Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Renato Baumann

Brasil e Índia: possível aproximação em serviços?

Este ano são comemoradas sete décadas de relações diplomáticas entre os dois países. Nesse longo período é evidente que as duas economias experimentaram variações diversas em sua orientação de política, bem como nos resultados obtidos.

Juntamente com o Brasil, a Índia foi sistematicamente voz ativa nos fóruns internacionais, em defesa dos interesses das economias menos desenvolvidas. De fato, ambos países têm participado de diversas iniciativas voltadas para aquilo que até recentemente era conhecido como o Terceiro Mundo, hoje rebatizado como economias emergentes. À diferença do Brasil, contudo, nos anos de Guerra Fria o alinhamento indiano esteve mais próximo do bloco soviético.

Se a economia brasileira apresentou, nesses setenta anos, altos e baixos, com momentos de hiperinflação, crises nas contas externas alternadas com momentos de euforia, introversão em paralelo a iniciativas relativamente tímidas de abertura selecionada, etc, a história econômica da Índia é um pouco distinta.

À diferença da experiência brasileira, a inserção internacional da economia indiana tem um claro ponto de inflexão no início da década de 1990, quando uma crise importante nas contas externas levou a processo de abertura sem precedentes. Desde então, as exportações de bens e serviços triplicaram sua participação no PIB, passando de 7% em 1990 para 21% em média, entre 2014 e 2016, segundo dados do Banco Mundial[1]. Variação semelhante à registrada do lado das importações: de 8% para 23%.

Existem cinco vezes mais indianos que brasileiros no planeta. A população brasileira, de pouco mais de 200 milhões de habitantes, é pequena quando comparada com os mais de 1,3 bilhão de indianos. A Índia é o segundo país mais populoso do planeta, atrás apenas da China.

O valor da produção nas duas economias é, contudo, de ordem semelhante. Se medido em termos de poder de compra de paridade para a média do período 2014-2016, a preços constantes de 2010, o PIB nos dois casos é da ordem de US$ 2,3 trilhões.

Isso, evidentemente, afeta a estimativa da renda per capita. Quando medido em termos da paridade do poder de compra, isto é, a capacidade efetiva de compra da renda individual, o PIB per capita do Brasil, da ordem de US$ 15,6 mil em média em 2014-2016 é mais do dobro dos US$ 6 mil correspondentes na Índia.

Mais do que simples curiosidades estatísticas, esse conjunto de diferenças afeta o padrão de demanda predominante em cada uma dessas economias, portanto sua estrutura produtiva e seus interesses negociadores.

As duas economias diferem, também, na composição setorial básica da sua estrutura produtiva. A Tabela 1 mostra as participações dos três principais setores.

Tabela 1 – Estrutura Produtiva do Brasil e da Índia – média 2014-2016 (% do PIB)
Brasil Índia
Agricultura 5,1 17,6
Indústria 22,5 29,5
Serviços 72,4 52,8

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

Em ambas as economias há predominância da produção de serviços, mas a importância relativa desse setor é bem mais pronunciada no caso brasileiro, onde corresponde por quase três quartas partes do valor adicionado na economia. Essa diferença é particularmente notável quando se trata de comparação com a economia indiana, sabidamente uma economia com forte desempenho (muito mais pronunciado que o brasileiro) no comércio internacional de serviços.

As duas economias têm relação distinta, também, na sua relação com o comércio externo. Se considerado o valor total do comércio de mercadorias em relação ao PIB, esse percentual era em média, em 2014-2016, da ordem de 19% no caso do Brasil, bem menos que os 32% registrados no caso da Índia.

Nesse mesmo período, a economia brasileira exportou bens e serviços em montante correspondente a 12% do seu PIB, e importou 13%. Os mesmos indicadores para a Índia foram de 21% e 23%, respectivamente, indicando uma economia mais aberta ao comércio.

O grau de envolvimento das duas economias com o comércio internacional de mercadorias tem trajetória claramente diferenciada. Enquanto no Brasil o grau de abertura pouco se alterou nessas duas décadas e meia (a relação entre o comércio de mercadorias e o PIB brasileiro passou de 12% em 1990 para 18% em 2016), na Índia esse indicador aumentou duas vezes e meia, no mesmo período, passando de 13% para 28%.

Seja como for, o maior grau de abertura comercial não significa que o desempenho da economia indiana no comércio de mercadorias tenha gerado resultado marcante, em termos de saldo comercial. De fato, o que se observa é que essa economia é deficitária no comércio de mercadorias, e compensa esse resultado negativo com a exportação de serviços, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 – Balança Comercial e Comércio de Serviços (US$ milhões)
Média 1990-99 Média 2000-2010 Média 2011-2016
Índia
Balança comercial -5151 -52873 -14433
Saldo de serviços -2420 14152 68737
Brasil
Balança comercial 778 20078 9964
Saldo de serviços -6304 -11744 -39793

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

É notável, na comparação entre as duas economias, que o peso relativo do setor de serviços na produção nacional seja bem mais elevado no caso do Brasil do que na Índia.

Existem, portanto, diferenças notáveis entre as duas economias, tanto no que se refere a suas estruturas produtivas – o que implica diferenças nas estruturas de demanda e nos interesses de produtores – quanto à sua relação com o Resto do Mundo.

À semelhança do comércio entre o Brasil e outros países, também as relações comerciais bilaterais com a Índia são essencialmente do tipo “Norte-Sul”, significando um intercâmbio em que um dos parceiros (Brasil) exporta produtos básicos e importa mercadorias processadas.

Além disso, a pauta de exportações é bastante mais concentrada do lado brasileiro do que para os indianos.

Em 2010 não mais que três produtos – óleos brutos de petróleo, açúcar de cana em bruto e sulfetos de minério de cobre – correspondiam a 67% do valor exportado pelo Brasil, tendo como destino o mercado indiano. Os 100 produtos mais importantes representavam 96,3% do valor exportado pelo Brasil no comércio bilateral.

As importações brasileiras provenientes da Índia eram, naquele mesmo ano, mais diversificadas. Os três principais produtos – óleo diesel, fio de algodão e fio de poliéster – representavam apenas 47% do valor total, indicando um grau bem mais diversificado que as exportações brasileiras. Os 100 principais produtos correspondiam a 80%.

Decorridos sete anos, em 2017 os três principais produtos de exportação brasileira – óleo bruto de petróleo, óleo de soja em bruto e outros açúcares de cana – correspondiam a 60% do valor total, enquanto os 100 principais produtos representavam 95%. Isto é, houve pouquíssima diversificação da pauta exportadora brasileira no comércio com a Índia.

O registro é um tanto diferente do lado das importações brasileiras. Em 2017 os três principais produtos indianos – fios têxteis de poliéster, inseticidas e querosene de aviação – representavam não mais que 12% do total da pauta. E os 100 principais produtos corresponderam a apenas 63%.

Esses indicadores são ilustrativos do baixo grau de elaboração dos produtos exportados pelo Brasil e de quão limitado foi o processo de diversificação da oferta brasileira.

Ao mesmo tempo, contudo, eles mostram que do lado indiano houve claramente ganho de participação por parte de produtos mais elaborados e um notável grau de desconcentração da pauta exportadora.

Esses são indicadores relativos ao comércio de mercadorias. No entanto, a Índia é uma economia que se destaca pelo seu dinamismo na exportação de serviços.

Uma das limitações básicas quando se trata do comércio de serviços é a dificuldade em conseguir dados. Em particular, a identificação de fluxos bilaterais demanda pesquisa específica, o que transcende os objetivos deste artigo.

Algo é possível informar, contudo, no que se refere à importância relativa do comércio de serviços para cada uma das duas economias.

A Tabela 3 mostra que a participação do comércio (exportações e importações) de serviços no PIB de cada um dos dois países é crescente, mas bastante distinta. Ao longo do período considerado o comércio de serviços representou, em termos do produto nacional, duas vezes mais para a Índia do que o observado no Brasil.

Tabela 3 – Comércio de Serviços (% do PIB)
2000 2005 2010 2016
Brasil 3,77 4,31 4,15 5,40
 
India 7,76 12,28 11,83 11,39

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

Na comparação com a Tabela 1 chama a atenção – como já referido – que na economia brasileira o setor de serviços representa um percentual do PIB bem mais elevado do que na economia indiana. No entanto, o comércio externo de serviços é bem mais significativo em proporção ao PIB nesta última.

Em termos do valor adicionado pelo setor de serviços como proporção do PIB houve aumento, entre 2000 e 2017, de 68% para 73%. Na Índia essas proporções foram mais modestas, com o valor adicionado em serviços tendo aumentado de 45% para 54%.

Uma explicação para tanto reside no fato de que o tipo de serviços produzidos no Brasil é predominantemente voltado para o consumo final, com baixo valor agregado e grau limitado de sofisticação. Ao passo que na Índia há destaque para os serviços de apoio à atividade produtiva, portanto mais comercializáveis

Há diferença igualmente no desempenho recente das duas economias no que se refere ao valor exportado de serviços. Entre 2000 e 2017 as exportações brasileiras de serviços cresceram, em dólares correntes, 313%. No mesmo período, o valor exportado pela Índia aumentou não menos de 853%.

Representando mais de US$ 160 bilhões, as exportações de serviços pela Índia são concentradas (45%) no setor de software, seguido (20%) por apoio a negócios, viagens (14%), transportes (10%) e outros com pesos menos relevantes, como serviços financeiros, seguros e comunicações[2].

Em 2016 os principais serviços exportados pelo Brasil foram[3] serviços profissionais, técnicos e gerenciais (11% do total); serviços gerenciais e de consultoria gerencial (11%); serviços auxiliares aos serviços financeiros (8%); serviços de manuseio de cargas (6%) e serviços de transporte aquaviário de cargas (6%). Praticamente a metade foi exportada para os Estados Unidos e os Países Baixos.

Se no caso indiano há um padrão de especialização identificável e a preocupação é diversificar a pauta de exportações de serviços, no Brasil essa pauta é relativamente pulverizada (numa relação inversa à que se observa em mercadorias).

Em ambos os casos, há preocupação em diversificar os mercados de destino, reduzindo a dependência de poucos consumidores.

Em resumo, as relações comerciais entre o Brasil e a Índia são claramente influenciadas por diferenças na composição da estrutura produtiva em cada economia, assim como nas diferenças na relação entre o comércio de mercadorias e de serviços. No entanto, e em que pese a maior importância das exportações de serviços no caso indiano, aquele país foi capaz de diversificar e sofisticar sua pauta exportadora de mercadorias para o Brasil em proporções bem mais significativas do que se observa nas exportações brasileiras.

Não foi possível conseguir dados para a composição do comércio bilateral de serviços. Mas é possível inferir que há claras implicações para um eventual processo negociador entre as duas economias.

O fato de o Brasil pertencer ao Mercosul é determinante de que eventuais negociações de preferências comerciais devam ser feitas no formato 4+1, o que implica identificar tanto os interesses negociadores de parte da Índia quanto os interesses dos quatro membros do Mercosul.

Tendo em vista as considerações acima, parece razoável esperar que a Índia tenda a ter maior interesse nas negociações no setor de serviços, mais do que no comércio de mercadorias.

E no âmbito dessas negociações, dada a concentração de exportações indianas em software, seria de se esperar interesse em medidas que facilitem as transações do chamado Tipo 2 do GATS, isto é, serviços “ofertados no território de um país para consumidores em outro país”.

Isso, sem prejuízo de interesse igualmente em negociações de medidas que facilitem transações de Tipo 3 (serviços ofertados através de algum tipo de estabelecimento profissional ou comercial de um país no território de outro país), dada a participação importante, no processo produtivo indiano, de tecnologia de informação e comunicação e serviços de apoio aos negócios, sem prejuízo, claro, de outros tipos de serviços.

Da perspectiva brasileira é menos fácil identificar como poderia ser a composição de sua demanda negociadora em serviços, até pela diversidade da pauta de exportação, o que dificulta identificar as vantagens comparativas da economia brasileira em serviços.

Eventuais negociações para ampliar o comércio de mercadorias são mais previsíveis. De fato, o acordo firmado entre a Índia e o Mercosul em 2004 compreende uma lista limitada de itens: poucas centenas de itens, quando a pauta comercial dos dois lados é formada por milhares de produtos. Há, de fato, processo em curso para ampliar a cobertura do acordo, com a inclusão de um número mais expressivo de itens.

No tocante a serviços, seria da maior importância poder dispor de informações comparáveis sobre a composição dos fluxos bilaterais. Seja como for, parece razoável imaginar a existência de demanda indiana para a facilitação das transações bilaterais em serviços. E dada a composição da pauta exportadora daquele país, com forte concentração setorial, é possível especular sobre onde estariam focados, em princípio, seus interesses.

O aspecto relevante a ressaltar é o grau de possível complementaridade entre as duas economias, e que deveria ser explorado de maneira mais intensa e focada, seja no âmbito de acordos bilaterais, seja na convergência de posições em fóruns multilaterais.

 

[1] http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=world-development-indicators

[2] Ver https://thewire.in/business/can-india-double-services-exports-five-years

[3] MIDC, Serviços – Panorama do Comércio Internacional, 2016

Aproximação Mercosul – Aliança do Pacífico e o Comércio de Serviços

Já se disse, em relação aos países vizinhos do Brasil, que a opção de se integrar é destino, tendo em vista a proximidade geográfica, a longa coexistência não conflitiva e a proximidade dos padrões de consumo.

Cabe investigar se os países da região são “parceiros naturais”.

A literatura econômica tem, entre muitos outros, um debate sobre como identificar um “parceiro natural”, com quem um país possa negociar tratamento preferencial, em termos comerciais e outras dimensões econômicas[1].

São candidatos imediatos os principais parceiros comerciais (aqueles com maior peso enquanto destino das exportações) ou com fluxos bilaterais de investimento direto mais intenso, os países geograficamente mais próximos, as economias mais estáveis, os países com maior poder econômico ou aqueles com nível similar de desenvolvimento econômico, e aqueles que possibilitem um potencial de exploração de diferenciação produtiva vertical, em paralelo a vantagens comparativas tradicionais.

A lista de variáveis a considerar pode ser extensa. Idealmente, seria um “parceiro natural” aquele país que correspondesse à maior parte desses critérios.

Não é claro, contudo, que a condição de “parceiro natural” seja facilmente identificável, ou mesmo possível de ser cumprida. Talvez o exemplo mais óbvio seja o fato de que para diversos países a maior proximidade com uma economia desenvolvida não corresponde ao principal parceiro comercial. No caso dos países latino-americanos, a primeira condição seria claramente atendida pelos Estados Unidos, enquanto a segunda corresponde cada vez mais à China. Qual das duas economias seria o “parceiro natural” dos latino-americanos? Difícil dizer.

Esse tipo de consideração pode ser útil para o debate sobre a aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico. Será possível identificar num desses dois grupos de países o “parceiro natural” do outro grupo?

Independentemente da discussão sobre se os países da Aliança do Pacífico seriam “parceiros naturais” do Mercosul, existem alguns argumentos que podem ser considerados em prol de maior aproximação entre os dois grupos de países.

Um primeiro argumento é aritmético. Se ocorre desvio de comércio como resultado de um processo de integração, quanto maior o número de países envolvidos em um mesmo processo menor a probabilidade de que ocorra desvio. Assim, a união dos oito países provavelmente promoveria mais criação que desvio de comércio do que no caso dos dois grupos isoladamente.

O segundo argumento é igualmente trivial. Poder contar com acesso a um mercado ampliado sem barreiras permite aproveitar as economias de escala em diversos setores.

Um terceiro argumento está relacionado com o chamado “efeito aprendizagem”. As empresas de um dos grupos, sobretudo aquelas de menor porte, poderão expandir a produção e exportação para o mercado regional e a partir daí amadurecer a capacidade de competir em mercados mais competitivos.

Quarto, cada país isoladamente tem dificuldade em afetar suas relações de troca. Em conjunto, contudo, um grupo de países pode pretender exercer poder monopólico. Isso será ainda mais verdadeiro quanto maior o tamanho desse grupo de países.

Quinto, há evidência empírica abundante indicando que boa parte da competitividade das exportações de produtos industriais por parte dos países do Sudeste Asiático, da União Europeia e dos países da América do Norte é influenciada pelos processos produtivos em cadeia.

Em Baumann/Ng (2012) foi mostrado que a intensidade do comércio regional em bens de produção é claramente associada a um melhor desempenho. Comparando-se as experiências de duas décadas da América Latina e do Sudeste Asiático fica claro que mesmo com a variação nos termos de intercâmbio beneficiando em nível recorde as economias da primeira região e punindo fortemente as da segunda, estas foram capazes não apenas de crescer mais e exportar mais, como também reduzir a distância entre elas. Resultado praticamente inverso ao experimentado na América Latina, no mesmo período.

Por analogia, pode-se supor que a promoção de complementaridade produtiva – ao menos entre os países da América do Sul, uma vez que a distância geográfica em relação ao quinto membro da Aliança, o México, pode ser um complicador nesse sentido – poderia contribuir para um melhor desempenho das exportações de produtos industrializados por parte dos países da região.

O comércio existente entre os dois grupos é expressivo (próximo a 1/3 das transações no âmbito da ALADI), e a composição dos fluxos de comércio entre os dois grupos tem participação significativa de produtos com grau de elaboração (portanto valor adicionado) mais pronunciado do que se observa no comércio extra-regional.

Do ponto de vista comercial, as negociações no âmbito da ALADI já contribuíram bastante para o livre-comércio entre os países membros. Restam, evidentemente, numerosos exemplos de barreiras não-tarifárias no comércio regional, e há pouca dúvida sobre as restrições impostas pela qualidade – ou mesmo inexistência – de infraestrutura, entre os membros de cada um desses grupos de países e – ainda mais – entre os dois grupos.

Mas a análise do potencial de integração entre os dois blocos não deveria se limitar aos fluxos de mercadorias. Os processos produtivos em todas as partes são cada vez mais intensivos em serviços de tipos variados. Cabe, portanto, uma digressão sobre esse comércio, para identificar o tipo de especialização dos países membros dos dois grupos em suas exportações de serviços.

As exportações totais de serviços indicam trajetórias um tanto distintas. Em 2010 as exportações totais de serviços por parte dos países do Mercosul eram da ordem de US$ 47 bilhões, e nos seis anos seguintes tiveram crescimento de 5%, atingindo US$ 50 bilhões em 2016[2].

No início do período, as exportações totais de serviços por parte dos países da Aliança do Pacífico somavam US$ 35 bilhões, ou 70% do exportado pelo Mercosul.

Em 2016 as exportações de serviços pelos países da Aliança alcançavam US$ 48 bilhões, próximas das do Mercosul, com um crescimento de não menos que 37%. Esse desempenho se deveu, sobretudo, ao desempenho mexicano, cujo valor exportado total cresceu 58% no período, atingindo, em 2016, quase ¾ do total exportado pelo Brasil.

Ao se considerar a composição dos fluxos de exportação de serviços, contudo, em cindo dos oito países nos dois grupos há predominância (mais da metade do valor total transacionado) de viagens (pessoais e de negócios). Esse dado, isoladamente, sugere que a margem para a complementaridade em serviços é limitada.

São destaques (Tabela 1) a Argentina, o Brasil e o Chile, com os dois primeiros apresentando parcela significativa de “outros serviços empresariais” (serviços empresariais, profissionais e técnicos, e serviços jurídicos, contábeis, de assessoramento administrativo e relações públicas) e o Chile, com destaque para transportes (sobretudo transporte marítimo). Nesses casos, as perspectivas para uma integração parecem mais promissoras.

De fato, a Matriz de Insumo-Produto para a América do Sul, estimada pelo IPEA e a CEPAL, com dados para o ano de 2005, indica a existência, embora ainda incipiente, de alguma integração entre exportações de serviços – sobretudo serviços empresariais – de alguns dos países sul-americanos e uns tantos setores produtores de mercadorias nos países vizinhos. Se a complementaridade entre setores produtores de serviços parece algo distante, a julgar pelos dados da Tabela 1, a interação entre serviços e produção de mercadorias já é uma pequena realidade, ao menos na América do Sul.

Um tema que merece análise mais detalhada, além do permitido por este espaço. De todos modos, algo é possível ilustrar, a partir de coeficientes selecionados da referida Matriz.

A Tabela 2 mostra os indicadores relativos a alguns dos fluxos de exportações de serviços mais expressivos entre países dos dois grupos. Desnecessário lembrar que, por ser a matriz focada nos países sul-americanos, não há informação correspondente ao México.

Segundo essa Tabela, o intercâmbio regional em serviços compreende tanto fluxos de serviços de um país para outros tipos de serviços em outros, como – o que é mais notável e promissor, do ponto de vista de potencial para complementaridade produtiva – serviços que são exportados para viabilizar atividades em setores produtores de mercadorias.

A julgar pelos dados da Matriz para 2005, o país na região mais ativo na exportação de serviços no âmbito regional é a Argentina. Não são mostrados na Tabela 2 alguns outros fluxos, associando – com valores não muito desprezíveis – “outros serviços” argentinos exportados para setores como mineração, celulose, borracha, máquinas e equipamentos, celulose e papel e produtos químicos e farmacêuticos, no Chile. De fato, o eixo Argentina-Chile parece ser o mais ativo, nesse sentido.

O Brasil aparece como parcialmente “integrado” com os países da Aliança do Pacífico, no sentido de ser exportador (embora em pequena escala) mas também importador de serviços do Chile e também da Colômbia.

A título de consideração final, portanto, há margem para uma ampliação significativa das transações entre o Mercosul e as economias que compõem a Aliança do Pacífico, também no que se refere ao comércio de serviços.

E mais: foi apresentado um conjunto de argumentos que apoiam atitudes mais proativas no estímulo a essa intensificação de relações comerciais, uma vez que ela muito provavelmente possibilitaria, em princípio, margem para apropriação de ganhos de escala, aprendizado na atividade exportadora e maior competitividade dos produtos exportados, se implicar a exploração de atividades de menor custo e maior complementaridade produtiva.

A racional da busca de competitividade pela via da complementaridade daria um Norte ao processo de integração regional, hoje carente de objetivos claros e perpetuado pelo custo implícito que poderia derivar da interrupção do processo negociador herdado das últimas décadas.

Mais do mesmo em termos de negociações no âmbito regional não significa avançar em direção clara, nem tampouco – como mostram à saciedade os indicadores do comércio regional latino-americano até aqui – melhora das condições de inserção internacional.

 

REFERÊNCIAS

R. Baumann, F. Ng (2012), Regional productive complementarity and competitiveness, International Trade Journal, vol. 26, No.4

J. Bhagwati (1993), Regionalism and multilateralism: an overview, em J. de Melo, A. Panagariya (orgs), New dimensions in regional integration, Cambridge University Press, Cambridge

P. Krugman (1991), Is bilateralism bad?, em E. Helpman, A. Razin (orgs), International trade and trade policy, Cambridge, MA, MIT Press

P. Krugman (1991a ), The move towards free trade zones, em Federal Reserve Bank of Kansas, Policy implications of trade and currency zones, Kansas City

L. Summers (1991), Regionalism and the world trade system, em Federal Reserve Bank of Kansas, Policy implications of trade and currency zones, Kansas City

[1] Ver, a propósito, Krugman (1991), Krugman (1991a ), Summers (1991) e a crítica a esse conceito em Bhagwati (1993).

[2] Dados da ALADI.

Trade in Services and Trade Balance

Production in the service sector and trade in services have become two variables of increasing importance that are hard not to take into account. In most countries, the service sector accounts for more than half of GDP: according to the World Bank’s World Development Indicators, in 2015 in only ten countries[1] did the service sector correspond to less than 50% of GDP.

As far as foreign investment flows (FDI) are concerned, two thirds of global FDI stock is concentrated (UNCTAD (2017)) in services, mainly in finance, business activities, trade and telecommunications[2]. Finance and business activities account for 62% of total global FDI stock in services.

The service sector – or at least several segments in it – often pays higher than average wages. Yet several of these high wage-sectors are precisely the sources of a good deal of service exports, like software and financial services.

The empirical difficulty in mapping the actual contribution of the service sector goes beyond the limits imposed by the conventional National Accounts and by analyses based on the limited number of sectors in input-output matrices. Statistics of trade in services rely strongly on the information provided by the Balance of Payments, often rather aggregated and hardly illustrative of the intertwining relation between goods and built-in services in the production and commercialization of each good.

Trade in services presents some peculiarities.

Trade in services has been the fastest growing component of international trade since the early 1990s, with average annual growth rates of about 10%. Over the past two decades, trade in goods has grown by a factor of 3.5, whereas total trade in services has increased by a factor of 5. Trade in services now accounts for about one-fifth of global trade[3].

In parallel to this impressive growth, there has also been a change in the type of services that are most intensevely traded, with an increasing share of high-skill intensive services. Consequently, the importance of new features that challenge traditional trade disciplines, such as cross-border services, has increased significantly.

This makes the identification of the actual barriers to trade in services more challenging. In the case of merchandise trade, there is a considerable amount of conventional methodologies to measure existing barriers and their multiple effects. Not so much for services. If a doctor or a lawyer decides to establish himself in another country this is not something that can happen by paying some tax at the border. Each country has its own regulations and imposes conditions to allow for the work by one such professional. Likewise, if a bank decides to open a branch in another country it has to be formally authorized by the authorities and fulfill a number of requirements in order to be allowed to operate.

Barriers to trade in service are mostly “behind the border”, comprising a whole set of norms and regulations that differ from country to country.

It is, therefore, hardly surprising that the producers of services in industrialized countries have been pressing for quite some time for a more disciplined and open world market for services, given the difficulties in surpassing domestic regulations.

According to UNCTAD statistics, in eleven years (2005 to 2016) the value of global trade (exports plus imports) in services increased 185%, compared to the 151% increase in global trade in goods. As an outcome, trade in services gained importance, increasing from 25% to 30% of the corresponding amount of merchandise trade. This is a universal tendency (Table 1): the share of trade in services to trade in goods increased to 35% in developed economies, to 24% in developing economies and to 28% in transition economies.

Table 1 – Trade(*) in Services as (%) of total merchandise trade
2005 2016
World 24.6% 30.1%
Developing Economies 18.6% 24.0%
Transition Economies 20.4% 28.3%
Developed Economies 28.0% 34.9%
(*) Exports plus Imports Source: UNCTADStat

The increasing importance of trade in services raises several new issues. This phenomenon affects the international movement of human resources, it provides dynamic comparative advantage, it increases the presence of domestic producers abroad, hence demanding norms to facilitate the operation of foreign suppliers in the domestic markets, and it requires the adaptation of domestic regulation with regards to a number of aspects, such as temporary and permanent migration rules.

Furthermore, these statistics refer only to exclusive trade flows in services. They do not identify the amount of services incorporated into merchandise trade, such as export financing and insurance, management and others. Hence, the actual importance of trade in services is probably bigger than these data suggest.

While disaggregating by categories of countries (Graph 1), it is clear that most of the trade in services (exports plus imports) is done among developed economies, even though there has been a remarkable increase in the volume of trade in services involving developing economies, in comparison to the starting position, in 2005. Transition economies remain in a marginal position.

Source: UNCTADStat

Comparing exports and imports of services, Graph 2 shows that the set of developed countries has always experienced trade surplus in services and has increased its surplus recently. The years 2009 to 2014 have witnessed an increase in the trade deficits of both developing and transition economies – certainly much bigger than in 2005 – even though figures for 2016 indicate a light reduction of those deficits in the latter.

Source: UNCTADStat

In summary, trade in services has become a very dynamic activity, but remains dominated by the developed countries. This phenomenon naturally influences the direction of the negotiations to facilitate this type of trade. It also brings some specific political economy implications.

The service sector comprises a wide range of heterogeneous activities. Shoe-shining is a service, as much as housekeeping, taxi driving, health treatment and space engineering. Hence the difficulties in dealing more clearly with the object of analysis, especially at an aggregate level.

Conventional approaches of the Heckscher-Ohlin type explain a good deal of trade in services. Think, for instance, in terms of health care. Medical procedures are approximately the same everywhere to deal with a given kind of disease. Serious doctors learn the best practices from the same set of respected journals, and keep updated in terms of new techniques and of new medicines and medical apparatuses. What is it, then, that explains the movement of people from, say, the United States, to Central American countries, looking for medical treatment? The sheer difference in costs. Because wages in these countries are lower than in the US, and presumably the quality of the services provided are not too different (same technology), some countries in the region have become exporters of medical care. The main reason for that is the lower costs of a labor-intensive activity in countries that are relatively abundant in labor, in comparison to the US.

Connell (2006) reports on a number of countries exploiting this type of tourism, such as India, Singapore, Thailand, South Africa, Belarus, Latvia, Lithuania and others. In Latin America, Cuba is well-known for the quality of its treatment of skin diseases, plastic surgery and dentistry. In Costa Rica, medical tourism accounted in 2016 for 13% of total tourism revenue; in El Salvador health tourism revenue tripled in the last five years, and in Guatemala there has been a 18% increase in the number of tourists looking for medical and dental treatment between 2015 and 2016.

The production of services is essentially labor-intensive. Jensen (2011) presents data for the US economy in 2007 that illustrate this point: in that year mining has generated only 0.5% of the total employment, construction 5.5% and manufacturing 9.9%. The set of services related to business (finance, professional services, administrative services and others) accounted for 25% of total jobs, and personal services (education, health, arts, entertainment and others) another 25%. There is a clear concentration of well-paid, more qualified workers in services than in other sectors of the US economy. For instance, only 7% of the employees in manufacturing had high degrees of professional qualification in manufacturing, whereas in business services this percentage reached 17%, 12% in finance and insurance, and 27% in technical and scientific areas.

Other sources of supply-side determined comparative advantages are linked to the cheapening of commodities stemming from the existence of economies of scale. Certain productive processes have the characteristic that one additional unit of input provides more than one unit of output. This is often the case in sectors with high fixed costs, such as the pharmaceutical industry: a new drug, however expensive to create, might be of universal use, hence provide a significant return to the firm that designed its formula. The increasing return leads to an ever-increasing production: the more a firm produces, the lower its costs per product unit.

From the perspective of international trade, a country that hosts these kinds of industries with economies of scale of some sort is likely to become a net exporter, given the increasing amount of production, at decreasing unit costs.

The relation of economies of scale to services is not immediate. Services often require specific work that depends on individual skills. This makes the service industry less prone to capture economies of scale than manufacturing.

This is not to say, however, that service sectors cannot take advantage of economies of scale in some ways. If service industry outputs tend towards customization, it can capture economies of scale through big orders. This is the case, for instance, of health plans and fast-food chains. Standardization allows for improving efficiency and produce more in the same amount of time.

The evidence presented thus far raises the question of to what extent does the increasing involvement of developing economies in trade in services contribute to their trade balance.  Between 2009 and 2016 the aggregate trade surplus in services for developed economies increased from US$ 323 billion to US$ 483 billion. At the same time, the corresponding result for the set of developing economies increased from a deficit of US$ 191 billion to an even more negative result of US$ 382 billion in the same period.

The reason seems to be in the peculiarities of (at least) some service sectors. Table 2 illustrates the point. Take as a reference the five BRICS countries and four major economies, in 2005 and 2016. It follows that for “charges for the use of intellectual property” the BRICS have increased their share of world exports, yet their trade deficit actually increased. The same is observed in “commercial services” for Brazil and China, whereas the selected developed countries have improved their trade balance. For financial services, the four developed economies improved their trade balance, in spite of the performance by the BRICS.

What these figures suggest is that notwithstanding a high positive performance by developing countries in the exports of services there seem to be some elements that determine a more favorable position by developed countries, at least in some sectors.

If confirmed, this leads to the recommendation of a cautious opening of the service sector. To the extent that trade is made in foreign currency, the concern with the actual impact on trade balance should not be disregarded.

REFERENCES

Connell, J. (2006), Medical tourism: Sea, sun, sand and…surgery, Tourism Management, 27, 1093-1100

Jensen, J.B. (2011), Global Trade in Services – Fear, Facts and Offshoring, Peterson Institute for International Economics, Washington

UNCTAD (2017), World Investment Report, Geneva

UNCTAD (2017a), Handbook of Statistics

 

[1] Mali, Mauritania, Niger, Oman, Qatar, Sierra Leone, Tajikistan, Tanzania, Togo and Vietnam.

[2] The same report by UNCTAD alerts to the fact that this high percentage of FDI stock in services is partly due to sectoral classification. A good deal of reported FDI data are based on the economic activity of foreign affiliates, performing activities such as financial holdings, logistic hubs, distribution and after-sales services, hence not classified as in the same industry of the transnational company to which they belong.

[3] See UNCTAD (2017a).

Migração e comércio de serviços

A oferta de serviços a serem transacionados no mercado internacional é – como de um modo geral ocorre com as mercadorias – fortemente determinada pelas vantagens comparativas de um país. Estas, por sua vez, em geral guardam relação com a disponibilidade de fatores de produção, embora possam ser alteradas ao longo do tempo por medidas de política. A existência de economias de escala em alguns setores ou a existência de estruturas concentradas de mercado são elementos que podem vir a influenciar o grau de especialização de uma economia, na sua inserção internacional.

No entanto, e à diferença do que ocorre com mercadorias, no comércio de serviços a relação de economias de escala com o desempenho exportador não é imediata nem assegurada.

Há casos, por exemplo – à diferença de empresas manufatureiras – em que as empresas produtoras de serviços de fato experimentaram desempenho decrescente, ao tentar se diversificar no mercado internacional. Isso pode ser devido (Capar, Kotabe (2003)) a que: i) diversos países mantêm controle estrito sobre o investimento em diversos setores de serviços, ii) os serviços ofertados por empresas transnacionais aos consumidores locais podem ter de sofrer um grau maior de adaptação do que o que se observa com produtos industrializados, dadas as diferenças linguísticas e culturais ou iii) diversos serviços requerem simultaneidade na produção e consumo, tornando necessário, portanto, que a empresa fornecedora mantenha um unidade local.

Além disso, os serviços frequentemente demandam trabalho específico que demanda habilidades específicas. Isso os torna menos suscetíveis de capturar economias de escala do que, por exemplo, a produção de manufaturas.

Essas peculiaridades da produção e comercialização de serviços, associadas à característica de que as barreiras ao seu comércio são predominantemente associadas a legislações e práticas internas de cada país, fazem com que as transações em serviços possam ser influenciadas por elementos como a migração de fatores produtivos e a produção em cadeias de valor.

Aqui não se trata de considerar os chamados “Modo 3” (presença comercial – oferta de serviços de parte de um profissional estabelecido em um país no território de outro país) ou “Modo 4” (presença de pessoas naturais – serviços ofertados por nacionais de um país no território de outro país) da Organização Mundial do Comércio, mas simplesmente o aumento da disponibilidade de oferta de indivíduos de outros países, que tomaram a decisão de migrar.

Suponha que os profissionais sejam pagos segundo sua produção marginal, num modelo com dois países. Isso pode ser representado como na figura a seguir. Os gráficos mostram a quantidade de trabalho no eixo horizontal e o produto marginal no eixo vertical.

Suponha que o País A tem um estoque inicial de 0LA e o País B um estoque de OLB. 0LA é claramente maior que OLB: o fator mão-de-obra é mais abundante no País A do que em B. O fator trabalho é mais barato em A. Isso é representado pelo nível de remuneração inicial em A, correspondente a wA, mais baixo do que o salário médio wB, pago aos trabalhadores no País B.
Suponha que não existam restrições à migração. A informação relativa a esse diferencial de remunerações motivará os trabalhadores do País A a migrarem para o País B.

À medida em que os trabalhadores migrem do País A para o País B, o número de trabalhadores no País A será reduzido para OL’ A < OLA, ao mesmo tempo em que haverá maior disponibilidade de trabalhadores no País B: sua força de trabalho aumentará de OLB para OL’ B.

Como resultado da menor disponibilidade de trabalhadores no País A, o fator trabalho se tornará mais caro e os ganhos com salário serão elevados de wA para w’ A. Pelo mesmo processo, e em sentido inverso, a maior disponibilidade de trabalhadores no País B tenderá a reduzir o nível de salário médio para w’ B.

É mais provável que nem w’ A nem w’ B sejam atingidos, uma vez que por hipótese não há restrições ao movimento de trabalhadores entre os dois países, e é razoável supor alguma reversão do processo migratório.

Em teoria, haverá algum ponto de equilíbrio intermediário, resultante do movimento em ambas direções. Isso é provável que ocorra quando o estoque de trabalhadores no País A atingir LAE no País A e LBE no País B. De ser assim, as remunerações médias dos trabalhadores em ambos os países tenderão ao nível de wAE no País, semelhante ao nível de wBE no País B.

E o que isso tem a ver com o comércio de serviços?

Mais uma vez, a teoria do comércio de mercadorias pode ajudar. A influência do processo migratório sobre a composição do comércio externo é o foco do chamado Teorema de Rybczynski.

Segundo essa formulação, um aumento exógeno na oferta de um fator de produção, por exemplo, mão-de-obra, numa dada economia, fará com que aumente a produção e a exportação dos produtos em cujo processo produtivo o fator trabalho é empregado de maneira mais intensiva, pelo simples fato de que esse fator terá se tornado mais barato. Essa economia desenvolverá (ou intensificará) vantagem comparativa em produtos intensivos em trabalho.

A mesma lógica se aplica, evidentemente, se em lugar de migração de trabalhadores ocorrer um aumento significativo no influxo de capital: a produção e as exportações do país se tornarão mais intensivas em capital.

Essa lógica pode ser adaptada a um movimento de número expressivo de trabalhadores, de tal modo que isso venha a afetar a estrutura produtiva da economia receptora. Da mesma forma, algo nessa mesma linha pode ser inferido para o caso de movimentos migratórios de trabalhadores com qualificação específica, como advogados ou engenheiros.

Um exemplo de migração com efeito sobre a prestação de serviços é o comércio de atletas. Em alguns países a seleção nacional, por exemplo, de futebol, é composta por indivíduos nascidos em outros países. Em alguns casos, tem sido a presença de jogadores estrangeiros que possibilitou alguns times a adquirirem dimensão internacional. Um exemplo da lógica de Rybczynski.
Trabalhadores migrantes podem substituir trabalhadores nativos no desempenho de atividades no exterior, por exemplo, gerando um efeito de redução de custos que pode contribuir para elevar a produtividade das empresas. Além disso, trabalhadores estrangeiros podem contribuir para reduzir custos comerciais, ao melhorar os fluxos de informação.

No que se refere especificamente à exportação de serviços, essa é uma atividade que pode demandar a superação de barreiras, como um melhor entendimento das idiossincrasias dos países de destino. Nesse sentido, os imigrantes provenientes desses países podem desempenhar um papel importante, ao contribuir para melhorar esse grau de conhecimento. A comercialização de serviços, ao demandar conhecimento do idioma e expressões locais, peculiaridades institucionais e práticas de outro país, pode se beneficiar de maneira expressiva da ajuda de migrantes.

Um estudo feito para o Reino Unido (Ottaviano/ Peri/ Wright (2015)) encontrou evidência empírica de que os imigrantes efetivamente ajudaram a reduzir custos, portanto a elevar a produtividade das empresas exportadoras. Ao proporcionarem conhecimento específico sobre seus países de origem, contribuíram para estimular exportações.

Segue-se, portanto, que o influxo de mão-de-obra numa economia estimula a exportação de serviços que são mais dependentes de custos do trabalho e de atributos específicos que podem ser proporcionados pelos migrantes.

Segundo o modelo de Rybczynski, é razoavelmente previsível que o país que absorve migrantes será beneficiado pela adaptação de sua pauta de exportações, e ganhará com a nova estrutura produtiva.

No caso das transações em serviços, isso se reflete nos menores custos para obter um conjunto de informações importantes para a comercialização. Num ambiente com dois países de tamanho distinto, isso significa que o país maior será mais provavelmente aquele que atrairá mão-de-obra, portanto tenderá a se beneficiar dos novos tipos de serviços que podem ser exportados.

Esta é uma dimensão adicional de análise que considera o diferencial de condições entre os países participantes do mercado internacional de serviços, e com isso enfatiza as diferenças no potencial de competitividade.

 

REFERÊNCIA

Ottaviano, G., Peri, G., Wright, G. (2015), Immigration, Trade and Productivity in Services: Evidence from UK Firms, NBER Working Paper # 21200, May

O comércio de serviços e o Paradoxo de Leontief

Por muito tempo, a teoria de comércio internacional e muitos dos economistas consideraram os serviços como uma atividade não-comercializada entre fronteiras, portanto pouco relacionada com as ferramentas analíticas convencionais focadas no comércio de mercadorias. Visto em retrospecto, isso parece estranho, já que, por exemplo, o serviço de transportes está na base mesmo das transações com bens. Já alguns setores industriais, como construção, são essencialmente não-comercializáveis.

É possível, sim, aplicar a teoria convencional do comércio de mercadorias às transações com serviços. Pelo lado da oferta, um dos modelos básicos para explicar a existência do fluxo de comércio entre dois países deriva do trabalho de dois economistas suecos do início do século XX. Na primeira década daquele século Eli Hecksher produziu trabalho seminal com explicação de tipo neoclássico para a existência de comércio e justificativa para identificar por que uma economia se tornaria exportadora de um dado produto e importadora de outro. Duas décadas depois, um aluno seu, Bertil Ohlin, elaborou um pouco mais essa formulação, e o conjunto desses trabalhos ficou conhecido como o Teorema de Hecksher-Ohlin.

Essencialmente, esse Teorema diz que (admitido como verdadeiro um conjunto expressivo de supostos, que não vem ao caso explicitar aqui) um país onde haja abundância de mão de obra tenderá a ser exportador líquido dos bens em cujo processo produtivo seja empregado de maneira mais intensa o fator trabalho. Da mesma forma, um país abundante em capital tenderá a ser exportador de bens capital-intensivos.

Uma teoria não deveria ser aceita se não for comprovada empiricamente. A literatura relacionada a testes desse Teorema é talvez a mais volumosa, no âmbito do comércio internacional. O que importa aqui é a referência a um dos primeiros testes empíricos, feito para a estrutura de comércio externo dos Estados Unidos no final da década de 1940. Wassily Leontief usou a matriz de insumo-produto para avaliar o que ocorreria, em termos da composição dos produtos transacionados, caso houvesse um choque de demanda.

Para surpresa sua e de boa parte da academia, ele encontrou indicadores de que a maior economia do planeta (portanto a mais rica em capital) de fato importava produtos intensivos em capital. O inverso do que postula o Teorema de Hecksher-Ohlin. Esse resultado ficou conhecido como o Paradoxo de Leontief.

E qual a importância disso para o comércio de serviços?

O Gráfico 1 mostra – com base nos dados da UNCTAD (2016) – a evolução recente do comércio global de serviços. Em torno de 70% do valor total comercializado diz respeito a economias desenvolvidas. Precisamente aquelas onde, segundo a lógica de Hecksher-Ohlin, se supõe que haja abundância de capital.

Agregue-se a isso o fato de que entre 2009 e 2015 o superávit agregado das economias desenvolvidas no comércio de serviços aumentou de US$ 323 bilhões para US$ 490 bilhões, enquanto o saldo correspondente ao conjunto das economias em desenvolvimento passou de um déficit de US$ 191 bilhões para um déficit de US$ 356 bilhões no mesmo período: países ricos têm vantagens comparativas em serviços. As exportações de alguns serviços por parte de economias emergentes (transportes, viagens e outros serviços) têm crescido mais do que o observado nos países desenvolvidos, mas não o suficiente para alterar esse quadro geral.

Ora, a produção de serviços é essencialmente intensiva em trabalho. Jensen (2011) apresenta dados para a economia dos Estados Unidos no ano 2007 que ilustram esse ponto: naquele ano a indústria de mineração gerou apenas 0,5% do emprego total, a construção 5,5% e a atividade manufatureira 9,9%. Já o conjunto de serviços relacionados a negócios (finanças, seguros, serviços profissionais, administrativos e outros) geraram 25%, enquanto os serviços pessoais (educação, saúde, artes, diversão e outros) geraram outros 25% do total de empregos.

Esses dois conjuntos de evidências tomados em conjunto, isto é, as indicações de alta concentração do comércio de serviços entre economias ricas em capital e o fato de esse ser um setor onde a produção é intensiva em trabalho sugeriria uma situação semelhante à encontrada por Leontief.

Ocorre que no debate que se seguiu à divulgação dos trabalhos de Leontief algumas explicações alternativas foram apresentadas para justificar os resultados obtidos. Elas incluíam desde considerações sobre o atípico período de análise até a desconsideração do fator terra, igualmente abundante no caso da economia norte-americana. A mais substantiva dessas explicações, contudo, foi a desconsideração do elemento capital humano: dado o diferencial de produtividade naquele momento entre a economia estadunidense e o resto do mundo, não fazia sentido se levar em conta apenas o número de trabalhadores; haveria que explicitar o efeito do diferencial de qualificação da mão de obra e o correspondente diferencial de produtividade.

Ainda de acordo com os dados de Jensen (2011), na economia dos Estados Unidos é clara a concentração de trabalhadores mais qualificados e mais bem pagos nos setores de serviços, em comparação com os empregados em outras atividades. Por exemplo, apenas 7% dos empregados no setor manufatureiro detinham graus elevados de formação profissional, enquanto nos serviços vinculados a negócios esse percentual era de 17%, 12% nos setores de finanças e seguros, e 27% nas áreas científica e técnica.

E mais: a estrutura de exportações de serviços por parte dos Estados Unidos apresenta relação direta entre a razão de valor exportado por trabalhador empregado e o nível médio de remuneração dos trabalhadores empregados em cada setor. Uma vez mais, um resultado que é um contrassenso, segundo a lógica de Hecksher-Ohlin, caso não se destaque a qualificação da mão-de-obra.

Há um conjunto de outras possíveis explicações – ainda de acordo com a teoria de comércio formulada para mercadorias – para o comércio de serviços. Não é o caso de elaborá-las aqui.

Bastaria referência apenas a uma das explicações pelo lado da demanda. Nas últimas 3-4 décadas os economistas passaram a elaborar teoricamente explicações para aquilo que se convencionou chamar de transações intrassetoriais, isto é, exportações e importações simultâneas de produtos classificados como semelhantes (por exemplo, a França exportando ao mesmo tempo veículos de passeio de marca Citroën para a Itália e importando veículos Fiat, com características técnicas semelhantes).

Parte das razões para tanto estaria associada a diferenças em gostos dos consumidores em cada país. Assim, no caso de serviços, há quem goste de novelas brasileiras, assim como haverá quem prefira a música romântica italiana ao rock americano. Diferenças em gostos podem ser elementos determinantes, tanto do comércio de mercadorias quanto das transações em serviços.

Em resumo, a teoria básica de comércio internacional, pensada para explicar a movimentação internacional de mercadorias, pode ser de grande ajuda no entendimento também dos elementos determinantes do comércio de serviços. Essa associação é tarefa em curso.

Renato Baumann é Doutor em Economia pela Universidade de Oxford. Professor do Departamento de Economia da UnB. Secretário-Adjunto de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento. Ex-Diretor do Escritório da CEPAL no Brasil.

REFERÊNCIAS

UNCTAD (2016), Handbook of Statistics

J.B. Jensen (2011), Global Trade in Services – Fear, Facts and Offshoring, Peterson Institute for International Economics, Washington