Economia de Serviços

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O setor de serviços tem papel diferenciado na redução da desigualdade de gênero?

A igualdade de gênero é, sem dúvida, um tema que ganhou espaço no debate de comércio internacional. O empoderamento feminino foi objeto de Declaração Ministerial Conjunta na 11ª Conferência Ministerial da OMC realizada em 2017 na Argentina, além de ser o Objetivo #5 da Agenda para Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, negociada em 2015. Ademais, iniciativas relacionadas à importância da participação das mulheres no comércio ganham força, como o #SheTrades do International Trade Center e a rede de GenderChampions das Nações Unidas. Alguns países, como o Canadá, já tomaram a decisão de incluir a questão de maneira horizontal em todos os seus acordos de comércio. No Brasil, o tema também ganhou força e espaços para discussão, como no blog WomenInsideTrade, por exemplo.

O setor de serviços aparece de maneira recorrente nessas discussões como um setor Gender Champion. O argumento é de que, além de ser um setor chave para o desenvolvimento econômico, o setor de serviços é responsável por uma alta parcela do emprego feminino, de maneira que o seu desenvolvimento poderia ter um importante papel na redução da desigualdade de gênero, tanto no comércio internacional, quanto no emprego da força de trabalho doméstica.

De fato, estatísticas indicam alto nível de emprego feminino no setor de serviços, que corresponde a quase 50% do emprego feminino global total[1]. Em economias avançadas, a porcentagem de mulheres trabalhando no setor de serviços chega a 85%. Em países em desenvolvimento, apesar de a maior parte das mulheres estarem empregadas no setor agrícola, a parcela de mulheres que trabalha no setor de serviços aumentou 7,6% entre 1992 e 2012, e tem tendência crescente[2].

Contudo, um olhar mais detalhado sobre esses dados mostra que as mulheres parecem ter uma participação concentrada em determinados subsetores, quando comparadas com os homens. A Figura 1 mostra que os setores “predominantemente femininos” são atacado e varejo, hotéis e restaurantes, educação, saúde e trabalho social. Esses subsetores são, usualmente, caracterizados por pagamentos baixos e arranjos informais de trabalho. A força de trabalho masculina, por outro lado, está mais concentrada em serviços relacionados às atividades de manufatura, construção, agricultura e transportes e comunicações, subsetores usualmente responsáveis pela maior geração de valor agregado e, consequentemente, maiores salários.

Figura 1 – Diferenças na média das participações em subsetores, por sexo (Masculino – Feminino)

Últimos dados disponíveis: 2000

Fonte: The Gender Dimension of Services.

 

Dessa forma, apesar de o setor de serviços de fato empregar mais mulheres que o setor industrial, os dados sugerem que o setor tende a perpetuar a desigualdade de gênero, no sentido de que a força de trabalho feminina está empregada majoritariamente em subsetores de menores salários, menor geração de valor agregado e arranjos de trabalho informais, enquanto os subsetores de alta geração de valor agregado e salários maiores continuam com força de trabalho majoritariamente masculina.

A maneira correta de combater a desigualdade de gênero reside no combate aos motivos que levam as mulheres a atuarem, tanto no setor industrial quanto no setor de serviços, em trabalhos com menor remuneração e menor geração de valor agregado.

Tomemos como exemplo a chegada iminente da Revolução Industrial 4.0. Como se sabe, a Revolução Industrial 4.0 é marcada pela automação da indústria, processos influenciados por inteligência artificial, internet das coisas e intenso fluxo de dados. É, portanto, válido afirmar que carreiras promissoras para o futuro estão relacionadas a tecnologia da informação e comunicação, ciência da computação e engenharia. Um combate eficaz à redução da desigualdade de gênero seria proporcionar a igualdade de participação feminina e masculina desde a formação, para que o resultado se configure no momento de emprego da força de trabalho.

Infelizmente, estatísticas sugerem o contrário. As figuras 2, 3 e 4 apresentam dados de obtenção de diploma em carreiras de humanas e artes (2), tecnologia da informação e comunicação (3) e engenharia, manufatura e construção (4).

Os dados mostram que no Brasil e nos países da OCDE, mais de 80% dos diplomas na área de tecnologia da informação e comunicação são concedidos a homens. Na área de engenharia, manufatura e construção, o valor é similar, atingindo 70%. Os diplomas concedidos às mulheres se concentram, sobretudo, na área de humanas e artes, em que aproximadamente 70% dos diplomas nos países da OCDE, e 60% no Brasil, são concedidos a pessoas do sexo feminino.

Figura 2. Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de humanas e artes, 2015

 

Figura 3.  Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de tecnologia da informação e comunicação, 2015

Figura 4. Diplomas concedidos a homens e mulheres em carreiras de engenharia, manufatura e construção, 2015

 

Fonte: OCDE

 

Iniciativas que trazem a questão da desigualdade de gênero para o centro do debate são importantes e merecem reconhecimento. É digno de destaque esse importante momento em que a igualdade de gênero tem a atenção dos países, de organismos internacionais e da mídia. É necessário, contudo, olhar a questão com uma lente ajustada para identificar os fatores que levam à desigualdade. Buscar incentivar setores, subsetores ou áreas do comércio que possuem maior participação feminina, sem o devido trabalho de avaliação, pode apenas perpetuar a desigualdade de gênero, sendo ineficaz ou tendo o efeito inverso do esperado.

[1] ILO. Global Employment Trends 2014. Geneva: International Labour Organization, 2014.

[2] ILO. Global Employment Trends for Women 2012. Geneva: International Labour Organization, 2012

Indústria ou serviços? Afinal, qual é a participação da indústria na economia?

Muito tem se falado sobre o encolhimento da indústria manufatureira brasileira. Opiniões divergentes abundam. Uns dizem que o encolhimento da indústria fragiliza a economia nacional. Outros acham que a indústria já não importa e tomam o caso dos Estados Unidos como referência.

Mas, afinal, o que se passa com a nossa indústria? A partir das contas nacionais, o IBGE identifica que a indústria representaria algo em torno de 11% a 12% do PIB. Como já foi quase três vezes maior e a participação segue um padrão de queda quase monotônico desde os anos 1980, então muitos analistas acreditam que o país estaria passando por um processo de  desindustrialização. O professor da Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, por exemplo, caracteriza o recuo da indústria no Brasil como um dos maiores movimentos de desindustrialização jamais registrados.

A atual participação da indústria americana no PIB é similar à brasileira, sendo que lá ela também já foi substancialmente maior. Porém, para Dani Rodrik, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil estaria experimentando um processo de desindustrialização prematura, já que ainda é um país emergente.

De fato, a despeito das supostas similaridades das participações da indústria dos dois países no PIB, é preciso se levar em conta as substanciais diferenças entre os dois casos. Enquanto a queda da participação da indústria americana no PIB foi acompanhada de significativo aumento da densidade industrial, a queda da participação no Brasil foi acompanhada de estagnação da densidade — a densidade americana é, hoje, mais de quatro vezes maior que a brasileira e a diferença segue aumentando. Já a participação no PIB dos serviços utilizados como insumos de produção, tais como os serviços de custos e de agregação de valor, é quase duas vezes maior nos Estados Unidos do que no Brasil.

Logo, as evidências sugerem que a indústria americana mobiliza e articula uma extensa cadeia de valor e produz bens de muito mais alto valor adicionado que a brasileira.

É preciso, ainda, considerar que a indústria americana se estende mundo afora, com gigantesca presença global através das suas multinacionais e que é parte ativa de muitas das mais influentes cadeias globais de valor, como a automobilística, a química, a eletrônica e a aeronáutica. A contabilização da indústria americana operando no seu próprio e em terceiros territórios indica que os Estados Unidos têm, juntamente com a China, as duas mais poderosas indústrias manufatureiras do globo.

Indicadores menos convencionais, como emprego de engenheiros, patentes depositadas e encomenda e financiamento do P&D do setor de serviços, sugerem que a indústria americana tem vasta contribuição para a inovação e para a tecnologia e é mobilizadora de recursos para o P&D.

Pense, agora, na Google, Amazon, Microsoft, Uber e Apple, que estão entre as mais valiosas empresas globais de serviços. Um olhar mais cuidadoso mostra que essas empresas são, e cada vez mais, desenvolvedoras de bens industriais que trazem consigo elevadíssima porção embarcada de serviços e alta tecnologia.

Nada disto está colocado para o Brasil. Logo, comparar Brasil com Estados Unidos é como comparar laranjas com maçãs.

Isto posto, é difícil concluir que o caso do Brasil é similar ao dos Estados Unidos. Pelo contrário, o que parece é que a indústria americana estaria passando por um sofisticado processo de transformação baseado numa relação sinergética e simbiótica com os serviços para criar valor em nível global.

Em tempos de densidade industrial e de profundas transformações nas tecnologias de produção e de gestão da produção e no conceito de produto industrial, a comparação da participação da indústria no PIB ou mesmo a comparação do perfil geral da produção de países pode pouco ou nada dizer.

A economia do Japão e o setor de serviços

O que explica a longa estagnação da economia japonesa? Obviamente, existem explicações diversas. O objetivo deste post é o de adicionar um pouco de luz num aspecto sintomático da estagnação: o padrão e o comportamento do setor de serviços.

Vários indicadores podem ser empregados para ilustrar a estagnação da economia japonesa. O gráfico abaixo mostra dois desses indicadores. O primeiro, o de densidade industrial (Arbache 2012); o segundo, o índice de complexidade de Hausmann-Hidalgo. Esses indicadores sugerem inequívoca tendência de queda da competitividade da indústria manufatureira japonesa.

De acordo com a literatura de espaço-indústria (Arbache 2012), a variável-chave da transformação econômica é a capacidade da manufatura elevar a densidade industrial. Essa capacidade não se revela pela participação da manufatura no PIB, mas pela sua capacidade de desenvolver uma relação sinergética e simbiótica com os serviços para, juntos, agregarem valor (Arbache 2017).

De fato, evidências empíricas internacionais mostram elevada e crescente parcela de serviços e inovações “embarcados” em bens manufaturados. Tratam-se de P&D, marcas, design, distribuição, projetos, softwares customizados, funcionalidades e conectividade, marketing, entre outros tantos serviços que diferenciam, agregam valor e conectividade ao bem tangível. Serviços de custos, como logística e serviços financeiros convencionais, são importantes, mas não diferenciam produtos e nem agregam valor.

Para agregar valor, a economia precisa ter um setor de serviços capaz de responder às demandas da indústria por novas soluções e de apoiar o desenvolvimento de novos modelos de negócios.

O que se observa no caso japonês? Observa-se estagnação da participação dos serviços comerciais profissionais no PIB (professional business services – PBS), que são os serviços que agregam valor à indústria. Observa-se, também, aumento da participação do setor de serviços no PIB. Logo, a participação do PBS no setor de serviços está contraindo, enquanto que os demais serviços, incluindo os voltados para o consumo, estão vendo a sua participação na economia aumentar.

Essas tendências vão na direção contrária do que se observa em economias mais dinâmicas, como Estados Unidos e Alemanha (e China, mais recentemente), em que o nível do PBS no PIB é mais elevado e segue crescendo.

Indicadores internacionais de conectividade são reveladores em razão da sua relação com o PBS. O indicador de conectividade da McKinsey Global Institute, por exemplo, mostra que o Japão está numa longínqua 24ª posição no ranking atrás, inclusive, de países emergentes asiáticos. Os Estados Unidos estão na terceira posição, a Alemanha na quarta e a China na sétima posição. Os componentes do indicador da McKinsey que mais explicam as diferenças entre o Japão e os três países são fluxo de serviços, fluxo de dados e fluxo de pessoas, fatores comumente presentes nas economias mais abertas e dinâmicas e associados à capacidade de desenvolvimento de serviços sofisticados e novos modelos de negócios.

A economia japonesa talvez só não esteja em situação ainda mais desafiadora em razão do elevado estoque de capital per capita que tem e do ainda elevado nível de densidade industrial da sua economia.

As características estruturais da economia do Japão sugerem insistência num modelo econômico tradicional incompatível com o nível do seu PIB per capita e que, claramente, já demonstra retornos decrescentes. Para avançar, o Japão terá que considerar adotar uma visão muito mais ampla e aberta de manufatura. Para isto, terá que aprofundar o entendimento acerca do imperioso papel dos serviços para a competitividade e a criação de valor industrial.

Notas sobre o gráfico: Densidade industrial: valor adicionado da manufatura per capita (em US$), eixo da esquerda. Fonte: calculado com dados do World Development Indicators.

%Manuf-PIB: participação percentual da manufatura no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

%PBS-PIB (professional business services): participação percentual dos serviços comerciais profissionais no PIB; consideram-se os serviços especializados destinados às cadeias de produção tais como correios e telecomunicações, intermediação financeira, atividades imobiliárias comerciais, aluguel de máquinas e equipamentos, TI e atividades correlatas, P&D e outras atividades comerciais profissionais, eixo da direita. Fonte: World Input-Output Database.

%Serviços-PIB: participação percentual dos serviços no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

Indicador de complexidade (0-1). Eixo da direita. Fonte: Atlas of Economic Complexity

Comércio eletrônico: é preciso regulamentar?

O entendimento sobre o que é comércio eletrônico abrange mais do que a simples venda de bens pela internet. Apesar do varejo em lojas físicas ainda representar a maior parcela do comércio total, o e-commerce – tanto business-to-business (B2B) como business-to-consumer (B2C) – tem crescido muito nos últimos anos, especialmente na modalidade transfronteiriça. Relatório da empresa internacional de logística DHL aponta que, em 2020, esse mercado poderá passar de US$ 1 trilhão, representando 22% de todo o e-commerce mundial.

As implicações desse movimento para a economia são cada vez mais visíveis. Basta observar o valor de mercado e o crescimento projetado das vendas de empresas como Amazon e Alibaba, e o fortalecimento dos braços de compras de plataformas como Facebook e Google (Google Shopping) para compreender porque temas ligados ao comércio eletrônico estão ganhando cada vez mais espaço nas discussões internacionais de comércio.

A consolidação do mercado global de e-commerce está se tornando desafio crescente para empresas locais ou entrantes competirem com “superestrelas” como a Amazon. A lógica do winner-takes-all explica as aquisições e fusões defensivas de grandes varejistas. No fundo, é uma competição não mais por nichos de mercados, mas uma busca pela sobrevivência. Afinal, já há sinais de que as plataformas de fornecimento cuidarão de quase tudo que o consumidor precisa e deseja comprar. Como resultado, o único caminho para os varejistas locais, principalmente as lojas de médio e pequeno portes, é vender nessas megaplataformas ou marketplaces se subjugando às regras do jogo e imposições das plataformas (há algo ainda mais importante aqui, que é o fato de a plataforma capturar e usar todos os dados originados da relação entre o consumidor e o lojista – mas isto será objeto de outro post).

Apesar de paralisadas as negociações, o Tratado da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) cumpriu papel importante ao revelar que o e-commerce é uma das novas arenas de “luta” no comércio mundial. Basicamente, o TPP pretendeu determinar os rumos da economia digital ao definir regras e procedimentos, incluindo o comércio eletrônico de bens e serviços, e temas como padrões, regras e tarifas sobre produtos digitais, localização de servidores, códigos fonte, etc. – todos considerados como “barreiras” aos mercados dos gigantes digitais do e-commerce. Assim, o TPP teria consequências contundentes para os seus signatários e também para os não signatários, em particular para o espaço de formulação de políticas públicas para o setor de serviços e para o e-commerce. Apesar de estar atualmente paralisado, o TPP se tornou inspiração e ponto de partida para as novas negociações comerciais.

Para economias em desenvolvimento, a atenção a essas condições deve ser redobrada, pois a participação em acordos que tratam do comércio eletrônico sem um cuidadoso debate interno sobre onde queremos chegar e o que precisa ser feito poderá dificultar o desempenho do setor e até mesmo as perspectivas do crescimento econômico de médio e longo prazos. O caso do Chile é simbólico: o comércio de varejo do país já é dominado pelos gigantes globais do e-commerce.

A corrida de ocupação dos espaços do e-commerce já tem players bem sucedidos, mas com estratégias distintas. A China praticamente fechou o mercado de e-commerce ao funcionamento de empresas americanas, como o Google e o Facebook, e limitou a ação da Amazon a vendas de bens que ela dispõe em seus próprios armazéns, impedindo-a de exercitar o seu superpoderoso braço de marketplace. Com isso, a China pavimentou o caminho para o desenvolvimento de novos gigantes como o Alibaba, JD.com e Weibo, que hoje já têm projeção global e são, juntos, substancialmente maiores que a Amazon. A China percebeu a sua condição de latecomer num setor crítico e usou ferramentas protecionistas para desenvolver a sua indústria digital nascente. Para empresas estrangeiras que podem operar na China, todos os dados devem ser depositados em servidores lá sediados.

Já os EUA estão empenhados na promoção de ampla liberalização e desregulamentação do mercado digital global, já que, à exceção das chinesas, quase todas as principais plataformas digitais globais são americanas, bem como o são as gigantes do e-commerce com maior presença no ocidente.

Os europeus, cientes dos efeito-rede e efeito-plataforma no mundo digital e no e-commerce, e temendo os efeitos de seu atraso nessas tecnologias, também estão jogando pesado em suas negociações comerciais com regiões menos desenvolvidas em prol da liberalização dos mercados de serviços, inclusive do e-commerce, em favor das suas empresas. Talvez não sejam apenas a preocupação concorrencial e com o bem estar do consumidor que expliquem as recentes multas bilionárias para a Microsoft e Google impostas pelas autoridades de competição de Bruxelas.

EUA e China são dois modelos extremos. O Brasil não é um líder digital e, por isso, agendas ultra-liberalizantes ou ultra-protecionistas devem ser vistas com cautela. Mas o Brasil não pode se enclausurar e proteger a ineficiência, sob pena de repetir os conhecidos erros do passado que ajudaram a nos trazer aqui. Talvez o mais razoável seja desenvolver uma estratégia que leve os operadores internacionais da economia digital a estabelecerem bases operacionais no Brasil (com servidores e abertura de código fonte) e formarem clusters digitais nacionais com parceiros locais.

Nessa discussão, também será preciso levar em conta que o comércio de varejo é, de longe, o setor que mais emprega no Brasil, em especial pessoas com pouca qualificação, bem como um dos setores que mais recolhem ICMS. A eventual expansão do e-commerce internacional no país não será, portanto, neutra em efeitos sociais nem fiscais, incluindo ali os impactos nos recolhimentos e nos benefícios previdenciários.

Uma estratégia nacional para inserir o Brasil na economia digital global deveria incluir ações em ao menos três direções: regulamentação interna do comércio eletrônico; construção de “capabilities”; e inserção internacional.

A regulação interna do comércio eletrônico deve partir do pressuposto de que esse não é um mero canal de vendas remoto, pois as modernas tecnologias permitem experiências de compra e venda tão ou mais completas quanto às do mundo real. Isso traz implicações para os direitos do consumidor, direito econômico (defesa da concorrência, mais especificamente), tributação, entre outros. Além disso, o Marco Civil da Internet e toda a sua regulamentação devem ser pensados numa perspectiva de desenvolvimento econômico, para além das questões sobre democracia e liberdade de expressão. Até mesmo a infraestrutura de transportes e armazenamento e suas regras precisam se adaptar para comportarem uma maior demanda por entregas rápidas, com extensa capilaridade e com projeção internacional. Também é preciso simplificar leis e normas. Porém, algumas das iniciativas recentes requerem atenção. Exemplo disso é a lei – suspensa por liminar no STF – que obriga varejistas online a recolherem ICMS em dois estados em transações interestaduais.

A construção de capabilities é uma tema especialmente importante. Apesar da tendência de consolidação do varejo eletrônico, ainda existe possibilidade de crescimento do mercado, especialmente o de nichos. Análise feita pela FedEx aponta que os segmentos de varejo eletrônico de médio porte crescem mais rapidamente que o segmento de massa. Isso ocorre pela possibilidade de prestação de vendas online e serviços com maior customização e especialização. Obviamente, isso faz parte de uma cultura empresarial na qual a possibilidade de contribuição do governo está centrada numa política de ambiente de negócios e incentivos à inovação e ao capital humano que incorporem, desde a alfabetização, o contato e a aprendizagem de linguagens de programação, machine learning e tecnologias digitais.

Finalmente, a inserção internacional deve ser o farol que orienta os dois pilares anteriores. Para isso, o país precisa amadurecer rapidamente seus planos de abertura comercial, inclusive com vistas à conquista de mercados externos. Manter a economia fechada será um equívoco; abrir o mercado digital de forma apressada sem um plano estratégico será outro equívoco.

Mas que uma coisa fique clara: o Brasil está atrasado na agenda da economia digital, que é a verdadeira guerra dos tronos do século XXI. Embora o momento atual seja de reformas estruturais que estabilizem e reorganizem a economia, é preciso ter clareza do contexto e propor políticas públicas que pensem as fronteiras econômicas do futuro. O que não podemos é esperar que o dirigismo estatal ou que o mercado por si só apareçam com soluções que parem de pé neste complexo novo mundo. Elas simplesmente não aparecerão.

A importância das telecomunicações para o crescimento econômico

Conforme exposto no post de Giovanini e Arend, o setor de serviços é essencial para o crescimento econômico, na medida em que aumenta a produtividade industrial. Este argumento, similar ao apresentado por Arbache (2016), parece também se aplicar especificamente ao setor de telecomunicações no Brasil, conforme mostrado a seguir.

Ao longo do tempo, como esperado, o aumento do acesso à Internet foi acompanhado de aumento no consumo de bens industriais necessários para se usufruir do serviço de telecomunicações, como os computadores pessoais. Veja a figura abaixo.

Figura 1. Número de Computadores pessoais e Usuários de Internet

Já o aumento da oferta de serviços de comunicações móveis foi acompanhado de inovações de máquinas que se deslocam no espaço, como laptops e tablets. A demanda destes produtos industriais aumentou, substituindo, em parte, a dos antigos PCs. Concomitantemente, o acesso à internet via Banda Larga Móvel cresceu, substituindo o acesso discado. Veja as ilustrações abaixo.

Estimativas da OCDE revelam que conexões à Internet promovem exportações de produtos a preços mais altos em diversos setores de manufatura, principalmente eletrônicos. Além disso, um aumento na densidade de telecomunicações de 10% está associado a preços entre 2% e 4% mais elevados no setor eletrônico e a um aumento no comércio intra-indústria deste setor, entre 7% e 9%.

No Brasil, de acordo com a Telebrasil e Teleco (2016), somente em 2015, o setor de telecomunicações movimentou R$ 232 bilhões, ou 4% do PIB nacional, além de ter sido responsável por R$ 28,6 bilhões investidos no ano, o equivalente a 3% da Formação Bruta de Capital Fixo. Segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), a indústria de bens de telecomunicação passou a ser, em 2016, a de maior faturamento no setor da indústria eletroeletrônica.

Em comparação com outros países, o Brasil obteve a quinta maior receita mundial de telecomunicações no varejo em 2015, segundo a Ofcom (reguladora de comunicações do Reino Unido). O país está entre os 10 com maior número de linhas de telefones celulares ativas no mundo, sendo a maior parte delas pré-pagas, ou seja, das mais baratas para o consumidor. Em 2015, de acordo com a Anatel, existiam 125 celulares ativos para cada 100 brasileiros, isto é, mais de uma linha para cada pessoa. Esses dados evidenciam a importância das comunicações na vida da população brasileira, que parece priorizar a compra de serviços de telecomunicações, em detrimento de outros gastos.

Tal prioridade é observável em todas as regiões do País, para ambos os sexos e em todas as classes sociais. Ademais, o desenvolvimento das comunicações móveis tem colaborado com a inclusão social e democratização do acesso aos serviços digitais (OCDE, p.36) na medida em que o acesso à Internet realizado exclusivamente por meio do celular é mais frequente entre a população de baixa renda e entre os usuários residentes nas regiões cuja infraestrutura de internet fixa é mais precária, como no Nordeste, Norte e nas zonas rurais, tal como apontado no estudo TIC Domicílos 2015, do Comitê Gestor da Internet (CGI).

Está clara a contribuição do setor de telecomunicações para o PIB, investimentos, inclusão social e bem-estar da população, que só tende a aumentar, considerando a evolução do setor e as preferências do consumidor. Portanto, políticas que incentivem a ampliação do acesso à internet e o desenvolvimento do setor são cruciais para o crescimento sustentado, e o aprimoramento do setor por meio de políticas de organização, fomento e adaptação às características nacionais pode ser uma eficaz estratégia de catch-up.

Débora Albuquerque é economista e mestranda em telecomunicações e redes de comunicação de dados pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em economia e finanças, exerce a profissão no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC)

 

Tendências de consumo global para as próximas décadas

A análise das tendências de crescimento populacional pode fornecer informações  importantes para o o posicionamento de qualquer empresa em relação a quais grupos da população terão gastos mais robustos, sua localização geográfica e quais produtos e serviços serão de sua preferência. Relatório da Mckinsey aponta que, até o ano 2000, mais da metade do consumo mundial vinha da expansão no número de consumidores no mundo. Até 2030, o que se verá, todavia, é que o crescimento populacional deverá gerar apenas 25% do crescimento de consumo global. O restante virá do aumento no consumo per capita, conforme quadro abaixo:

consumption trend

Fonte: Mckinsey, 2016

Aponta-se ainda que nove grupos urbanos gerarão três quartos do consumo global até 2030 – dentre esses nove, três serão responsáveis por metade do crescimento projetado: a população aposentada e idosa em regiões desenvolvidas e a população economicamente ativa na China e nos EUA. As tendências no padrão de consumo da população chinesa revelam que o aumento no número de consumidores aliado ao aumento na renda no país tem o potencial de impactar o consumo global tanto quanto o impacto gerado pela geração baby-boomer, tida como a geração mais rica da história.

Entre os setores com forte crescimento no consumo está o educacional. Entre 2015 e 2030, espera-se que os chineses gastem 12,5% do crescimento total do consumo em educação – valor bastante próximo ao esperado na Suécia (12,6%). Esse valor é superior ao estimado para todos os demais países da amostra analisada pela Mckinsey, e bastante acima do valor estimado para o Brasil, de 2%. Diferentemente do que se via em gerações passadas, os jovens chineses têm opções de consumos bastante diversas de seus pais, pois alocam parcela maior de recursos em consumo imediato, têm desejo de compras mais próximos ao visto no Ocidente (como opção por marcas mais renomadas) e estão muito mais engajados no consumo digital.

Como esperado, ainda que a demanda pelo consumo de bens ainda esteja crescendo em diversas economias, o relatório também mostra uma mudança importante no padrão de consumo na direção de serviços tradicionais com o aumento da renda per capita. Isso é reflexo de duas tendências: a primeira delas refere-se ao aumento na demanda por serviços de saúde nos países desenvolvidos, em particular entre a população acima de 60 anos. Como exemplo, observa-se que o consumo per capita de serviços de saúde tende a aumentar de cerca de US$ 8.200 aos 60 anos para US$ 35.000 quando se chega próximo aos 90 anos, em regiões desenvolvidas. Uma segunda tendência importante refere-se ao aumento no consumo de serviços como comunicação, transporte, bancário, alimentação e educação em economias emergentes, gerado pela elevação de renda. Também como esperado, o consumo nas regiões urbanas será responsável por parcela considerável (81%) do consumo global.

As implicações dessas estimativas para as empresas são bastante relevantes para seu desempenho no futuro: como três quartos do consumo global até 2030 dependerá do aumento do gasto individual, é preciso entender melhor quais são os consumidores mais propensos a ingressar nessa trajetória e quais os próximos bens e serviços que estes desejam adicionar ao seu orçamento. Além disso, as firmas terão de se mostrar dispostas a se adaptarem às novas demandas dos diferentes grupos com poder aquisitivo em crescimento. Como já indicado antes neste blog, é preciso que as empresas evoluam para fornecer produtos e serviços mais customizados, para satisfazer demandas cada vez mais sofisticadas, num ambiente de alta competição no mercado. Por fim, também como já exposto aqui, como o setor de serviços responde não apenas pelo aumento direto no consumo, como também pelo aumento indireto, via seu uso em bens, é inegável que a estratégia das empresas deve perpassar uma visão mais estratégica e uma compreensão maior sobre as dinâmicas entre os setores de manufatura e serviços.

Leitos hospitalares no Brasil: temos pouca infraestrutura?

A demanda por mais médicos para atendimento público e o déficit de leitos no país são questões que tendem a se agravar frente ao envelhecimento populacional e a crise fiscal. Certamente devemos pensar em reformas que promovam a eficiência do sistema nacional de saúde (a combinação da oferta pública e privada). A questão que colocamos aqui é que a oferta de infraestrutura, hospitais, leitos e equipamentos é escassa quando comparamos com outros países e heterogênea entre os Estados, como esperado em um país grande e diverso como o Brasil.

O que define uma boa rede de infraestrutura de assistência a saúde? De forma mais simples, qual o volume de leitos hospitalares que é considerado adequado para se ofertar a determinada população?

De acordo com o padrão internacional, a Organização Mundial de Saúde estabelece uma faixa de 3 a 5 leitos por mil habitantes como ideal. Neste padrão estabelecido pela OMS, o Brasil se apresenta como um país com baixa oferta de leitos, com 2,3 leitos por mil habitantes. A posição do Brasil é assim qualificada quando comparamos com a média dos países da OCDE, que é de 4,9 leitos por mil habitantes (veja Figura abaixo). No panorama internacional o Brasil está acompanhado de países como Turquia (2,5 leitos por mil habitantes) e Chile (2,22). A densidade brasileira ainda é mais baixa do que países asiáticos de crescimento recente, como é o caso de China (2,75) e Coréia (9.56).

Figura 1 – Número de leitos por mil habitantes, em países selecionados

graficoleitos

Fonte: OECD e CNES/Datasus.

Além do Brasil possuir baixa densidade de leitos, devemos observar que internamente somos desiguais. A definição da oferta de leitos parece não depender apenas do número de vidas em cada unidade da Federação.

Quando comparamos a densidade de leitos entre os Estados, observamos dois fatos estilizados (ver Tabela 1 abaixo) [1]. Os Estados com menor razão de leitos por habitantes estão na região Norte e Nordeste. A região Nordeste é a que apresenta mais disparidade. Por exemplo, Alagoas apresenta 3,5 leitos por mil habitantes em 2015, enquanto que Sergipe, estado vizinho, tem apenas 1,5 leitos de densidade. Seria como se o primeiro possuísse densidade similar aos EUA, e o segundo com densidade do México (que possui 1,68). Ainda na região Nordeste, a maior proporção de leitos do país está no Estado de Pernambuco, com 4,3 leitos por mil habitantes, enquanto que a Bahia possui apenas 1,94.

A riqueza não parece ser o grande determinante da capacidade de oferta de leitos, como poderia se esperar. Apenas Alagoas e Pernambuco apresentam densidade de leitos superior a 3, que é o corte de mínimo sinalizado pela OMS. Para se ter idéia de comparação, um Estado rico como São Paulo possui densidade de 2,03, que é inferior a média do Brasil (2,2) e muito inferior à média de grande parte dos países da OCDE.

A comparação direta entre leitos pode levantar alguma dúvida se estamos objetivamente falando de estruturas comparáveis. O mesmo leito em um Estado diferente pode utilizar diferentes procedimentos e tecnologias. Para tentar trazer mais elementos de comparação entre a infraestrutura dos Estados, olhamos para a densidade de máquinas de tomografia computadorizada (CTScan) por grupo de um milhão de habitantes[2].

De acordo com a comparação internacional (veja os dados na Organização Mundial de Saúde), países ricos possuem, em média, 20 aparelhos de tomografia para cada milhão de habitantes – o Japão é exceção e possui mais de 40 aparelhos por um milhão de pessoas. Vários Estados brasileiros apresentam número de densidade em torno de 20, o que é melhor do que a medida de leitos. Também aqui não observamos padrão homogêneo por região. Na região Norte e Nordeste existe a maior predominância de baixa densidade de equipamentos, mas ao mesmo tempo também temos os Estados com a mais alta densidade – são os casos de Alagoas, Pernambuco e Piauí. No sentido internacional, a oferta de aparelhos de tomografia parece mais adequada, mas com grande variação entre grande parte dos Estados.

Para resumir, o Brasil possui poucos leitos quando comparamos com outros países. Internamente os desequilíbrios são grandes. Estados como São Paulo, que possui quantitativo menor de leitos do que o esperado, acendem a luz da necessidade de organização do serviço de oferta de serviços de saúde.

Tabela 1 – Densidade de leitos e máquinas de tomografia computadorizada (CTScan), por Estado

Estados Leitos por mil hab. CTScan por milhão de hab.
AC 1.8 13.7
AL 3.6 21.0
AM 1.6 8.1
AP 1.4 11.7
BA 1.9 11.8
CE 2.0 13.8
DF 2.5 29.8
ES 2.1 19.3
GO 2.5 20.9
MA 2.0 10.7
MG 2.0 19.2
MS 2.2 20.7
MT 2.3 26.6
PA 2.0 12.5
PB 2.2 16.6
PE 4.3 19.7
PI 2.3 18.7
PR 2.4 21.6
RJ 2.3 26.1
RN 2.1 11.3
RO 2.6 20.9
RR 1.9 13.8
RS 2.7 24.5
SC 2.2 22.4
SE 1.5 9.4
SP 2.0 22.1
TO 1.8 17.8

Fonte: CNES/Datasus.

[1] Para se comparar os leitos entre Estados excluímos os leitos de tratamento de longo prazo.

[2]Utilizamos aqui dados do CNES/Datasus de 2015.

Brasil possui o sistema de saúde mais ineficiente do mundo

O sistema de saúde brasileiro é composto pelo SUS e pelo braço privado representado por planos de saúde e por profissionais autônomos. Para a realidade brasileira, o SUS representa significativo avanço na saúde pública. Entretanto, a existência do sistema privado evidencia a necessidade de complementação. Neste contexto, emerge o debate sobre a necessidade de mais fundos para financiar a saúde pública. Mas, como se sabe em círculos mais técnicos, o sistema de saúde brasileiro é ineficiente, o que significa que os recursos não são bem empregados.

No ranking anual de eficiência de sistemas nacionais de saúde, editado pela agência de notícias de negócios Bloomberg, o Brasil aparece consistentemente entre os últimos colocados (desde 2008). Como qualquer indicador de eficiência econômica, o ranking compara medidas de benefícios gerados com o custo de prover os serviços. Em linhas gerais, o ranking compara a expectativa de vida com o custo local do sistema de saúde.

Na lista de 55 países analisados em 2015, o Brasil ocupa a última posição. Como se trata de ranking de eficiência, a posição do Brasil no ranking significa que o país gasta muito com saúde, mas entrega pouco. O custo da saúde  no Brasil é comparável ao de países da Europa Ocidental. Gastamos em torno de 9% do PIB, número próximo ao de países como Noruega, Suécia e Reino Unido. O outro fator de custo utilizado pelo ranking é a comparação do gasto em dólares per capita com saúde. Mesmo com a depreciação cambial recente, o Brasil gasta bastante no setor. Por esse indicador, o gasto brasileiro se aproxima ao de países da Europa Oriental (Rússia, Hungria e República Tcheca) e da América do Sul (Argentina e Chile), que gastam cerca de 1000 dólares per capita.

Por outro lado, a expectativa de vida do Brasil é a sexta mais baixa entre os países analisados. Com 73,9 anos de vida, a expectativa de vida aqui é similar à de países como Jordânia, Irã, República Dominicana e Colômbia. Portanto, pela comparação entre expectativa de vida e custo do sistema nacional, o Brasil esta entre os países com gastos mais elevados, mas com relativa baixa expectativa de vida.

Certamente, outros fatores, além do sistema de saúde, afetam a expectativa de vida, tais como saneamento, violência urbana e estilo de vida da população. Como todo ranking, o posicionamento do Brasil não estabelece uma verdade absoluta, mas pode ser usado para levantar a questão do financiamento do sistema de saúde brasileiro (público e privado). Simplesmente aumentar o dispêndio em um sistema que onera demais a economia pode não ser a melhor opção.

Com o envelhecimento da população, os desafios serão ainda maiores. Com tratamentos mais caros em média e com a necessidades de grandes investimentos, a conta da saúde tende a pressionar a atividade econômica. Mais gastos por habitantes serão necessários, pressionando tanto o Estado quanto quanto o cidadão.

A pergunta crucial é se o sistema brasileiro, público e privado, possui estrutura organizada para suportar crescimento. De acordo com um ranking simples como o aqui apresentado, a comparação entre países sugere que o Brasil não aloca bem os recursos em saúde, pois gasta muito para um país sem alta expectativa de vida. Portanto, estratégias inteligentes para a organização do sistema de saúde serão fundamentais para o nosso futuro.

Veja o ranking abaixo:

gráfico6

Fonte: Bloomberg

Transporte: por que priorizar se ele é só uma atividade meio?

Pare e pense, o que seria de sua vida sem os serviços de transporte. Agora considere a situação de uma indústria ou de um produtor rural. Estimativas baseadas na Matriz Insumo Produto brasileira indicam que o setor de transporte é o segundo mais demandado pela economia (o comércio é o primeiro), mas está longe de apresentar bons resultados no país. Classificado como um dos principais entraves para a realização de negócios em território nacional, segundo o Fórum Econômico Mundial, o transporte, de passageiros e de cargas, coleciona problemas e resultados ruins.

Tabela: Classificação Fórum Econômico Mundial –  Pilar Infraestrutura de Transporte (Países selecionados)

tabelatransporte

Nota: A categoria Transporte Geral foi calculada pela Confederação Nacional do Transporte e corresponde à média aritmética das notas dos quatro modais de transporte pesquisados (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos)

Fonte: Fórum Econômico Mundial (The Global Competitiveness Report 2015-2016)

O transporte agrega valor de lugar, mas este valor custa cada vez mais por aqui. Estudos do Instituto ILOS apontam que o custo com logística no Brasil é de cerca de 11,6% do PIB ao ano. Achou pouco dada a importância do setor? Nos Estados Unidos a percentagem é de 8,7. Ou seja, se tivéssemos uma estrutura de custos e condições de operação similares a americana, gastaríamos cerca de R$ 160 bilhões a menos para transportar nossos bens[1]. E isso é dinheiro perdido, um peso morto da nossa economia.

Como assim? Se o nosso transporte é mais caro significa que os nossos transportadores têm mais lucro, certo? Não exatamente[2]. O nosso transporte é mais caro porque os nossos custos de deslocamento e de transação são superiores aos percebidos por fornecedores de serviço americanos e isso influencia a nossa produtividade. Parte significativa desses custos está vinculada à elevada regulação do setor (com a existência de monopólios naturais, preços máximos, etc).

Poderíamos, então, argumentar que a saída é o desenvolvimento de estratégias empresariais que melhorem a performance operacional de forma a trazer ganhos de produtividade que se convertam em eficiência para a cadeia logística. Concordo que essas ações ajudam, mas o que faremos com a parte que não depende da empresa? O que faremos com a burocracia e com a inadequação da infraestrutura de transporte?

Apesar de as rodovias serem a infraestrutura mais abundante no país, nossa densidade ainda é muito reduzida[3]. Dos mais de 1,7 milhão de km de estradas brasileiras, pouco mais de 213 mil km são pavimentados e, desses, 57,3% estão em condições inadequadas, segundo avaliação da Confederação Nacional do Transporte, e elevam o custo operacional do transporte de cargas em 25,8%.

Gráfico: Densidade de infraestrutura no Brasil e em países selecionados (em km/1.000 km2)

grafico_densidade

Fonte: Dados do IBGE, Dnit e Cia.

Temos poucos aeroportos e, os que temos, precisam de modernização urgente em seus terminais de passageiros e pistas para atenderem melhor a demanda futura (sem falar na urgência da modernização do sistema de controle de tráfego aéreo). As empresas ferroviárias investem milhões em sistemas e em estratégias de consolidação para reduzir as perdas advindas dos pontos críticos[4] que reduzem a velocidade operacional dos comboios e geram custos adicionais. Nos portos, filas de navio. Nas cidades, filas de carros, ônibus parados, metrôs lotados e população desassistida.

Assim, para solucionarmos os problemas que prejudicam nossos deslocamentos precisamos internalizar que modernizar e dinamizar o sistema de transporte não é adquirir um veículo novo, mais moderno ou mais eficiente em termos ambientais, ou implantar um novo sistema de gestão por resultados. Modernizar o transporte é possibilitar que ele seja mais dinâmico, mais integrado, ou seja, sistêmico.

O desafio é grande, mas as oportunidades também. Destravar os entraves do transporte é uma condição necessária, mas não suficiente, para elevar os ganhos de produtividade no país.  Eu ousaria dizer que o investimento em infraestrutura de transporte não é, e nunca foi, a solução para o crescimento econômico do país (afinal, o transporte é atividade meio). Contudo, a não modernização nesse serviço básico, que permite agregação de valor de lugar aos bens e é fundamental para a produção de bens e serviços, tem elevado potencial de inibidor do desenvolvimento nacional.

Priscila SantiagoPriscila Santiago é bacharel em economia pela Universidade de Brasília. Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente (UnB) , Especialista em Planejamento Tributário (UnB) e em Gestão de Negócios (Fundação Dom Cabral). Atualmente é doutoranda no programa de pós graduação em economia da UnB. Trabalha há mais de seis anos com economia do transporte.

 

[1] Considerou-se o custo logístico do Brasil na situação atual (11,6% do PIB) e na hipotética similar aos EUA (8,7%). A diferença entre elas seria uma potencial economia de recursos que poderiam ser realocados.

[2] Dados do IBGE (Pesquisa Mensal de Serviços) apontam que em 2015 houve queda de 6% no volume de serviços transportados. A variação nominal da receita do setor foi de 2% (lembrando que a inflação foi de 10,67%).

[3] Enquanto os EUA possuem 438,1 km de rodovias para cada 1.000 km2 de área territorial, o Brasil possui 25,0km.

[4] Passagens em nível críticas e invasões de faixa de domínio.

Envelhecimento demandará grandes investimentos em hospitais

Além dos já conhecidos problemas de qualidade e eficiência dos serviços de saúde, o Brasil começa a enfrentar um desafio adicional nesta área em razão do envelhecimento populacional. Hoje, 7,6% da população têm 65 anos ou mais. Mas esta parcela será de 9,4% em 2020 e de 11,3% em 2025, padrão similar ao de alguns países ricos. Esta mudança vai requerer significativo aumento da oferta de infraestrutura de saúde, já que a população idosa usa muito mais intensamente aqueles serviços. Esta condição, juntamente com o reduzido espaço fiscal para investimentos públicos, requer que discutamos com urgência soluções que elevem os investimentos no setor.

O Brasil despende cerca de 9% do PIB com saúde, média parecida com a da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Porém, esta comparação direta tem limitações. Primeiro, porque enquanto o Brasil gasta cerca de US$ 1100 per capita por ano com saúde, a OCDE gasta US$ 2800. Segundo, porque enquanto o número de leitos no Brasil era de 2,3 por grupo de mil habitantes em 2012, na OCDE era de 4,9. E, terceiro, porque as despesas com remédios, consultas privadas e outros itens não diretamente associados à remuneração da infraestrutura absorvem pelo menos 30% das despesas totais com saúde no Brasil, enquanto que na OCDE esse número é de aproximadamente 17%.

Para piorar, o número de leitos diminuiu nos últimos anos e a tendência é de mais redução. Se não forem tomadas providências que freiem esse movimento e, ainda mais importante, que encorajem novos investimentos, será praticamente inevitável que haja piora na oferta de serviços de saúde.

Nossas simulações sugerem que, se quisermos um padrão de oferta de leitos compatível com a nossa estrutura demográfica e que seja minimamente comparável ao padrão de países de renda média e alta, então teremos que criar cerca de 177 mil novos leitos até 2020 ao custo de pelo menos 20 bilhões de dólares (veja Figura abaixo).

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O maior desafio que temos à frente é o de aceitarmos rever conceitos e rediscutir, de forma desapaixonada, o desenvolvimento de um setor de saúde que seja realista e sustentável, sem abrir mão do SUS. Com a estrutura vigente o cenário é de piora acentuada da cobertura e atendimento à população. Portanto, reformas que melhorem a alocação e uso dos recursos, bem como gerem investimentos na infraestrutura hospitalar são urgentes e não podem esperar.

euVictor Gomes é Doutor em Economia. Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Foi Economista-Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

 

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