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Automação e Desemprego: Aspectos Microeconômicos

A automação crescente da produção e dos serviços tem sido motivo de muita preocupação nos últimos anos. O medo é o de que a computadorização em particular – ou das inovações tecnológicas em geral – desloque imensa quantidade de mão-de-obra para as hostes dos desempregados. A estimativa, feita por Frey & Osborne (2013), do Departamento de Engenharia Elétrica da Oxford University, de que 47% dos empregos nos EUA estariam em risco por causa dos avanços computacionais (robôs e automação) são um exemplo típico do Zeitgeist que aplica uma ótima Estatística a uma péssima Economia.

Essa onda alarmista, no entanto, é velha. No início do século 19, em plena Revolução Industrial, trabalhadores do setor de tecelagem destruíram as máquinas em protesto à substituição técnica. O movimento era liderado por uma personagem fictícia, Ned Ludd, criada pelos revoltosos para dar legitimidade ao movimento, o Luddismo. A gota d’água foi a destruição da tecelagem de William Cartwright em abril de 1812. Apesar da revolta, o mundo progrediu, como depois da invenção da roda, da moeda e dos direitos de propriedade.

Embora a sensação de incerteza quanto ao futuro do trabalho em situação de avanços tecnológicos seja compreensível, o que salta aos olhos é a incapacidade de enxergar o fenômeno sob as lentes da teoria econômica. A tese popular é de que a automação destrói empregos e que, portanto, medidas protetivas devem ser tomadas pelo Estado. Marchant et al (2014) propõem, por exemplo, entre outras coisas, reduzir a taxa de inovação! O que diz, porém, a teoria econômica?

Seria fácil, escreveu Armen Alchian, simplesmente dizer que o progresso tecnológico gera novos empregos em vez de destruí-los. Ele mostra, porém, que essa não é a questão econômica relevante.

Suponhamos que uma inovação tecnológica no setor de têxteis não gere qualquer novo tipo de trabalho, digamos o operador da máquina nova. Segue-se à introdução da máquina a demissão de João, que recebia $100 por semana. Ele será deslocado, por exemplo, para um emprego no setor de manufaturas, que não fora preenchido antes porque o custo de preenchê-los era alto. O benefício marginal de $91 de aumento de produto, por semana, no setor de manufaturas não compensava o custo marginal de contratação de João, cujo custo de oportunidade era $100. Porém, com a inovação no setor têxtil, o trabalho semanal de João passou a valer menos para o setor, digamos $70.

João foi demitido, mas poderia ter permanecido no emprego se aceitasse o salário de $70, com alguma redução de jornada. Ele, porém, não aceita o salário, pois sua oferta de trabalho é dada pelo trade-off entre trabalho e lazer, um termo técnico da Economia para denotar tudo aquilo que o trabalhador sacrifica quando opta pela ação de trabalhar. Ele aceitaria uma redução para $85, seu salário-reserva, mas não $70. Se você acha isso estranho, lembre que trabalhadores do setor automotivo, em momentos de crise, aceitam redução de jornada e salário para evitar a demissão. Quanto ao trade off, pergunte a si mesmo, que ganha R$18.000 por mês como engenheiro e diretor de operações, se aceitaria uma redução de salário para R$200. Certamente não. Há, portanto, algum salário que o deixa indiferente entre trabalhar ou não.

Voltemos a João. Se ele aceitar $90 no setor manufatureiro, será contratado. De fato, vale a pena para a empresa manufatureira contratar João, pois traz um lucro marginal de $1. Para João também, pois $90 é mais que seu salário-reserva, $85. O erro de muitos é não entender quais são as verdadeiras escolhas de João. O salário de $100 no setor têxtil não é mais uma alternativa. Sua escolha agora não é mais entre $100 e $90, mas entre $85 e $90. Não mais entre emprego antigo e novo, mas entre emprego novo e lazer (no sentido técnico). O problema é João e o empresário manufatureiro se encontrarem.

Portanto, mesmo que a inovação não gere um novo tipo de trabalho, ainda assim não é verdade que empregos são destruídos. Pelo contrário, empregos sempre existem. A demora na transição para novos empregos se deve à informação imperfeita, aos custos de busca e de transação, muitas vezes decorrência de restrições institucionais, e aos custos de oportunidade, que são subjetivos. Algumas pessoas reclamam que empregados da Disney recebem pouco e moram em motéis baratos, sendo que em cidades vizinhas há demanda por trabalho a salários “dignos”. Por que esses empregados não se mudam de cidade em busca de novo emprego? Porque o custo de mudança é um custo de transação que eles não estão dispostos a incorrer, talvez porque valorizem a relação com turistas ou porque na outra cidade não há cursos de Economia. Coisas não têm custos: ações têm – e quem age é o ser humano. O mercado é mediado essencialmente pelos custos de oportunidade dos seres humanos na economia.

O problema, então, não é se a inovação destrói ou cria novos empregos. A correlação positiva entre progresso tecnológico e desemprego é um falso problema econômico. O problema real que a Economia identifica é a decisão de quais trabalhos e tarefas executar e quais deixar inativos, além do reconhecimento de que o processo de transição entre empregos enfrenta custos de busca e de transação. Estes, sim, é que deveriam ser o alvo de políticas, nunca absurdos como “redução da taxa de inovação”.

Armen Alchian classifica em três grupos as pessoas afetadas pela inovação. (1) Algumas pessoas receberão maiores salários, em razão de seu capital humano ser mais escasso para as novas técnicas. Elas se beneficiam tanto do salário mais alto como da redução geral de preços e aumento de produto proporcionados pela inovação. (2) Algumas não sofrerão variação de renda, mas se beneficiarão da redução de preços e aumento de produtos. (3) Outras perderão seus empregos e deverão se mudar para empregos que paguem menos. A perda de renda destas pessoas não é compensada pela queda de preços e aumento de produto.

Inovações, de fato, criam novos tipos de trabalho, de forma que o valor do trabalho no resto da economia aumenta, pois as empresas nos outros setores têm agora que competir pelos trabalhadores com suficiente capacidade de ocupar os postos gerados pela inovação. Inovações não só substituem trabalho, mas também substituem bens de capital que obsolescem. Esse capital, então, perde lugar para trabalho e outros bens de capital. Inovações também incrementam trabalhos na cadeia de produção. A máquina nova que é produzida e substitui trabalho é, por sua vez, produzida pela utilização de capital “e” trabalho. A máquina que provocou a demissão de João foi produzida com uma combinação de capital e trabalho, digamos, com José, que foi contratado para a produção da máquina. A produção da nova máquina tem efeito positivo ao longo da cadeia sobre todos os fatores, inclusive trabalho.

Muitos advogam um sistema de compensações aos que perderam seus empregos, sob a alegação de que o incremento de valor gerado pela inovação é maior que as perdas dos trabalhadores demitidos. Essa proposta, no entanto, desconsidera tanto o fato de que a compensação altera os incentivos como o fato de que a identificação de quem perde e quem ganha envolve custos. Como dito, não só o trabalho, mas também o capital existente perde valor no setor que presencia a inovação, de modo que os detentores dos direitos de propriedade sobre esses recursos perdem riqueza. Taxá-los sem consideração dessas perdas é impor deadweight losses ainda maiores.

Que medidas podem ser implementadas para redução dos custos de busca e de transação na transição de empregos? Vejo pelo menos quatro. A primeira e mais óbvia é a eliminação (ou pelo menos a substancial redução) das restrições institucionais no mercado de trabalho, como salário mínimo, encargos trabalhistas, empecilhos à livre negociação e o rent-seeking de sindicatos. A segunda é uma profunda reforma tributária rumo ao IVA. Em terceiro lugar, abertura comercial e livre mercado. Finalmente, a educação, não só especializada, mas principalmente uma educação liberal que dê ao cidadão a capacidade intelectual de atuar em diversas áreas ou de enfrentar menores custos de aquisição de capital humano.

Rodrigo Peñaloza é Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade (UnB). É formado em Economia pela UnB, mestre pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Ph.D. pela UCLA (University of California at Los Angeles). Sua área de atuação é microeconomia e métodos matemáticos.

 

Referências

Alchian, A. (1964): University Economics. 2nd ed., Wadsworth Publishing Company, Belmont, CA.

Frey & Osborne (2013): “The Future of Employment: How susceptible are jobs to computerisation?” Disponível em:

https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf

Marchant, Y. Stevens & J. Hennessy (2014): “Technology, Unemployment & Policy Options: Navigating the Transition to a Better World”. Journal of Evolution and Technology, 24: 26-44.

 

Serviços, automação e polarização no mercado de trabalho

Em post anterior, falamos sobre as mudanças impostas pelas transformações tecnológicas ao mercado de trabalho, impulsionando a demanda por trabalhadores mais qualificados e a redução do emprego em funções que podem ser automatizadas. Por outro lado, naquele momento não abordamos as possíveis consequência para os trabalhadores menos qualificados.

Em um primeiro momento, muitos diriam que a automação levaria a uma substituição quase imediata de trabalhadores que exercem funções de baixa complexidade. No entanto, a experiência recente tem mostrado que as transformações no emprego diante do uso de tecnologias são ainda mais complexas do que isso. Se, por um lado, o avanço tecnológico tem contribuído para o aumento da ocupação em funções que exigem trabalhadores cada vez mais habilidosos, por outro, observa-se que, simultaneamente, tem aumentado a participação do emprego em atividades que exigem baixa habilidade (que geralmente envolvem habilidades manuais e não podem ser executadas por máquinas). Esse fenômeno tem sido chamado de polarização do mercado de trabalho.

Estudos para economias mais desenvolvidas como Estados Unidos[1] e Reino Unido[2] verificaram um aumento do emprego em profissões que compreendem tarefas de menor habilidade (associadas à execução de tarefas menos complexas) desde os anos 1980.  Em outras palavras, esses países apresentam um fenômeno de polarização do emprego em que tanto as atividades de baixa complexidade quanto as de alta complexidade cresceram em participação no emprego total nos últimos anos.

O gráfico abaixo ilustra o fenômeno de polarização identificado para os Estados Unidos e apresenta evidências preliminares de que algo similar tem ocorrido no mercado de trabalho brasileiro. Os dados mostram a variação (em pontos percentuais – p.p.) na participação no emprego total de cada percentil de salário para os dois países, com base em dados de pesquisas censitárias. A hipótese central é de que o percentil de salário capta não apenas a remuneração pelo nível educacional como também a valoração do grau de complexidade das tarefas desempenhadas pelos empregados em uma determinada função[3].

A figura deixa claro que há um aumento no emprego nos dois extremos de grau de habilidade das ocupações no Brasil entre 2000 e 2010. Assim, são registradas variações positivas na participação das ocupações de menor nível de habilidade (classificadas até o 13º percentil) e das ocupações de maior nível de habilidade (acima do 55º percentil) no emprego total, enquanto as ocupações classificadas entre os percentis 14º e 54º registraram uma variação negativa. Mais ainda, a sobreposição da curva calculada para os Estados Unidos por Autor e Dorn (2013) enfatiza a similaridade entre os casos brasileiro e americano. Embora as curvas tratem de períodos distintos, o fenômeno em si é o mesmo: a ocupação caiu primordialmente em ocupações consideradas de média habilidade nos dois países.

GRÁFICO – Variação do emprego por percentil de salário (Em p.p.)*

Fonte: Censo/IBGE e Autor e Dorn (2013). Cálculos da autora.

Mas, afinal, quais são essas ocupações de baixa e de alta habilidade que lideram o fenômeno da polarização? Basicamente, o aumento da demanda por trabalhadores altamente habilidosos vem ocorrendo em ocupações associadas ao manuseio de tecnologias de ponta, como programadores, engenheiros e cientistas da computação. Por outro lado, o aumento do emprego de baixa habilidade ocorre, primordialmente, entre ocupações associadas a serviços, tais como atendentes, pedreiros, cabelereiros, cuidadores, motoristas, entres outras ocupações ligadas a prestação de serviços pessoais, cuja função ainda não pode ser facilmente substituída por máquinas, embora demandem baixa qualificação do trabalhador.

Nesse sentido, ao que tudo indica, o setor de serviços, mais uma vez, tem uma papel decisivo na definição da estrutura produtiva e, em particular, do padrão de emprego.

Sobre isso, o próximo gráfico desagrega os dados por setor de atividade, permitindo identificar como a variação do emprego na indústria de transformação, na agropecuária e no setor de comércio e serviços contribuiu para o processo de polarização estimado anteriormente. Ao se observar as ocupações de menor habilidade (até o 15º percentil) e as ocupações classificadas acima do 85º percentil, o setor de comércio e serviços é o principal responsável pela expansão do emprego nesses grupos de ocupações. Em outras palavras, mais uma vez evidencia-se a alta heterogeneidade dos serviços: neste caso, vemos a capacidade de esse setor ser capaz de alterar a dinâmica do emprego nos dois extremos de grau de habilidade demandados dos trabalhadores.

GRÁFICO – Decomposição da variação do emprego por atividade econômica entre 2000 e 2010* (Em p.p.)

Fonte: Censo/IBGE. Cálculos da autora.

Diante desse cenário, o setor de serviços aparenta ser o ponto crítico para explicar a polarização. Enquanto a indústria e a agropecuária perderam espaço na economia nas últimas décadas, os serviços se expandiram tanto em atividades que demandam mão de obra de baixa qualificação (como serviços pessoais), quanto em atividades que contratam empregados altamente qualificados (como os serviços empresariais associados ao desenvolvimento de tecnologias e soluções para empresas).

A compreensão desse fenômeno e, especialmente, da alocação de trabalhadores mais qualificados nesse contexto representa um aspecto relevante para o debate sobre as mudanças tecnológicas e seu impacto sobre o mercado de trabalho no futuro.

*Notas metodológicas sobre a elaboração dos gráficos:

  1. As ocupações foram ordenadas pelo log do salário médio em 2000. Foram excluídas observações de pessoas que reportaram renda do trabalho principal inferior a R$ 200.
  2. Para os dados americanos, Autor e Dorn (2013) ordenaram as profissões com base no log do salário médio de 1980. Além disso, os autores excluem ocupações associadas ao setor agropecuário.
  3. A estimação do gráfico baseou-se na mudança suavizada no emprego para cada período, utilizando regressão local ponderada, seguindo a mesma estratégia utilizada para o cálculo da curva de polarização americana de Autor e Dorn (2013).

Para mais detalhes sobre a metodologia, ver o texto original sobre o tema publicado em Machado (2017).[4]

Referências

[1] AUTOR, D.; KATZ, L.; KEARNEY, M. The polarization of the U.S. Labor Market. The American Economic Review, v. 96, n. 2, p. 189-194, 2006.

[2]GOOS, M.; MANNING, A.; SALOMONS, A. Job polarization in Europe. The American Economic Review, v. 99, n. 2, p. 58-63, 2009.

[3]A estratégia para a construção dos gráficos de polarização é similar à adotada por Autor e Dorn (2013) em AUTOR, D.; DORN, D. The growth of low-skill service jobs and the polarization of the US Labor Market. American Economic Review, v. 103, n. 5, p. 1553-1597, 2013.

[4]MACHADO, A. Existe polarização no mercado de trabalho brasileiro? RADAR: Tecnologia, Produção e Comércio Exterior, v. 53, p. 13-17, 2017.

Ainda haverá emprego no futuro?

Muito tem se discutido sobre o futuro do trabalho (e do emprego) com a ascensão de tecnologias, como a Inteligência Artificial e a automação, que seriam poupadoras de mão de obra, além do crescimento da importância da chamada “gig economy”, ou “economia de bicos”, muito por conta do surgimento de aplicativos como Uber e AirBnb que possibilitam o aproveitamento de ativos e mão de obra subutilizados. No Brasil, somam-se a isso o processo de flexibilização do mercado de trabalho e a quase universalização da terceirização por meio da Lei 13.429/2017.

Todos esses movimentos apontariam para um futuro no qual poucas pessoas teriam uma ocupação e menos pessoas ainda teriam um emprego formal. Disso, surgem várias discussões sobre formas de atenuar os impactos sociais de tamanha transformação. Entre as soluções sugeridas estão a introdução da renda básica universal e a taxação do uso de robôs, defendida por figuras como Bill Gates.

Há, por outro lado, especialistas que defendem que, assim como o emprego não acabou (pelo contrário) com a introdução de tecnologias disruptivas como a máquina a vapor e a eletricidade no passado, ele também não acabará com o aumento da automação dos processos produtivos. Em um interessante Ted (ver abaixo), o economista David Autor, do MIT, apresenta um dado impressionante: desde a introdução do caixa eletrônico (ATM), há quase 50 anos, o número de caixas humanos praticamente dobrou nos EUA.

Para Autor, dois simples fatos garantiriam o futuro do emprego no mundo: a criatividade e a insaciabilidade humanas. Sobre o primeiro fato, ainda utilizando o exemplo dos ATMs, em um primeiro momento, o número de caixas (humanos) por agência bancária nos EUA caiu em um terço. Porém, como ficou mais barato manter agências, o número delas aumentou em 40% no curto prazo. Como resultado, o número de agências e de caixas humanos aumentou. A única diferença foi que esses caixas passaram a fazer trabalhos diferentes, focando mais na venda de serviços e no relacionamento do cliente do que nas atividades repetitivas que poderiam ser feitas pelos ATMs. Na leitura de Autor, à medida que as tarefas repetitivas vão sendo automatizadas, o papel daquelas tarefas menos automatizáveis, ligadas à criatividade, à resolução de problemas e às habilidades inerentemente humanas, tornam-se ainda mais relevantes, por serem os “elos fracos” da cadeia (pois estão mais sujeitas a erros).

Esse primeiro fato garantiria que haverá alguns empregos no futuro. O segundo fato, o da insaciabilidade humana, garantiria que ainda haverá muitos empregos no futuro. Muitos dos produtos e serviços nos quais gastamos nosso dinheiro nos dias de hoje não existiam ou eram muito caros há poucas décadas (em alguns casos, até poucos anos): smartphones, computadores, ar condicionado, turismo de aventura, etc. Ao poupar tempo, a automação abre espaço para a criação de novos produtos e serviços, que, por mais que muitos deles pareçam frívolos, a maior parte das pessoas deseja obtê-los. Segundo dados apresentados por Autor, um trabalhador médio americano ganha três vezes mais do que há um século, mas ainda assim não se sente saciado.

Por mais otimista que seja essa visão, ela parece ser insuficiente para o contexto brasileiro e de outros países em desenvolvimento. Em primeiro lugar, a maior parte das tecnologias que possibilitam a automatização é criada em países desenvolvidos. Se é verdade que a maior parte do emprego será em áreas que exigem criatividade e capacidade de resolução de problemas e boa parte dos empregos brasileiros estão em atividades com possibilidade de automação, será que conseguiremos migrar para essa nova economia?

Como já discutido aqui no blog com relação às novas tecnologias, a maior parte do valor não está no uso delas, mas sim na sua criação e controle. Como podemos fugir das armadilhas da commoditização digital? Estudo da McKinsey aponta que cerca de 50% dos empregos brasileiros têm potencial de serem automatizados no futuro. Por ser um problema novo, não há resposta certa para isso, mas esse deveria ser o centro das discussões sobre a competitividade da economia brasileira nos próximos anos.

Inteligência artificial e automação vão mesmo destruir empregos?

Um dos assuntos que mais está atraindo as atenções nos dias de hoje são os efeitos da inteligência artificial e da robotização (AI&R) no mercado  de trabalho. De forma simplificada, analistas defendem que a AI&R tomarão o lugar das pessoas em muitas atividades econômicas — de atividades laborais com rotinas pré-definidas e mesmo com rotinas não repetitivas, mas previsíveis, a atividades que requerem capacidades cognitivas e que antes eram consideradas difíceis de automatizar.

Do ponto de vista da empresa, se a automação pode fazer a tarefa de forma mais eficiente e até com menor custo, inclusive de aprendizagem e de gestão, então parece razoável que trabalhadores venham a ser total ou parcialmente substituídos por tecnologias. A substituição já está acontecendo de forma generalizada, mas com especial intensidade em alguns setores – pense nas modernas fábricas de automóveis e de produtos eletrônicos.

Se, do ponto de vista da empresa, a substituição pode fazer sentido, do ponto de vista coletivo a questão tem levantado sinais de alerta, notadamente por seus efeitos sociais. Um dos temores é que a maior pressão sobre o mercado de trabalho causada pela substituição de robôs por trabalhadores leve ao aumento da desigualdade de renda e de riqueza, inclusive com impactos não negligenciáveis na política local. De fato, já há evidências de que o tema está contagiando as agendas políticas e muitos o consideram como um dos fatores a explicar, ainda que indiretamente, resultados eleitorais e de plebiscitos recentes em países avançados.

Que AI&R já tem e terá ainda mais impactos nos mercados de trabalho nacionais, disso poucos analistas discordam. O que não está claro nas diferentes visões sobre a questão são os prováveis efeitos daqueles impactos em nível de país e também em nível global.

Grosso modo, para exame dessa questão, podemos classificar os países em dois grupos. O primeiro é composto por países que partiram na frente no emprego de AI&R, como Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Japão e Coreia do Sul. Na Coreia do Sul, por exemplo, já há 500 robôs ativos para cada 10 mil trabalhadores. Tudo o mais constante, incluindo a queda da população em idade ativa em muitos países, a substituição de robôs por trabalhadores levará à destruição líquida de postos de trabalho em vários setores e regiões. No médio prazo, porém, o impacto é incerto.

O segundo grupo é composto por países emergentes e em desenvolvimento, e mesmo por alguns países avançados, nos quais a mão de obra ainda é relativamente barata, como Portugal e Espanha. Os efeitos de AI&R no emprego serão menores, porém, apenas no curto prazo.

No primeiro grupo, o impacto no médio prazo é incerto porque a destruição de empregos será ao menos parcialmente compensada pela farta criação de empregos nas áreas tecnológicas. Afinal, é naqueles países que está se desenvolvendo, gerenciando e distribuindo em nível global as tecnologias digitais. E é neles que estão sediadas as mais poderosas plataformas digitais que cada vez mais fazem parte do dia-a-dia das pessoas, famílias, empresas e governos. Pense no Google, Apple, Facebook, Microsoft, Amazon, Alibaba, AT&T, PayPal e SAP, ou em serviços como o Netflix e o Uber.

A convergência regulatória ora em curso e o tratamento alfandegário e tributário preferenciais dispensados para atividades da economia digital garantem que empregos em tecnologia e em e-commerce serão gerados basicamente nos países que sediam o desenvolvimento, gestão e distribuição daquelas plataformas.

Dessa forma, a geração de empregos tecnológicos associada à realização de altas taxas de lucro e de capacidade de coleta de impostos sobre esta renda poderão mitigar ao menos parcialmente os efeitos negativos da substituição de robôs por trabalhadores. Restará àqueles países desenvolver políticas fiscais, industriais e sociais adequadas para neutralizar o problema do desemprego associado à AI&R.

No segundo grupo, os prospectos de emprego de médio prazo são, infelizmente, menos promissores, ao menos até onde conseguimos antever. E isto decorre da combinação das novas tecnologias de produção e de gestão da produção com o efeito-rede e a commoditização digital, que estão tornando custos baixos de produção fatores cada vez menos relevantes para se ser competitivo internacionalmente. De fato, a banalização dos bens de capital está transformando radicalmente a forma como entendemos a atividade de produção e de distribuição da riqueza em nível global e mesmo a noção convencional de escassez de recursos produtivos. Mão-de-obra farta e barata, incentivos fiscais e outras formas convencionais de atração de investimentos para países em desenvolvimento requerem, portanto, revisão.

Sendo assim, há que se esperar aumento da pressão nos mercados de trabalho dos países em desenvolvimento e expansão de atividades non-tradable, especialmente serviços de baixa agregação de valor.

Com fins de alterar aquele destino, será preciso que se entenda a diferença entre usar e desenvolver, gerenciar e distribuir tecnologias e recursos digitais. E agir. Afinal, está cada vez mais claro que, no século XXI, a fonte primária da geração do emprego e da riqueza está na capacidade de se criar conhecimento e riquezas intangíveis e de “embuti-los” em bens industriais, agrícolas, minerais e mesmo em terceiros serviços, bem como em se desenvolver e gerenciar plataformas digitais.

A tarefa não será fácil, pois vai requer a gestação de toda uma nova geração de políticas públicas e privadas que mirem o conhecimento e a economia digital como a mola propulsora do desenvolvimento.