Economia de Serviços

um espaço para debate

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Monopoly Digital

Todos conhecem o Monopoly, um dos jogos de tabuleiro mais famosos no mundo, no qual o objetivo é obter o monopólio das propriedades. Também é de conhecimento geral o fato de as tecnologias estarem transformando o planeta. Nesse contexto, é importante evidenciar a concentração nos mercados digitais, nos quais tem-se observado o surgimento de um monopólio (ou melhor, um oligopólio) digital.

Uma pergunta que surge é por quê esses mercados estão sujeitos à concentração. Essa é uma questão delicada, sendo difícil dar respostas concretas. No entanto, existem algumas evidências que podem ajudar a explicar o alto grau de oligopolização.

A própria estrutura dos mercados digitais pode fornecer insights para se responder a esta pergunta. Isso porque muitos dos modelos de negócios presentes na Economia Digital se dão na forma de plataformas, isto é, as empresas atuam como matchmakers entre diferentes grupos de usuários. O mecanismo de busca do Google, por exemplo, possui dois tipos diferentes de usuários: aqueles que procuram, os “pesquisadores”, e aqueles que anunciam, os anunciantes. Assim, o algoritmo do Google seleciona para você os anúncios que ele entende que serão do seu gosto.

Mas o que isso tem a ver com concentração? Em se tratando de plataformas, há uma forte influência do chamado efeito-rede. Pense no Monopoly e no Banco Imobiliário, dois jogos de tabuleiro similares. Se você pode jogar os dois, é possível que você seja indiferente entre um e outro. Entretanto, se seus amigos estão jogando Monopoly, você também escolherá jogar este jogo, pois você não quer ficar sozinho (e não existe um modo solo). O efeito-rede atua de maneira similar ao modo em que a escolha do jogo foi feita. Quanto mais pessoas estão presentes em uma plataforma, mais capacidade ela tem de atrair novos usuários, além do que, estas ficam numa posição melhor quando o número de participantes na plataforma aumenta.

Voltemos para o caso do Google. Quanto mais pessoas pesquisando, mais felizes ficam os anunciantes, pois assim eles atingirão um maior público. E, pelo outro lado, quanto mais anunciantes, mais felizes ficam os “pesquisadores”, pois mais específicos serão os anúncios a eles mostrados. Então por que você usaria o Bing? Viu, o efeito-rede é real!

Outra possível explicação para a concentração nos mercados digitais se dá pela presença de economias de escala. A estrutura de custos de empresas como o Google e Facebook, por exemplo, possui uma proporção de custos fixos muito superior à proporção de custos variáveis, já que esta envolve principalmente sistemas de armazenamento e gerenciamento de dados, servidores, redes privadas super-rápidas, além de datasets, sendo pequeno o custo marginal associado à entrada de um novo usuário na rede. Isso acaba dificultando a entrada nesses mercados, pois apenas o investimento inicial para se obter todos esses recursos seria altíssimo.

Um fator fundamental para as plataformas digitais são os dados, o insumo básico desse mercado. O custo de se obter dados para iniciar um novo empreendimento na Economia Digital é muito alto: ou você, de alguma maneira, atrai um imenso número de usuários para a sua plataforma, conseguindo, então, os preciosos dados, ou você tenta comprar esses dados de outras plataformas, que podem acabar negando a venda, ou então cobrar (muito) caro.

As firmas dominantes desse mercado usam suas gigantescas quantidades de dados a seu favor. Isso se dá pelo fato de muitos dos competidores prospectivos operarem dentro das grandes plataformas, gerando, então, dados que são processados pelos sistemas daquelas empresas. Assim sendo, os gigantes podem dotar-se de seus instrumentos para oportunamente tomar ações preemptivas de modo a evitar a competição, seja criando um produto ou serviço similar, seja comprando o concorrente (por isso, é notória a quantidade de fusões e aquisições na Economia Digital).

Outra razão para a concentração se dá pelo alto custo de mudança entre plataformas. Digamos que você esteja jogando Monopoly e já é dono de uma quantidade considerável de propriedades. De repente, você deseja jogar Banco Imobiliário. O problema surge quando você percebe que não é possível transferir suas propriedades de um jogo para o outro. O mesmo ocorre quando se vai realizar a mudança entre plataformas. Se você deseja se mudar do Facebook para uma nova rede social, você não mais terá os seus amigos, fotos nem posts, o que acaba desincentivando essa transição.

Assim como no Monopoly, na economia também existem regras a serem seguidas. Por ser uma área relativamente nova e altamente dinâmica, a Economia Digital carece de regulamentação e intervenção por parte das autoridades competentes. Somente nos últimos anos esforços maiores têm sido empreendidos a fim de se estabelecer maior controle sobre esses mercados (veja o GDPR na Europa, por exemplo). Como, por muito tempo, houve um enorme vácuo normativo e regulatório, as grandes firmas puderam estabelecer as regras do jogo, imputando padrões privados e dificultando, assim, a participação de novos players.

Aqui foram citados alguns dos possíveis motivos que levam à concentração em mercados digitais. Como as causas já foram elencadas, pode-se, então, apontar para os órgãos reguladores medidas com potencial para estimular a competição, de modo a reduzir as perdas que são trazidas à sociedade e à economia devido à presença de oligopólios digitais. Entretanto, este assunto ficará para um futuro post.

 João Pedro Arbache é estudante de Economia na UnB. É membro do PET (Programa de Educação Tutorial) – Economia, e ocupa o cargo de Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento na Econsult.

A Rainha Vermelha no Antitruste

Ainda me lembro do tempo em que o Facebook não existia. Também lembro a economia de palavras nas ligações internacionais em que cada segundo tinha peso de ouro. Hoje, Facebook e WhatsApp estão ambos no meu celular, à disposição para facilitar diferentes tipos de interação a quase nenhuma ou mesmo a muitas milhas de distância.

O tema deste post é a junção desses dois gigantes. Ou melhor, do gigante Facebook e do pequeno gigante, WhatsApp, cujo faturamento à época da operação não atingia os patamares de notificação de muitas autoridades antitruste, inclusive do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)[1]. O ano era 2014, ano da fatídica Copa do Mundo no Brasil e da sanção do nosso Marco Civil da Internet. O Facebook anunciara sua intenção de adquirir o WhatsApp em fevereiro e tanto a Federal Trade Commission (FTC) quanto a European Comission (Comissão Europeia), as autoridades antitruste dos Estados Unidos e da União Europeia, respectivamente, aprovaram a operação sem restrições. E o que levou essas duas autoridades a tal decisão?

No caso do FTC, não há documentos públicos que detalhem as motivações da autoridade (salvo melhor juízo ou melhor busca no Google ou no buscador de sua escolha). A Comissão Europeia, por sua vez, explicitou o caminho de análise que a levou a aprovar a operação sem restrições. É esse caminho, ou ao menos parte dele, que convidamos o leitor a trilhar[2]:

A Comissão Europeia avaliou se a operação traria potenciais problemas concorrenciais com foco em 3 mercados:

  1. Comunicação de consumidores (consumer communications services)
  2. Rede sociais (social networking services)
  3. Publicidade online (online advertising services)

Neste post, discutiremos um pouco dos mercados “1” e “3”.

No caso de comunicação de consumidores, um dos focos da autoridade europeia foi definir o mercado relevante para análise em termos de produto. Por exemplo, seriam serviços de comunicação eletrônica tradicionais como SMS, ligações de voz e email substitutos dos aplicativos de comunicação Facebook Messenger e WhatsApp? Seriam estes dois últimos competidores próximos entre si? Quanto menos substitutos para esses serviços, maior a probabilidade de exercício de poder de mercado pelas empresas que se uniam, uma vez que os consumidores “não teriam para onde fugir” em caso de piora dos serviços, por exemplo.

Algumas possíveis segmentações do mercado de comunicação consideradas pela Comissão, mas descartadas, foram por tipo de usuário (consumidor x empresas), funcionalidade (mensagem de texto, mensagem por foto, vídeo etc.) e sistema operacional. Uma segmentação relevante foi a de plataforma, ou seja, se o serviço estava disponível em smartphones, computadores etc. Finalmente, a Comissão preferiu não adotar uma definição precisa do mercado relevante, mas utilizar a visão mais restrita e, portanto, mais conservadora para sua análise: a do mercado de “aplicativos de comunicação para smartphones”.

Para a avaliação dos efeitos da operação sobre esse mercado, três fatores merecem destaque: switching costs; multihoming e efeitos de rede:

Switching costs referem-se a custos de mudança, ou seja, qual o custo que um usuário teria para deixar de usar um aplicativo de comunicação e passar a utilizar outro? Se os serviços do Facebook Messenger ou do WhatsApp se deteriorassem após a operação, qual seria o custo do usuário para migrar para outro aplicativo? Quanto mais altos esses custos, maiores os riscos da operação.

Com base em sua análise, a Comissão entendeu que os switching costs eram baixos, tendo em vista que (i) todos os aplicativos de comunicação eram oferecidos de graça ou a preços muito baixos; (ii) que o download de tais aplicativos era realizável com facilidade em smartphones, e que mais de um aplicativo poderiam coexistir no mesmo aparelho sem tomar muito de sua capacidade; (iii) que, uma vez instalados, os usuários podiam trocar de aplicativo rapidamente; (iv) que a utilização de tais aplicativos requeria custos mínimos de aprendizagem; e (v) que informações e reviews sobre novos aplicativos de comunicação estavam facilmente disponíveis em lojas de aplicativos.

Além disso, a Comissão obteve evidências de que os usuários geralmente realizavam multi-homing, isto é, que os usuários tinham instalado e utilizavam no mesmo aparelho celular diferentes aplicativos de comunicação: entre 80% e 90% dos usuários na Espaço Econômico Europeu usavam mais de um aplicativo de comunicação por mês, enquanto 50% a 60% usavam mais de um desses serviços em base diária.

Outro fator importante na análise da Comissão foi verificar se havia evidência de que o Facebook Messenger ou o WhatsApp viessem pré-instalados em grande parte dos celulares. Caso sim, poderia haver switching costs mais relevantes, tendo em vista o “viés do status quo” associado ao comportamento inercial dos consumidores. Como não houve evidências nesse sentido, a Comissão entendeu que os switching costs eram relativamente baixos.

Por outro lado, a Comissão reconheceu a existência de switching costs associados à necessidade de recriar a rede de contatos em caso de troca de aplicativo de comunicação, isto é, custos associados aos efeitos de rede. Efeitos de rede ocorrem quando o valor de um produto ou serviço aumenta com o número de usuários do produto ou serviço. Quanto mais usuários uma plataforma de comunicação possui, mais interessante ela se torna para os usuários. Qual o valor de um telefone, por exemplo, se não temos a quem ligar? Qual o valor de estar numa rede social, em que nenhum dos nossos contatos está?

A Comissão entendeu que a existência de efeitos de rede de fato gerava switching costs para o usuário e poderia constituir uma barreira à entrada de um concorrente. Contudo, mitigou a importância desse efeito, tendo em vista que o setor era altamente dinâmico, que os outros fatores descritos anteriormente minimizavam os switching costs e que não havia outras barreiras à entrada/expansão significativas. Além disso, nem o Facebook nem o WhatsApp (as ditas Requerentes) detinham controle de alguma parte essencial da rede ou de algum dos sistemas operacionais. Em outras palavras, a Comissão entendeu que os efeitos de rede não eram suficientes para blindar as Requerentes das pressões competitivas advindas de aplicativos concorrentes e de potenciais entrantes.

Em contrapartida, a Comissão também avaliou se a operação poderia aumentar tais efeitos de rede, o que ocorreria se houvesse algum tipo de integração entre o Facebook e o WhatsApp. Uma das possibilidades dessa integração seria a comunicação entre plataformas, que permitisse que usuários do Facebook e do WhatsApp se comunicassem entre si. Contudo, as Requerentes informaram que tal integração enfrentava dificuldades técnicas significativas, tendo em vista dois pontos principais: (i) a necessidade de realizar a correspondência (matching) entre os IDs dos usuários; e (ii) a arquitetura técnica diferente utilizada pelo Facebook e pelo WhatsApp, esta última baseada na nuvem, enquanto aquela não.

Um dos obstáculos associados ao matching era que o identificador do Facebook se baseava em um Facebook ID, enquanto o identificador do WhatsApp se baseava em um número de telefone. Assim, no caso de integração, os usuários teriam que aceitar manualmente esse matching, o que poderia levar parte deles – aqueles insatisfeitos com a integração – a deixar os serviços.

A Comissão avaliou, então, que tal integração parecia improvável, dada sua viabilidade técnica remota e os riscos associados a ela. Além disso, considerou que, mesmo que houvesse integração, o potencial aumento dos efeitos de rede seria mitigado pela sobreposição significativa entre as bases de usuários do Facebook e WhatsApp.

O terceiro mercado analisado foi o de publicidade online. Para essa discussão, é importante introduzir o conceito de plataformas de múltiplos lados. O Facebook, assim como o Google e Uber, são exemplos de plataformas de múltiplos lados. De forma bastante simplificada, isso significa que essas plataformas servem como matchmakers que unem diferentes grupos de usuários.

No caso do Facebook, quando utilizamos as funcionalidades de rede social, somos um dos lados da plataforma. Utilizamos os serviços do Facebook, sem a necessidade de pagar alguma taxa monetária pelo serviço. Mas como qualquer outro negócio, o Facebook precisa se monetizar. Isso é feito no outro lado da plataforma, composto pelos anunciantes que pagam ao Facebook para veicular anúncios para os seus usuários. Portanto, o que o Facebook faz é o match entre nós, usuários, e os anunciantes.

Ora, mas o WhatsApp não tinha e ainda não tem serviços de publicidade. Por que, então, esse lado poderia ter relevância para a análise antitruste? Uma das respostas é justamente a possibilidade de o WhatsApp passar a ter publicidade após a operação. A outra é Big Data. O que torna o Facebook tão competitivo em direcionar anúncios específicos a cada um de nós é que ele conhece (até muito bem) a cada um de nós. Além de todos os dados cadastrais que fornecemos, toda vez que clicamos em algum link no Facebook, ou demoramos um pouco mais num post, revelamos um pouco de nossos interesses e particularidades.

Esses dados associados à utilização de algoritmos permitem à máquina aprender um pouco mais sobre nós (é o tal do machine learning), conseguindo nos direcionar conteúdo e anúncios cada vez mais personalizados. A integração da base de dados do Facebook com a do WhatsApp poderia, portanto, gerar uma vantagem competitiva para o Facebook, que lhe permitiria melhor direcionar anúncios e obter poder de mercado em anúncios online. A detenção de todos esses dados poderia, assim, erguer barreiras à entrada para outros competidores.

A conclusão da Comissão Europeia foi que, mesmo com a integração, continuaria a existir um número significativo de provedores alternativos de anúncios direcionados (pense no Google, por exemplo) e que uma parcela significativa dos dados de usuários úteis para direcionamento de publicidade não era de exclusividade do Facebook, não havendo, portanto, um problema concorrencial.

Assim, já em 2014 a Comissão aprovou a operação e o Facebook adquiriu o WhatsApp. Como apresentado, em sua decisão, a Comissão considerou que não haveria viabilidade técnica de unir as bases de dados do Facebook e do WhatsApp, e que, conforme informado pelas Requerentes, não haveria intenção de o WhatsApp passar a atuar em plataformas de computador.

Como sabemos, hoje os serviços já são integrados e é possível utilizar o WhatsApp pelo computador. Esse foi um dos motivos que levou a Comissão Europeia a aplicar ao Facebook a primeira multa por enganosidade desde a Lei de Fusões de 2004.

Essa multa, de 110 milhões de euros[3], deveu-se ao fato de as Requerentes terem sido enganosas ou negligentes ao afirmar que não seria possível integrar os dados das duas plataformas. O que é interessante também, é que a Comissão não voltou atrás na sua decisão. Isso porque, como explicado, ela já afirmara que, mesmo que fosse possível unir as duas bases, ainda assim a operação não geraria problemas concorrenciais.

Hoje, mais da metade do mercado de anúncios nos Estados Unidos é concentrado nas mãos de Facebook e Google[4]. Isso nos traz algumas questões:

https://contentstorage-nax1.emarketer.com/9dc078228b3f9ba47487e4717565a97a/235954

Fonte: https://www.emarketer.com/content/google-and-facebook-s-digital-dominance-fading-as-rivals-share-grows (Acesso em 09 de outubro de 2018).

A operação terá tornado o Facebook mais apto para rivalizar com o Google pelo lado de anúncios ou terá apenas reforçado um duopólio? Já possuindo uma base de usuários muito grande à época da operação, teria o WhatsApp conseguido expandir seus serviços e tornar-se um novo entrante no mercado de redes sociais para rivalizar com o Facebook, caso não tivesse sido por este adquirido? Qual terá sido o efeito da operação sobre fatores não-preço, como privacidade? O que terá incitado o post de um dos fundadores do WhatsApp, que deixou o Facebook no final de 2017: #deletefacebook?

Fonte: https://www.theguardian.com/technology/2018/mar/20/facebook-cambridge-analytica-whatsapp-delete Acesso em 09 de outubro de 2018.

Outra pergunta que o leitor atento deve estar a se fazer é… e o que tem a Rainha Vermelha a ver com este post? Ao trilhar o caminho da decisão da Comissão Europeia, foi possível nos deparar com novos termos, que só recentemente adentraram o vocabulário antitruste. Switching costs, efeitos de rede, multihoming, big data, todos esses são conceitos que vêm ganhando destaque com o avanço da economia digital e que motivaram a Autoridade de Concorrência alemã, por exemplo, a editar uma emenda[5] à sua legislação antitruste para que esses tópicos sejam levados em consideração na análise de “poder de mercado” em mercados digitais.

Para quem não se recorda da estória, a Rainha Vermelha explicava à maravilhada Alice que era preciso correr tanto quanto possível para permanecer no mesmo lugar[6]. O que vimos é que também no antitruste, essa máxima é válida: para as autoridades da concorrência, escritórios, estudiosos do assunto, você, estimado leitor, e, claro, as próprias empresas de tecnologia.

Patrícia A. Morita Sakowski é técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e exerce a função de Economista-Chefe Adjunta no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Possui mestrado em economia pela Hitotsubashi University (Tóquio-Japão) e gradução em economia pela Universidade de São Paulo (FEA-USP).
  1. “Segundo o artigo 88 da Lei 12.529/2011, com valores atualizados pela Portaria Interministerial 994, de 30 de maio de 2012, devem ser notificados ao Cade os atos de concentração, em qualquer setor da economia, em que pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750 milhões, e pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 75 milhões.” (http://www.cade.gov.br/servicos/perguntas-frequentes/perguntas-sobre-atos-de-concentracao-economica Acesso em 09 de outubro de 2018)
  2. Este post traz apenas alguns aspectos da Decisão da Comissão Europeia. Para a análise detalhada, ver http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m7217_20141003_20310_3962132_EN.pdf
  3. Ver mais detalhes em http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m8228_493_3.pdf
  4. Fonte: https://www.appnexus.com/sites/default/files/whitepapers/guide-2018stats_2.pdf (slide 49). Acesso em 09 de outubro de 2018.
  5. https://www.clearygottlieb.com/~/media/organize-archive/cgsh/files/2017/publications/alert-memos/2017_06_28-germany-adjusts-arc.pdf(3a) In particular in the case of multi-sided markets and networks, in assessing the market position of an undertaking account shall also be taken of: 1. direct and indirect network effects, 2. the parallel use of services from different providers and the switching costs for users, 3. the undertaking’s economies of scale arising in connection with network effects, 4. the undertaking’s access to data relevant for competition, 5. innovation-driven competitive pressure.http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_gwb/englisch_gwb.html#p0066
  6. http://www.alice-in-wonderland.net/wp-content/uploads/through-the-looking-glass.pdf (“Now, HERE, you see, it takes all the running YOU can do, to keep in the same place.” p. 17)

 

Agenda para competitividade no setor de serviços

O Brasil é um grande importador de serviços e opera recorrentemente com um dos maiores déficits globais neste setor (Em 2016, o Brasil foi o 21º maior importador de serviços, segundo Banco Mundial).

Em 2017, as importações de serviço foram de US$ 42,9 bilhões. As exportações foram de US$ 29,8 bilhões (MDIC, 2018), resultando um saldo negativo de US$ 13,1 bilhões. O déficit na balança de serviços foi quase 50% menor do que o registrado em 2016, quando as importações superaram as exportações em US$ 25 bilhões. Em 2015, o déficit foi de US$ 26,7 bilhões e em 2014, de US$ 27,7 bilhões.

O principal mercado das exportações brasileiras em 2017 foi os Estados Unidos. As vendas ao país somaram mais da metade do total exportado ( quase 54%). Os principais serviços exportados foram aqueles relacionados ao setor financeiro (quase 33%), seguidos dos serviços profissionais (19,8%) e os da Tecnologia da Informação (7%)

A diminuição do déficit deu-se também pelo aumento das exportações (em 2016, as vendas externas totalizaram US$ 18,6 bi e, em 2017 US$ 29,8 bilhões). Número que até então tinha se mantido praticamente estável nos anos anteriores (em 2014, as vendas externas somaram US$ 20,8 bilhões; em 2015, US$ 18,9 bi.) Para que esta tendência de alta seja uma constante estável, é necessário políticas capazes de promover a competitividade do setor como um todo, sem negligenciar políticas setoriais necessárias dada às especificidades de cada setor.

No Brasil, o setor exportador de serviços não enfrenta apenas barreiras externas de acesso a mercados, na medida em que os entraves internos são também responsáveis por dificultar e, em alguns casos, tornar inviável as exportações de serviços.

Em relação às barreiras externas, é importante mencionar a necessidade de se negociar acordos comerciais. O Brasil está atualmente negociando acordos com disposições relacionadas a serviços com a União Europeia, EFTA, México, Coreia do Sul, Chile e Canadá. Novas negociações que estão prestes a se iniciar também incorporarão o tema; como com Cingapura. É necessário, portanto, que sejam identificados interesses ofensivos e defensivos no setor de serviços no Brasil durante as negociações, de forma a garantir que esses acordos espelhem a realidade da economia de serviços no Brasil.

Em relação às barreiras internas, o setor exportador enfrenta problemas relacionados à burocracia, à incidência de tributos e à falta de financiamento para viabilizar as operações de exportação. As dificuldades perpassam, por exemplo, pela falta de uma definição clara de exportação de serviços no ordenamento jurídico brasileiro, dificuldade de enquadrar algumas exportações de serviços em operações beneficiárias de financiamento e de garantias à exportação, assim como a incidência de tributos internos na exportação/importação, contrariamente às disposições constitucionais, as quais excluem da incidência dos impostos nas operações de exportação de serviços.

Hoje, a única disposição que traz uma definição de exportação de serviços é a Lei Complementar nº 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Municipal sobre serviços (ISSQN). Segundo o dispositivo, o imposto não incide sobre as exportações de serviços para o exterior do País, a não ser que elas sejam desenvolvidas no país, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.

A definição trazida por este normativo acaba sendo utilizada como parâmetro e como referência por outros dispositivos. A resolução do Simples Nacional também traz esta mesma disposição e o fisco federal se utiliza desta definição em algumas soluções de consulta.

A referência à Lei Complementar n. 116/2003 não seria problema, caso a definição não restringisse a interpretação do que é considerado ou não como uma exportação de serviços. Assim, ao utilizar como parâmetro a definição da Lei Complementar n. 116, exportações de serviços acabam sendo tributadas em nível municipal e federal e algumas operações acabam não sendo enquadradas como exportação de serviços para fins de obtenção de financiamento e garantia ás exportações.

A cobrança de tributos fere frontalmente a disposição constitucional de que os municípios deverão excluir da incidência de tributos municipais as exportações de serviços para o exterior (art. 156, § 3º, II da CF).

É necessário, portanto, alterar a definição de exportação presente na Lei Complementar n. 116/03, pois ela trará ganhos não apenas em termos de isenção de ISS. Na verdade, os benefícios são ainda maiores, pois o ISSQN, ao deixar de ser cobrado, também deixaria de compreender a base de cálculos de outros tributos. Ainda, com uma definição de serviços mais clara, será possível desenvolver políticas para o setor de forma mais eficaz.

É necessário, portanto, revisar a definição trazida pela Lei Complementar n. 116/2003. A nova definição de serviços deve levar em consideração os compromissos assumidos no âmbito do Acordo Geral do Comércio de Serviços da OMC (GATS), na medida em que tanto o Modo 01 quanto o Modo 02 referem-se a serviços executados no Brasil em benefício de pessoas estabelecidas no exterior.

Faz-se necessário, neste sentido, imprimir, em um eventual conceito de exportação de serviços, a ideia de que o “ consumo, fruição, uso, aproveitamento” do serviço ocorra no exterior, independentemente se realizado ou não no Brasil. Assim, é necessário assegurar que, ainda que o serviço seja prestado no Brasil, ele poderá ser considerado uma exportação, na medida em que ele é “ consumido” no exterior. Essa premissa, vale ressaltar, também está de acordo com as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O setor exportador de serviços necessita de políticas capazes de promover a competitividade dos serviços brasileiros no mercado global. Por conta disso, foi criado, no âmbito da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior, o Grupo Técnico de Serviços (GT Serviços), com o objetivo de discutir e propor políticas públicas, mais especificamente de comércio exterior, para o setor de serviços. A ideia é abarcar questões internas de competitividade que impactam as exportações e importações de serviços.

As atividades do GT perpassam por iniciativas que vão desde a melhoria do ambiente de negócios, medidas de financiamento e garantias às exportações, economia de serviço e comércio eletrônico, facilitação do comércio de Serviços e reforço de coordenação governamental.

É premente necessidade de políticas que confiram maior estabilidade e previsibilidade para o setor empresarial. Essas dificuldades fazem com que empresas brasileiras busquem se estabelecer em países que fazem fronteira com o Brasil para aproveitar das facilidades trabalhistas e tributárias desses países.

Natasha Martins do Valle Miranda é analista de comércio exterior, atualmente exerce a  função de Assessora Técnica na Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior. Possui Mestrado em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC-SP) e gradução em direito.

 

 

Como permitir a competição na economia digital?

A economia digital tem trazido uma série de comodidades para o cidadão. Aplicativos cada vez mais potentes e interativos permitem-nos realizar, com poucos toques no celular, desde transações financeiras internacionais até uma consulta sobre avaliação de um determinado restaurante. É inegável que a tecnologia digital proporciona economia de tempo tanto para tarefas domésticas quanto para atividades no trabalho. No entanto, as características do mercado digital, principalmente no que se refere aos seus aspectos competitivos, revelam que ainda há muito a ser estudado sobre o tema.

É necessário que haja um ambiente digital adequado no presente para que uma empresa possa competir no futuro. É importante incentivar a disseminação das tecnologias digitais, mediante facilitação de compra de equipamentos até investimentos em infraestrutura. Um exemplo que ressalta esse argumento refere-se ao desenvolvimento dos automóveis autônomos. De acordo com estudos da OCDE, para que um carro autônomo possa operar, é preciso uma rede móvel de altíssima velocidade e baixa latência de comunicações, o que, hoje, somente é possível obter com o uso da tecnologia 5G. Um país que queira desenvolver, inovar e promover tecnologias na área não pode prescindir de uma infraestrutura de ponta.

Dito isso, é preciso buscar outro nível de análise para compreender os verdadeiros desafios da economia digital em nível de competição. É importantíssimo entender a diferença de uso de tecnologia e desenvolvimento. Como já bastante discutido neste blog, o verdadeiro benefício para o crescimento relativo de uma economia está no desenvolvimento de tecnologias e plataformas digitais com alcance global, que permitem interações entre usuários localizados em lados diferentes de uma determinada transação. O incentivo ao uso das ferramentas é relevante e pode ser uma etapa anterior necessária para que promova um ambiente digital adequado que permita o advento de desenvolvedores de tecnologia.

Em um mundo ideal, a estratégia de incentivos funcionaria bem. Entretanto, o ambiente digital está repleto de barreiras de entrada não tradicionais. Por exemplo, entre os principais fatores para que haja um ambiente favorável à criação de “start ups” de plataformas digitais estariam o pleno desenvolvimento de mercado de capital de risco (“corporate venture capital”) – que permita a taxas de juros e condições de financiamento empréstimos para empreendedores no setor – e uma oferta de mão de obra mais qualificada – preparada para os desafios da economia digital.

As plataformas digitais operam em um esquema de efeito de rede (“network effect”) que denota o aumento de valor de um produto ou serviço cada vez que um novo usuário utiliza um produto ou serviço. O Facebook pode ser um exemplo interessante. Quanto mais usuários utilizam o Facebook, mais valioso se torna o serviço prestado pela empresa. Isso cria uma externalidade positiva, pois um utilizador, ao inscrever-se no Facebook, cria valor para os outros utilizadores, mesmo sem intenção de fazê-lo.

Isso dá características próprias ao mercado digital (Verzeni P). Entre as positivas, plataformas digitais permitem (i) uma conexão mais eficiente (retira arbitragem) entre ofertantes e demandantes; (ii) maior transparência e fluxo de informação, o que possibilita que os consumidores tenham mais escolhas e as façam de melhor maneira; (iii) que novos entrantes tenham acesso direto a consumidores sem enfrentar elevados custos fixos; e (iv) alcançar uma massa crítica de usuários (quantidade suficientemente grande de vendedores e compradores) de modo a alcançar um equilíbrio entre preço e capacidade de atração.

Entre as negativas, o atual ambiente digital cria algumas barreiras de entrada, tais como (i) a mesma massa crítica necessária para alcançar um equilíbrio de preço demanda uma quantidade muito alta de usuários, o que pode desencorajar novos desenvolvedores de plataformas; (ii) os efeitos de rede criam custos para que os usuários troquem de plataforma (necessidade de operar um novo sistema, criação de uma nova rede de contatos, por exemplo); e (iii) a necessidade de atração de cada vez mais usuários leva as plataformas a buscarem o domínio do mercado, inclusive mediante o monopólio.

A literatura sobre o tema tem crescido bastante, mas ainda faltam estudos empíricos que consigam mensurar quais são as externalidades positivas dos efeitos de redes e quais são as perdas de bem-estar social oriundas do efeito de monopolização dessas mesmas redes. Além disso, as próprias redes modificam os ecossistemas onde elas estão inseridas criando maiores complexidades para análise do tema com ferramentas econômicas tradicionais.

Vale ter presente, por fim, que o favorecimento do desenvolvimento de plataformas digitais parece ser um desafio importante para os países. Ao mesmo tempo em que os países precisam permitir condições para o incentivo da disseminação de tecnologias digitais, devem ter o cuidado de impedir que o uso da própria infraestrutura ou de plataformas digitais inviabilize a criação de novas plataformas.

O estudo mais qualificado dos aspectos competitivos da economia digital pode auxiliar nesse debate, permitindo contornos e limites mais claros para políticas na área.

Verzeni P., COMPETITION LAW IN THE DIGITAL ECONOMY: A FRENCH PERSPECTIVE, Italian Antitrust Review, n.2 (2017), pp 85-99.

 

Infraestrutura e serviços de infraestrutura: um breve olhar sobre o caso brasileiro

Tendo em vista a atual conjuntura brasileira de retomada ainda tímida de crescimento e grande restrição fiscal por parte do Estado, num contexto de teto de gastos públicos aprovado para as próximas duas décadas, o setor privado terá papel fundamental na realização de investimentos no país, em especial para os principais setores de infraestrutura, como é o caso dos setores de telecomunicações, energia, transportes e saneamento. Além disso, há ainda muito a melhorar na governança e atuação do setor público, com escolhas economicamente mais racionais de projetos, com a uniformização de práticas e a adoção de avaliações de impacto socioeconômico, por exemplo.

Mas o que é infraestrutura? Infraestrutura é “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal” (BID, 2000). Partindo desse conceito, podemos perceber complementariedade entre os chamados serviços de infraestrutura – que visam satisfazer às necessidades de um indivíduo ou de uma sociedade e são considerados serviços de interesse público; e a própria infraestrutura – que é a base física sobre a qual se dá a prestação destes serviços (IPEA, 2010).

Dessa forma, a infraestrutura seria representada por rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroviários, torres de telecomunicação, cabos de transmissão de energia elétrica (entre outros exemplos) que dão a possibilidade de oferta/prestação de serviços de infraestrutura. Já os serviços de infraestrutura são o frete rodoviário, ferroviário, aquaviário, aeroviário (transporte de mercadorias e/ou pessoas de um ponto a outro do território), o transporte urbano de uma cidade (linhas de ônibus, metrô e trens usados pelos cidadãos), os planos oferecidos por uma operadora de celular, etc. Todos esses exemplos de serviços se utilizam do capital físico instalado.

No setor de transportes, por exemplo, quando uma concessionária ganha uma licitação para a exploração da infraestrutura rodoviária e, portanto, passa a ter direitos e deveres contratuais firmados com o poder concedente (o Estado ou um representante do mesmo), todas as obras de manutenção, restauração e ampliação da capacidade da rodovia estarão incrementando os investimentos em infraestrutura, gerando então potencialmente maior estoque de capital fixo e adicionando estrutura física que será utilizada e usufruída pelos prestadores de serviço daquele setor e seus usuários de modo geral.

O setor de transportes, assim como outras áreas da infraestrutura – transportes, energia, saneamento e telecomunicações – possuem grande impacto no crescimento econômico de um país. Há vasta literatura que comprova que maiores investimentos em infraestrutura (fluxo) e maior estoque de capital fixo no setor (mais rodovias, maior capacidade energética instalada, etc.), ou seja, maior estoque de infraestrutura, levam a maior crescimento do produto e também elevam a produtividade, além de reduzirem a desigualdade de renda (Aschauer, 1989; Calderón e Servén, 2004; Ferreira e Maliagros, 1998).

Ainda, no caso específico do setor de transportes, os impactos são bastante relevantes, com efeitos de encadeamento para frente e para trás, relacionando-se ainda de modo importante com outros setores da economia. Para alguns produtos – como a soja e o milho – o valor final no porto é composto em mais da metade pelo chamado custo logístico. Portanto, mais uma vez, voltamos ao fato de que a infraestrutura física e seus serviços acessórios compõem o preço final dos produtos que produzimos e consumimos, seja para o consumo interno, seja para o consumo externo (por meio de exportações).

Dada a má qualidade média das rodovias brasileiras (comprovada pela série histórica das pesquisas anuais da CNT, com exceção das rodovias concedidas à inciativa privada, em especial as do estado de São Paulo) e sua relativa escassez (baixa densidade rodoviária quando comparada a outros países, com exceção também do estado de São Paulo), fatores esses somados ao fato de que cerca de 60% das cargas no Brasil são transportadas via modo rodoviário, percebemos que ainda temos muito a avançar nessa área.

A questão dos fretes, seu valor, sua rapidez, sua segurança, seu adequado manejo das mercadorias, o cumprimento de prazos, entre outros aspectos, ganhou notoriedade recentemente por conta da “greve dos caminhoneiros”, tendo já sido reportados impactos negativos dessa situação sobre o crescimento econômico do país (que foi revisado para baixo esse ano) e sobre a taxa oficial de inflação (que aumentou e elevou o índice esperado para o ano como um todo).

Isto posto, a infraestrutura (base física) precisa ser ampliada. Isso será feito, provavelmente e em grande parte, com a atuação do setor privado. Os programas de concessões foram intensificados nos últimos anos e muitos avanços foram feitos nos desenhos dos editais, contratos e regulamentos, como é o caso dos modos rodoviário e aeroviário. Aprimoramentos interessantes foram incorporados ao longo do tempo, como os gatilhos de demanda, o fator X, o fluxo de caixa marginal, entre outros. Ademais, maior participação do capital privado estrangeiro também tem sido verificada nos últimos 2 anos, tanto no setor de transportes quanto no setor elétrico. Nesse ponto, o papel maior do Estado daqui em diante seria de proporcionar condições macroeconômicas, institucionais e regulatórias apropriadas, robustas e condizentes com o objetivo de gerar incentivos e apoiar o investidor privado – seja ele de dentro ou de fora do país.

Em relação aos serviços de transporte de carga, em especial no caso dos fretes rodoviários, deveria tratar-se de mercado de livre concorrência, cujos preços deveriam seguir as forças de mercado (oferta e demanda). Por isso o “tabelamento de preços”, sancionado pelo Presidente da República em 09 de agosto de 2018, deve ser analisado de modo bastante crítico. O mais importante nesse caso é tentar ampliar e incentivar ganhos de produtividade no setor. Isso pode ser alcançado por meio de algumas inciativas distintas. A primeira seria aumentando o investimento na base física (melhorando a qualidade das rodovias, equipamentos, etc). A segunda forma seria ampliar a capacitação dos trabalhadores do setor (trabalhadores mais qualificados tendem a errar menos e terem melhores relações com seus clientes e fornecedores). A terceira seria promovendo melhorias institucionais, com ênfase na independência e profissionalização das agências reguladoras, tanto em âmbito federal, quanto estadual. Por fim, o incentivo à inovação permitiria o aumento na capacidade da prestação de serviços e até mesmo a abertura de novos mercados. Em resumo: avancemos na agenda de buscar maior produtividade!

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

 

Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

Referências

Aschauer, D. (1989) “Is Public Expenditure Productive?” Journal of Monetary Economics, 23, pp. 177-200.

Calderón, C.; Servén, Luis. (2004). The Effects of Infrastructure Development on Growth and Income Distribution. Policy Research Working Paper; No.3400. World Bank, Washington.

Ferreira, P.C. and T. Maliagros (1998) “Impactos Produtivos da InfraEstrutura no Brasil — 1950/95”, Pesquisa e Planejamento Econômico, v.28, n.2, pp.315-338.

IPEA (2010). Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025. Livro 6, Volume 1. Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.

Comércio exterior de serviços e balança de pagamentos no Brasil

A figura 1 mostra o comércio de serviços no Brasil desde 1976. O saldo do comércio de serviços foi sistematicamente negativo no período e observam-se dois movimentos de mudança de patamar do déficit: um a partir do final dos anos 1980 e um segundo, mais intenso, a partir de 2004. Em ambos os casos, o aumento do déficit se explica majoritariamente pelo crescimento das importações, o que deu origem a uma espécie de “boca de jacaré”. Em 2014, o déficit chegou a nada menos que US$ 48 bilhões. Ao que parece, teria havido mudança estrutural no comércio de serviços.

De fato, a elasticidade do crescimento das importações de serviços com relação ao crescimento do PIB é de 2,28 para o período completo. Já a elasticidade do crescimento das exportações é de 1,11. Teste de mudança estrutural sugere quebra da série em 2004. Recalculamos as elasticidades para antes e depois daquele ano e encontramos 1,37 e 4,28, e 0,13 e 3,38, respectivamente, para importações e exportações.

Esses números sugerem, primeiro, que as importações de serviços são mais sensíveis à atividade econômica que as exportações; segundo, que, embora ambas as variáveis tenham se tornado substancialmente mais sensíveis à economia a partir de 2004, o coeficiente de importações é significativamente maior que o de exportações; e, terceiro, caso a economia volte a crescer à taxas similares à do produto potencial, que é da ordem de 2,5%, então, tudo o mais constante, observaremos considerável elevação do déficit da conta de serviços.[1]

A figura 2 mostra o saldo comercial total e, separadamente, os saldos comerciais das contas de bens e de serviços. Observa-se que a conta de serviços exerce elevada e crescente influência no saldo comercial total. Embora a corrente de comércio de serviços seja de apenas 1/5 da corrente de comércio de bens, o déficit da conta de serviços praticamente determina o saldo comercial total.

A figura 3 mostra decomposição do saldo comercial total em seus componentes —  os saldos comerciais de bens e de serviços. Conforme sugerido acima, os saldos comerciais no Brasil são “pautados” pelo desempenho da conta de comércio de serviços. Assim, anos com saldos comerciais totais mais modestos ou até negativos são anos com relativamente elevados déficits comerciais da conta de serviços, e vice-versa.

Déficit na conta de serviços não é, necessariamente, um problema. Afinal, pode-se estar importando insumos que elevam a competitividade e a produtividade. Porém, ainda assim, preocupações emergem quando a conta de serviços segue trajetória sistemática de crescimento do déficit, o que pode dar origem à um constrangimento estrutural das contas externas que, eventualmente, pode vir a se tornar um “freio” ao próprio crescimento econômico. Este poderá ser o caso do Brasil.

De fato, para além de elasticidades e de patamar de déficit comercial já elevado, há razões para se esperar aceleração do déficit da conta de serviços ao longo dos próximos anos e, dentre elas, estão as que seguem:

  1. Os serviços estão se tornando tradable e muitos serviços que tradicionalmente são providos localmente por empresas nacionais ou estrangeiras estão, e cada vez mais, sendo providos a partir de terceiros países. Ali incluem-se serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos mas, também, serviços de custos. Essa mudança já está reescrevendo a geografia dos investimentos e do comércio do setor de serviços;
  2. Liderados pelos Estados Unidos, países ricos com fortes interesses ofensivos em serviços estão fazendo intensa pressão para a liberalização dos mercados de serviços e para a convergência técnica e regulatória do setor, que é, na prática, o fator mais determinante do comércio do setor ;
  3. Os preços relativos dos serviços, incluindo os com demanda mais inelástica, seguem trajetória de forte crescimento com relação a preços de manufaturas e de commodities, aumentando a parcela dos produtores, gestores e distribuidores de serviços no valor agregado, em detrimento dos compradores de serviços. A mudança de preços relativos se deve à fatores como concentração de mercados e imposição de padrões técnicos privados em serviços, que fomentam e garantem a formação de “quase-monopólios”;
  4. Devido à mudanças tecnológicas de produção e de gestão da produção, a parcela dos serviços, incluindo os digitais, na formação do valor adicionado de bens, commodities e outros serviços já é elevada, mas seguirá aumentando, beneficiando os produtores, distribuidores e gestores de serviços (pense na smile curve de cadeias globais de valor);
  5. O consumo B2C e B2B de serviços, incluindo os digitais, que já é elevado, deverá aumentar ainda mais ao longo dos próximos anos;
  6. O efeito-rede e o efeito-plataforma conferem enormes poderes para os desenvolvedores e gestores de plataformas e têm criado espaço para práticas discriminatórias que distorcem os mercados.

A ausência, no país, de políticas industriais, políticas de financiamento, políticas de investimentos e políticas de comércio exterior para o setor de serviços deverá aumentar a dependência de serviços importados e a fragilidade das contas externas. Assim, tudo o mais constante, o país terá que fazer enorme esforço exportador de bens e commodities para mitigar os crescentes déficits comerciais de serviços.

O tema é, certamente, complexo e, infelizmente, poucas pessoas se interessam pelo assunto. Mas o tempo não para e já passou da hora de colocarmos o setor de serviços nas agendas das políticas pública e privada.

  1. A mudança na trajetória das importações e das exportações de serviços a partir de 2014 se explica, ao menos em parte, pela recessão e pelo envolvimento de grandes empresas de engenharia brasileiras em problemas de governança, o que afetou consideravelmente as exportações de projetos e de outros serviços de engenharia.

Novas Habilidades, Novos Desafios

[Este post faz parte da série “10 Tendências que afetarão o ensino superior até 2025”]

Durante a Revolução Industrial e meados do século XX, trabalhar de maneira repetitiva e mecânica era algo considerado comum, um sinônimo de padronização. O que as máquinas não faziam repetidamente os trabalhadores faziam à exaustão.

Ford aprimorou a repetição com sua linha de produção, buscando a máxima performance por meio da recorrência e especialização, modelo de gestão conhecido como Fordismo, que elevou o patamar de produção industrial e revolucionou os sistemas de gestão. Cruzando esses conhecimentos com outras teorias da administração, gestores adaptavam conceitos para vários tipos de empresas.

As habilidades técnicas (hard skills), em um cenário de repetição e processos controlados, são as mais desejadas. Porém em um mundo cada vez mais dinâmico, e em especial, em um mundo onde o que é repetitivo está sendo automatizado, surgem novas demandas por habilidades sociais (soft skills).

E todo esse contexto tem impactado também a educação. A questão é que todo sistema educacional se especializou em ensinar habilidades técnicas, negligenciando muitas vezes habilidades sociais. Essas últimas são buscadas muitas vezes apenas por pessoas em cargo de gestão, por meio de MBAs, sinal claro que a base educacional não está preparada para formar profissionais para o futuro que chegou.

Habilidades do futuro

Em 2025, competir contra máquinas não será fácil. Por esse motivo, os centros de ensino superior já investem em metodologias que focam também em desenvolvimento humano, no desenvolvimento de competências que serão necessárias para esse novo mercado.

Segundo o World Economic Forum, algumas das novas habilidades desejadas são pensamento crítico, criatividade, comunicação, colaboração, curiosidade, iniciativa, persistência, adaptabilidade, liderança e conhecimento social e cultural. Essas habilidades são dificilmente transferíveis para máquinas ou algoritmos.

Habilidades musicais e artísticas também deverão estar em alta, por serem essencialmente humanas, e contarão como diferenciais em processos seletivos (algo que já vem acontecendo). As empresas provavelmente não buscarão pintores ou músicos para suas empresas, mas sim cérebros que transitem em diferentes universos e que consigam trazer novas visões para as companhias.

Centro educacional e as empresas

A aproximação dos centros educacionais com as empresas será natural, devido ao modelo educacional por projetos, que será uma prática comum em 2025. Ao se ensinar dessa forma, é requerido do aluno a aplicação das habilidades citadas anteriormente.

Deverá ser mais comum o nascimento de empresas dentro de escolas, fruto do estímulo ao empreendedorismo e projetos de conclusão de curso voltados para o lançamento de empresas no mercado. Com a qualidade da educação mundial alcançando novos patamares, será uma das responsabilidades sociais dos centros educacionais criar novas tecnologias e empresas para tornar o Brasil competitivo globalmente.

Já é possível ver grandes movimentos surgirem nesse sentido, com hackathons multidisciplinares acontecendo em centros universitários em todo país. Esse é o início de uma prática que se tornará cada vez mais comum e até mesmo indispensável para o desenvolvimento técnico e humano dos profissionais em formação.

Cada vez mais, o brasileiro educado deverá ver oportunidades na iniciativa privada, devido ao número de empresas de sucesso que surgem de iniciativas estudantis. O mercado em constante mutação é também um ambiente propício para a fundação de novas empresas, que aproveitam a morte de antigos modelos de negócios e o nascimento de novos.

Educação customizada e seus impactos

Com a Inteligência Artificial aplicada à educação, muitos alunos conseguirão transpor as barreiras das limitações criadas pelo atual modelo de ensino. Por meio de um ensino customizado para cada indivíduo (associado a um ensino híbrido), a perseverança deverá ser, cada vez mais, fator decisivo no sucesso acadêmico e profissional.

Teremos, a partir disso, pessoas de diferentes perfis de aprendizado competindo em nível de igualdade. A antiga divisão entre as áreas humanas e exatas serão amenizadas por esse modelo de ensino, entregando ao mercado profissionais com bagagens mais abrangentes e complementares.

Não será exclusividade de um estudante de engenharia ou ciência da computação conseguir analisar grandes massas de dados. Em 2025 todas as profissões estarão inundadas com quantidades massivas de dados. A capacidade de manipular e interpretá-los  precisará ser desenvolvida em profissionais de qualquer área de atuação.

Além disso, o aprendizado contínuo, facilitado por grandes plataformas de ensino online, tornará o profissional um ser em constante estudo. A vida estudantil não acabará na graduação ou pós-graduação, mas perpetuará por toda a vida profissional daquele que desejar se manter atrativo às empresas.

A grande questão do aprendizado para 2025 não é se seremos substituídos pelas máquinas e Inteligência Artificial, mas sim se teremos as competências necessárias para operar essas ferramentas e atuar em conjunto com elas.

Por que mais recursos, leis, dados, e peritos não significam melhores serviços ou políticas públicas?

Uma fatia supreendentemente grande da atividade econômica mundial se concentra em um pequeno número de mega-projetos. Estes são projetos “de larga escala e alta complexidade que custam mais do que 1 bilhão de US$, demoram vários anos para serem desenvolvidos e construídos, e envolvem múltiplos stakeholders públicos e privados, sendo transformacionais e impactando milhões de pessoas” (Flyvbjerg, 2014, p. 6). Exemplos de mega-projetos são a Estação Espacial Internacional (custo previsto US$150 bilhões), Dubailand (um parque de atrações em Dubai, custo US$ 64 bilhões), e a ponte Hong-Kong-Macau (US$ 10.6 bilhões) (Desjardins, 2017). No Brasil temos mega-projetos antigos, como a construção de Brasília e a Transamazônica, recentes, como Belo Monte e a Copa do Mundo, e planejados para o futuro, como o trem de alta velocidade entre São Paulo e Rio de Janeiro e a transposição do Rio São Francisco. Segundo Flyvbjerg (2014) o gasto com mega-projetos já alcança 8% do PIB mundial e está crescendo. A prevalência deste tipo de empreitada se deve aos ‘quatro sublimes’ que atraem uma coalizão diversas de atores. O ‘sublime’ tecnológico atrai engenheiros e apaixonados por tecnologia; o ‘sublime’ político atrai os políticos; o ‘sublime’ econômico atrai os empresários, banqueiros, investidores, sindicatos e consultores; e o ‘sublime’ estético atrai aqueles que gostam de desenho icônicos.

À primeira vista mega-projetos não parecem ter muito a ver com serviços, pois tendem a ser grandes, circunscritos e materiais. No entanto, uma segunda reflexão revela que envolvem uma variada e complexa rede de serviços para serem projetados, construídos, operados e mantidos. Além disto, muito deles são essencialmente plataformas que ofertam uma gama de serviços, por exemplo, o parque de Dubailand ou o aeroporto Internacional Beijing Daxing sendo construído na China. Sendo assim, qualquer problema ou ineficiência que possa ser identificada na concentração tão grande de recursos, esforço e atividade econômica em um pequeno número de projetos também seria um problema relevante para o setor de serviços. E de fato existem problemas.

Flyvberg (2014) coletou dados de todos mega-projetos dos últimos 70 anos e chegou à seguinte conclusão:

Sucesso na realização de um mega-projeto é tipicamente definido como ocorrendo quando um projeto é entregue dentro do orçamento, dentro do prazo estipulado e com os benefícios prometidos. Se, como parece ser o caso, aproximadamente um em dez projetos está dentro do orçamento, um de dez está dentro do prazo, e um em dez entrega os benefícios prometidos, então aproximadamente um em mil projetos é um ‘sucesso’, definido como cumprindo as três condições. Mesmo se estes números estiverem errados por um fator de dois – tal que dois, e não só um de cada dez projetos cumpra cada condição – orçamento, prazo e benefícios, respectivamente – então a taxa de sucesso ainda seria deprimente, agora oito de cada mil projetos (Flyvbjerg, 2014, p. 11, tradução minha).

 

Por que sempre dá errado?

É claro que não são só mega-projetos que falham. Em “Por que Políticas Públicas Falham” (disponível em http://bpmmueller.wixsite.com/bernardo-mueller) eu discuto por que políticas públicas em geral são tão propensas a deixar de atingir um ou mais dos objetivos almejados. E além de mega-projetos e de políticas públicas, projetos privados de todos tamanhos também costumam decepcionar. Nenhuma reforma da minha casa saiu dentro do prazo, dentro do orçamento ou dentro do esperado.

Parte da explicação para tanta ineficiência, decepção e desperdício é óbvia. Todas as fases de concepção, projeção, implementação e operação destes projetos e políticas públicas são permeadas de incompetência, ignorância, corrupção, interesse próprio e custos de transação. Ou seja, eles difíceis de fazer e repletos de incentivos perversos. Porém, o ponto central do argumento aqui é que mesmo que consigamos resolver ou drasticamente atenuar todos estes problemas, ainda assim continua sendo o caso que os projetos e políticas falharão em grande medida.

Isto se dá por que estas atividades se dão em contextos de sistemas complexos, que por sua natureza não podem ser controlados nem previstos. Sistemas complexos são caracterizados por uma interação de grandes números de agentes heterogêneos, agindo localmente, seguindo regras simples, sem informação do todo, e sem controle centralizado, com a interação dando emergência a padrões, ordem, estruturas, e funcionalidades em um nível macro, que não foram planejadas nem previstas, e muitas vezes nem compreendidas, pelos agentes individualmente. Exemplos de sistemas complexos são a economia, uma cidade, um cérebro, o sistema imunológico, uma firma, um protesto, um formigueiro, uma rede social, linguagem, etc. Em todos casos a chave é o nível de interconexão, diversidade, conectividade e adaptabilidade dos agentes. Um momento de reflexão deixa claro que projetos ou políticas públicas se realizam em sistemas complexos. Serviços em particular fazem parte de redes complexas que conectam diferentes provedores com usuários em estruturas específicas que cumprem funcionalidade não-desenhadas e emergentes.

Se projetos, políticas públicas e serviços são tão propensos a ineficiência, desperdício e falhas, o que podemos fazer a respeito? A reação instintiva de economistas, administradores, juristas, jornalistas e outros peritos costuma ser sugerir que se empregue mais esforço, mais recursos, mais leis, mais dados, mais computadores, mais boa vontade e mais empenho para fazer as coisas funcionarem desta vez. Ou seja, faça o que já vinha fazendo, mas faça mais e melhor. Certamente, estas coisas podem ajudar em certa medida. Mas quando se trata de sistemas complexos há uma complexidade irredutível que não pode ser eliminada. Esta complexidade vem da natureza do sistema. Em particular, a abordagem tradicional de economistas e formuladores de políticas públicas não é apropriada para lidar com este tipo de problema. A abordagem tradicional é linear, reducionista, gaussiana, estática, ergódiga (presume que o futuro será igual ao passado) e em grande medida ignora as interações que são o foco do problema. Teoria da Decisão, por exemplo, que é uma das pedras fundamentais destas abordagens, requer que se compare os custos e os benefícios de todas as situações que podem vir a ocorrer, levando em conta as probabilidades de cada estado do mundo. Mas em um sistema complexo, não só não se sabe o que vai acontecer, como não se sabe o que possivelmente pode vir a acontecer.

TI é a solução?

Diante da inutilidade de muito de nosso conhecimento para melhorar o desempenho de políticas, projetos e serviços, o que pode ser feito? Será que novas tecnologias de informação como Inteligência Artificial, Big Data, Machine Learning, blockchain, redes neurais, além de aplicativos e sabe-se lá o que irá surgir no futuro, podem ser a solução? De fato, muitas destas técnicas e processos tem características que as tornam bons instrumentos para lidar com sistemas complexos. Em “Por que as Políticas Públicas Falham” eu descrevo algumas abordagens modernas que parecem promissoras para lidar com este problema por não precisarem de previsão ou controle do sistema. No entanto, a minha conclusão ali é que mesmo se estas técnicas e instrumentos consigam melhorar nossa capacidade de criar, implementar e gerir projetos, políticas e serviços, jamais termos o nível de controle que a abordagem tradicional supõe ser possível. Mesmo com abordagens mais adequadas à sistemas complexos, há limites ao que pode ser conseguido. No final das contas, será necessário adotar uma postura de maior modéstia epistemológica e reconhecer nossas limitações, admitindo que o nível de controle e agência que costumamos almejar, não podem ser realizados.

Isto não quer dizer que não há nada que se possa fazer. Sistemas complexos podem ser influenciados e cutucados para evitar alguns tipos de resultados e induzir outros, mesmo que não seja possível impor uma sintonia mais fina. O importante é reconhecer a natureza de um sistema complexo quando se lida com um, e usar as intervenções próprias a um sistema com tais características, que algumas vezes pode ser simplesmente não fazer nada.

Salto no escuro ou humildade epistemológica?

Na década de 1960 Albert Hirschman notou um padrão em diversos projetos que ele visitou em diferentes países em suas viagens como um economista interessado em desenvolvimento econômico. Os países embarcavam em grandes e ambiciosos projetos, como grandes represas ou novas indústria, com um otimismo ingênuo que não via a complexidade e dificuldade inerente à empreitada. Ele cunhou a expressão “Hiding Hand Principal” para se referir, em uma alusão à Adam Smith, a esta tendência de formuladores de política e gerentes de projetos de subestimar o nível de incertezas e complicações inerentes no projeto em que embarcavam (Hirschman, 1967). Segundo ele, se esta realidade fria não fosse mascarada pelo otimismo simplista dos atores, poucos projetos seriam tentados. E embora os projetos, de fato, frequentemente não atingiam seus objetivos, eles muitas vezes levavam o país a uma situação não antecipada que permitia lampejos de criatividade para adaptar o projeto para outros fins que se mostravam viáveis ao longo da jornada.

A atitude de Hirschman combina em parte com o argumento apresentado aqui. Embora ele não usasse a teoria de sistemas complexos em sua análise, a ideia de que há uma incerteza fundamental por trás de projetos e políticas públicas é parecida. No entanto, a recomendação de política é bem diferente. Enquanto Hirschman reage à impossibilidade de prever o futuro e de controlar um sistema complexo sugerindo um salto no escuro com a esperança de que no final tudo vai dar certo, eu estou sugerindo ser mais realista com o que pode ser atingido e adaptar o alcance e a natureza da intervenção à esta realidade, mesmo que signifique que não possamos fazer tudo que gostaríamos de fazer.

Bernardo Mueller é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor dos livros Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change (2016) e Institutional and Organizational Analysis: Concepts and Applications (2018).

Referências

Flyvbjerg, B. (2014). What you Should Know About Mega-Projects and Why: An Overview. Project Management Journal, 45(2), 6-19.

Flyvbjerg, B., & Sunstein, C. R. (2016). The Principle of the Malevolent Hiding Hand; or, the Planning Fallacy Writ Large. Social Research, 83(no. 4, Winter), 979-1004.

Hirschman, A. O. (1967). The Principle of the Hiding Hand: Brookings Institution.

Mueller, B. (2018). Por que Políticas Públicas Falham. Working paper Departamento de Economia, Universidade de Brasília. http://bpmmueller.wixsite.com/bernardo-mueller

Serviços, leis de Kaldor e eficiência schumpeteriana

A literatura econômica kaldoriana considera a indústria o setor mais dinâmico, responsável pela disseminação do progresso técnico e pela capacidade de geração de crescimento endógeno e autossustentado. Para essa literatura o setor de serviços não apresenta ganhos de produtividade e não é capaz de gerar crescimento econômico persistente (KALDOR, 1966).

No período recente cresceu internacionalmente a literatura que defende a existência de uma relação de interdependência entre o setor de serviços intermediários e a indústria. As evidências encontradas por esta literatura mostram que o crescimento da produção industrial depende do crescimento do setor de serviços intermediários, sendo a expansão deste setor que viabiliza o surgimento de inovações, o crescimento e o aumento da produtividade da indústria. A ideia principal é a de que no processo de mudança estrutural, atividades mais nobres dos setores industriais e de serviços, intensivas em tecnologia e conhecimento, co-evoluem. Na trajetória de desenvolvimento das nações, a partir de determinado momento histórico, faz-se necessária a existência de uma elevada simbiose entre indústria e serviços, na medida em que atividades manufatureiras passam a demandar mais serviços especializados.

No artigo “Contribution of services to economic growth: Kaldor’s fifth law?” Adilson Giovanini e Marcelo Arend (autores deste post) questionam a existência de uma nova lei de Kaldor. Esta lei evidenciaria que à medida que os países se industrializam e passam a fabricar produtos cada vez mais sofisticados, se elevaria a demanda por maior volume de conhecimento. O desenvolvimento de um setor de serviços intermediários, especializado no fornecimento de soluções tecnológicas e gestão deste conhecimento, viabilizaria a fabricação de manufaturas avançadas e complexas.

Esta hipótese foi testada através da estimação de modelos VAR em painel para oito países desenvolvidos (Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Espanha, França, Reino Unido, Itália e Holanda) no período 1980-2009. Os resultados estimados corroboraram a hipótese levantada. O crescimento do setor de serviços intermediários contribui para o crescimento da produtividade industrial; do valor adicionado industrial per capita e da complexidade econômica dos países em análise. Com isto, dadas as devidas ressalvas, os resultados apresentam elementos iniciais favoráveis para a defesa de que os serviços avançados também atuam como um “motor do crescimento econômico”.

A partir dessas conclusões é possível explorar em mais detalhes o “espaço-indústria”, desenvolvido por Arbache (2012), com “pitadas teóricas” da literatura schumpeteriana e estruturalista. O espaço-indústria é constituído por quatro quadrantes que mostram diferentes processos de mudanças estruturais. No quadrante R1 a população é predominantemente rural e a agropecuária é o setor dominante. Neste quadrante o país se encontra preso na armadilha da renda baixa (RODRIK, 2014). Em perspectiva schumpeteriana, tal como Dosi, Pavitt e Soete (1993), podemos derivar que países nesse estágio de seu desenvolvimento possuem exclusivamente eficiência ricardiana, pois a alocação de fatores se realiza em perfeita concordância com o princípio das vantagens comparativas estáticas.

Figura 1 – Espaço-Indústria

Fonte: Adaptado de Arbache (2012)

 

 

 

 

 

 

 

O quadrante R2 é caracterizado pela crescente demanda por produtos industriais básicos e pelo desenvolvimento de uma indústria de baixo valor adicionado e serviços gerais. Nessa trilha, muitos países superam a armadilha da pobreza, com crescimento acelerado proporcionado por um processo de industrialização. As clássicas leis de Kaldor explicam perfeitamente o caminho percorrido até o quadrante R2. Também, poderíamos considerar que nesse processo a eficiência keynesiana funcionaria como um “motor” do crescimento da renda per capita. A condição de eficiência keynesiana implica que a estrutura produtiva abarque cada vez mais ramos que tenham elevada elasticidade-renda da demanda. Isso quer dizer que o país está internalizando setores nos quais a demanda e os mercados crescem rapidamente, abrindo, consequentemente, oportunidades de vendas e de lucros maiores (DOSI; PAVITT; SOETE, 1993). Aliada ao processo de industrialização, a diversificação produtiva amplia-se, conforme demonstrado por Imbs e Wacziarg (2003).

A passagem para o quadrante R3 e deste para o R4 é um caminho que poucos países conseguiram fazer. Muitos países entram em relativa estagnação de seu nível de renda per capita nesse estágio (armadilha da renda média), inclusive apresentando regressão de sua estrutura produtiva, fenômeno associado ao processo de desindustrialização prematura.

Ademais, a região R4 representa o estágio mais avançado do desenvolvimento industrial. Neste quadrante, o processo de expansão da densidade industrial continua e é acompanhado pela existência de demanda mais do que proporcional por serviços intensivos em conhecimento, ao passo que a participação da indústria “tradicional” declina (ARBACHE, 2012). No quadrante R4, se encontram os países industrializados, que possuem renda elevada. Seguindo a linha argumentativa de Imbs e Wacziarg (2003), este quadrante também é caracterizado por relativo retorno à especialização produtiva. A demanda por serviços avançados cresce, de modo que estes países se caracterizam pela fabricação de serviços conectados a manufaturas de elevada complexidade econômica. Pode-se defender, a partir das conclusões de Rodrik (2014), que os países que migram para os quadrantes R3 e R4 são aqueles que conseguiram desenvolver as capacitações necessárias para o desenvolvimento do setor de serviços intermediários e produtos complexos. O “segredo” da prosperidade de alguns países em detrimento dos demais se encontraria em capacidades organizacionais, de distribuição do conhecimento entre os trabalhadores e de utilização coletivamente de volumes maiores de conhecimento.

É nesse momento que consideramos que eleva-se a necessidade de maior simbiose entre a indústria e o setor de serviços, conforme exposto no inicio desse artigo. A saída do quadrante R2, em direção ao R3 e R4, pressupõe a conquista da eficiência schumpeteriana. A eficiência schumpeteriana supõe que existam, na estrutura produtiva, setores nos quais o progresso técnico e os ganhos de produtividade são especialmente elevados. A definição de eficiência schumpeteriana prescreve um padrão de especialização baseado na exportação de produtos para os quais se identifique um elevado grau de oportunidade, apropriabilidade e cumulatividade tecnológica (DOSI; PAVITT; SOETE, 1993). Stojkoski et al. (2016) mostram que os países que apresentam maior exportação de serviços apresentam índices mais elevados de complexidade. Ademais, seus resultados mostram que as economias cuja pauta de exportação é baseada em serviços têm estrutura produtiva mais complexa e maior potencial de crescimento no longo prazo.

Sociedades complexas, com estruturas produtivas complexas, possuem eficiência schumpeteriana. São países que enfrentaram seus processos de desindustrialização, porém sem estagnação de seus níveis de renda. Tais processos deram-se com elevação da densidade industrial e crescimento do setor de serviços intermediários. Portanto, as leis de Kaldor também são válidas para economias com elevada participação do setor de serviços no produto e no emprego, desde que possuam estruturas produtivas complexas e com eficiência schumpeteriana.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARBACHE, J. Industrial-Space and Industrial Development [Mimeo]. Departamento de Economia, Universidade de Brasília, 2012.

DOSI, G.; PAVITT, K.; SOETE, L. La economía del cambio técnico y el comercio internacional. México: Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, 1993.

GIOVANINI, AdilsonAREND, Marcelo. CONTRIBUTION OF SERVICES TO ECONOMIC GROWTH: KALDOR’S FIFTH LAW?. RAM, Rev. Adm. Mackenzie [online]. 2017, vol.18, n.4, pp.190-213. ISSN 1678-6971.  http://dx.doi.org/10.1590/1678-69712017/administracao.v18n4p190-213.

IMBS, J. e WACZIARG, R. Stages of diversification. American Economic Review, v. 93; n. 1, p. 63-86, 2003.

KALDOR, Nicholas. Causes of the slow rate of economic growth of the United Kingdom: an inaugural lecture. Cambridge University Press, 1966.

RODRIK, Dani. The past, present, and future of economic growth. Challenge, v. 57, n. 3, p. 5-39, 2014.

STOJKOSKI, Viktor; UTKOVSKI, Zoran; KOCAREV, Ljupco. The Impact of Services on Economic Complexity: Service Sophistication as Route for Economic Growth. PloS one, v. 11, n. 8, 2016.

Globalização e a escada íngreme da tecnologia

A edição de abril do “World Economic Outlook (WEO)” do FMI trouxe um capítulo sobre como a globalização vem contribuindo para uma difusão de conhecimento pelos líderes tecnológicos mais rápida do que anteriormente. A difusão tecnológica transfronteiriça não só contribuiu para o aumento dos níveis de produtividade doméstica nas economias avançadas e emergentes, mas também facilitou uma reformulação parcial do mapa da inovação tecnológica, com alguns beneficiários se tornando novas fontes significativas de pesquisa e desenvolvimento (P & D) e patentes. Cabe a nós entender o que seria necessário para que essa mudança no cenário da inovação fosse ainda mais ampla.

A globalização difundiu conhecimento e tecnologia …

Maior comércio, investimento estrangeiro direto e uso internacional de patentes disseminaram mais intensamente o conhecimento e a tecnologia através das fronteiras. Um duplo dividendo pode potencialmente ser derivado de tal característica: como a tecnologia é tipicamente “não-rival” em seu uso, sua difusão pode levar a aumentos de resultados médios a custos relativamente baixos; além disso, seu uso múltiplo pode gerar efeitos de rede positivos por meio da polinização cruzada.

Os fluxos de conhecimento do exterior podem ter impacto tanto na produtividade, através da adoção de tecnologias estrangeiras no processo de produção, como – combinados com P & D interna – em inovação (Gráfico 1).

O WEO estima que, nas economias de mercado emergentes, “de 2004 a 2014, o conhecimento estrangeiro foi responsável por cerca de 0,7 ponto percentual do crescimento anual da produtividade do trabalho, ou 40 por cento do crescimento observado da produtividade setorial, comparado com o crescimento anual de 0,4 ponto percentual durante 1995–2003″ (Gráfico 2). Segundo o relatório, esses resultados permanecem robustos mesmo quando a China é excluída, o que indica que os efeitos da produtividade foram amplos entre as economias emergentes.

Além disso, o relatório mostra um quadro de mudança na constelação internacional de fontes de inovação tecnológica, à medida que os gastos com P & D crescem rapidamente na China e os estoques de patentes internacionais se acumulam na Coreia (Gráfico 3). Esses países se juntaram aos líderes tradicionais em setores como equipamentos elétricos e ópticos e, especialmente, na Coreia, em equipamentos de máquinas.

Isso aconteceu mesmo enquanto, desde o início da década de 2000, as economias tradicionais de fronteira passaram por uma desaceleração nos aumentos de produtividade da mão-de-obra e na produtividade total dos fatores, ao mesmo tempo em que houve um crescimento mais lento das patentes e, em certa medida, menor investimento em P&D. Duas linhas de explicação para tal têm sido oferecidas, vale dizer: refletem uma lacuna de tempo na transição entre a terceira e a quarta revoluções industriais ou manifestam um declínio secular nas oportunidades de levar a produtividade adiante. De qualquer maneira, como assinalei em 2010, as prevalentes lacunas de convergência tecnológica e a não-rivalidade no uso de tecnologias existentes ofereceram às economias de mercado emergentes a oportunidade de continuar avançando mesmo com o ritmo desacelerando na fronteira (Canuto, 2010).

O WEO também traz à tona os resultados de um exercício empírico mostrando os efeitos positivos da competição internacional em inovação e difusão tecnológica. Isso poderia ser considerado um canal adicional através do qual a globalização estaria reforçando os incentivos para inovar e adotar tecnologias do exterior.

… Mas existem requisitos locais para subir na escada de capacidades de inovação

Não obstante a melhoria dos fluxos transfronteiriços de conhecimento pela globalização, a simples interconectividade não gera automaticamente os aumentos de produtividade e a inovação local. Qualquer aplicação de tecnologia incorpora um conteúdo “tácito” e localmente específico – idiossincrático – que não pode ser adquirido ou transferido por meio de manuais ou qualquer outra forma codificável de transmissão de conhecimento. Esse conhecimento não pode ser tornado “explícito” em blueprints e, portanto, não pode ser perfeitamente difundido como informação pública ou propriedade privada. Tem de ser desenvolvido localmente (Canuto, 1995).

Há um aumento dos requisitos em termos de conhecimento tácito e idiossincrático e de desenvolvimento local de capacidades quando se pensa em produção, adoção de tecnologia e invenção, como mostrado no Gráfico 4. Pode-se também considerar típica para os retardatários uma evolução que geralmente começa com a produção e a adoção de tecnologia antes da invenção. Esse foi exatamente o caso da Coréia e da China, que empreenderam esforços para desenvolver capacidades de inovação após intenso aprendizado pelo uso e adaptação de tecnologias existentes.

O sucesso em montar e ascender na escada rolante de capacidades depende da presença de um amplo conjunto de complementaridades, na ausência das quais o retorno do investimento no desenvolvimento de capacidades é dificilmente obtido. O acesso a finanças, infraestrutura, mão de obra qualificada e práticas gerenciais e organizacionais importa. Soluções para falhas de mercado que geram desincentivos ao acúmulo de conhecimento também devem estar presentes. Além disso, os custos de transação associados ao ambiente de negócios – comércio internacional, contratação de mão de obra, execução de contratos, etc. – não podem ser muito altos (Canuto, Dutz & Reis, 2010).

Como a presença de tais complementaridades não é fenômeno generalizado, pode-se entender porque a mudança internacional na paisagem da inovação tem sido limitada. Também explica o que Cirera & Maloney (2017), do Banco Mundial, chamaram de paradoxo da inovação: os níveis de investimento relacionados à inovação nas economias em desenvolvimento não são proporcionais aos altos retornos que se espera acompanharem a adoção de tecnologias disponíveis e a convergência tecnológica. A globalização pode disseminar o conhecimento, mas não necessariamente vem com o que é necessário para desfrutar completamente disso.

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