Economia de Serviços

um espaço para debate

Author: Jorge Arbache (page 1 of 7)

Nova equipe de editores

Prezado(a)s Amigo(a)s,

Após três anos e meio sob a nossa liderança, o Blog Economia de Serviços passará, nos próximos dias, por mudanças. Temos o grande prazer de anunciar que Bernardo Mueller, Carlos Alberto Ramos, Geovana Lorena e Vanessa Carvalho serão os novos editores do Blog. João Pedro Arbache seguirá como membro da equipe de apoio.

Os novos editores são destacados acadêmicos e profissionais em áreas cruciais associadas à economia de serviços, como economia das instituições, economia da complexidade, economia do trabalho, economia da infraestrutura, economia digital, entre outras. Estamos seguros que o Blog entrará numa etapa ainda mais rica e pujante.

De nossa parte, saímos com a sensação de dever cumprido. O Blog ajudou a chamar a atenção para a agenda até então pouco explorada de economia de serviços e suas interrelações com áreas críticas da economia e do direito. Por conta desse trabalho, nos tornamos referência nacional e até internacional na temática. Já passamos da marca das 300 mil visualizações e somos acompanhados em todos os continentes.

Muito obrigado a todos os nossos leitores, autores de posts e amigos.

Um caloroso bem-vindo à nova equipe!

Jorge Arbache e Rafael Moreira

A falácia da composição na economia digital

Falácia da composição é um dos mais importantes princípios da teoria econômica. Porém, é, também, um dos menos conhecidos. Embora o princípio não seja próprio da economia, ele foi empregado por muitos dos grandes economistas, com destaque para Paul Samuelson, para análises de problemas econômicos fundamentais.

De forma simples, o princípio diz que o que é válido para a parte pode não necessariamente ser válido para o todo. Trata-se de um problema de não neutralidade da agregação. Por exemplo, é provável que um torcedor acompanhe melhor as jogadas do seu time se ele estiver de pé no seu assento no estádio; porém, é improvável que o mesmo seja válido para cada torcedor se todos os demais torcedores também estiverem de pé.

O princípio da falácia da composição é útil para jogar luz em muitas situações de áreas tradicionais da microeconomia, como a organização industrial, economia do trabalho, economia do consumidor, finanças públicas, comércio internacional, dentre outras.

Mas a falácia da composição também parece ser útil em áreas novas, como a economia digital. De fato, quando combinado com a comoditização digital, conceito tanto explorado por este blog, o princípio da falácia da composição nos ajuda a entender fenômenos críticos da economia digital.

A falácia da composição surge em ao menos duas situações. Empresas que empregam, logo no início, tecnologias sujeitas aos modelos de negócios da comoditização digital tendem a se beneficiar mais do que as que as empregam mais tardiamente, quando as tecnologias já se tornaram “commodities”. Àquela altura, o emprego da commodity digital passa a ser uma espécie de condição de operação e não mais um diferencial competitivo.

Uma outra situação surge em decorrência do efeito-rede e do efeito-plataforma, duas das características mais fundamentais da economia digital, e que ajudam a explicar a crescente concentração dos mercados digitais, as dificuldades para se contestar o poder das big-techs e a ascensão e queda dos unicórnios. Trata-se do princípio do “winner takes all”, ou da economia das superestrelas.

Em ambas as situações, “chegar primeiro” pode fazer toda a diferença para as chances de sucesso. Mas chegar primeiro não é algo restrito às decisões da empresa, mas, também, condicional às suas circunstâncias, incluindo as políticas públicas do país e o ambiente para investir e fazer negócios.

O emprego da falácia da composição para a análise econômica em economia digital é, porém, altamente sensível à escolha adequada do ponto temporal de partida do fenômeno que se examina. Aqui, a maldição do t-0 é especialmente relevante.

Por fim, a comoditização digital e a falácia da composição ajudam a explicar o paradoxo da desaceleração da taxa de crescimento da produtividade em pleno ambiente de popularização das tecnologias da informação e de queda nos preços relativos dos bens de capitais. Esta pode ser uma das chaves para se compreender a estagnação secular.

Determinantes do engajamento nas negociações internacionais em comércio eletrônico

Como já apontado por este blog, no âmbito multilateral e plurilateral existem diversos acordos comerciais que já contemplam o tema do comércio eletrônico. Diferentemente do que ocorria há cerca de cinco anos, esse tema deixou de ser uma novidade nos acordos regionais, sendo proposto não apenas por países de renda mais elevada, mas, também, por países em desenvolvimento. O que se observa, todavia, é que o nível de engajamento em acordos de comércio eletrônico tem relação bastante próxima com a estratégia traçada por esses países para conquistar espaço na arena digital, que é o que se explora neste post.

A ideia geral do post é apresentada na tabela em anexo.

Há clara divisão de interesses nas negociações internacionais em e-commerce. Esses interesses estão relacionados à posição dos países no mapa econômico digital. Notoriamente, países que possuem empresas líderes no desenvolvimento, gerenciamento e distribuição de tecnologias digitais, os quais chamaremos de Developers of Digital Technologies – DDTs, destacam-se pelo seu engajamento e incentivo a  acordos que contemplem cláusulas fortes em comércio eletrônico. São países que têm incumbentes em diversos setores e nichos de atuação e cadeias de valor no setor digital já estabelecidas e com interesses já mapeados sobre os benefícios potenciais de acordos em e-commerce.

Em geral, os DDTs têm marcos regulatórios consolidados sobre questões fundamentais para o desenvolvimento digital e buscam ser referência regulatória e de padrões técnicos para os demais países. Suas empresas buscam maximizar os benefícios da gestão de plataformas e de tecnologias digitais pela disseminação do acesso e uso de seus serviços e têm retornos crescentes de escala advindos do uso de suas tecnologias e do efeito-rede e efeito-plataforma. Não por outro motivo, esses países  têm interesses fortemente ofensivos em comércio digital.

Já os países que chamamos de Users of Digital Technologies Countries – UDTs têm empresas que são, com exceções pontuais, se muito, majoritariamente usuárias e não desenvolvedoras, gerenciadoras e distribuidoras de commodities digitais. A consequência disto é um engajamento mais modesto em acordos internacionais e posições essencialmente reativas.

Os UDTs têm oportunidades de ganhos potenciais com acordos, pois maior acesso à tecnologias digitais, tais como computação em nuvem, inteligência artificial, big data, data analytics, sensores, robôs, impressoras 3D, entre outras, pode possibilitar melhorias de eficiência, desempenho, produtividade e competitividade de curto prazo. Essas tecnologias podem também beneficiar consumidores, que usufruirão de maior gama de serviços.

Todavia, há que se qualificar os benefícios que os UDTs podem usufruir em razão da adoção massificada de tecnologias digitais associados à “commoditização digital” (Arbache, 2018). Esse processo significa que ainda que as empresas tenham ganhos de eficiência e competitividade com a adoção de novas tecnologias digitais — os denominados benefícios de primeira ordem — esses ganhos tendem a diminuir e, eventualmente, a convergir para zero à medida que mais empresas adotam aquelas mesmas tecnologias. Já os benefícios associados ao desenvolvimento, gestão e distribuição de tecnologias — os denominados benefícios de segunda ordem —  são usufruídos apenas por poucas empresas e suas cadeias de produção. Em razão dos efeito-rede e efeito-plataforma, acordos internacionais liberalizantes de e-commerce criam enormes oportunidades de crescimento e lucros para as empresas dos DDTs.  

O confronto entre os benefícios de primeira e segunda ordem está no cerne do debate sobre a associação entre economia digital e desenvolvimento sustentável.  

Comparemos três casos de alto engajamento em acordos e portanto, de países que são ou buscam ser DDTs: Estados Unidos, países desenvolvidos do Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico (CPTPP, na sigla em inglês) e países da União Europeia. Apesar de diversas diferenças entre eles, os três grupos de países têm interesses ofensivos em comércio eletrônico. Buscam se posicionar como protagonistas da era digital, dentre outros, por meio de regras que limitem o espaço para desenvolvimento de regulamentações domésticas discriminatórias e protecionistas e até mesmo que gerem segurança ao ambiente de negócios online.

Considere o caso dos Estados Unidos. Não há dúvidas que o país exerce, hoje, liderança digital, sendo detentor das principais empresas de tecnologia e  sede das principais plataformas B2B, B2C e C2C. Suas big techs e respectivas plataformas capturam cada vez mais valor a partir da imensa capacidade de acesso a dados que as colocam em posição ímpar de desenvolver e fornecer soluções às demandas por novos serviços e novas aplicações. O país busca conter o que o próprio governo americano classifica como protecionismo digital, que é o levantamento de barreiras ao livre fluxo de dados entre fronteiras, vital para o modelo de negócios das big techs. Para além de acordos plurilaterais, a arena escolhida para isso é a OMC que, apesar de todos os impasses e críticas colocados pelos próprios Estados Unidos em relação ao multilateralismo, recebe forte pressão do país para iniciar discussões em formato de texto negociador e busca mandato negociador na Conferência Ministerial do órgão em 2019.

Japão, Austrália, Canadá, Cingapura, entre outros, seguem diretriz parecida: são países que têm o que oferecer em termos de plataformas e soluções digitais e que tomaram a frente do CPTPP. Buscam garantir a formação de regras para o comércio eletrônico que correspondam aos seus interesses de exercer influência e contrabalancear o avanço das titãs digitais americanas e chinesas.

A União Europeia tem um grupo de países com razoável grau de desenvolvimento em economia digital e em e-commerce, mas com poucas big techs e plataformas em nível global. Apesar disso, a UE tem avançado de forma consistente na promoção da economia digital no bloco, com o “mercado digital comum”, e na regulação sobre questões cruciais, como proteção de dados, fluxo de dados e segurança nas transações digitais. Com regulação forte e “in place”, o bloco garante um ambiente de negócios digital próspero que repercute em sua posição também avançada nas negociações bilaterais de e-commerce.

Já a China tem estratégia e objetivos claros quanto ao e-commerce e à economia digital e já são desenvolvedores, distribuidores e gestores de grandes plataformas globais de e-commerce. Ao mesmo tempo, a “Great Firewall of China” mantém o mercado doméstico praticamente fechado, o que restringe o fluxo de dados e os investimentos em serviços de nuvem cross border, dentre outros.

Os UDTs posicionam-se no outro lado do espectro e têm engajamento basicamente reativo em acordos que contemplam comércio eletrônico. Aqui temos os países africanos, a Índia (que está na “ponta final” desse espectro, já que não tem frentes negociadoras abertas em e-commerce) e países como Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Malásia, Vietnã e Indonésia.

É claro que há diferenças significativas entre esses países. No caso de Chile, Colômbia e Costa Rica, por exemplo, observa-se uma abordagem mais arrojada dentre os UDTs. No caso do Vietnã, Malásia e México, o que se vê é que esses países endossam a posição já aceita em acordos como o CPTPP, que é replicada nos seus acordos seguintes.  Buscam ganhos como hubs regionais de comércio e investimentos advindos de economias avançadas. É possível que esses países se beneficiem de ganhos de produtividade e de bem estar para o consumidor. Mas os ganhos estruturais são incertos, posto que não há razões para esperarmos que passarão da condição de UDTs para a de DDTs.

E o Brasil? O país parece se encaixar bem no perfil dos “strategy seekers”, que são países com grande mercado (classe média com relativo poder de compra e avidez por compras online) e infraestrutura de TIC suficiente para sustentar a expansão do e-commerce, com plataformas locais ou domésticas de e-commerce que se beneficiam da limitada penetração de plataformas globais em razão do ambiente problemático de negócios. Assim como a Argentina, o país busca ser usuário qualificado de e-commerce e ampliar o acesso à novas tecnologias. Todavia, não possui empresas e plataformas de peso que, de fato, façam comércio eletrônico em bens em nível internacional. Em serviços em geral, a atuação se limita a alguns nichos, como engenharia e TI.

As provisões em e-commerce devem ser vistas não como provisões regulatórias e adicionais aos demais capítulos já negociados mas, sim, como formadoras de um capítulo transversal capaz de alavancar o potencial de ganhos advindos de capítulos mais tradicionais, como bens, serviços e propriedade intelectual. A adoção cada vez mais generalizada de um capítulo que tem profunda relação com a estratégia que os países tem desenhado para avançar na era digital mostra o interesse de economias como os Estados Unidos, Japão, Canadá,  países da União Europeia e China em garantir que o comércio se manterá como peça-chave para esse avanço — não o comércio tradicional, mas o comércio de bens e serviços digitais, que hoje já explica grande parcela  dos fluxos de comércio global.

Comércio exterior de serviços e balança de pagamentos no Brasil

A figura 1 mostra o comércio de serviços no Brasil desde 1976. O saldo do comércio de serviços foi sistematicamente negativo no período e observam-se dois movimentos de mudança de patamar do déficit: um a partir do final dos anos 1980 e um segundo, mais intenso, a partir de 2004. Em ambos os casos, o aumento do déficit se explica majoritariamente pelo crescimento das importações, o que deu origem a uma espécie de “boca de jacaré”. Em 2014, o déficit chegou a nada menos que US$ 48 bilhões. Ao que parece, teria havido mudança estrutural no comércio de serviços.

De fato, a elasticidade do crescimento das importações de serviços com relação ao crescimento do PIB é de 2,28 para o período completo. Já a elasticidade do crescimento das exportações é de 1,11. Teste de mudança estrutural sugere quebra da série em 2004. Recalculamos as elasticidades para antes e depois daquele ano e encontramos 1,37 e 4,28, e 0,13 e 3,38, respectivamente, para importações e exportações.

Esses números sugerem, primeiro, que as importações de serviços são mais sensíveis à atividade econômica que as exportações; segundo, que, embora ambas as variáveis tenham se tornado substancialmente mais sensíveis à economia a partir de 2004, o coeficiente de importações é significativamente maior que o de exportações; e, terceiro, caso a economia volte a crescer à taxas similares à do produto potencial, que é da ordem de 2,5%, então, tudo o mais constante, observaremos considerável elevação do déficit da conta de serviços.[1]

A figura 2 mostra o saldo comercial total e, separadamente, os saldos comerciais das contas de bens e de serviços. Observa-se que a conta de serviços exerce elevada e crescente influência no saldo comercial total. Embora a corrente de comércio de serviços seja de apenas 1/5 da corrente de comércio de bens, o déficit da conta de serviços praticamente determina o saldo comercial total.

A figura 3 mostra decomposição do saldo comercial total em seus componentes —  os saldos comerciais de bens e de serviços. Conforme sugerido acima, os saldos comerciais no Brasil são “pautados” pelo desempenho da conta de comércio de serviços. Assim, anos com saldos comerciais totais mais modestos ou até negativos são anos com relativamente elevados déficits comerciais da conta de serviços, e vice-versa.

Déficit na conta de serviços não é, necessariamente, um problema. Afinal, pode-se estar importando insumos que elevam a competitividade e a produtividade. Porém, ainda assim, preocupações emergem quando a conta de serviços segue trajetória sistemática de crescimento do déficit, o que pode dar origem à um constrangimento estrutural das contas externas que, eventualmente, pode vir a se tornar um “freio” ao próprio crescimento econômico. Este poderá ser o caso do Brasil.

De fato, para além de elasticidades e de patamar de déficit comercial já elevado, há razões para se esperar aceleração do déficit da conta de serviços ao longo dos próximos anos e, dentre elas, estão as que seguem:

  1. Os serviços estão se tornando tradable e muitos serviços que tradicionalmente são providos localmente por empresas nacionais ou estrangeiras estão, e cada vez mais, sendo providos a partir de terceiros países. Ali incluem-se serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos mas, também, serviços de custos. Essa mudança já está reescrevendo a geografia dos investimentos e do comércio do setor de serviços;
  2. Liderados pelos Estados Unidos, países ricos com fortes interesses ofensivos em serviços estão fazendo intensa pressão para a liberalização dos mercados de serviços e para a convergência técnica e regulatória do setor, que é, na prática, o fator mais determinante do comércio do setor ;
  3. Os preços relativos dos serviços, incluindo os com demanda mais inelástica, seguem trajetória de forte crescimento com relação a preços de manufaturas e de commodities, aumentando a parcela dos produtores, gestores e distribuidores de serviços no valor agregado, em detrimento dos compradores de serviços. A mudança de preços relativos se deve à fatores como concentração de mercados e imposição de padrões técnicos privados em serviços, que fomentam e garantem a formação de “quase-monopólios”;
  4. Devido à mudanças tecnológicas de produção e de gestão da produção, a parcela dos serviços, incluindo os digitais, na formação do valor adicionado de bens, commodities e outros serviços já é elevada, mas seguirá aumentando, beneficiando os produtores, distribuidores e gestores de serviços (pense na smile curve de cadeias globais de valor);
  5. O consumo B2C e B2B de serviços, incluindo os digitais, que já é elevado, deverá aumentar ainda mais ao longo dos próximos anos;
  6. O efeito-rede e o efeito-plataforma conferem enormes poderes para os desenvolvedores e gestores de plataformas e têm criado espaço para práticas discriminatórias que distorcem os mercados.

A ausência, no país, de políticas industriais, políticas de financiamento, políticas de investimentos e políticas de comércio exterior para o setor de serviços deverá aumentar a dependência de serviços importados e a fragilidade das contas externas. Assim, tudo o mais constante, o país terá que fazer enorme esforço exportador de bens e commodities para mitigar os crescentes déficits comerciais de serviços.

O tema é, certamente, complexo e, infelizmente, poucas pessoas se interessam pelo assunto. Mas o tempo não para e já passou da hora de colocarmos o setor de serviços nas agendas das políticas pública e privada.

  1. A mudança na trajetória das importações e das exportações de serviços a partir de 2014 se explica, ao menos em parte, pela recessão e pelo envolvimento de grandes empresas de engenharia brasileiras em problemas de governança, o que afetou consideravelmente as exportações de projetos e de outros serviços de engenharia.

O que querem os países nas negociações de e-commerce?

O comércio digital tem crescido rapidamente no mundo todo. De acordo com a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), as vendas globais de bens e serviços pela internet alcançaram US$ 25,7 trilhões em 2016. Desse valor, 90% foram transações entre empresas (B2B). Como consequência, provisões sobre comércio digital cresceram substancialmente nos âmbitos dos acordos regionais de comércio com o objetivo de remover e evitar barreiras ao livre fluxo de dados e conter o surgimento do chamado “protecionismo digital” ou proteger e resguardar interesses nacionais associados à esta agenda.

Dado mais recente da Organização Mundial do Comércio mostra que 80 dos 305 acordos notificados à instituição têm provisões ou capítulos sobre o tema. Quando se olha apenas os acordos recentemente notificados, o que se vê é que a vasta maioria dos acordos já abarcam temas de e-commerce. Com os vários acordos ora em negociação bilateral e regionalmente, tudo indica que esse número ainda crescerá bastante nos próximos anos.

Em análise feita pela OMC focada em 63 acordos regionais com capítulos específicos sobre comércio eletrônico, entre eles o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CTPP), seriam os países desenvolvidos que estariam a “puxar” aquelas negociações. Estados Unidos, Cingapura, Austrália, Canadá e Coreia do Sul são os países que mais alavancaram o tema de e-commerce em ARCs. Muitos países em desenvolvimento hoje têm acordos com essas provisões à reboque da demanda de países desenvolvidos para fechar negociações.

Os temas que compõem os acordos variam bastante, não apenas em conteúdo, como, também, em profundidade dos compromissos. A maior parte inclui cláusulas de não-tributação de transmissão eletrônica, cooperação, proteção de dados pessoais e do consumidor. Em menor escala, mas também frequente, estão temas de aplicabilidade das regras da OMC ao comércio eletrônico, comércio sem papel, tratamento não-discriminatório de produtos digitais e autenticação eletrônica. Questões mais controversas, como localização de servidores e código-fonte, estão presentes apenas em acordos mais recentes. O formato desses acordos também varia — muitos têm capítulos separados para comércio digital, enquanto outros preferiram deixar o tema no capítulo de serviços.

Acordos ainda em negociação ilustram bem as posições dos países em relação ao tema de comércio digital. Na proposta apresentada na OMC ou nos textos em negociação com México e Chile, já é possível ver com clareza os pontos importantes na negociação para os europeus: a proibição da imposição de impostos aduaneiros sobre transmissões eletrônicas e o banimento de procedimentos de autorização focada apenas em serviços online “por motivos protecionistas” (colocado como princípio de não-autorização prévia), e o aceite de contratos e assinaturas eletrônicas.  O bloco ainda negocia o tema com o Mercosul, e o capítulo de comercio eletrônico ainda requer alguma convergência e a definição de exceções à aplicação das provisões.

O que se vê nesse e em outros acordos recentes é reflexo do avanço da União Europeia na promoção da economia digital no bloco, como o “mercado digital comum”, e na regulação sobre várias questões cruciais para a economia digital, como a proteção de dados, fluxo de dados e segurança nas transações digitais (autenticação eletrônica, por exemplo).

Ao colocar a proteção de dados pessoais como “não negociável” em acordos de comércio, por se considerar um direito fundamental, a Comissão Europeia retira o tema de pauta das negociações bilaterais. A regulação sobre proteção de dados europeia (GDPR, na sigla em inglês), que entra em vigor dia 25 de maio, responde à demanda dos cidadãos europeus por mais transparência sobre quem tem seus dados, de onde eles vieram e com quem eles são compartilhados. Ao mesmo tempo, o bloco tem trabalhado em provisões para evitar medidas protecionistas sobre o fluxo de dados entre fronteiras, ao tempo que garantam a proteção e a privacidade dos dados no patamar colocado pelas novas regras no bloco.

Apesar de terem se retirado das negociações do Acordo Transpacífico (originalmente TPP e agora CTPP) como um dos primeiros atos oficiais da administração Donald Trump e de terem apresentado diversas críticas à OMC em relação a comércio eletrônico, os Estados Unidos vêm firmando posição naquela Organização e destacando que o comércio digital segue como essencial para a economia do país, o que está em linha com a condição de sediar muitas das maiores e mais influentes empresas de economia digital, incluindo plataformas de e-commerce.

A posição dos americanos na OMC seguiu em defesa do livre fluxo de informações e de transferência de dados entre fronteiras, não exigência de localização de servidores e proibição do bloqueio de conteúdo online. Advoga-se pela não tributação sobre transmissões eletrônicas, não-discriminação no tratamento de produtos digitais, proteção a código-fonte e não restrição à encriptação. Trata-se de um claro esforço para avançar as discussões sobre comércio eletrônico na Organização e reduzir as possibilidades de barreiras digitais aos fluxos de dados, algo vital para o atual modelo de negócios das empresas super-hegemônicas americanas de tecnologia digital.

Já no continente africano, o tema do comércio eletrônico é dominado por um pequeno grupo de países, entre eles Egito, África do Sul, Gana e Etiópia. A região tem baixíssima participação no comercio digital global (inferior a 1%) muito em virtude dos grandes desafios que a região enfrenta, como acesso à eletricidade, tecnologia da informação e comunicação (TIC), logística, baixo uso de métodos de pagamentos eletrônicos, pouco acesso a cartão de crédito, fraca penetração bancária e falta de conhecimento sobre TI e habilidades ligadas a e-commerce, tanto de empresas como de consumidores.

O tema de comércio eletrônico não está na mesa nos acordos que a região da África está negociando, como é o caso da Zona de Livre Comércio Continental (CFTA, na sigla em inglês). No âmbito multilateral, o Grupo Africano, que não é composto por todos os países do continente, durante as reuniões pré-Ministeriais de Buenos Aires, mostrou grande preocupação com as implicações de novas regras em e-commerce e com a potencial restrição que tais regras colocariam sobre o espaço para políticas industriais digitais voltadas ao desenvolvimento da região. Uma adoção de regras “prematuras” poderiam reduzir ainda mais, na visão do bloco, as possibilidades futuras de catching up de crescimento econômico e tecnológico.

A Índia também está entre os países com ressalvas quanto ao avanço nas negociações em e-commerce na OMC. O país tem tido forte expansão do mercado de comércio eletrônico e da penetração da internet e de smartphones e tem receio de que as novas regras multilaterais prejudiquem o crescimento das plataformas de e-commerce nacionais. No último documento circulado pelo país na OMC, posicionaram-se contra o avanço nas negociações de regras em comércio eletrônico, tal como o Grupo Africano. O país assinou apenas um acordo que cobre o tema de comércio eletrônico, provavelmente por demanda da contraparte cingapuriana.

Em lado oposto, não há região mais promissora no comércio eletrônico que o leste da Ásia. A região já tem alguns dos gigantes globais da internet e do e-commerce e ao menos 1 de cada 3 novos unicórnios são daquela região. A região tem um mercado digital pujante, com forte aumento anual no número de consumidores. A China, sozinha, é, hoje, o maior mercado de comércio eletrônico do mundo, respondendo por 40% das transações globais. Nessa condição, a região tem uma postura diferente da de outros países em desenvolvimento. Afinal, a região se posiciona para ser parte do mainstream da indústria global do e-commerce e da economia digital. Ainda que o tema não se reflita em números de acordos assinados, já é possível ver apontando no horizonte as demandas que o país tem para seguir avançando na provisão de bens e serviços digitais para os mais diversos mercados.

Já o Brasil segue negociando acordos com União Europeia, Chile, México, Índia, Canadá e Associação Europeia de Livre Comércio (EEFTA) e tem mandato negociador já aprovado para negociações com a Coreia do Sul e conversas ainda preliminares com Cingapura. O país segue com participação ativa nas negociações na OMC, seguindo o indicado na Declaração Ministerial Conjunta de Comércio Eletrônico. Com o crescimento do interesse de países desenvolvidos por provisões em comércio eletrônico, alguns desses acordos passam a repercutir aqueles anseios. Na condição de país essencialmente “usuário” das tecnologias digitais, o Brasil tem sido cauteloso nas negociações de forma a resguardar espaço de política. O país tem colocado na mesa a necessidade de associar o e-commerce a preocupações de desenvolvimento econômico. Afinal, tem ficado cada vez mais evidente a tendência de concentração do mercado de e-commerce em nível global em torno de um pequeno punhado de grandes plataformas, bem como a distinção entre os benefícios de se “usar” e-commerce e os benefícios de se “desenvolver, distribuir e gerenciar” plataformas de e-commerce, o que é prevalecente para alguns poucos países. De fato, já se identificam evidências de que o hiato entre esses dois grupos de benefícios poderá ser a fonte fundamental de aumento da desigualdade de renda entre países.

Pela análise dos acordos em andamento, já é possível ver convergência para alguns temas centrais, que devem acabar sendo os principais assuntos a terem resultados em um eventual acordo multilateral sobre o tema. A grande presença do comércio digital em acordos regionais e bilaterais é uma clara resposta à ânsia dos países em avançar na agenda antes que mais barreiras ao comércio digital e ao fluxo de dados sejam aprovadas em nível doméstico.

Os países que têm maior receio quanto ao avanço da economia digital e do poder das mega-empresas digitais sobre as suas economias muitas vezes têm dificuldades em colocar a sua posição sobre um tema cujo alcance ainda não está claro. Acordos de comércio apresentam inúmeras frentes de negociação, sendo difícil consolidar posição em economia digital frente às demandas prementes e bem mapeadas em bens,  investimentos, regras de origem e compras públicas, por exemplo.

Orquestrar todos os interesses é matéria difícil quando se tem maior conhecimento e tactibilidade nos efeitos das provisões para o comércio entre os potenciais parceiros em temas tradicionais. Todavia, cada vez mais, os países atentam-se para a importância de se olhar com cautela para o que os capítulos de comércio eletrônico contemplam, o que torna ainda mais importante o engajamento em fóruns multilaterais de forma a manter espaço suficiente para políticas públicas digitais que permitam aos países, em especial os em desenvolvimento, otimizar os benefícios da revolução digital.

Quais serviços de infraestrutura e para que fim? Parte II

Em post anterior, discutimos a necessidade de se ser mais seletivo na priorização de carteiras de infraestruturas em países com grande hiato e carência de investimentos no setor. Neste post, seguimos discutindo o tema.

É consenso na literatura que infraestruturas aumentam a produtividade e o investimento. De fato, ao aumentarem o acesso e reduzirem os custos de transporte, de comunicação e de energia, investimentos em infraestruturas reduzem custos de produção e elevam o valor adicionado, o que impacta as métricas de produtividade e aumenta as margens, incentivando novos investimentos.

Mas há que se diferenciar os impactos das infraestruturas na competitividade absoluta e na relativa, bem como nos benefícios privado e social.

Infraestruturas que impactam majoritariamente custos, como uma ferrovia que transporta cargas da mina ao porto, colocam os produtores no jogo da competição ao elevar o benefício privado e a competitividade absoluta. Isto ocorre notadamente em setores comoditizados, cujo valor de mercado do bem está dado.

Já infraestruturas que incentivam a agregação de valor e a diferenciação de produtos e têm muitas externalidades, como um rodoanel ou redes de banda larga, impactam também os benefícios sociais e podem ajudar a elevar a competitividade relativa. Ou seja, além de ajudar a colocar os produtores no jogo, essa classe de infraestruturas pode ajuda-los a ganhar o jogo da competição.

Em países com forte escassez de recursos e grande demanda reprimida por infraestruturas, o custo marginal de uma determinada infraestrutura será tanto menor quanto maior for o impacto no benefício social. Pense, por exemplo, no impacto que a oferta abundante de energia elétrica pode vir a ter ao viabilizar, digamos, a agregação de valor da produção agrícola de uma região. Nesse caso, ao contribuir para a elevação do valor da produção, a oferta de energia poderá viabilizar economicamente, por exemplo, a construção de uma ferrovia ligando aquela região ao porto, já que o valor da carga transportada aumentou.

Países que buscam a convergência de renda per capita com países desenvolvidos e a participação na economia mundial em etapas mais avançadas das cadeias globais de valor deveriam, portanto, focar na relação entre infraestruturas e competitividade relativa.

Infelizmente, a equação da priorização de carteiras de investimentos em infraestruturas é ainda mais complexa do que parece. Straub (2008)[1], por exemplo, mostra que cerca de 50% dos projetos de infraestrutura em países em desenvolvimento têm pouco ou nenhum impacto no PIB, o que indica graves deficiências na escolha daquelas daquelas carteiras e na implementação dos projetos.

O que fazer? Por óbvio, o problema varia de país para país, mas a atenção aos seguintes pontos pode ser útil.

Fragmentação, complementaridade e sinergias. Dentre as explicações para o modesto impacto dos investimentos em infraestrutura na economia estão a fragmentação dos projetos e a pouca ou nenhuma sinergia e complementariedade entre eles. A fragmentação ocorre, sobretudo, por falta de planejamento em níveis federal e subnacional e falta de coordenação entre unidades do próprio governo e entre os governos e o setor privado. A falta de planejamento leva não apenas à fragmentação, mas, também, ao não sequenciamento adequado dos projetos de infraestrutura para potencializar os seus impactos.

Serviços e não somente infraestrutura física. Projetos de infraestrutura têm que focar na potencialização da utilidade que geram para os agentes econômicos, sejam eles consumidores ou firmas. Isso leva a que os projetos de infraestrutura tenham que ser analisados também pelo seu componente intangível. Os benefícios de uma nova rodovia, por exemplo, serão maiores quando, para além de viabilizar a conectividade física, também viabilizarem serviços complementares, como banda larga ao longo do curso da via, serviços de energia, de segurança, de apoio logístico, dentre outros que agregam valor e façam daquela rodovia mais do que um meio para levar uma carga do ponto A para o ponto B. De fato, já há farta evidência empírica mostrando que projetos de infraestrutura intensivos em capital intangível têm maiores impactos na produtividade e na competitividade relativa.

Tecnologia e não apenas menor custo. É preciso que carteiras de infraestruturas priorizem o uso de novas tecnologias, sejam elas construtivas, de serviços de gestão, manutenção e de provisão de bens públicos e privados. Afinal, aqueles projetos são oportunidades únicas para se incentivar o emprego de novas tecnologias e podem funcionar como polo radiador de incentivos a investimentos sofisticados, geração de riquezas e capacitação.

Monitoramento e avaliação de projetos. É preciso avaliar com maior atenção o que deu certo e o que deu errado em projetos de infraestrutura, tanto no próprio país como no exterior, de forma a se evitar repetir erros e deixar de otimizar as chances de acertos.

Futuro e não apenas o passado. Mais que mirar no atendimento dos velhos gargalos de logística, é preciso que o planejamento combine esforços na provisão de serviços de conectividade física e também não física e mirem em atividades que apontem para o futuro, como serviços sofisticados e economia digital.

Implementação e pós-implementação. Para além de melhorar a implementação de projetos, é preciso maior foco na recuperação das infraestruturas já existentes e na sua manutenção, de forma a que se reduzam os custos dos projetos e se amplifiquem os seus benefícios sociais.

Por fim, é preciso se repensar as métricas convencionais de identificação dos benefícios das infraestruturas. Afinal, muitos benefícios sociais importantes nem sempre são de fácil identificação e mensuração. De outra forma, há espaço para o desenvolvimento de metodologias mais sofisticadas e flexíveis de mensuração das contribuições das infraestruturas para a economia e para a sociedade.

[1] S. Straub, Infrastructure and growth in developing countries: recent advances and research challenges, World Bank Policy Paper No. 4460, 2008.

Quais serviços de infraestrutura, para quem e para que fim?

O Brasil investe menos de 2% do PIB por ano em serviços de infraestrutura, quando teria que investir ao menos 5% para atender às suas necessidades correntes básicas. O acúmulo de serviços de infraestrutura não satisfeitos é elevado e têm trazido dificuldades tanto para as capitais como para o interior do país, e tanto para atender às pessoas como às empresas. Indicadores de infraestrutura do Fórum Econômico Mundial e do Banco Mundial posicionam o país entre aqueles com as maiores deficiências.

De fato, o custo de serviços logísticos tem peso anormalmente elevado nas atividades econômicas e o tempo médio de deslocamento de trabalhadores das grandes cidades de casa para o trabalho também é muito elevado. Cerca de 40% da população ainda não têm acesso à água tratada e parcela ainda maior não tem acesso a esgoto encanado.

Os serviços de infraestrutura são, portanto, um problema econômico e social a ser resolvido. Mas a infraestrutura também é uma espécie de “low hanging fruit” com substanciais benefícios potenciais de curto prazo para a produtividade e para o bem estar das pessoas. Por isto, ela pode e deve ser parte do “core” das políticas públicas.

Em razão do longo atraso no atendimento das demandas por serviços de infraestrutura, o Brasil se depara, hoje, com a premência de enfrentar tanto as necessidades do “passado” como as necessidades do “futuro”, quais sejam, as infraestruturas logísticas e de saneamento e energia, bem como as  infraestruturas de banda larga, serviços de telecomunicações avançados e cidades inteligentes.

Para muito além de ter que investir mais, planejar melhor, melhorar a eficiência e a eficácia na gestão de projetos, atrair o setor privado e desenvolver e encorajar novos modelos e fontes de financiamento, o país também terá que ser mais seletivo, já que já não há mais tempo nem recursos para avançar em todas as frentes simultaneamente. Logo, será necessário estabelecer prioridades de investimentos em serviços de infraestrutura.

Mas como priorizar?  Quais serviços, para quem e para que fim?

Sabemos que o tema da definição de prioridades dos investimentos em infraestrutura é espinhoso e perturba os governantes em razão da sua forte exposição às questões de economia política. Por isto, o emprego de um conjunto mínimo de princípios e critérios seria um bom ponto de partida para ajudar a orientar a definição das prioridades.

Obviamente, não há um conjunto de princípios e critérios inquestionáveis e imunes à criticas. Além disso, as realidades e necessidades variam não apenas entre países e entre unidades da federação mas, também, ao longo do tempo.

Parece-nos razoável partir da premissa de que, num país emergente, o principal critério de prioridade de serviços de infraestrutura deveria ser o atendimento das necessidades humanas básicas. Logo, investimentos em água, saneamento, gestão dos recursos hídricos e habitação deveriam merecer destaque.

Serviços de infraestrutura que tenham os maiores impactos em termos de externalidades positivas para mais pessoas e mais empresas e  serviços que mais encorajem a diversificação dos investimentos e a agregação de valor também deveriam ser critérios orientadores da decisão. Obras como metrôs e rodoaneis em grandes metrópoles seriam exemplos dessa classe de infraestruturas.

A garantia de fornecimento de serviços fundamentais, como energia elétrica e telecomunicações, também deveria constar do rol de critérios.

Critérios que promovam o ataque simultâneo aos hiatos de infraestrutura do passado e do futuro também deveriam ser considerados. Exemplos não faltam e, dentre eles, estão a inclusão de requisitos nos editais para que os concessionários de infraestruturas de logística enderecem a conectividade de banda larga ao longo das vias e requisitos para que as concessionárias de distribuição de energia promovam os postes inteligentes, de forma a ampliar o acesso à internet e outros serviços.

Obviamente, novas soluções podem requerer ajustes regulatórios.

Exercícios de priorização de serviços de infraestruturas devem levar em conta a coordenação e o sequenciamento de projetos com vistas a ampliar as sinergias e as complementariedades, otimizar o uso dos tempos e dos recursos e, enfim, alcançar o máximo de benefícios para o conjunto da sociedade.

Por fim, o emprego de princípios e critérios identificáveis e mensuráveis de priorização de projetos de infraestrutura permitirá o desenvolvimento de modelos e de instrumentos metodologicamente robustos úteis ao desenho das políticas públicas.

Indústria ou serviços? Afinal, qual é a participação da indústria na economia?

Muito tem se falado sobre o encolhimento da indústria manufatureira brasileira. Opiniões divergentes abundam. Uns dizem que o encolhimento da indústria fragiliza a economia nacional. Outros acham que a indústria já não importa e tomam o caso dos Estados Unidos como referência.

Mas, afinal, o que se passa com a nossa indústria? A partir das contas nacionais, o IBGE identifica que a indústria representaria algo em torno de 11% a 12% do PIB. Como já foi quase três vezes maior e a participação segue um padrão de queda quase monotônico desde os anos 1980, então muitos analistas acreditam que o país estaria passando por um processo de  desindustrialização. O professor da Universidade de Cambridge, Ha-Joon Chang, por exemplo, caracteriza o recuo da indústria no Brasil como um dos maiores movimentos de desindustrialização jamais registrados.

A atual participação da indústria americana no PIB é similar à brasileira, sendo que lá ela também já foi substancialmente maior. Porém, para Dani Rodrik, diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil estaria experimentando um processo de desindustrialização prematura, já que ainda é um país emergente.

De fato, a despeito das supostas similaridades das participações da indústria dos dois países no PIB, é preciso se levar em conta as substanciais diferenças entre os dois casos. Enquanto a queda da participação da indústria americana no PIB foi acompanhada de significativo aumento da densidade industrial, a queda da participação no Brasil foi acompanhada de estagnação da densidade — a densidade americana é, hoje, mais de quatro vezes maior que a brasileira e a diferença segue aumentando. Já a participação no PIB dos serviços utilizados como insumos de produção, tais como os serviços de custos e de agregação de valor, é quase duas vezes maior nos Estados Unidos do que no Brasil.

Logo, as evidências sugerem que a indústria americana mobiliza e articula uma extensa cadeia de valor e produz bens de muito mais alto valor adicionado que a brasileira.

É preciso, ainda, considerar que a indústria americana se estende mundo afora, com gigantesca presença global através das suas multinacionais e que é parte ativa de muitas das mais influentes cadeias globais de valor, como a automobilística, a química, a eletrônica e a aeronáutica. A contabilização da indústria americana operando no seu próprio e em terceiros territórios indica que os Estados Unidos têm, juntamente com a China, as duas mais poderosas indústrias manufatureiras do globo.

Indicadores menos convencionais, como emprego de engenheiros, patentes depositadas e encomenda e financiamento do P&D do setor de serviços, sugerem que a indústria americana tem vasta contribuição para a inovação e para a tecnologia e é mobilizadora de recursos para o P&D.

Pense, agora, na Google, Amazon, Microsoft, Uber e Apple, que estão entre as mais valiosas empresas globais de serviços. Um olhar mais cuidadoso mostra que essas empresas são, e cada vez mais, desenvolvedoras de bens industriais que trazem consigo elevadíssima porção embarcada de serviços e alta tecnologia.

Nada disto está colocado para o Brasil. Logo, comparar Brasil com Estados Unidos é como comparar laranjas com maçãs.

Isto posto, é difícil concluir que o caso do Brasil é similar ao dos Estados Unidos. Pelo contrário, o que parece é que a indústria americana estaria passando por um sofisticado processo de transformação baseado numa relação sinergética e simbiótica com os serviços para criar valor em nível global.

Em tempos de densidade industrial e de profundas transformações nas tecnologias de produção e de gestão da produção e no conceito de produto industrial, a comparação da participação da indústria no PIB ou mesmo a comparação do perfil geral da produção de países pode pouco ou nada dizer.

Quem são os maiores exportadores de serviços?

A figura 1 mostra os 30 países que mais exportaram serviços em 2016. Com exportações de US$ 752 bilhões, os Estados Unidos lideraram de longe a fila. Quatro itens responderam por 75% das exportações de serviços americanas: royalties e licenças de propriedade intelectual, serviços financeiros, serviços profissionais e viagens.

Em segundo lugar, e bem atrás em termos de valor, vem o Reino Unido, seguido por Alemanha e França. A China, maior exportador de bens do mundo, ocupava a quinta posição, com US$ 208 bilhões, portanto, uma fração das exportações americanas.

A figura 2 mostra os 30 países que mais importaram serviços em 2016. Os Estados Unidos também ocupavam a primeira colocação, com importações de US$ 504 bilhões. Em seguida veio a China, com US$ 452 bilhões, seguida por Alemanha, França e Reino Unido.

As figuras 1 e 2 sugerem que comércio de serviços é uma característica de países avançados. De fato, a grande maioria dos grandes exportadores e importadores são países com renda per capita elevada. Tal como temos discutido neste blog, essa característica reflete, ao menos em parte, as transformações por que passam os bens e a forma como estão sendo produzidos, as mudanças nas preferências dos consumidores em favor de bens com cada vez mais serviços “embarcados”, e também mudanças na natureza das cadeias globais de valor.

Enquanto os Estados Unidos tiveram um multibilionário déficit comercial de bens, a conta de serviços teve um multibilionário superávit de US$ 248 bilhões. Porém, como a taxa de crescimento do comércio de serviços tem sido bem maior que a do comércio de bens, tudo o mais constante, os serviços deverão financiar parcela crescente do déficit de bens. Considerando, ainda, a nova orientação protecionista da política comercial do país, a conta agregada de comércio poderá, eventualmente, passar para o azul num futuro não muito distante.

Já a China teve déficit na conta de serviços de US$ 244 bilhões, enquanto teve um multibilionário superávit no comércio de bens. Observa-se, portanto, uma curiosa assimetria nos números de Estados Unidos e China, que reflete, ao menos em parte, a natureza atual das duas economias e da sua inserção internacional.

A China, através do Ministério do Comércio, está implementando um ambicioso plano para que o país se torne grande produtor e exportador de serviços. Programas-piloto estão em curso em 15 cidades e o foco está em serviços de alto valor adicionado.

À exceção do Reino Unido, que também teve um elevado superávit de US$ 125 bilhões, muitos dos países avançados operam com pequenos déficits ou superávits da conta de serviços, o que sugere haver uma política ativa de monitoramento e controle desta conta.

A condição de já ser grande exportador de serviços e de ter o maior potencial exportador de serviços digitais e de e-commerce do mundo ajuda a explicar a prioridade dos Estados Unidos para a agenda de serviços em fóruns e em negociações internacionais.

Os gráficos indicam que a Índia é um caso excepcional de país emergente que apostou no setor de serviços como instrumento de política econômica. Como sabemos, o setor de serviços de TI, sobretudo softwares, bem como serviços de outsourcing, como telemarketing, contabilidade, recursos humanos, controle de estoques, dentre outros (são os chamados back office support services), são cada vez mais dinâmicos e ativos. O superávit do comércio de serviços vem crescendo rapidamente e, em 2016, foi de nada menos que US$ 70 bilhões.

Já o Brasil exportou US$ 33 bilhões e importou US$ 64 bilhões em serviços em 2016. O país é um grande importador de serviços e opera recorrentemente com um dos maiores déficits globais neste setor, o que reflete a baixa competitividade da atividade no país. Evidências empíricas já discutidas no blog mostram que o Brasil tem uma elevada elasticidade das importações de serviços em face do crescimento do PIB, o que revela alta dependência de serviços importados. Os números do balanço de pagamentos  mostram que o déficit da conta de serviços é uma das maiores fontes de pressão nas contas correntes. Esta equação não para de pé no médio prazo.

Serviços – o elo fraco da produtividade

Um dos consensos econômicos no Brasil é o de que a nossa produtividade é baixa e a competitividade das empresas deixa a desejar. O que explica esta inquietante situação? Obviamente, as explicações são múltiplas. Este blog defende que uma das mais importantes explicações é a baixa produtividade e competitividade do setor de serviços.

De fato, como temos discutido já há muito neste espaço, as empresas de serviços são, na sua grande maioria, muito pequenas, pouco produtivas, têm pouco acesso a crédito e a tecnologia, seus gerentes e/ou proprietários têm baixa qualificação e os funcionários são pouco treinados. Mesmo que separemos os serviços prestados às famílias dos serviços prestados às empresas, ainda assim encontraremos evidências de indicadores de produtividade preocupantes.

Comparação internacional de preço e qualidade de serviços supridos às empresas, como serviços de transporte e logística, energia elétrica, serviços de intermediação financeira, telecomunicações e serviços profissionais, mostra um quadro alarmante. Para tornar a estória ainda mais alarmante, a oferta e a qualidade dos serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, tais como P&D, design, marcas, softwares avançados, plataformas digitais, distribuição e serviços profissionais de padrão internacional são escassos e caros. Aqui perdemos fácil de 7 a 1 para muitos países. O problema é que esses serviços são determinantes para que se possa ambicionar participar da economia do século XXI como protagonista.

O setor de serviços já responde por 73% do PIB e o consumo intermediário de serviços corresponde a 64% do valor adicionado da manufatura. Na agricultura e na mineração, aquela participação não apenas é alta, mas vem crescendo a taxas superiores às da indústria.

Evidências empíricas apresentadas no blog mostram que serviços prestados às empresas não aparecem por geração espontânea, mas resultam da demanda por novas soluções para a indústria, agricultura, mineração e para o próprio setor de serviços. A contração da  indústria no Brasil ajuda a explicar a minguada oferta de serviços sofisticados. Nos casos da agricultura e da mineração, questões regulatórias, tributárias, aversão a risco, dentre outras, ajudam a explicar a elevada participação de serviços estrangeiros no consumo intermediário daqueles setores.

Evidências empíricas também aqui examinadas mostram que a conta de comércio exterior de serviços é estruturalmente deficitária e é altamente sensível à elevação do PIB e, portanto, é fonte potencial de fragilidade nas contas externas.

A conclusão não poderia ser outra, que não a de que o setor de serviços é o elo mais fraco da economia brasileira. Sem um setor de serviços forte, moderno, sofisticado, competitivo e internacionalizado, será difícil ao país se reposicionar na economia global e crescer de forma sustentada.

Mas o Brasil não é caso singular. O México, por exemplo, padece de enfermidade similar, embora as causas primárias da sua chaga não sejam exatamente as mesmas das nossas.

O que fazer? Os serviços, sobretudo aqueles prestados às empresas, têm que estar no centro das políticas produtivas se de fato quisermos atacar as dificuldades de competitividade do nosso setor produtivo.

Como ponto de partida, será preciso ao país se convencer da importância do setor de serviços, o que hoje ainda não está posto. Em seguida, teremos que atacar as causas mais óbvias da fraqueza do setor. Aqui, incluem-se questões de recursos humanos, de acesso a crédito e a tecnologias, de empreendedorismo, de internacionalização, de comércio exterior, de investimentos, de estrutura de competição e questões tributárias e regulatórias. Foco das políticas em cadeias produtivas, incluindo os serviços, e não apenas em atividades econômicas pontuais, também será muito útil. Aqui, os bancos públicos poderão ter um papel determinante.

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