Economia de Serviços

um espaço para debate

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Conceitos econômico e jurídico de “serviço” e impactos para a tributação

Tradicionalmente há duas correntes para definição do alcance semântico do termo “serviço” no direito tributário brasileiro: a “econômica” e a conhecida como “civil”. De acordo com a primeira, o direito tributário apropria-se do conceito atribuído pela economia aos serviços, ao passo que, na segunda, esse conceito é construído pelo direito civil.

Durante muito tempo e ainda hoje, vigora a definição de serviços adotada pela doutrina civilista, cuja matriz encontra-se no direito romano, que equivale a “obrigação de fazer”, em contraposição à “obrigação de dar”, que implica na constituição de direito real sobre o bem (domínio, direito de uso), e de “não fazer”, que se refere a deveres de abstenção. Enquanto “obrigação de fazer” o termo “serviço” é considerado espécie do gênero “trabalho”, definido como a “produção, mediante esforço humano, de uma atividade material ou imaterial”.

“Serviço” na esfera econômica, por sua vez, sempre foi reputado como categoria residual, construído após a delimitação dos setores primário (que envolve a agricultura e a extração mineral) e secundário (abrangendo a indústria e a manufatura), o que acaba por incluir nesse conjunto, um universo heterogêneo de bens.

A aplicação da definição econômica de serviços incorpora à tributação a ideia da (in)tangibilidade como critério para a classificação dos bens, dividindo-os em bens corpóreos e bens incorpóreos, que não têm existência física.

O fato é no STF vigorou por muito tempo a teoria civilista, de acordo com o leading case relativo à locação de bens móveis (guindastes), no RE 116.121, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, que, em síntese, decidiu que não incidiria ISS na hipótese, pois a locação seria “obrigação de dar”.

A teoria civilista, que estribou RE 116.121, julgado em 2000, à época deixava diversas operações livres de incidência tributária, em benefício de muitos contribuintes.

Contudo, a evolução da tecnologia e dos meios de comunicação trouxe ao mundo como, também ao direito, novos paradigmas e relevância para os bens incorpóreos, que passaram a assumir crescente importância econômica, ultrapassando, hoje, a marca de mais de 70% do PIB brasileiro.

Esses novos signos de riquezas que, para efeitos tributários, não eram “obrigações de fazer”, mas também não eram “mercadorias” em seu sentido clássico, de bem corpóreo, atraíram o ímpeto arrecadatório dos Estados, que passaram a disputar essas competências, como claramente se observou no caso da tributação dos softwares.

Esse movimento culminou no Convênio 106/2017, que criou o conceito de “mercadoria digital”, autorizando a instituição de ICMS sobre “operações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados”.

Entre o ISS, tributo municipal cuja alíquota máxima é de 5% e o ICMS, cuja alíquota modal é de 18%, os contribuintes, passaram a defender a incidência do primeiro. E esse novo contexto, passa a determinar a revisitação da doutrina tributária sobre o tema e a mutação do alcance semântico do termo “serviço”, enquanto determinante da materialidade da norma de tributação.

O fato é que a clássica doutrina civilista está cedendo espaço para um conceito de serviços vinculado à intangibilidade. No próprio STF verifica-se a evolução do conceito, que paulatinamente aproxima-se da concepção econômica.

O quadro a seguir demonstra essa evolução:

 

Contudo, ainda se verifica nas demais cortes e na doutrina, a preponderância do conceito civilista de “serviço”.

Observe-se que a doutrina civilista dos serviços faz sentido em um contexto histórico em que o fornecimento de bens incorpóreos era restrito a prestações relacionadas a um “fazer”, que, ademais, demandavam a presença física do prestador e, quanto ao tomador, da mesma forma, limitado ao mesmo âmbito territorial. Exemplificativamente, os casos de serviços de tinturaria, ourivesaria, tinturaria.

Um outro ponto, é que a gênese de muitos desses problemas está na divisão de competências dos tributos sobre o consumo. No Brasil optou-se desde as origens, na Constituição de 1891, por instituir um imposto geral sobre as vendas de mercadorias (IVC) e um imposto geral sobre os serviços (imposto de indústrias e profissões) de forma apartada e com a competência tributária dividida entre dois entes federativos.  De lá para cá, a complexidade na divisão de competências tributárias, somente se deterioraram.

No direito tributário brasileiro, sendo a competência para a tributação de serviços dividida entre três entes federativos, é quase impossível alcançar-se um conceito unívoco de “serviços”. Esse é um óbice relevante para se adotar um conceito de serviços como o da União Europeia, que abrange todos os bens incorpóreos, simplesmente.

Entretanto, em um momento de debates sobre a reforma tributária deve se ter em conta que discussões que visem a traçar um limite entre serviços, mercadorias e outros intangíveis, passam a ser desprovidas de substância, pois a economia digital passa a ser, cada vez mais, a própria economia.

Não é à toa que o modelo que unifica a base de consumo, submetendo-a a um único imposto sobre valor agregado é a referência dos mais modernos sistemas tributários, tendo sido, recentemente, adotado pela Índia.

Ana Clarissa Masuko é Bacharel em Direito pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, Doutora em Direito Tributário pela USP, professora de Direito Tributário do IBMEC/DF, Ex-Conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, Diretora de Análises Tributárias da BarralMJorge Consultores.

Prestação de serviços de Ensino Superior: desafios concorrenciais

O acesso à educação superior é o sonho de muitas famílias brasileiras. Se, no passado, ter um diploma era um objetivo distante, restrito a poucos abastados, observa-se que esta não é mais a regra (apesar do grande número de jovens ainda fora do sistema educacional). A maior demanda por esse serviço, combinado às políticas públicas de acesso ao ensino superior, acabou resultando em um cenário perfeito para um lucrativo mercado. Tão rentável que, mesmo após a decisão do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em impedir a compra da Estácio pela Kroton, esta anunciou lucro recorde em 2017.

As preocupações concorrenciais nesse setor ficaram claras nos pareceres do Cade e nos votos dos Conselheiros durante o julgamento do caso. Ambas instituições possuem a maior quantidade de alunos matriculados no ensino superior privado no país. Paralelamente, considerou-se a área de influência de cada instituição de ensino, já que o deslocamento, principalmente no ensino presencial, é item importante na escolha do estudante. Durante a proposta da compra da Estácio pela Kroton, foram analisados os municípios onde cada uma atuava e observou-se que a fusão criaria uma empresa presente em 109 municípios, sendo que em 15 haveria sobreposição física. Em adicional, haveria sobreposição em 125 cursos, como direito, administração, ciências contábeis, entre outros.

O parecer da Superintendência Geral do Cade [1] ressaltou que, além das sobreposições destacadas, haveria uma excessiva concentração nos cursos de graduação à distância, cujo número de alunos tem aumentado gradativamente. Em alguns municípios, a nova empresa seria a única provedora desse serviço e colocaria a Kroton em posição de líder incontestável, com quase 50% do mercado nacional, bem distante dos demais concorrentes.

O tamanho de uma empresa é sempre motivo de discussão entre especialistas. Se, por um lado, ele pode ser resultante natural de inovações e de eficiências, não se descarta a hipótese de que a mesma, com grande poder de mercado, use isso como vantagem para abusar de sua posição dominante. Desse modo, são considerados fatores como probabilidade de entrada de outros concorrentes e quais seriam as barreiras que estes enfrentariam, em um exercício conjectural.

No mercado de ensino superior, o parecer do Departamento de Estudos Econômicos do Cade apontou a relevância da marca na comercialização dos cursos, principalmente na modalidade à distância. Isso colocaria a nova empresa, com duas marcas nacionais fortes, em vantagem em relação às demais concorrentes. Novas entrantes nesse mercado deveriam, desde o início, considerar custos com publicidade e propaganda para tornar sua marca tão conhecida como Kroton e Estácio, o que já seria uma barreira importante para novos centros de ensino.

A dificuldade de entrada aliada aos desafios que outras instituições teriam para competir criariam uma situação em que seria alta a possibilidade de práticas abusivas, como aumento nos preços das mensalidades, exclusão de marcas, combinação de preços ou de aquisição de serviços com outros competidores menores. Um ponto que diferencia esse caso de outros, todavia, foi a preocupação com a manutenção da qualidade do ensino a ser prestado. Destacou-se que haveria um risco de homogeneização da educação superior em patamares de qualidade que, apesar da conformidade com a regulação atual, poderia provocar prejuízos à educação superior como um todo e à própria economia do país, dada a importância desse setor para a formação de mão-de-obra. Como levantado pela Associação Brasileira de Ensino à Distância, citando obra da Hoper Educação:

Um dos efeitos sociais negativos dessa concentração de mercado é a concentração de conteúdos educacionais, já que os mesmos materiais didáticos acabam sendo utilizados por uma quantidade cada vez maior de alunos. A dominação do conteúdo por grandes grupos consolidadores nos ameaça com o risco de um cenário de McDonalds ou Blockbusters de conteúdo educacional, que tendem a provocar uma homogeneização cultural, apagando valores e formas de comunicação locais.” (PRESSE, 2016, p. 43). [2]

Assim, considerando os efeitos perversos de uma possível concentração nesse mercado, é importante que as autoridades reguladoras mantenham-se atentas à qualidade do serviço de ensino superior a ser prestado por grandes empresas, para que o sonho de muitos brasileiros não acabe se tornando um pesadelo.

Simone Cuiabano é Pós-doutora em Economia na Toulouse School of Economics (TSE). Foi Economista-chefe adjunta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre 2014 e 2016. É Auditora de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional desde 2007.

 

Referências:

[1]Ato de Concentração Ordinário, 8700.006185/2016-56 (Cade 31 de 08 de 2016). Fonte: Cade.

[2]Presse, P. (2016). Análise Setorial da Educação Superior Privada — Brasil. Foz do Iguaçu: Hoper Educação.

Brasil: líder e (ainda) perdedor no mercado de café

Em outubro deste ano, o jornalista Mauro Zafalon observou, em texto publicado pela Folha de São Paulo, que, apesar de figurar como líder mundial de produção e exportação de café, o Brasil se distanciava cada vez mais das receitas mundiais geradas pelo comércio do produto. Isto porque, segundo ele, a “industrialização e a geração de ‘blends’ (misturas) para a bebida com cafés de diferentes regiões do mundo são o que interessam hoje ao mercado internacional.”.

Tradicionalmente, empresas de torrefação, grandes distribuidores e marcas de produtos encontrados em prateleiras dos mercados consumidores capturavam a maior parcela de valor gerado neste subsetor de alimentos e também ditavam padrões de qualidade e de produção ao restante da indústria (os produtores, grosso modo). No entanto, esta dinâmica veio sofrendo drástica alteração nas últimas décadas, deslocando a percepção do consumo do produto café para o consumo do café com conteúdo social. Assim, diferem-se os segmentos consumidores de café: convencional, diferenciado e aquele consumido como experiência – também chamados, em relatório recém-publicado da World Intelectual Property Organization (WIPO), respectivamente, de café da primeira, segunda e terceira ondas (ou gerações) – e que se diferenciam em termos de público-alvo, de nuances do produto e, claro, de preço.

A figura abaixo, retirada do referido relatório (World Intelectual Property Organization Report 2017), permite visualizar essa inflexão, causada pela crescente incorporação de capital intangível na cadeia de valor do café consumido mundialmente e que permitiu aos países consumidores capturarem parcela cada vez maior da renda gerada no setor em ritmo que se acentuou a partir de fins da década de 1970.

Gráfico – Participação dos países exportadores e importadores na renda total gerada pela venda de café – 1965-2013

Fonte: World Intelectual Property Organization Report 2017.

Os consumidores tradicionais de café, que correspondem à primeira onda, eram atendidos por cerca de 65 a 80% da quantidade total de café produzida mundialmente, o que, no entanto, corresponde a apenas 45% do valor total de mercado. Por si só, esta informação já reflete o alto valor pago pelos consumidores da segunda onda – que passaram a levar em conta padrões voluntários de sustentabilidade – e da terceira onda, composta por demandantes dispostos a pagar um preço premium para terem peculiaridades de gosto atendidas por um produto que considerarem superior ao das demais ondas.

A sofisticação da demanda por café ao longo dessas décadas não só incrementou a parcela da renda capturada pelos países que mais gastam com seu consumo final. Ainda que em menor medida, os produtores de café cujo preço acompanhou a elevação dos padrões de produção – em termos de melhorias tecnológicas ou de aspectos socioambientais – também tiveram sua renda elevada. O mesmo relatório atesta que, enquanto países produtores de café da primeira geração faziam jus a US$3 por quilo do produto, os da segunda e terceira gerações o vendiam a cerca de US$6 e US$11 respectivamente. Neste sentido, é fácil inferir que a política pública ideal em um grande país produtor procuraria incrementar os ganhos “nas duas pontas”: promovendo o consumo de segunda e terceira geração por meio de táticas como o branding, para elevar o dispêndio do consumidor final local e externamente e, ao mesmo tempo, redistribuindo ao menos parte dos ganhos adicionais para segmentos de inovação (inclusive em termos de aumento da variabilidade de grãos) e padrões sustentáveis de produção (ambientais e sociais).

O relatório cita ao menos dois países que lograram melhorar sua inserção no mercado mundial de café ao perceber e promover políticas neste sentido, a ponto de terem suas marcas indissociáveis de suas nacionalidades: o café colombiano Juan Valdez e o jamaicano Blue Mountain. É digno de nota que nossos vizinhos sul-americanos contavam, ao final de 2016, com 371 cafeterias no “formato Starbucks”, das quais 120 fora da Colômbia. Ao fechar as portas para esse tipo de industrialização, o Brasil se consolida como líder em quantidade produzida, e, ao mesmo tempo, como o grande perdedor, pois não pode se orgulhar da marca, se os verdadeiros vencedores estão levando quase tudo em termos da renda total gerada.

Espera-se, no entanto, que iniciativa do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), na região das montanhas do Caparaó (entre Minas Gerais e o Espírito Santo), consolide caminho alternativo à cafeicultura nacional. Agricultores visitados por seus técnicos vêm conseguindo capturar parcela crescente do que antes seguia para atores intermediários. Isto foi possível por meio de qualificação técnica, alterações importantes em processos (principalmente pós-colheita) e aquisição de novos maquinários, como beneficiadoras. Assim, em 2016, conforme informa a Associação Brasileira de Cafés de Especialidade (BSCA), “a produção de cafés brasileiros de qualidade superior chegou a 8 milhões de sacas, 54% a mais que em 2015”.

Esta inflexão foi noticiada também na Folha de São Paulo pouco mais de 2 meses após a publicação do artigo de Zafalon, ao qual é importante contraponto. De todo modo, assim como para o café, deve-se ter em conta que mudanças de rumo como as promovidas pela Incaper devem servir de referência para outras culturas, como a soja, de modo que se contorne obstáculos como os impostos por oligopsônios (haja vista as implicações negativas da predominância do consumo chinês deste nosso grão – vide artigo de Zafalon) e ainda gerar mais renda por peso da produção. Assim, torna-se possível não somente remunerar melhor nossa produção, como garantir melhores condições de trabalho a produtores e de preservação de recursos naturais.

Breno Simonini Teixeira é economista formado pela Universidade de Brasília e mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente pelo Centro de Estudos em Economia, Meio Ambiente e Agricultura (CEEMA), vinculado ao Departamento de Economia da UnB. Atualmente, trabalha na Superintendência de Meio Ambiente na VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias.

Custos e benefícios da abertura do mercado de serviços

Este blog tem discutido há muito que os serviços brasileiros são relativamente caros e de baixa qualidade para padrões internacionais, o que compromete a competitividade das empresas que os utilizam como insumos de produção. Também tem mostrado que vários segmentos do mercado de serviços são bastante protegidos da competição internacional.

A quase instantânea reação a essas evidências é a de apoiar a abertura do mercado de serviços como forma de minorar os impactos negativos mais imediatos para as empresas. Posição mais que legítima. A defesa da maior competição deve, porém, levar em conta outros pontos que também têm impactos para a competitividade, produtividade e geração de riquezas e empregos. Dentre esses pontos, incluem-se os que seguem.

Primeiro, os serviços de custos, como logística e fretes, portos, serviços financeiros convencionais, serviços industriais e serviços de manutenção e apoio, são normalmente menos comercializáveis internacionalmente em razão da sua natureza — pense nos serviços de cargas internas — e, portanto, são providos majoritariamente em nível local. Já os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, como licenças e royalties, softwares customizados, design, marcas, marketing, distribuição e pós-vendas, são mais passíveis de serem comercializados internacionalmente também em razão da sua natureza — pense nos serviços providos via internet.

Segundo, embora a participação dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos no valor adicionado esteja crescendo, os serviços de custos ainda são absolutamente majoritários nas nossas matrizes de custos industriais  e de commodities (juntas, as duas classes de serviços correspondem a nada menos que 64% do valor adicionado da indústria). Matrizes internacionais de insumo-produto (WIOD) mostram que a participação dos serviços de custos é desproporcionalmente elevada no Brasil porque ela espelha a estrutura de produção — bens sofisticados consomem mais serviços de agregação de valor, enquanto que bens menos sofisticados consomem mais serviços de custos. Commodities, semimanufaturados e outros produtos e serviços de baixo valor adicionado respondem pela maior parte do PIB e das nossas exportações.

Terceiro, muitos dos mais importantes serviços de custos consumidos pelas empresas no Brasil são excessivamente concentrados e oligopolizados, o que leva a preços altos, ineficiências e poucos incentivos para inovar. O mercado de serviços financeiros, que perfazem, em média, 25% dos serviços consumidos pelas empresas, é revelador.  O aumento da competição e da eficiência nos serviços de custos requer, antes de tudo, a remoção de barreiras à entrada de novas empresas e a modernização da regulação que governa aqueles serviços. A tributação incidente sobre muitos serviços de custos é elevada e distorciva e compõe o quadro de ineficiências e preços altos.

Quarto, evidências empíricas mostram que enquanto os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos elevam a produtividade e a competitividade das empresas, os serviços de custos têm pouco ou nenhum impacto na produtividade, o que decorre desses serviços serem condição necessária, mas não suficiente para se competir internacionalmente. Serviços eficientes e modernos de logística e portos, por exemplo, reduzem custo, mas não criam valor nem inserem o produto em estágios mais avançados das cadeias globais de valor. Isto, quem pode fazer, são os serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, sobretudo por meio das relações sinergéticas e simbióticas entre bens e serviços para criar valor (Arbache 2016, capt 2).

As considerações acima sugerem que, na margem, a abertura do mercado terá maior impacto nas importações de serviços de agregação de valor do que nos serviços de custos. Por isto, não se deve esperar que a abertura venha, per se, a impactar substancialmente a competitividade e a produtividade das empresas.

A maior dependência da importação de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos decorrente da abertura poderá ter impactos não negligenciáveis nos incentivos para se desenvolver esses serviços no país, o que poderá ter implicações importantes na nossa capacidade de adicionar valor e de participar de fases mais sofisticadas das cadeias globais de valor. As maquilas do norte do México e a Zona Franca de Manaus são reveladores dos efeitos dessa dependência sobre o que e o como se produz.

Por fim, embora os serviços de custos sejam mais importantes para os produtos que mais produzimos e exportamos, mesmo ali os serviços de agregação de valor já exercem influência importante. Pense na soja em grão. P&D e royalties embutidos nas sementes e nos agrotóxicos, serviços técnicos especializados, serviços de satélite, comercialização em mercados futuro, comercialização internacional por trading companies, dentre outros serviços sofisticados — e que são majoritariamente importados – já respondem por elevada e crescente parcela do valor final da commodity.

O que fazer?

A esta altura do acirramento da competição global por um lugar ao sol, é crucial, crítico até, reconhecer as limitações dos nossos serviços e de seus impactos deletérios na produtividade das empresas e também na produtividade agregada, já que eles perfazem 73% do PIB.

Mas tão ou mais importante que abrir o mercado é remover as enormes barreiras à competição interna que geram verdadeiros cartórios. Além disso, é preciso identificar os principais bottlenecks a partir das relações sinergéticas e simbióticas entre bens e serviços para se criar valor e ali promover aumento dos investimentos e maior acesso à tecnologias (as novas políticas operacionais do BNDES são encorajadoras e vão nesta direção). Outras políticas que serão úteis para o desenvolvimento e a competitividade dos serviços incluem medidas que atraiam investimentos de multinacionais de serviços e seus laboratórios de P&D, estimulem as universidades e institutos de pesquisa a desenvolverem tecnologias de serviços sofisticados, reforma tributária que não discrimine a provisão de serviços de agregação de valor no país, investimentos em infraestruturas avançadas que estimulam negócios no setor (como banda larga) e formação de quadros voltados para as necessidades dos investimentos em serviços.

A maior abertura do setor é inquestionável, mas ela deve ser feita com visão estratégica e deve compor um conjunto coordenado de políticas que se complementem e que contribuam para gerar prosperidade e inserção internacional do país pela “porta da frente”. Deve, ainda, levar em conta a economia política da proteção e os erros de política que foram cometidos no passado e que ajudaram a criar tantas ineficiências no país.

A Conectividade e a Vulnerabilidade dos Usuários da Internet

Atualmente, o Wi-Fi faz parte da vida das pessoas, que ficam satisfeitas por poderem se conectar no café, no hotel, no Shopping. Porém, o acesso à Internet pode expor as pessoas a risco de ataques maliciosos.

O avanço tecnológico também traz problemas, e um deles é o crime cibernético, que pode ser um grave problema para as pessoas. Depois do ataque cibernético de escala mundial que aconteceu na última sexta feira (12/05), muitos usuários da Internet puderam perceber que os benefícios da era digital também podem vir acompanhados de riscos.

De acordo com o Norton Cybercrime Report, empresa que realiza o estudo mais importante do mundo a respeito do tema, em 2015 cerca de 689 milhões de pessoas foram vítimas de crimes online em 21 países. No Brasil, a maior preocupação é com a vulnerabilidade de crianças e adolescentes online.

O montante perdido para o crime cibernético no Brasil em 2015 foi o equivalente a 45 bilhões de reais. O tempo gasto no mundo para sanar os ataques cibernéticos, em 2015, foi de 19,7 horas e o valor global estimado gasto com esses ataques foi de 125,9 bilhões de dólares, que é um valor considerado alto o suficiente para mobilizar recursos e incentivar os Governos a tratarem mais seriamente do assunto.

Depois que houve a invasão de hackers ao sistema Swift do Banco Central de Bangladesh, quando foram roubados 81 milhões de dólares, a rede Swift resolveu encorajar os demais bancos para que se unam e criem medidas para barrar esse tipo de crime. Diversos grandes bancos se uniram para tentar combater o crime cibernético e melhorar a segurança digital dos consumidores e das empresas. Esse é um exemplo de medida que envolve a possibilidade de ação conjunta entre o governo e a iniciativa privada.

Em março de 2016, a Norton publicou um post sobre os cuidados que os usuários devem ter ao se conectarem ao Wi-Fi público. Mais pessoas acreditam que, nos últimos 5 anos, está mais difícil ficar seguro online (63%) do que no mundo real (52%). Infelizmente, esses crimes podem ser caracterizados como uma das consequências geradas pela globalização, que talvez possa ser sanada, ao menos parcialmente, com a ampliação dos investimentos em tecnologia, principalmente nos países em desenvolvimento.

Para prevenir esses ataques, principalmente os de maior gravidade, como aqueles financeiros, bancários ou de bullying e invasão e exposição de dados privados, é importante reforçar a regulação do meio digital, mas sempre com o cuidado de não tornar a Internet menos livre ou menos propícia à inovação e ao surgimento de novos negócios.

Terceirização e seus possíveis efeitos na produtividade

Com a aprovação da Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017), haverá menos barreiras para a terceirização de atividades. A Lei dispõe sobre a prestação de serviços de fornecimento de mão-de-obra temporária e sobre a prestação de serviços a terceiros. O ponto mais polêmico da Lei é que ela abre a possibilidade de terceirizar a chamada atividade-fim, ao estabelecer que “[n]ão se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.” Sem entrar no mérito da polêmica em si, relacionada ao possível aumento da “pejotização” do mercado de trabalho, discorremos sobre os possíveis efeitos da terceirização excessiva na produtividade.

Não há registro na história econômica de países que conseguiram aumentar, de maneira sustentável, a qualidade de vida da sua população sem ter aumentado a sua produtividade do trabalho. Como amplamente discutido aqui no blog, a baixa (e estanque) produtividade é o maior desafio da economia brasileira, em especial considerando o rápido envelhecimento da nossa população.

Portanto, cabe perguntar o que a literatura econômica tem encontrado a respeito das possíveis consequências do aumento da terceirização de atividades na produtividade de um país. A economia está crescentemente mais descentralizada e, como consequência, têm surgido empresas cada vez mais especializadas em algum nicho das cadeias de produção. Em países em que há menos restrições, o processo de terceirização cresceu especialmente a partir dos anos 80 e a literatura traz achados mistos com relação ao seu efeito na produtividade.

Raa e Wolff (2001), por exemplo, creditam a recuperação da indústria americana nos anos 1980 e 1990 à prática de terceirização. Os produtores teriam evitado a “doença de custos de Baumol” substituindo os serviços improdutivos internos por serviços externos.

Acemoglu, Zilibotti e Aghion (2003) argumentam que o efeito da terceirização na produtividade depende do ramo da empresa. Para eles, quanto mais uma economia se aproxima da fronteira tecnológica, mais a inovação torna-se importante. Um gestor em uma empresa verticalizada teria que dividir seu tempo em atividades de produção e atividades que promovessem a inovação. Logo, terceirizar a produção poderia ser vantajoso, mesmo com possíveis custos decorrentes de rent-seeking por parte dos contratados e de contratos imperfeitos, pois sobraria tempo para que os gestores focassem em promover inovações. Os autores concluem, então, que atividades mais próximas da fronteira tecnológica teriam mais incentivos para terceirizar; já aquelas distantes se beneficiariam de se verticalizar. Nesse sentido, Francois e Woerz (2008) encontram resultados que mostram que empresas de maior intensidade tecnológica tendem a se beneficiar mais da terceirização do que firmas em setores mais tradicionais.

Berlingieri (2013) encontra resultados que mostram um aumento da competitividade das empresas industriais francesas que contratam serviços antes de exportar. Em argumento similar ao de Coase (1937), o autor teoriza que, ao aumentar sua produção, principalmente aquela voltada para exportação, uma empresa se depara com custos crescentes de coordenação. Isso se daria porque, quanto mais mercados externos uma empresa quiser alcançar, mais insumos serão necessários para a produção. Com isso, a coordenação da produção fica mais complexa e custosa. A contratação de serviços serviria, então, como uma forma de atenuar esses custos.

Por fim,  há estudos que mostram efeitos negativos de um excesso de terceirização. Atalay, Hortaçsu e Syverson (2014) demonstram que empresas que detêm suas cadeias de fornecedores tendem a ser mais produtivas que aquelas menos verticalizadas. Os autores encontram que o maior ganho em possuir uma cadeia de fornecedores não é facilitar o transporte de insumos físicos e sim a troca mais fácil de “insumos intangíveis”, como capacidades organizacionais de uma firma, monitoramento da produção, planejamento, know-how, propriedade intelectual, etc. Depreende-se disso que empresas que terceirizam demais a sua produção poderiam incorrer em perdas dessas capacidades.

Esse resultado corrobora a hipótese de Windrum, Reinstaller e Bull (2009), construída a partir da constatação de que empresas que terceirizam intensamente sua produção observam ganhos de produtividade iniciais, mas diminuem seu crescimento de produtividade de longo prazo. Na visão desses autores, a empresa ganha eficiência no curto prazo por diminuir custos mas, ao longo do tempo, o não gerenciamento direto do processo produtivo faz com que a firma perca capacidade de promover inovações organizacionais.

Em suma, não há consenso sobre os efeitos da terceirização na produtividade. A terceirização parece trazer efeitos benéficos em empresas de alta tecnologia ou que precisam de serviços mais sofisticados para realizar da melhor forma a sua produção. Também parece haver risco para o excesso da terceirização, que seria a perda de know-how específico e possíveis problemas de coordenação de uma cadeia mais descentralizada por parte da empresa contratante (veja o exemplo da Boeing).

Considerando que a maior parte das empresas brasileiras está longe da fronteira tecnológica e tende a inovar pouco, somado à grande heterogeneidade de produtividade que existe entre as firmas no Brasil, é possível que um crescimento elevado da terceirização possa trazer efeitos negativos para a produtividade agregada. Ao mesmo tempo, para se chegar à fronteira tecnológica, as empresas brasileiras precisarão ter acesso mais fácil a serviços especializados. Além disso, nesse mundo dinâmico, as linhas estão cada vez mais tênues entre atividades-fim e atividades-meio. Sob esse aspecto,  facilitar a terceirização talvez possa trazer benefícios.

Em suma, a nova legislação dará mais liberdade para que as empresas escolham o quê e o quanto terceirizar, mas a soma dos efeitos disso para a economia ainda está em aberto. Só nos resta esperar e observar.

Globalização Financeira e Überfremdung – O que a história pode nos contar?

Situada entre meados do século XIX e a Primeira Guerra Mundial, a primeira era da globalização financeira foi marcada por um crescimento sem precedente dos fluxos internacionais de capital. À época, os escassos controles sobre a entrada de capital estrangeiro eram exercidos com a finalidade de limitar a influência estrangeira sobre empresas e setores relevantes da economia de maneira a evitar submissão aos países exportadores de capital. Por exemplo, em 1909, a Alemanha estabeleceu limites ao controle das minas de carvão por estrangeiros.

O reestabelecimento dos fluxos de capital após a Primeira Guerra Mundial levou o mesmo país a cunhar o termo überfremdung, que significa “superestrangeirização”, para traduzir as preocupações sobre uma entrada excessiva de capital estrangeiro na década de 1920. Essas preocupações se solidificariam com a crise alemã do início dos anos 1930 e o seu alastramento ao continente europeu, relegando os fluxos de capital ao papel de desestabilizadores econômicos. O que sucedeu, nos países avançados, foi uma escalada de controles de capital (e protecionismo comercial) que só começaria a ser substancialmente revertida na década de 1970.

O abandono do padrão dólar-ouro, a crescente internacionalização da atividade comercial, o desejo europeu de integração regional e o advento de teorias econômicas liberais contribuíram para que os controles de capital nas economias avançadas fossem retirados gradualmente. No começo da década de 2000, tornaram-se basicamente inexistentes, assim como na primeira era da globalização financeira. Da mesma maneira, os membros da OCDE retiraram a maioria das restrições ao investimento estrangeiro direto (IED), uma forma específica de controle de capital. A überfremdung se perderia do domínio da linguagem econômica para adquirir significado em outras temáticas, como imigração e xenofobia. Entretanto, desdobramentos recentes apontam que a expressão alemã poderá renascer no contexto da globalização financeira.

Lançado em 2015, o plano decenal Made in China 2025 procura subir um degrau e colocar o país na vanguarda da Indústria 4.0. Em 2016, as aquisições de empresas estrangeiras, um dos instrumentos para atingir o objetivo chinês, somaram aproximadamente US$56 bilhões na União Europeia e nos Estados Unidos e estão sofrendo crescente resistência política nessas economias. Um caso emblemático é a compra da produtora de chips alemã Aixtron pela chinesa Fujian, que recebeu o veto presidencial americano no mês passado – o terceiro na história do país –, alegadamente por questões de segurança nacional.

Historicamente, restrições ao IED se concentraram em setores ligados à segurança nacional e geralmente oligopolizados, como transporte e energia. Entretanto, assegurar a integridade nacional pode, aparentemente, se tornar indissociável de impedir a estrangeirização de ativos em setores estratégicos da economia. A transferência de nacionalidade do ativo é ainda mais dificultada se a natureza da cooperação econômica externa do país investidor estiver em cheque. Sendo o carvão insumo essencial para o desenvolvimento da indústria alemã no começo do século XX, entende-se, assim, a imposição pelo país de limites ao controle de suas minas por estrangeiros. Ademais, a medida visava conter a influência da então rival política e econômica, a França.

O carvão não possui hoje o mesmo papel na geração de riqueza que tinha um século atrás: o combustível de uma economia avançada passou a ser a combinação virtuosa entre indústria e serviços, fornecendo produtos especializados, de alto valor agregado. O desafio para a transição econômica chinesa não reside, portanto, apenas em balancear a economia a favor do consumo, mas, também, em alterar a estrutura econômica para elevar a densidade industrial e fortalecer a geração de serviços de valor. Se, por um lado, a aquisição de empresas estrangeiras de alta tecnologia é considerada fundamental à transição chinesa, por outro, pode afetar a estrutura econômica e arriscar a competitividade de alguns países avançados, suscitando questionamentos quanto à conveniência da operação.

A alegada concorrência desleal chinesa, haja vista o forte envolvimento estatal na política industrial e a assimetria na abertura ao IED, fortalece ainda mais a argumentação a favor de restrições às aquisições estrangeiras, que vem ganhando ímpeto no alto escalão político das economias avançadas. O ministro da economia alemão, Sigmar Gabriel, e a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, se declararam favoráveis à reintrodução de controles de capital ao se defrontarem com um arcabouço regulatório que, após décadas de liberalização financeira, dificulta exercer escrutínio sobre a aquisição de empresas por estrangeiros. Entretanto, os recentes desdobramentos permitem apenas conjecturar se o veto de Barack Obama marcará o ressurgimento dos controles ao investimento estrangeiro.

A intensificação da integração internacional econômica nas últimas cinco décadas, que tem como um dos pilares a liberalização das transações financeiras, é apontada como uma das razões para o recente fortalecimento do próprio sentimento antiglobalização. O apoio popular ao protecionismo nos países avançados já foi internalizado nas campanhas políticas e poderá ser institucionalizado futuramente. Ainda que cautelosamente, é inevitável comparar o atual momento à Grande Depressão, cujo desfecho impediu a manutenção da ordem financeira internacional liberal precedente. Somando-se ao contexto atual o inerente embate entre as economias avançadas e a China, fica a interrogação: estaria a überfremdung lentamente retornando à linguagem econômica?

Renan Abrantes de Sousa é mestrando em Economia na UnB e analista no Banco Central do Brasil.

A resposta dos bancos à concorrência das fintechs

 

Como exposto anteriormente aqui no blog, o fenômeno das fintechs, startups de tecnologia em serviços financeiros, avança cada vez mais no mercado internacional e no Brasil. Os bancos tradicionais estão respondendo mundialmente ao fenômeno, tanto pela aquisição de empresas como pelo desenvolvimento de suas próprias plataformas digitais para disponibilizar serviços, em particular para o público jovem e mais ávido por agilidade e praticidade — a custos menores.

No Brasil, Bradesco e Banco do Brasil apresentaram, como sua mais recente resposta, o novo cartão Digio, visando explorar o mercado até então cativo do Nubank. Utilizando o modelo de cartão de crédito com funcionalidades via aplicativo, o Digio também fornece taxas de juros inferiores a media dos cartões tradicionais, mas não tem fila de espera, o que poderá gerar um forte crescimento inicial nas adesões. O movimento pode fazer a Nubank repensar sua estratégia de avaliação de crédito mais longa e adesão por convite para fazer frente à concorrência.

Como vantagem, a Digio possui o know-how de mercado de bancos fortes, como Bradesco e Banco do Brasil. Ainda resta saber, todavia, se conseguirá explorar a crescente demanda por serviços financeiros puramente online e fornecidos de forma mais flexível, tal como a proposta do Nubank. De qualquer forma, ganha o consumidor, que terá, a sua disposição, a boa e velha pressão da concorrência que impulsiona para cima a qualidade dos serviços e para baixas taxas de transação. O próprio Banco Central já se manifestou sobre o tema, ao “encorajar o desenvolvimento dessas novas tecnologias no mercado financeiro, pois isso pode estimular a concorrência no mercado, o que impacta sua eficiência e possibilita a oferta de produtos a preços menores aos clientes, atingindo maior parcela da população”.

Mas ainda há um amplo leque de demandas por flexibilidade nos serviços a serem explorados por bancos, startups e fintechs. Reclamações de consumidores por formas mais eficientes de relacionamento com bancos e mais soluções para questões bancárias do dia a dia são apresentadas constantemente.  É o caso do Monepp, aplicativo com atuação inicial na Venezuela e que acaba de chegar ao Brasil. De forma simples, o app visa intermediar a prática de compra e venda de moeda estrangeira. O app  já se prepara para enfrentar uma ampla pressão regulatória, já que especialistas da área entendem que o que o aplicativo denomina por “troca de moedas” seria, na verdade, operação de câmbio por agente não autorizado, e sem pagamento devido de tributos, no caso do Brasil, do IOF. Por outra perspectiva, temos a demanda por bancos totalmente digitais, que já tornou realidade no País, como no caso do Banco Original, ligado ao grupo e J&F (dono da JBS e Alpargatas) e que caminha para expansão, com o Next, do Banco Bradesco.

Como já apontado pela Mcskinsey, há diversas vias pelas quais bancos podem explorar nichos de mercado ou parcerias com startups. Os bancos precisam olhar além do boom especulativo gerado pelas fintechs, repensar os nichos de mercado ainda não explorados e construir (ou comprar) as capacidades relevantes para um futuro digital.

O que o TiSA significa para o Brasil?

Conforme exposto em posts anteriores, o Acordo de Comércio de Serviços (TiSA, sigla em inglês), refere-se ao abrangente acordo plurilateral atualmente em negociação entre 23 membros da Organização Mundial do Comércio (totalizando 50 países). No comunicado da Comissão Europeia em 2013, são colocadas as motivações-chave do acordo, entre elas, a frustração com o impasse no avanço das negociações na Rodada Doha e a necessidade de um acordo que consiga refletir o atual cenário do comércio mundial de serviços.

A negociação já conta com mais de dezessete grupos de trabalho temáticos e dezoito rodadas de negociação, com uma lista abrangente de capítulos, conforme o quadro abaixo. Apesar de o acordo contemplar diversos setores tradicionais, ele também avança na discussão de temas ainda recentes, como a economia digital e a questão da restrição aos fluxos de dados entre fronteiras, que tem papel relevante para a oferta de serviços pela internet.

Temas em negociação no âmbito do TiSA

Comércio eletrônico Compras públicas
Empresas estatais Movimento de pessoas naturais
Regulação doméstica Serviços ambientais
Serviços de entrega competitivos Serviços financeiros
Serviços profissionais Serviços relacionados à energia
Telecomunicações Transparência
Transporte aéreo Transporte Marítimo
Transporte rodoviário e serviços de logística relacionados

Elaboração própria. Fonte: Wikileaks

Por englobar países que, conjuntamente, respondem por 70% do comércio de serviços e dois terços do PIB mundial, o acordo terá impactos significativos para participantes e não participantes. Tendo em vista a relevância dos serviços para a dinâmica de competitividade dos demais setores da economia, como indústria, agricultura e mineração, as implicações do TiSA claramente irão além do setor de serviços. Entre as possíveis implicações do Acordo estão mudanças em padrões regulatórios, nos fluxos de investimento direto (IED), na dinâmica e no posicionamento em cadeias globais de valor, bem como desvios de comércio entre não-participantes para participantes.

Em relação à estrutura do acordo, ele está sendo elaborado para ser compatível ao Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da OMC, e incorpora alguns artigos centrais deste, como definições, escopo, acesso a mercados e tratamento nacional. Isso demonstra o desejo de expansão do acordo para demais membros, i.e., uma posterior “multilateralização” do acordo. Em função disso, o TiSA acaba por ser considerado com uma atualização do Acordo GATS.

O acordo também caminha próximo ao grandes acordos megarregionais, como o Acordo Transpacífico (TPP) e Parceria Transatlântica (TTIP). O TiSA tende, todavia, a ser o maior dentre eles por focar inteiramente no setor de serviços, cujo comércio tem crescido muito mais do que o comércio de bens. Quando se observa o crescimento no fluxo de dados entre fronteiras, todavia, é que se tem a real noção do que um acordo como o TiSA representa para o futuro do comércio.

Implicações para o Brasil

Recentemente o Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços anunciou que o Brasil buscará entrada nas negociações do TiSA. Apesar de a União Europeia afirmar que aceitaria a participação de qualquer país membro da OMC nas negociações a qualquer momento, como as discussões já estão bastante avançadas, isso pode ser difícil, já que os EUA já mostraram interesse em concluir a “fase um” da negociação até novembro, ainda durante o Governo Obama. Nesse contexto, a abertura para entrada do Brasil poderia gerar a demanda de entrada por outros países, com possíveis atrasos no andamento das negociações.

A entrada brasileira no Acordo é bem vista pelo mercado e pelo setor privado (ou parte dele, pelo menos). Há, todavia, um longo caminho a se percorrer até que a entrada no TiSA ocorra. Como já se sabe, o Brasil mantém um déficit significativo na balança de serviços – o qual chegou a US$ 36,9 bilhões em 2015, de acordo com dados do Banco Central. Informações computadas pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços – Siscoserv mostram um resultado similar. Pelos dados do Siscoserv observa-se que as exportações de serviços brasileiros estão muito concentradas em poucos parceiros comerciais. Seus cinco principais destinos – Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Reino Unido e Suíça – são todos participantes do TiSA.

A entrada no acordo tem como potenciais benefícios a diversificação da pauta e dos destinos de exportações, bem como a melhoria da competitividade da indústria, que utiliza extensamente diversos serviços no processo produtivo. Além disso, as mudanças regulatórias a serem realizadas para entrada no Acordo poderiam contribuir não apenas para dinamizar serviços exportados, como também para fomentar o próprio mercado interno de serviços, já que parte das restrições ao comércio de serviços também são restrições no mercado interno (OCDE, 2013). Esse é o caso, por exemplo, dos setores de telecomunicações, bancário, transporte (em particular aéreo e marítimo) e logística, que possuem índice de restrição ao comércio (SRTI, sigla em inglês) superiores à média dos demais países (OCDE, 2015) e que são também intensamente demandados pela indústria.

Existem poucos estudos quantitativos acerca dos impactos do TiSA sobre a economia brasileira. Estudo de Ferraz (2016) baseia-se nos cálculos de equivalente-tarifário de barreiras regulatórias estimadas pelo Peterson Institute (2010) para estimar o impacto da redução de 50% no valor dessas barreiras entre os países membros do TiSA para a economia brasileira. Por essas estimativas, a adesão brasileira geraria impacto de 0,6% sobre o PIB, 2,8% sobre as exportações de manufaturas, 3,4% sobre exportações totais e 8% em exportação de serviços. Em relação aos setores da economia, a indústria teria a maior expansão relativa no PIB.

É importante que a discussão técnica que o Brasil travará não se limite apenas à adesão ou não do Brasil ao TiSA e que leve em conta, principalmente, os termos dessa adesão. Muito se argumenta que a entrada de futuros participantes será no esquema ‘take-it or leave-it’, apesar de muitos pesquisadores e governos advogarem em prol de uma agenda mais amigável para a entrada de países em desenvolvimento. Também é importante destacar, tal como já foi apontado diversas vezes neste blog, que a melhoria em setores como infraestrutura, logística e telecomunicações, apesar de terem papel relevante para a melhoria da competitividade do País, ajudarão a colocar o Brasil no jogo do comércio, mas isso não será suficiente para ganhar esse jogo. A análise dos textos dos mega-acordos regionais, bem como o atual cenário de altos fluxos de dados e da revolução digital por qual passa a economia mostram fortes indícios de que, para ganhar esse jogo, a agenda da economia digital é, de fato, a agenda que importa.

Por que a regulação tradicional não pode ser a única resposta a serviços inovadores

Este mês o Google anunciou um novo serviço de carona na Califórnia, chamado Waze Carpool. O aplicativo Waze, comprado pelo Google por US$ 1,5 bilhões em 2013, possui hoje mais de 50 milhões de usuários em todo mundo conectados diariamente em busca da melhor rota para fugir de engarrafamentos e demais problemas do trânsito. Uma mistura de rede social com um sistema de navegação via GPS, o Waze utiliza informações providas pelos próprios usuários para definir a melhor rota de um ponto a outro.

O novo serviço funciona da seguinte forma: passageiros devem fazer o download de um novo aplicativo, o Waze Rider. Pelo aplicativo, os passageiros procuram pelo motorista mais próximo que já está planejando dirigir pela mesma rota do passageiro para ir ao trabalho. Os motoristas, por sua vez, recebem pedidos de carona no próprio aplicativo Waze. O serviço faz a correspondência entre motoristas e passageiros com rotas praticamente idênticas, baseados nos seus endereços residenciais e de trabalho, cadastrados previamente em uma base de dados.

Disponível inicialmente apenas na região do Vale do Silício, o objetivo do serviço é permitir que os trabalhadores da região encontrem mais facilmente caronas de ida e volta de casa ao trabalho, uma maneira de incentivar caronas solidárias e viagens compartilhadas. Além de oferecer mais uma alternativa de transporte a custos relativamente baixos, a medida também ajuda a reduzir engarrafamentos e a poluição. Pesquisas na região mostraram que, durante os horários de pico, 70% dos veículos trafegam apenas com o motorista.

Um sistema automático de transferência de recursos, embarcado no aplicativo, transfere o dinheiro referente ao combustível de passageiros para o motorista por meio de um cartão de crédito cadastrado, a exemplo de outros aplicativos de carona e transporte privado. O valor atual é de US$ 0,54 por milha percorrida (cerca de R$ 3,10 por km), valor sugerido pelo Internal Revenue Service (IRS), uma agência americana com funções similares às da Receita Federal no Brasil. Esta é a grande diferença do Waze Carpool para os demais aplicativos de transporte como Uber: os recursos repassados ao motorista são suficientes apenas para cobrir os custos com combustível. Ele não consegue fazer deste serviço seu meio de ganhar a vida. Não há margem de lucro para o motorista. Ele não pode pegar passageiros que vão para outro lugar diferente do endereço de trabalho cadastrado. Além disso, as corridas estão limitadas a duas por dia: uma para ir, outra para voltar do trabalho.

Por mais que o novo serviço seja diferente de um serviço de táxi, uma vez que não tem por objetivo contratar motoristas para o transporte de passageiros, ele pode gerar competição com táxis e com o Uber, por fornecer uma alternativa de baixo custo, ou por servir como opção para aqueles que preferem socializar com colegas de trabalho da mesma empresa durante o trajeto casa-trabalho. Portanto, é natural se esperar que o novo serviço sofra algum tipo de tentativa de censura e repressão, assim como enfrenta o Uber na maioria das praças em que o serviço é lançado.

O rápido crescimento dos serviços de corrida compartilhada por aplicativos tem forçado mudanças fundamentais em um setor antigo e tradicionalmente protegido da competição pela regulação. O que se observa são batalhas entre atores que seguem um mesmo padrão: uma empresa startup entrega um novo serviço criativo e inovador que nasce quebrando regras antigas e segue ignorando estas mesmas regras até obter uma grande massa crítica de clientes satisfeitos. Os prestadores do antigo serviço, desacostumados com um ambiente de competição, passam a pressionar os formadores de opinião e reguladores para tentar encerrar os novos serviços inovadores. As empresas inovadoras e seus clientes satisfeitos contra-atacam, criticando os reguladores. Este ciclo se repete até que se chegue a um consenso, uma solução regulatória que, usualmente, não é um Ótimo de Pareto.

Na visão tradicional de modelo regulatório, normalmente utilizada pelo governo na regulação do mercado privado, a autorização prévia ou licença para prestação do serviço é utilizada como ferramenta básica. Assim funciona, por exemplo, com as licenças emitidas pela ANATEL quando um provedor quer começar a prestar um serviço de internet em banda larga e precisa de uma licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) para iniciar suas operações. A abordagem da regulação é impor o controle prévio dos atores por meio da imposição de altas barreiras de entrada.

Entretanto, para os novos serviços de tecnologia prestados sobre plataformas de comunicação e sobre a internet, este modelo não funciona. A maioria desses serviços não teria o sucesso que têm hoje se tivessem de pedir permissão para iniciar suas operações. Suas ideias simplesmente não teriam sido colocadas à prova. Na verdade, umas das principais inovações trazidas por estas plataformas é justamente a capacidade de se autorregularem, adaptativamente e em escala. A partir da grande quantidade de dados em tempo real disponíveis, os próprios provedores do serviço passam a fazer sua regulação. Esta realidade já é observada hoje pelo Uber. Por meio de um sistema que analisa uma grande quantidade de informação (as avaliações dos usuários finais do serviço), o Uber regula sua relação com seus motoristas, utilizando as informações disponibilizadas pelos usuários para forçar um padrão de atendimento e de comportamento aceitável. Esse processo se repete para grande maioria dos novos serviços solicitados por meio de aplicativos.

Nesse sentido, a pergunta que se faz é como implementar a regulação destes novos serviços? A questão, ainda sem resposta definitiva, nos traz também uma certeza: não será utilizando o modelo ultrapassado de barreiras de entrada criado no século passado. Os processos e modelos regulatórios devem ser transformados para adotar a ampla quantidade de dados disponíveis hoje, num modelo similar ao utilizado pelas empresas de inovação para regular seus parceiros.

O novo modelo deve oferecer um trade-off entre as partes, propondo uma relação “ganha-ganha” entre regulados e reguladores: por um lado, ele deve oferecer menores barreiras de entrada a empresas que queiram ingressar no mercado por meio da inovação, garantindo uma maior liberdade de operação para startups. Por outro, deve prever uma relação de maior cooperação dos regulados para com os reguladores, com mais transparência e, principalmente, com acordos de compartilhamento de informações com o poder público em caso de problemas específicos, como uma grande concentração de reclamações dos usuários ou em casos de crimes e infrações às leis nacionais.

Enquanto não houver consenso sobre as premissas acima entre as partes interessadas, vamos continuar tentando regular serviços inovadores da mesma forma que se iniciou a regulação de serviços de infraestrutura básica como energia elétrica, água e esgoto. As propostas de regulamentação dos serviços de transporte por aplicativo atualmente se baseiam, quase que majoritariamente, na cobrança de uma licença anual e um valor por quilômetro rodado. A proposta resolve apenas em parte o problema, pois acaba com o argumento de ilegalidade que paira atualmente sobre o Uber. Porém, certamente não é uma solução ideal, pois faz da barreira à entrada o ponto principal da regulamentação. Um serviço de carona solidária como o Waze Carpool, que propõe apenas um compartilhamento de custos entre os usuários dos serviços, poderia não resistir a uma cobrança destas, proposta por este modelo de regulação. Neste caso, estaríamos diante do cenário mais temerário a respeito deste tema: ao invés de termos um serviço inovador atuando às margens da lei, estaríamos diante de uma regulação anacrônica que inibe e atrapalha a inovação e a criação de novos serviços tecnológicos.

Post5_Waze_Carpool_FigUnica

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