preocupação nos últimos anos. O medo é o de que a computadorização em particular – ou das inovações tecnológicas em geral – desloque imensa quantidade de mão-de-obra para as hostes dos desempregados. A estimativa, feita por Frey & Osborne (2013), do Departamento de Engenharia Elétrica da Oxford University, de que 47% dos empregos nos EUA estariam em risco por causa dos avanços computacionais (robôs e automação) são um exemplo típico do Zeitgeist que aplica uma ótima Estatística a uma péssima Economia.

Essa onda alarmista, no entanto, é velha. No início do século 19, em plena Revolução Industrial, trabalhadores do setor de tecelagem destruíram as máquinas em protesto à substituição técnica. O movimento era liderado por uma personagem fictícia, Ned Ludd, criada pelos revoltosos para dar legitimidade ao movimento, o Luddismo. A gota d’água foi a destruição da tecelagem de William Cartwright em abril de 1812. Apesar da revolta, o mundo progrediu, como depois da invenção da roda, da moeda e dos direitos de propriedade.

Embora a sensação de incerteza quanto ao futuro do trabalho em situação de avanços tecnológicos seja compreensível, o que salta aos olhos é a incapacidade de enxergar o fenômeno sob as lentes da teoria econômica. A tese popular é de que a automação destrói empregos e que, portanto, medidas protetivas devem ser tomadas pelo Estado. Marchant et al (2014) propõem, por exemplo, entre outras coisas, reduzir a taxa de inovação! O que diz, porém, a teoria econômica?

Seria fácil, escreveu Armen Alchian, simplesmente dizer que o progresso tecnológico gera novos empregos em vez de destruí-los. Ele mostra, porém, que essa não é a questão econômica relevante.

Suponhamos que uma inovação tecnológica no setor de têxteis não gere qualquer novo tipo de trabalho, digamos o operador da máquina nova. Segue-se à introdução da máquina a demissão de João, que recebia $100 por semana. Ele será deslocado, por exemplo, para um emprego no setor de manufaturas, que não fora preenchido antes porque o custo de preenchê-los era alto. O benefício marginal de $91 de aumento de produto, por semana, no setor de manufaturas não compensava o custo marginal de contratação de João, cujo custo de oportunidade era $100. Porém, com a inovação no setor têxtil, o trabalho semanal de João passou a valer menos para o setor, digamos $70.

João foi demitido, mas poderia ter permanecido no emprego se aceitasse o salário de $70, com alguma redução de jornada. Ele, porém, não aceita o salário, pois sua oferta de trabalho é dada pelo trade-off entre trabalho e lazer, um termo técnico da Economia para denotar tudo aquilo que o trabalhador sacrifica quando opta pela ação de trabalhar. Ele aceitaria uma redução para $85, seu salário-reserva, mas não $70. Se você acha isso estranho, lembre que trabalhadores do setor automotivo, em momentos de crise, aceitam redução de jornada e salário para evitar a demissão. Quanto ao trade off, pergunte a si mesmo, que ganha R$18.000 por mês como engenheiro e diretor de operações, se aceitaria uma redução de salário para R$200. Certamente não. Há, portanto, algum salário que o deixa indiferente entre trabalhar ou não.

Voltemos a João. Se ele aceitar $90 no setor manufatureiro, será contratado. De fato, vale a pena para a empresa manufatureira contratar João, pois traz um lucro marginal de $1. Para João também, pois $90 é mais que seu salário-reserva, $85. O erro de muitos é não entender quais são as verdadeiras escolhas de João. O salário de $100 no setor têxtil não é mais uma alternativa. Sua escolha agora não é mais entre $100 e $90, mas entre $85 e $90. Não mais entre emprego antigo e novo, mas entre emprego novo e lazer (no sentido técnico). O problema é João e o empresário manufatureiro se encontrarem.

Portanto, mesmo que a inovação não gere um novo tipo de trabalho, ainda assim não é verdade que empregos são destruídos. Pelo contrário, empregos sempre existem. A demora na transição para novos empregos se deve à informação imperfeita, aos custos de busca e de transação, muitas vezes decorrência de restrições institucionais, e aos custos de oportunidade, que são subjetivos. Algumas pessoas reclamam que empregados da Disney recebem pouco e moram em motéis baratos, sendo que em cidades vizinhas há demanda por trabalho a salários “dignos”. Por que esses empregados não se mudam de cidade em busca de novo emprego? Porque o custo de mudança é um custo de transação que eles não estão dispostos a incorrer, talvez porque valorizem a relação com turistas ou porque na outra cidade não há cursos de Economia. Coisas não têm custos: ações têm – e quem age é o ser humano. O mercado é mediado essencialmente pelos custos de oportunidade dos seres humanos na economia.

O problema, então, não é se a inovação destrói ou cria novos empregos. A correlação positiva entre progresso tecnológico e desemprego é um falso problema econômico. O problema real que a Economia identifica é a decisão de quais trabalhos e tarefas executar e quais deixar inativos, além do reconhecimento de que o processo de transição entre empregos enfrenta custos de busca e de transação. Estes, sim, é que deveriam ser o alvo de políticas, nunca absurdos como “redução da taxa de inovação”.

Armen Alchian classifica em três grupos as pessoas afetadas pela inovação. (1) Algumas pessoas receberão maiores salários, em razão de seu capital humano ser mais escasso para as novas técnicas. Elas se beneficiam tanto do salário mais alto como da redução geral de preços e aumento de produto proporcionados pela inovação. (2) Algumas não sofrerão variação de renda, mas se beneficiarão da redução de preços e aumento de produtos. (3) Outras perderão seus empregos e deverão se mudar para empregos que paguem menos. A perda de renda destas pessoas não é compensada pela queda de preços e aumento de produto.

Inovações, de fato, criam novos tipos de trabalho, de forma que o valor do trabalho no resto da economia aumenta, pois as empresas nos outros setores têm agora que competir pelos trabalhadores com suficiente capacidade de ocupar os postos gerados pela inovação. Inovações não só substituem trabalho, mas também substituem bens de capital que obsolescem. Esse capital, então, perde lugar para trabalho e outros bens de capital. Inovações também incrementam trabalhos na cadeia de produção. A máquina nova que é produzida e substitui trabalho é, por sua vez, produzida pela utilização de capital “e” trabalho. A máquina que provocou a demissão de João foi produzida com uma combinação de capital e trabalho, digamos, com José, que foi contratado para a produção da máquina. A produção da nova máquina tem efeito positivo ao longo da cadeia sobre todos os fatores, inclusive trabalho.

Muitos advogam um sistema de compensações aos que perderam seus empregos, sob a alegação de que o incremento de valor gerado pela inovação é maior que as perdas dos trabalhadores demitidos. Essa proposta, no entanto, desconsidera tanto o fato de que a compensação altera os incentivos como o fato de que a identificação de quem perde e quem ganha envolve custos. Como dito, não só o trabalho, mas também o capital existente perde valor no setor que presencia a inovação, de modo que os detentores dos direitos de propriedade sobre esses recursos perdem riqueza. Taxá-los sem consideração dessas perdas é impor deadweight losses ainda maiores.

Que medidas podem ser implementadas para redução dos custos de busca e de transação na transição de empregos? Vejo pelo menos quatro. A primeira e mais óbvia é a eliminação (ou pelo menos a substancial redução) das restrições institucionais no mercado de trabalho, como salário mínimo, encargos trabalhistas, empecilhos à livre negociação e o rent-seeking de sindicatos. A segunda é uma profunda reforma tributária rumo ao IVA. Em terceiro lugar, abertura comercial e livre mercado. Finalmente, a educação, não só especializada, mas principalmente uma educação liberal que dê ao cidadão a capacidade intelectual de atuar em diversas áreas ou de enfrentar menores custos de aquisição de capital humano.

Rodrigo Peñaloza é Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade (UnB). É formado em Economia pela UnB, mestre pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Ph.D. pela UCLA (University of California at Los Angeles). Sua área de atuação é microeconomia e métodos matemáticos.

 

Referências

Alchian, A. (1964): University Economics. 2nd ed., Wadsworth Publishing Company, Belmont, CA.

Frey & Osborne (2013): “The Future of Employment: How susceptible are jobs to computerisation?” Disponível em:

https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf

Marchant, Y. Stevens & J. Hennessy (2014): “Technology, Unemployment & Policy Options: Navigating the Transition to a Better World”. Journal of Evolution and Technology, 24: 26-44.

 

20 anos do Google: Como a empresa evoluiu seguindo métodos e princípios não tradicionais

Em 2018, o Google completa 20 anos de sua fundação nos Estados Unidos. Desde 1998, a empresa é ao mesmo tempo produto e propulsora da globalização, pelo grande espectro de serviços fornecidos e pela explosão do número de dados on-line reproduzidos e disponibilizados. Já não é mais aceitável a concepção de um mundo sem o acesso livre e imediato à informação como o de décadas atrás.

É notável a importância da economia digital e dos serviços para o desenvolvimento econômico, e da adaptação às tendências. Muitas sociedades e organizações diversas buscam grandes resultados, e para isso desejam uma inserção mais ativa no mundo digital, para isso, tendem a abandonar práticas que possam ser disfuncionais no século da Internet.

Comumente sociedades discutem sobre a criação e replicação de “Vales do Silício”, regiões que concentrariam uma proliferação de inovações, de startups, e de empresas visionárias. O que também merece atenção são fatores como a cultura, a filosofia, e os novos modos de operação e de organização das empresas que despontaram como grandes plataformas. O Google é uma dessas plataformas, e alguns dos seus princípios e métodos foram descritos na obra “How Google Works” (2016) de Schmidt, Rosenberg e Eagle. Muitos desses princípios e métodos são compartilhados por outras grandes empresas do ramo, salvo algumas exceções (como a plataforma aberta).

A autonomia de pensamento é um princípio indispensável para o processo de criação e colaboração, e está desde o início no Google. É uma influência da raiz no mundo acadêmico da empresa, ao ser criada por Larry Page e Sergey Brin, cientistas da computação na Universidade de Stanford, com o suporte posterior de engenheiros e profissionais criativos. Na empresa, a discordância não é só estimulada, como é necessária, o que dá maior liberdade de opinião nas reuniões e encontros. E a qualidade da ideia é muito mais importante do que quem a sugere. Inclusive, há momentos em que, para o bem da empresa, a opinião da pessoa que recebe mais (tratadas de “Hippos”: Highest-Paid Person Opinions) não deve ser ouvida (!). Isso pode afetar o processo de criação na empresa, e o surgimento de novas ideias na equipe. Além disso, é muito valorizado na empresa a diversidade de origens dos talentos contratados, o que fornece vários pontos de vista e pensamentos.

Organizações de estrutura excessivamente hierárquica inibem a colaboração ativa e o questionamento. Tais estruturas supostamente promovem maior estabilidade, e os processos de tomada de decisão estão concentrados. No entanto, a competição com organizações de sucesso que estão mais adaptadas ao século das tecnologias da informação e comunicação pode tonar mais evidente a falta de progresso das empresas tradicionais. Ainda que seja necessária uma estrutura organizacional formal, arranjos mais planos permitem o acesso mais direto aos tomadores de decisões finais e fornecem maior celeridade na realização de projetos.

A própria organização do local de trabalho no Google é realizada de forma a valorizar a autonomia e a liberdade dos trabalhadores (o filme de comédia “The Internship”, de 2013, ajudou a difundir o ambiente pouco tradicional do Google ao público geral). Nesse ambiente, não necessariamente o reconhecimento está no tamanho da sala ou a vista mais bonita da janela. Os escritórios são projetados para maximizar a colaboração e a interação, evitando também a formação de “silos”, grupos que falham ao não se comunicarem livremente e efetivamente entre si.

O ambiente mais livre e que valoriza a autonomia de pensamento também é atrativo aos talentos denominados como “smart creatives”, trabalhadores multifuncionais e muito valorizados no mercado de trabalho. A contratação desses profissionais é uma das atividades mais importante dos executivos. E os líderes serão aqueles que demonstrarem maior paixão e desempenho (e não necessariamente experiência), sendo em torno deles/delas que serão formadas as equipes de trabalho. Nesse sentido, a recomendação é a de que os empreendedores invistam muito mais nas pessoas e na formação de equipes do que nos planos de trabalho. Os planos devem ser flexíveis e mudarão de acordo com o progresso e com as novas descobertas sobre produtos e tendências de mercado, e os talentos irão descobrir novos caminhos naturalmente.

No Google, assim como em outras plataformas digitais, a filosofia de trabalho defendida é a de foco no usuário e na excelência do produto. Para isso, a recomendação é apostar mais nos insights técnicos dos produtos e serviços do que necessariamente na receita. Supostamente, a receita acompanhará o ganho de mercado da excelência produzida. Como destacam Schmidt, Rosenberg e Eagle (2016), inicialmente os fundadores do Google não sabiam claramente como criar um modelo geral de receitas com adverstising, mesmo tendo uma ideia de um potencial. Larry Page e Sergey Brin passaram mais tempo no aumento de escala da plataforma. Mais tarde, a chegada de profissionais de conhecimento dos negócios ajudou no marketing e na captação de recursos.

Os insights técnicos promovem uma solução inovadora para algum problema, e são sobre eles que os produtos e plataformas são construídos. Exemplo disso é o mecanismo de anúncio e publicidade do Google que gera a maior parte da receita da empresa: o Google AdWords. O serviço foi baseado no insight de que os anúncios pudessem ser classificados e colocados em uma página com base em informações de valor e utilidade para os usuários, e não por quem ou qual empresa estivesse disposta a pagar mais (Schmidt; Rosenberg; Eagle, 2016).

O rápido crescimento da plataforma Google foi possível diante de outra importante decisão da empresa desde seus primeiros anos: deixá-la aberta aos usuários, o máximo possível. Após adquirir o sistema operacional Android em 2005, por exemplo, o Google optou por mantê-lo aberto, concedendo liberdade para usuários desenvolverem novos produtos, além de tê-lo disponibilizado para operadoras e fabricantes dos aparelhos. Tal decisão permitiu que a plataforma Google – e o acesso à Internet de modo geral – se expandisse ligeiramente pelos aparelhos móveis. Apesar disso, é claro que nem todo o sistema Google é aberto. A empresa mantém algoritmos relacionados ao mecanismo de pesquisa em segredo, sob a justificativa de manter a qualidade do serviço além da proteção da propriedade intelectual.

O Google inicialmente no final dos anos 1990 – com a concorrência da Netscape e da Microsoft – focou-se na qualidade de seu mecanismo de pesquisa, medindo-o em termos de velocidade, precisão, facilidade de uso, abrangência e atualização. Ao tornar-se principal referência na área no mundo, expandiu sua linha de atuação e de produtos. A empresa mais uma vez apostou mais nos insights técnicos e menos na pesquisa de mercado, buscando assim oferecer aos consumidores o que ainda não sabiam o que queriam (ponto também várias vezes destacado por Steve Jobs, apaixonado por excelência, e inspiração para os próprios fundadores do Google).

As atividades do Google foram e têm se expandido de tal forma que os seus fundadores realizaram em 2015 a maior restruturação da companhia ao criar a holding Alphabet. Dentre os objetivos estava o de tornar o Google mais enxuto e dedicado às atividades mais vinculadas aos serviços na Internet. Além, é claro, do Google, a Alphabet incorpora uma série de empresas e projetos: Fiber, serviço de Internet ultrarrápida; Verily, com pesquisas sobre saúde e prevenção de doenças; Sidewalk Labs, destinado a criar ambientes melhores nos centros urbanos; Calico, voltada à biotecnologia, e pesquisa sobre a longevidade; os braços de investimento CapitalG e GV; Jigsaw, que utiliza tecnologia para lidar com desafios de segurança global, como censura on-line, extremismo, ataques digitais; DeepMind, destinado à pesquisa sobre inteligência artificial; Waymo, para desenvolvimento de carros autônomos; Loon, voltada à provisão de acesso à Internet em áreas rurais e remotas; Project Wing, para desenvolvimento de drones para serviços de entrega; X, a fábrica de ambiciosos projetos de P&D; e Nest, voltada a produtos e dispositivos de automação residencial – “internet das coisas”, e incorporada pela equipe de hardware do Google. Esse “guarda-chuva” parece estar em constante mutação de acordo com o surgimento de novos projetos.

Apesar do sucesso, a dimensão de empresas como o Google merece muita atenção. Quanto maior o uso, maiores as plataformas, mais investimentos e recursos elas alavancam, e maior poder e concentração de mercado conseguem reter. Além disso, empresas de destaque como as citadas DeepMind e a Nest acabaram sendo adquiridas pelo próprio Google/Alphabet, o que o mantém numa posição muito privilegiada no mercado de inovação. Do ponto de vista da sociedade como um todo, essa concentração pode levar a questionamentos diversos, dentre eles a dificuldade de entrada de novos competidores e da livre concorrência.

Grande exemplo foi a decisão de autoridades antitruste da União Europeia em julho de 2018 de aplicar uma multa recorde de 4,34 bilhões de euros contra o Google por “utilizar o Android como um veículo para consolidar a posição dominante em seu motor de busca”, violando, assim, regras de livre concorrência, como o favorecimento de seus aplicativos. Além da grande parcela de mercado atingida, questiona-se a adoção de práticas abusivas pela empresa. A Comissão Europeia alega que o Google estaria obrigando operadoras e fabricantes a instalarem determinados aplicativos para ter acesso aos demais, além de incentivos financeiros, e impedimento para instalação de sistemas operacionais rivais por meio do Android. Outras investigações estão em andamento, como a do sistema de publicidade AdSense. O Google irá recorrer da decisão, e destaca os preços considerados acessíveis e a inovação rápida colaborativa dentro do ecossistema da plataforma.

Por fim, o século da Internet deve combinar a colaboração e a abertura, para que empreendedores tenham uma liberdade real de poder ascenderem nas redes com propostas inovadoras. Por outro lado, grandes plataformas digitais como o Google ditam os rumos da tecnologia e inovação, e possuem grande capacidade de se reinventarem. Por essas razões, possuem certo “poder de realizar previsões”. Logo, é extremamente importante acompanhá-las, e compreender sua forma de atuação – e suas mudanças, para que possamos conhecer um pouco do nosso futuro.

Comércio exterior de serviços – o que vem pela frente?

Há muito que este blog vem discutindo as causas e consequências da elevada e crescente contribuição do setor de serviços para a economia brasileira. Seja pelo lado da participação no emprego, no PIB ou na produtividade, os serviços são cada vez mais determinantes dos destinos da nossa economia.

Um aspecto menos visível, mas que merece maior atenção, é o comércio exterior de serviços. Considere comparações entre os quinquênios inicial e final do período 1995 a 2016. No quinquênio 1995-1999, a corrente anual média de comércio de serviços foi de US$ 20 bilhões, o que correspondeu a 19% da corrente de comércio de bens. No quinquênio 2012-2016, a corrente já era de US$ 114 bilhões anuais, valor correspondente a 28% da corrente de bens.

O aumento da corrente de serviços foi mais fortemente influenciado pelas importações, como mostra o gráfico abaixo. De fato, enquanto no primeiro quinquênio as importações anuais médias de serviços foram de US$ 14,5 bilhões, as exportações anuais médias foram de US$ 5 bilhões. Já no último quinquênio, a média anual de importações passou para US$ 78 bilhões, enquanto que a de exportações passou para US$ 37 bilhões. O gráfico mostra que uma espécie de “boca de jacaré” se abriu, levando a um crescente déficit da conta de serviços – no primeiro quinquênio, o déficit anual médio foi de US$ 8,4 bilhões, mas no último quinquênio o déficit anual médio já tinha subido para US$ 40 bilhões.

O déficit do comércio de serviços passou a ter  crescente relevância para o saldo da balança comercial agregada de bens e serviços. No primeiro quinquênio, o déficit anual médio de serviços correspondeu a 61% do déficit da balança comercial Já no último quinquênio, o déficit anual passou a corresponder a números situados no intervalo entre 100% e 200% do déficit da balança comercial. Ou seja, os serviços tornaram-se o mais importante determinante do saldo da balança comercial e causa fundamental do déficit de transações correntes.

Como mostra o gráfico, parece ter havido mudança estrutural no comércio de serviços a partir de 2004, quando a corrente de comércio passou a crescer rapidamente. A partir de 2014, no entanto, a corrente de comércio entrou em declínio puxada principalmente pela queda das importações.

A queda recente da corrente de serviços pode ser explicada, ao menos em parte, pela recessão e pela desvalorização da taxa de câmbio. Mas é muito provável que uma vez que a economia volte a se recuperar, as importações de serviços também voltarão a se recuperar, mas a taxas desproporcionalmente maiores que a do crescimento do PIB. E isto se deve à elevada elasticidade da importação de serviços com relação ao produto. O quadro de recuperação também deverá ser acompanhado de aumento do déficit de serviços porque a elasticidade  das importações é maior que a das exportações, o que decorre, ao menos em parte, da crescente relevância dos serviços no comércio e nas cadeias globais de valor.

O que vem pela frente?

É muito provável que a corrente de comércio de serviços siga aumentando no futuro próximo e que influencie cada vez mais o resultado das contas externas. Para além do diferencial de elasticidades,  o que determinará mesmo o aumento da corrente de serviços será o explosivo crescimento da importância dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos e da economia digital na produção e na gestão da produção, no comércio e no bem-estar das pessoas.

Gestão e uso de dados, serviços nas nuvens, e-commerce, entretenimento digital, marcas, propriedade intelectual, design, marketing, distribuição, uso de serviços de plataformas, dentre muitos outros serviços sofisticados estão se tornando componentes praticamente obrigatórios do dia-a-dia das empresas e da cesta de consumo das pessoas. Como a maior parte daqueles serviços é, e se tudo continuar como está, seguirá sendo importada, o déficit comercial de serviços provavelmente aumentará substancialmente nos próximos anos.

Um indicador dessa tendência são as contas externas de pagamentos de serviços de propriedade intelectual e de serviços de telecomunicação, computação e informações. As importações anuais médias de propriedade intelectual passaram de US$ 1 bilhão para US$ 5 bilhões no primeiro e último quinquênios, e as importações anuais médias de serviços de telecomunicação, computação e informações passaram de US$ 670 milhões para US$ 4 bilhões. No último quinquênio, aquelas duas contas já respondiam, sozinhas, por quase 20% do déficit total da conta de serviços.

Essas tendências, juntamente com a commoditização digital, sugerem fortemente que o comércio de serviços tem que ser parte integrante das políticas de crescimento econômico sustentado, bem como das agendas de políticas comercial, de investimento, industrial, tecnológica, capital humano e de infraestrutura. Afinal, já há pistas suficientes mostrando que, no futuro próximo, não será possível criar riquezas, gerar empregos de qualidade e entrar pela porta da frente nas cadeias globais de valor senão a partir da capacidade de desenvolver e gerenciar serviços sofisticados e de “empacotá-los” dentro de bens e de terceiros serviços.

O processo de industrialização dos serviços

Analisando a demanda do consumidor, verifica-se que há uma mudança no seu padrão de consumo. Cada vez mais, os consumidores direcionam suas preferências aos produtos tecnológicos, e, quanto mais próximo da atualidade (em anos), maior a demanda dos consumidores por serviços sofisticados, corroborando o que foi apresentado em Eichengreen e Gupta (2014).

Esse é um processo natural de evolução da economia, pois, uma vez que a renda dos indivíduos aumenta, as economias tornam-se mais complexas, e a demanda por serviços movidos à informação também aumenta, principalmente a demanda por serviços tecnológicos. Tal alteração nas preferências do consumidor requer que as empresas se adaptem, direcionando a sua produção industrial à fabricação de bens com elevada participação dos serviços. Esse processo de produção aqui será chamado de dPSS (density Product and Service Systems), que é uma extensão do PSS (Product and Service Systems).

Em um post anterior, foi apresentado o espaço-indústria. Nesse modelo, ao se chegar a um certo nível de desenvolvimento, as regiões R3-R4, as economias passam a observar uma relação crescentemente simbiótica e sinergética entre serviços e indústria. Nesse estágio, bens industriais passam a ter desproporcionalmente mais valor por terem muitos serviços “embarcados” na sua composição. Esse processo de “servitização” dos produtos industriais eventualmente evolui para o PSS e, finalmente, para o dPSS.

Figura 1: O processo de dPSS (density Product Service Systems)

 

Fonte: elaboração própria

De acordo com Vandermerwe e Rada (1988), o processo de servitização consiste na oferta de bens pelas indústrias manufatureiras, que buscam aumentar a participação dos serviços nos seus negócios. Os autores justificam que as empresas percebem as mudanças no padrão de demanda do consumidor e buscam agregar valor às suas principais ofertas utilizando os serviços para aumentar a sua competitividade.

O PSS (Product Service System), segundo Goedkoop et al (1999), é uma combinação integrada entre produtos e serviços que, assim como a servitização, engloba uma estratégia competitiva. Mas, além de ser orientado por serviços, o PSS também decorre de uma maior demanda pela sustentabilidade ambiental. O PSS é um caso particular da servitização e é orientada pela funcionalidade do produto gerado e não somente pela oferta do bem. Ou seja, a empresa fabrica o produto e em seguida transfere a responsabilidade de uso para o consumidor final.

Já o dPSS é um caso particular do PSS, pois ele também é um bem industrial com serviços incorporados na sua fabricação. Nesse processo, tanto o produto industrial quanto os serviços são essenciais para a composição do preço final do produto. Dados precisos sobre o dPSS são difíceis de ser obtidos, uma vez que, com raras exceções, não se encontram informações suficientemente desagregadas para se saber ao certo o quanto de serviços está embutido no bem industrial.

O dPSS possui as seguintes características:

  • Assim como o PSS, o dPSS é caracterizado pela servitização dos produtos e produtização dos serviços;
  • Quanto mais serviços forem adicionados ao produto industrial, maior será o seu valor final;
  • Não há uma ordem cronológica do que é criado primeiro, se é o bem tradicionalmente industrial, ou se é o serviço a ser desenvolvido nesse produto, pois o importante é o resultado final da união;
  • Um choque positivo de dPSS direciona a economia ao desenvolvimento econômico;
  • E, o mais importante, o dPSS está diretamente relacionado ao processo descrito pelo espaço-indústria, no sentido de que as economias se desenvolvem passando pelo processo de dPSS mas, para isso, precisam alcançar a região R4, mesmo que por um atalho.

Entender o funcionamento do dPSS pode ser importante para melhor compreender o futuro do crescimento econômico, especialmente para os países que chegarem tarde na competição industrial e precisam buscar um atalho para o desenvolvimento. O fato de a indústria em quase todo o mundo em desenvolvimento e mesmo em muitos países ricos não estar em um estágio avançado de produção não implica que ela tenha perdido importância. O que ocorre é que o próprio conceito de indústria está mudando e o dPSS passará a ser cada vez mais a norma do setor.

Essa crescente demanda por serviços tecnológicos não pode ser desconsiderada. Caso as empresas e os trabalhadores não consigam acompanhar esse movimento, poderá haver, em um futuro próximo, um desequilíbrio de mercado. Tal desequilíbrio poderá gerar uma tendência de aumento do preço relativo dos serviços, pois, com a escassez de mão de obra em um setor altamente demandado, a tendência é que o salário desse setor se eleve e, como o salário sobe, os produtos se tornam mais caros para serem produzidos, implicando potencialmente no problema de Baumol cost disease.

O Boeing Dreamliner e os riscos da descentralização da produção

A partir da década de 80, empresas multinacionais, com o objetivo de cortar custos e ganhar mais eficiência, passaram a decentralizar fortemente sua produção.[1] Uma empresa como a Nike, por exemplo, passou a concentrar as suas atividades de pesquisa, design, marketing, etc, na sua sede, nos Estados Unidos, enquanto que a fabricação e montagem dos produtos passaram a ser feitas em países em desenvolvimento, onde custos como os trabalhistas e tributários costumam ser mais atrativos.

A ideia por trás desse movimento era, além de economizar custos, obter ganhos com a especialização. Se no começo do século XX uma empresa como a Ford produzia desde a borracha dos pneus até a montagem final dos automóveis, no fim do século XX as empresas perceberam que algumas partes do processo de produção poderiam ser terceirizadas para empresas mais especializadas na parte específica do processo, seja ela a produção dos pneus ou a assessoria legal.

Dado esse contexto e o ambiente extremamente competitivo do mercado, a Boeing resolveu aplicar ao extremo esse conceito de descentralização da produção. Nascia a experiência produtiva do Boeing 787 Dreamliner. Segundo a empresa, o Dreamliner seria duplamente revolucionário: seria o primeiro avião comercial feito majoritariamente de fibra de carbono, o que o tornaria consideravelmente mais leve e econômico; e seria produzido de maneira “parceirizada”, em um modelo no qual os principais elos da cadeia de produção seriam “sócios” da Boeing, e não meros fornecedores.

Com o intuito de reduzir seu risco e tirar proveito de empresas especializadas, a Boeing decidiu fabricar o avião utilizando um “modelo de parceria global”, no qual algo entre 70% e 80% da produção seria terceirizada para empresas de ponta em diversos países[2] (TANG & ZIMMERMAN, 2009; MCKINSEY, 2012).

Em processos produtivos anteriores, a Boeing fazia todo o detalhamento das partes da aeronave, fabricava algumas delas internamente e encomendava outras dos seus fornecedores. Estes produziam-nas exatamente como desenhado pela Boeing que, por fim, montava o avião na sua fábrica. O Dreamliner, por sua vez, foi desenhado de maneira modular. Nesse sistema, grandes partes poderiam ser produzidas de forma independente e depois acopladas à aeronave (KOTHA & SRIKANTH, 2013).

Nesse modelo, a Boeing se limitava a determinar índices de performance que as partes deveriam atingir e os “parceiros” seriam responsáveis por todo o processo de pesquisa e desenvolvimento, financiamento, detalhamento do design, compra de matérias-primas e demais ferramentas necessárias para atingir a performance desejada pela Boeing. Esses parceiros estratégicos – cerca de 50 – gerenciariam suas próprias cadeias de fornecedores. Isso facilitaria e aceleraria a produção, pois os parceiros trabalhariam simultaneamente, e o processo de montagem teria seu tempo reduzido de 30 para 3 dias (TANG & ZIMMERMAN, 2009).

Figura 1 – Principais parceiros da Boeing na fabricação do Dreamliner, por país da empresa e parte da aeronave.

Fonte: Nolan e Kotha (2005), com base em dados da Boeing

Desde o início, o Dreamliner foi um sucesso de encomendas. Porém, no processo de produção, tamanha desverticalização começou a causar problemas. Atrasos e problemas diversos com os parceiros responsáveis pelos módulos da aeronave e seus fornecedores postergaram o lançamento do Dreamliner diversas vezes. O avião, que deveria fazer seu primeiro voo em agosto de 2007, acabou por fazê-lo somente em outubro de 2011 (FERREIRA, 2012).

Os atrasos ocorreram por motivos diversos: a empresa que produzia um software não conseguia programá-lo corretamente para o sistema de controle de voo produzido por outra companhia; algumas das partes, feitas por empresas distintas, não se encaixavam corretamente umas nas outras; alguns dos parceiros não conseguiam lidar com a maior independência e tiveram problemas com suas próprias cadeias de fornecedores. Para acelerar o processo, a Boeing acabou por comprar alguns desses parceiros e a acompanhar mais de perto os demais membros da cadeia, efetivamente “reverticalizando” parte da produção (FERREIRA, 2012; KOTHA & SRIKANTH, 2013).

Como se não bastassem os diversos problemas na produção, após ser lançado, o Dreamliner apresentou sérios defeitos, como vazamentos de combustível, incêndios e problemas diversos com baterias, turbinas, fuselagem, sistema elétrico e trem de pouso. Com tantos problemas, o Dreamliner ficou proibido de voar em todo o mundo por três meses em 2013. Esta foi a primeira vez desde 1979 que a FAA (órgão americano que regula e fiscaliza o mercado aéreo no país) proibiu um avião comercial de voar em todo o território norte-americano.

A bateria, principal fonte de problemas pós-lançamento e causa central da proibição de voo em 2013, foi encomendada pela Boeing a um de seus parceiros, a empresa francesa Thales. Esta, por sua vez, terceirizou o desenvolvimento e a produção da bateria para a empresa japonesa GS Yuasa. Já o carregador da bateria foi encomendado pela Thales à empresa americana Securaplane. Por fim, o sistema que monitora a bateria foi fabricado pela empresa japonesa Kanto. O distanciamento e o pouco controle da Boeing no processo de produção da bateria pode ter contribuído para as falhas.

No fundo, a história do Dreamliner é um exemplo dos riscos da descentralização excessiva. Por mais que o modelo totalmente verticalizado seja menos factível, eficiente ou desejável, o modelo excessivamente descentralizado também parece apresentar problemas, em especial no que concerne a dificuldades de coordenação.

Além disso, o Dreamliner é um exemplo claro de como a performance de uma empresa é afetada e, em certa medida, depende da performance de seus fornecedores e demais empresas com as quais ela interage. Assim, por mais eficiente e produtiva que seja uma empresa internamente, ela sempre dependerá parcialmente da performance de outras empresas.[3]

Não por acaso, algumas grandes multinacionais têm revisto seu modelo de produção nos últimos anos. A GE, por exemplo, retornou algumas linhas de produção da China para os EUA (muito antes de Trump ser eleito) por perceber que manter seus centros de pesquisa próximos à linha de produção é vantajoso para observar mais claramente erros, possibilidades de melhoria e adaptação às mudanças nas preferências do mercado. Além disso, em um mundo em que a diferenciação tem se tornado cada vez mais relevante para a competitividade, custos trabalhistas e tributários, por exemplo, estão perdendo importância.

Esse caso é importante para o Brasil, primeiramente porque aqui, também, a descentralização da produção é elevada e cresce e o aumento do consumo de serviços no processo de produção da indústria é parcialmente explicado por isto. Mas o caso é especialmente relevante porque a economia brasileira é desigual em diversos aspectos, inclusive na performance das empresas (MOREIRA, 2014; PORCILE & CATELA, 2012). Segundo dados da CEPAL & OCDE (2012), em média, no Brasil, microempresas têm produtividade do trabalho 10 vezes menor do que a de grandes empresas.

Com tamanha heterogeneidade de produtividade, mesmo as empresas de melhor performance podem estar sendo negativamente afetadas pelos elos menos produtivos de suas cadeias. Em suma, o aumento da produtividade brasileira passará, cada vez mais, por enfrentar a questão da heterogeneidade de performance de nossas empresas.

 

[1] Este post é baseado em um capítulo da dissertação do autor, “Descentralização da produção e produtividade no Brasil” (MOREIRA, 2015). An English version of this post can be found here.

[2] O nível de terceirização da produção dos aviões Boeing 737, modelo anterior ao Dreamliner, variava entre 35% e 55% (TANG & ZIMMERMAN, 2009).

[3] Essa hipótese é explorada por Moreira (2015).

 

Referências bibliográficas

CEPAL; OCDE. Perspectivas económicas de América Latina 2013 – Políticas de PYMES para el cambio estrutural. Santiago de Chile, 2012.

FERREIRA, M. J. B. Competências empresariais e políticas governamentais de apoio ao desenvolvimento aeroespacial: caso dos EUA. ABDI. Campinas-SP, 2012.

KOTHA, S.; SRIKANTH, K. Managing a global partnership model: lessons from the Boeing 787 ‘Dreamliner’ Program. Global Strategy Journal, vol. 3 (1), p. 41-66, fev. 2013.

MCKINSEY. Manufacturing the future: the next era of growth and innovation. Nov, 2012.

MOREIRA, R. F. C. A disparidade da produtividade das empresas brasileiras: possíveis determinantes, seu impacto nas cadeias de valor e na economia. In: SANTOS, C. A. (Org.). Pequenos Negócios: Desafios e Perspectivas – Encadeamento Produtivo. vol. 6, p. 52-67. Sebrae. Brasília-DF, 2014.

MOREIRA, R.F.C. Descentralização da produção e produtividade no Brasil. 2015. 103f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

NOLAN, R. L.; KOTHA, S. Boeing 787: The Dreamliner. Harvard Business School Compilation 305-101. Boston, abril de 2005.

PORCILE, G.; CATELA, E. Y. A. S. Heterogeneidade estrutural na produtividade das firmas brasileiras: uma análise para o período 2000-2008. Anais do XL Encontro Nacional de Economia. ANPEC, 2012.

TANG, C. S.; ZIMMERMAN, J. D. Managing new product development and supply chain risks: the Boeing 787 case. Supply Chain Forum – an International Journal. v. 10, n. 2, 2009.

 

O Barômetro da Internet das Coisas (IoT)

A Vodafone, uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, publica, anualmente, o relatório “Vodafone IoT Barometer” para medir não só a percepção do mercado em relação à Internet das Coisas (IoT), mas para também avaliar os resultados práticos da adoção da tecnologia no mundo inteiro. O relatório de 2016 foi baseado em 1.096 entrevistas realizadas com empresas em 17 países (incluindo o Brasil).

Dentre os resultados apresentados, o relatório de 2016 dividiu as aplicações em seis grandes grupos que abrangem a maioria das soluções IoT, indicando o percentual de organizações que possuem ao menos um projeto em cada um destes grupos. O resultado é bastante significativo:

  • 51% possuem projetos em otimização e monitoramento do uso de bens e veículos;
  • 48% possuem projetos em automação predial;
  • 46% possuem projetos em segurança e monitoramento de ambientes;
  • 42% possuem projetos em automação de processos da cadeia de valor;
  • 41% possuem projetos em novos produtos conectados;
  • 40% possuem projetos em melhoria da segurança e sustentabilidade de espaços públicos.

Diante dos dados apresentados, uma das conclusões que se pode inferir do relatório é que estamos começando a entrar em uma segunda onda da Internet das Coisas. Na primeira onda IoT, a pergunta que todos se faziam era “o que eu posso conectar?” A ideia era simplesmente sair conectando “coisas” e avaliar o que fazia sentido e o que não funcionava. Nesta época surgiram ideias como a geladeira conectada, fechaduras e portas conectadas e a maioria dos wearables que vemos hoje.

Na segunda onda IoT, que estamos começando a vivenciar, já se observam modelos de negócios orientados aos dados, não à conexão. Com isso, a pergunta certa a se fazer hoje passa a ser “quais os objetivos de negócio eu quero atingir e quais os tipos de dados eu tenho de coletar para alcançar esses objetivos?” As organizações hoje passaram a se perguntar o que elas precisam fazer para operar mais eficientemente e qual solução IoT é necessária para atingir esse objetivo. Com isso, a IoT passa a ganhar uma cara mais corporativa.

O grande fato relevante por trás disso tudo é que estes novos modelos de negócio tem um tema subjacente em comum, que pode ser resumido como “tudo-como-serviço” ou everything-as-a-service. Hoje já é possível observar projetos de economia de energia como serviço, por exemplo. A empresa americana ADT Security, do ramo de segurança e automação residencial, já oferece o produto de segurança como serviço, permitindo monitorar sua casa apenas durante o período de férias. A grande vantagem destes modelos é a massificação da tecnologia: ao comprar um serviço, o usuário evita fazer pesados investimentos para utilizar sozinho um serviço que pode ser compartilhado. Por outro lado, os prestadores de serviço passam a rentabilizar melhor a infraestrutura necessária para ofertar sua solução. Ganha o usuário, ganha o prestador de serviço, e ganham os desenvolvedores da tecnologia.

Olhando para o cenário interno brasileiro, a segunda onda IoT, com essa proposta de “servicificação” da tecnologia, pode ajudar na recuperação do nosso combalido setor de serviços, que vem sofrendo bastante com a recessão econômica dos dois últimos anos. Mais do que isso, esta segunda onda IoT pode ajudar a efetivamente desenvolver nosso setor de serviços, levando-o a um patamar maior de especialização, incorporando-o ao processo de produção e de negócios empresariais, e reduzindo o peso dos serviços de custo e de baixa especialização no nosso PIB.

Enquanto o mercado IoT se apresenta como uma oportunidade multibilionária no mundo todo, o custo de entrada no negócio de desenvolvimento de soluções IoT pode ser surpreendente modesto em algumas ocasiões. Para entender onde estão estas oportunidades, precisamos lembrar como está organizado um ecossistema IoT. De maneira geral, esse ecossistema é composto por quatro camadas: são elas, “de baixo para cima”, hardware, comunicações, software e aplicações. A figura a seguir ilustra um ecossistema típico IoT, descrevendo as quatro camadas citadas.

Figura 1 – Ecossistema IoT (fonte: www.iot-analytics.com)

A primeira camada abrange os dispositivos físicos. É verdadeiramente a “coisa” da internet das coisas. Aqui encontramos sensores, processadores, termostatos e vários outros componentes que já existem há algum tempo, mesmo antes de ouvirmos falar da internet das coisas. Por estarem conectados à internet, estes dispositivos passaram a ter sistemas de defesa mais aprimorados para evitar o acesso indevido e ataques de hackers.

A segunda camada, responsável pelas comunicações, faz a coleta dos metadados associados ao serviço. A grande maioria dos protocolos são os mesmos já utilizados nas comunicações móveis e na internet comum. É nesta camada que estão, por exemplo, os padrões de comunicação como Bluetooth, Near Filed Communication (NFC), WiFi e LTE(4G). Aqui a padronização é essencial pois é por meio dela que dispositivos IoT irão “conversar” com sistemas de integração. Neste segmento, não se observam grandes oportunidades para novos players, especialmente porque estes componentes já são produzidos atualmente em cadeias globais de valor, principalmente pelos asiáticos, com grandes vantagens competitivas. Por mais que a retórica do recém-eleito presidente americano aponte em sentido contrário, dificilmente a “Doutrina Trump” vai conseguir reverter este quadro.

A terceira camada traz consigo todo hardware de backend e sistemas de integração. Aqui, todos os dispositivos IoT e seus metadados são agregados. É nesta camada que os desenvolvedores de aplicações IoT agregam seus dispositivos. Neste segmento, também não se observam grandes oportunidades para novos players. As barreiras de entrada são grandes porque os investimentos para se montar uma plataforma de agregação IoT são bastante elevados. Por precisar agregar centenas de milhares, às vezes até milhões de dispositivos, estes sistemas necessitam de alta capacidade de armazenamento de dados e de alta capacidade de processamento.  Não por coincidência, as maiores plataformas do mercado hoje estão associadas a grandes empresas do mercado de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). São elas: Amazon AWS IoT, IBM Watson, Cisco Cloud Connect e Microsoft Azure.

A última camada é composta por aplicações que agregam dispositivos e sistemas em uma solução para qual existe uma demanda específica. Uma aplicação de cidade inteligente, por exemplo, agrega as informações de câmeras de segurança, sensores de estacionamento, sinais de trânsito, frotas de veículos de transporte público e os transforma em informação relevante para um centro de gerenciamento integrado de serviços públicos, permitindo melhor monitoramento de uma cidade e de seus serviços e um melhor tempo de resposta para situações de crise. É nesta camada que está a grande oportunidade para novos players deste mercado, sobretudo de desenvolvedores e empresas nacionais, em virtude das baixas barreiras de entrada. Desenvolvedores de aplicações diversas podem passar a desenvolver aplicações IoT sem a necessidade de grandes investimentos. Além disso, a vantagem para o desenvolvedor nacional torna-se mais evidente se ele optar por explorar nichos de mercado tipicamente brasileiros. Peculiarmente diferente do resto do mundo em muitos aspectos, nosso jeito de nos comunicarmos, nosso sistema bancário e nosso governo são apenas alguns exemplos de nichos especialmente nossos.

Assim, por tudo isso, pode-se dizer que a nova onda IoT vem para incorporar de vez a tecnologia ao mercado corporativo. Já é possível imaginar que em um futuro próximo, ela será tratada como indistinguível dos processos de negócio das corporações e passará a ser vista como uma funcionalidade intrínseca de um moderno sistema de uma fábrica, de uma frota de carros ou de uma solução de segurança, por exemplo. Dentre os desenvolvedores de aplicações, vai sair na frente aquele que melhor conseguir identificar as oportunidades e necessidades das organizações e conseguir traduzir essa necessidade em uma solução de serviços que incorporem aplicações IoT funcionando como uma parte intrínseca do ambiente de negócios.

Automação e o futuro do emprego

Em agosto deste ano, a UBER deu um novo passo em direção à substituição de pessoas por máquinas, com o lançamento do serviço prestado por carros autônomos em Pittsburgh. A novidade ainda está em fase de teste, mas já dá o sabor de como atividades rotineiras estão começando a ser executadas por máquinas inteligentes.

Essa nova realidade indica que tecnologias de automação extrapolam a substituição de mão de obra no ambiente industrial e já alcançam setores de serviços. O resultado desse processo evidencia uma tendência de extinção de diversas profissões tradicionais em diferentes setores da economia.

Pesquisadores de Oxford analisaram a suscetibilidade de empregos à informatização nos Estados Unidos, com o intuito de verificar o impacto sobre o mercado de trabalho da substituição de pessoas por computadores. Com base no estudo, os autores constatam que 47% do emprego total na economia americana encontra-se em situação de alto risco de automação nas próximas duas décadas – isto é, essas vagas apresentam uma probabilidade de computadorisation superior a 70%. O estudo indica, ainda, que os setores mais suscetíveis à automação são produção, serviços e comércio (ver gráfico abaixo).

Gráfico – distribuição do emprego por setor nos Estados Unidos, conforme probabilidade de automação

automacao

Fonte: Frey e Osborne (2013)

O estudo ainda permite verificar quais as áreas mais passíveis de serem automatizadas. Profissões como comerciantes, atendentes de caixa, contadores, auditores, atendentes de telemarketing, taxistas e motoristas de caminhão apresentam probabilidade em torno de 90% de serem automatizadas. E esses são apenas alguns exemplos de empregos que podem sumir em áreas como logística e transporte, atividades de escritório e serviços.

Conforme publicação recente da The Economist, o que determina a vulnerabilidade à automação é o quanto um trabalho pode ser considerado rotineiro. Atualmente, as máquinas são capazes de executar uma variedade de trabalhos manuais, bastando a programação adequada. E o mais surpreendente é que essas máquinas já são capazes de executar tarefas rotineiras mais complexas que exigem alguma capacidade cognitiva.

Na prática, as máquinas inteligentes já são capazes de executar algumas tarefas com qualidade superior a pessoas. O texto da The Economist cita o exemplo de uma máquina de radiografia capaz de escanear pacientes e identificar risco de tumor com grande precisão. Em comparação com radiologistas especializados, a máquina apresentou capacidade de classificação de tumores malignos 50% superior.

Por um lado, a automação é um salto no desenvolvimento, tornando possível a execução de atividades com maior grau de eficiência e precisão, por meio do emprego de tecnologias cada vez mais sofisticadas. Por outro lado, surge uma questão crucial: a automação resultará em maior desemprego?

Ainda não há uma resposta categórica para essa pergunta. Alguns especialistas argumentam que a automação substitui mais trabalhadores do que a capacidade da economia americana gerar novos empregos. Outros especialistas já são mais otimistas e garantem que a automação também abre novas oportunidades para a geração de empregos em áreas associadas ao desenvolvimento de tecnologias. Em outras palavras, o fator humano ainda é necessário para executar tarefas não automatizáveis.

De todo modo, a automação impõe um desafio maior para o mercado de trabalho: o capital humano deve ser cada vez mais habilidoso para que tenha chances de competir por vagas.

Achar uma solução para a equação automação e desemprego é um desafio para economias modernas. E essa solução demanda uma variedade de esforços para que o capital humano desenvolva as habilidades exigidas para acompanhar a nova dinâmica do mercado de trabalho cada vez mais automatizado.

O Futuro das Aplicações e Serviços Prestados por Drones

As aplicações possibilitadas pela popularização dos drones têm ganhado cada vez mais protagonismo e multiplicidade. Inicialmente, os investimentos se concentravam nas empresas que fabricam aeronaves remotas para fotografia e filmagem aérea (DJI, Yuneec, Ehang). No entanto, temos percebido uma mudança nos últimos anos: as inversões têm sido cada vez mais direcionadas às empresas que apresentam tecnologias de VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados) para as áreas de inspeção de infraestruturas (energia eólica, estradas, petróleo e gás, etc.), transporte e entregas.

É provável que nos próximos anos a entrega de mercadorias e o transporte de pessoas possam ser realizados por drones. No caso desta última aplicação, ainda existem limitações técnicas, psicológicas (as pessoas ainda tendem a não confiar em uma aeronave “não pilotada”) e regulatórias (como mencionado em post anterior, por se tratar de uma tecnologia nova, os regulamentos inclinam-se a modelos mais restritivos).

Porém, mesmo diante de todas estas restrições, e já se antecipando a prováveis tendências, a empresa chinesa EHang desenvolveu um protótipo de aeronave autônoma para transporte de passageiros: o EHang 184. Esta aeronave elétrica possui oito hélices e é capaz de carregar uma pessoa adulta. A sua autonomia de voo é de 23 minutos, com velocidade máxima de 100 quilômetros por hora, o suficiente para pequenas e médias distâncias. Como podemos constatar, ainda se trata de um avião muito limitado em autonomia, velocidade e capacidade de transporte; porém, parece representar o início de uma nova era para o setor de aviação civil. Tudo indica que, com o tempo, esta tecnologia poderá ser embarcada em aviões de maior porte e com maior capacidade.

Drone EHang 184

ehang

Créditos: AP Photo/John Locher

Em relação às aplicações de entrega de mercadoria, é amplamente conhecido que a Amazon, por exemplo, tem envidado grandes esforços no sentido de desenvolver tecnologias e elaborar regulamentos que permitam a entrega de mercadorias por VANT. No vídeo deste link temos uma demonstração de como este sistema idealizado pela Amazon poderá funcionar.

O que podemos concluir é que este setor está em ampla ascensão e tem se preocupado em desenvolver novas soluções visando automatizar e facilitar diversas atividades, sejam elas de cunho pessoal, industrial ou comercial. É provável que as previsões atuais sobre o desenvolvimento do setor ainda sejam muito conservadoras, tendo em vista as incertezas sobre as aplicações e tecnologias que serão desenvolvidas e sobre como o ambiente regulatório se comportará diante dessas novidades.  O que já está claro é que, em um futuro próximo, nossas vidas serão impactadas diretamente por estas inovações e novos serviços.

Tendências dos Investimentos no Mercado Civil de Drones

Embora a indústria de veículos aéreos não tripulados (VANT), popularmente conhecidos como drones, ainda seja muito incipiente, ela já apresentou, nos últimos anos, uma série de inovações tecnológicas. Aperfeiçoamentos, estes, que podem ser percebidos na evolução dos hardwares utilizados e dos softwares implementados, o que tem aumentado o interesse da população em seu uso e, consequentemente, dos investidores.

A Business Insider (BI) publicou, recentemente, uma nova previsão de crescimento para o setor de drones, estimando que o seu mercado movimentará cerca de US$ 12 bilhões até 2021. Essa elevação da projeção, segundo o relatório, se deverá à popularização das aeronaves civis remotamente pilotadas e à convergência do ambiente regulatório a um modelo menos restritivo ao uso desses artefatos.

Gráfico 1 – Evolução estimada do investimento em hardware de drones, por governos, consumidores e empresas – 2015 a 2021

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No gráfico acima, é possível notar que, até 2021, os governos continuarão sendo responsáveis pela maior fatia do mercado, tendo em vista a pujança das indústrias militar e de segurança pública no que diz respeito a aplicações remota ou autonomamente controladas. Porém, relativamente, as áreas comerciais e civis terão um crescimento mais significativo. Para habilitar uma perspectiva de valor e volume de negócios, a Droneii apontou, em outro estudo, as cinco principais tendências de investimento para este mercado.

Modelo de Investimento

Investimentos de alto risco em startups ainda são os mais comuns. Desde 2006, 68% de todos os negócios foram feitos por investidores-anjos, crowdfunding ou incubadoras. Em 2015, a participação desse tipo de investimento subiu para 70%, o que demonstra que essa modalidade de aplicação continua em ascensão. Após o assentamento do processo mundial de regulamentação dessa indústria, é esperado que se torne comum a aquisição, pelas grandes companhias aeronáuticas, de fabricantes de drones bem posicionadas no mercado.

Políticas e Economia

O clima econômico pode ser descrito como delicado, porém forte o suficiente para impulsionar o crescimento dos investimentos. O estudo aponta que a situação específica da regulamentação, por gerar insegurança às empresas, continuará sendo a maior restrição às inversões. Muitos países, inclusive o Brasil, estão elaborando seus marcos regulatórios; porém, por se tratar de uma indústria recente, a tendência é que as regras ainda sejam muito restritivas e evoluam, gradativamente, nos próximos anos.

Tendência dos Setores

Até então, as empresas voltadas ao desenvolvimento das partes, peças e das próprias aeronaves foram as que mais receberam investimentos. Contudo, a expectativa é que as companhias dos setores de serviços e, mais especificamente, de software recebam a maior parte das atenções daqui em diante. Os novos serviços providos pelos drones terão uma grande influência no chão de fábrica das indústrias, modificando tradicionais processos produtivos, em razão, principalmente, da automação e da redução dos custos que eles proporcionam.

Velocidade e qualidade da transferência de dados é um fator crucial para o setor de serviços e são desafios aos desenvolvedores de software. Estes devem fornecer soluções de maneira rápida e confiável. Os investimentos na parte de software ainda se concentram nas seguintes áreas: mapeamento e navegação (Airmap, Drone Deploy) e gerenciamento de voo (Airware). A tendência é que esse setor migre para desenvolver soluções para “Beyond Visual Line of Sight” (BVLOS, termo utilizado para a navegação sem necessidade de visualização do drone por parte do piloto remoto) e entrega de produtos.

Investimentos Regionais

Segundo o estudo da Droneii, os investimentos regionais tendem a migrar do Vale do Silício (EUA) e da China para a Europa. França e Reino Unido têm um bom ambiente regulatório, o que facilita a operação de drones e beneficia regiões de alta tecnologia, atraindo novos investimentos nacionais e estrangeiros. O fluxo de negócios cross-border tende a ser um tema importante nos próximos anos, tendo em vista a expectativa da celebração de mega acordos regionais e alianças entre grandes economias em um futuro próximo. O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) é um bom exemplo de possível facilitador de investimentos cross-border no futuro.

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Fonte: Droneii.com

perfil_economiaServicosLeonardo Durans é formado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e é analista de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; ocupando, atualmente, o cargo de Coordenador-Geral Adjunto das Indústrias do Complexo Aeroespacial e Defesa. É ainda membro do Grupo de Trabalho governamental que está elaborando a regulamentação brasileira para utilização de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT).
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