Economia de Serviços

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Ainda é cedo para comemorar o fim da recessão

Na última semana, foram divulgados os resultados das contas nacionais trimestrais. Pela primeira vez em quase dois anos e meio, o PIB do primeiro trimestre de 2017 apresentou crescimento em relação ao trimestre imediatamente anterior. Em um cenário de desemprego de 13,6% e de grande turbulência política, o resultado pode e foi (moderadamente) comemorado. Porém um olhar mais atento recomenda bastante cautela nessa celebração.

Primeiro, porque o cenário de grande incerteza política se agravou consideravelmente desde o fim do primeiro trimestre, e isso pode reduzir o teto de crescimento deste ano, seja por conta de uma menor chance de aprovação de reformas e a consequente desconfiança, por parte do mercado, na capacidade de crescimento no longo prazo, seja por conta da provável diminuição no ritmo de queda da taxa básica dos juros.

Segundo, porque o crescimento foi puxado em grande medida por uma safra recorde, que resultou em um crescimento de consideráveis 11,5% do setor agropecuário, melhor resultado do setor desde 1996. O setor de serviços, responsável por cerca de ¾ da economia brasileira, apresentou crescimento modesto (0,2%) no período. Por ser majoritariamente não-comercializável entre fronteiras, o setor é bastante pró-cíclico, e seguiu sentindo os efeitos das quedas do consumo, tanto das famílias (-0,1%) quanto do governo (-0,6%), e da formação bruta de capital fixo (-1,6%). Este último resultado é especialmente preocupante pois é um forte determinante de crescimento futuro.

Terceiro, porque, tanto no acumulado dos últimos quatro trimestres, quanto na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, o resultado segue no campo negativo: -2,3% e -0,4%, respectivamente. Como o lado do consumo segue fraco e parte considerável do crescimento no trimestre se deu por conta de um resultado extraordinário da agropecuária, é recomendável, novamente, ter cautela.

Olhando pelo lado positivo, alguns segmentos de serviços apresentaram crescimento no período, depois de diversos trimestres de queda: transporte, armazenagem e correio (3,1%); serviços de informação (1,9%); outros serviços (0,9%); e atividades imobiliárias (0,2%). Além disso, o setor como um todo, apesar de praticamente não ter crescido, teve, pela primeira vez desde o final de 2014, um resultado não negativo. Soma-se a isso o resultado positivo da indústria no período, de 0,7%, também pela primeira vez desde o último trimestre de 2014.

Em suma, o resultado do PIB no primeiro trimestre de 2017 trouxe algumas notícias positivas, mas ainda é cedo para comemorar o fim da crise. Além disso, ao mesmo tempo que temos que nos preocupar com as questões conjunturais, se certos obstáculos estruturais não forem enfrentados – como a baixa produtividade, em especial no setor de serviços, a baixa complexidade da nossa economia e nossa pequena integração a posições privilegiadas nas cadeias globais de valor –, dificilmente conseguiremos crescer de maneira sustentada nas próximas décadas.

PS: os dados do post e do gráfico abaixo foram atualizados com os resultados do segundo trimestre de 2017 do Sistema de Contas Nacionais.

Chile, Microeconomia e a Aversão à Desigualdade

Para a maioria dos economistas, o estalido social no Chile foi um “Cisne Negro”. Mesmo assumindo algum tipo de insatisfação social, o Chile parecia o único exemplo de país (fora o sudeste asiático) que teria consumado a ruptura com a armadilha da renda média e proximamente ingressaria no seleto clube de países ricos. Não obstante uns poucos negarem a existência de um “milagre chileno”, as políticas desse país pareciam ser a fundamentação empírica/histórica da pertinência das receitas do mainstream em termos de macroeconomia e crescimento (abertura dos mercados, estabilidade institucional, investimento em capital humano, focalização na área social, etc.). A performance nos indicadores sociais (queda da pobreza, redução da mortalidade infantil, acesso à energia elétrica, cobertura domiciliar de esgoto, etc.) estaria sugerindo que a combinação de um modelo market-oriented com políticas sociais corretamente desenhadas era capaz de superar um suposto conflito entre dinamismo econômico e objetivos sociais.

Contudo, os ganhos em termos de redução das desigualdades não pareciam tão evidentes e duradouros. Em termos de longo prazo, a queda é inequívoca, o Gini caiu de 57,2 em 1990 para 46.6 em 2017. Contudo, nos últimos anos as reduções foram marginais. Por exemplo, em 2013 esse indicador de desigualdade era de 47,3, sendo (como afirmamos) de 46,6 em 2017 (Fonte dos dados do Gini: Banco Mundial). Ou seja, as reduções das desigualdades foram acentuadas nos anos 90 e bem tênues na última década.

As explicações usuais sobre a explosão social no Chile apontam para a desigualdade. A elevação do preço do metrô (+3,75%) seria a “borboleta” que, em um sistema complexo e não-linear como seria uma sociedade, acabou gerando um furacão.

A questão sobre a qual gostaríamos de refletir é: a desigualdade afeta o bem-estar dos indivíduos? Percebamos que estamos colocando a questão em termos microeconômicos e não agregados. Não estamos falando se uma sociedade mais ou menos desigual é mais ou menos “feliz”. Pareceria que as sociedades atuais (na retórica) estão muito preocupadas com o aumento das desigualdades (daí talvez a popularidade do livro de Piketty). Contudo, quais são os fundamentos microeconômicos dessa rejeição às desigualdades? Toda desigualdade merece o mesmo grau de rejeição? Toda desigualdade é injusta? Que nos diz a Teoria Microeconômica sobre a influência da desigualdade sobre nosso bem-estar individual?

Lembremos a primeira aula de Microeconomia. Os argumentos da função de utilidade são os bens e serviços consumidos pelo indivíduo, sendo as utilidades marginais positivas e decrescentes. Essas hipóteses são conservadas no transcurso de todo o curso de microeconomia e mesmo nas disciplinas de macro e crescimento quando as mesmas estão fundamentadas microeconomicamente (como é o caso nas modernas abordagens). Contudo, quando tento me aproximar da questão da desigualdade na sala de aula costumo fazer o seguinte exercício. Escolho um aluno e pergunto o seu grau de satisfação se dou a ele uma nota SS (a menção máxima na UnB). A resposta é a esperada: ficaria muito satisfeito. Ou seja, parece que se confirma a hipótese usual com corriqueiros cursos de micro: o bem-estar dele depende de sua nota. Porém, continuo meu “experimento sobre economia comportamental” complementando a pergunta anterior com outra: eu darei SS para toda a turma. A cara do aluno muda, e, perguntado, afirma que seu grau de satisfação já não é tão elevado. Mudo o contexto e digo para aluno imaginar o grau de satisfação se, contrariamente, toda a turma toda ficasse reprovada e a menção dele fosse um SS. O grau de “bem-estar” aumenta, ficaria eufórico.

O exercício anterior pode ser realizado por qualquer professor e muito dificilmente o desfecho se alterará. Dos resultados podemos deduzir dois corolários. O primeiro diz respeito ao contexto, que necessariamente vai determinar a magnitude da utilidade. Em outros termos, a relação entre o argumento da função e o resultado não depende só da variável, senão das circunstâncias. Neste caso, os pressupostos nos usuais cursos de micro não parecem os mais realistas. O segundo corolário está associado à desigualdade, esta afeta diretamente a utilidade seja de forma positiva ou negativa. Vejamos a seguinte situação. Assumamos que a sociedade está constituída por dois indivíduos, ambos com rendimentos de R$ 100 no período inicial. Suponhamos que no período seguinte um deles eleva sua renda para R$ 120 e o outro continua em R$ 100. Se assumimos uma função de utilidade standard, a sociedade estará melhor no segundo período que no primeiro (inclusive pelo critério de Pareto, alguém está melhor sem que ninguém tenha piorado sua situação). O indivíduo que viu seus rendimentos elevarem para R$ 120 estará melhor por dois motivos: viu aumentar sua renda em termos absolutos (como prediz a abordagem tradicional) e também relativo. A situação do segundo indivíduo não é mais complexa. Na perspectiva microeconômica usual sua situação não se alterou (o rendimento absoluto continua o mesmo). Contudo, em termos relativos se deteriorou, o que pode ter como resultado uma queda no seu bem-estar.

O tratamento da situação relativa sobre o bem-estar individual tem diversas tentativas de abordagem na história do pensamento. Os bens posicionais (cuja demanda está em função do poder ou status que os mesmos simbolizam) têm referenciais em Veblen e Hirsch. Keynes, na sua Teoria Geral, é explicito sobre a relevância dos salários relativos e não absolutos: “The effect of combination on the part of a group of workers is to protect their relative real wage” Contudo, a importância da posição relativa (com respeito aos pares ou a um grupo de comparação ou ao próprio passado do indivíduo) adquire um status de particular importância na denominada Economia da Felicidade. (Nos próximos parágrafos, omitiremos a maioria das referências bibliográficas. Os argumentos e fundamentação vão poder ser encontrados em Ramos, C.A., Economia da Felicidade. Precisamos do PIB para ser felizes? Altabooks. 2019. Forthcoming)

Diferentemente do modelo usual, o bem-estar subjetivo de um indivíduo (como animais sociais que somos) dependeria de sua comparação com o seu contexto de referência (família, amigos, colegas de trabalho, etc.). Quanto maior o diferencial (a seu favor, obviamente) maior a sensação de bem-estar. Dessa forma, se as pessoas mais ricas se auto-declaram mais satisfeitas com a vida, essa sensação não se nutriria do maior consumo de bens e serviços senão de sua posição relativa. Em nosso exemplo anterior, se um indivíduo elevou sua renda para 120 estaria em situação melhor não pelo maior acesso a bens que essa maior renda propiciaria, senão porque o outro integrante da sociedade permaneceu com sua renda em 100 e sua posição relativa mudou. Ou seja, a desigualdade foi a matriz que alimentou o aumento de seu bem-estar.

Obviamente, e assumindo uma simetria, o indivíduo que permaneceu com a renda constante (100, em nosso exemplo) viu seu bem-estar subjetivo se deteriorar. Nesse sentido, o balanço geral fica em aberto. Contudo, existe um fenômeno que na literatura se apelida de “efeito túnel”, denominação devido a um conhecido artigo de Hirschman e Rothschild. Basicamente esse efeito diz respeito à informação que proporciona a trajetória do indivíduo que logrou se distanciar de minha posição, indicando minhas possibilidades e a probabilidade de existência de um progresso social que, eventualmente, poderia beneficiar-me.

Contudo, esse “olhar para o lado” (para seu grupo social de referência) não é a única dimensão onde o relativo é importante. Contemplar o próprio passado e, sobretudo, as expectativas que sobre o futuro o indivíduo imaginou e sua concretização ou não no presente, também podem ser fonte de bem-estar ou frustração. Hoje todo indivíduo fantasia como será seu futuro e, quando este chega, compara a sua situação real com a imaginada. Se a condição concreta está aquém do fantasiado (mesmo que em termos absolutos se tenha observado uma melhoria) o resultado pode ser o desapontamento. Este referencial no passado é importante porque uma desaceleração do crescimento (não uma recessão) pode ser um motivo que alimenta o desencanto. No caso concreto do Chile, o país chegou a crescer a taxas de 11% (1992), desacelera para percentuais entre 5/6% nos anos 2000 e passa a obter resultados de 1/2% nos últimos anos (Fonte: Banco Mundial). Ou seja, o presente pode não ser o que foi imaginado.

Em termos instrumentais, podemos ampliar a leque de possibilidades. Observemos que, quando afirmamos que como animais sociais estamos à procura constante de status (nos diferenciar), descartamos um olhar onde a solidariedade pode ter um rol relevante para alguns indivíduos. Nesse sentido, podemos formular uma função de utilidade onde caibam tanto a procura de status quanto a solidariedade e deixar em aberto o peso de cada uma delas segundo o indivíduo. Vejamos a seguinte função de utilidade:

U (x;y) = F(x)-α Max (y-x;0)-β Max (x-y;0)

Onde: x=a renda do indivíduo; y=a renda do grupo de referência; α e β parâmetros.

No caso de α= β=0 estamos na função de utilidade tradicional que ensinamos em qualquer curso de Micro: a posição relativa ou a situação dos outros não importa. Calibrando os parâmetros α e β podemos simular distintas situações, como indivíduos nos quais convivem a procura de status e a solidariedade, mas uma variável pode ter mais peso que outro de acordo com cada caso.

Vemos que, em termos de fundamentos microeconômicos, a questão do impacto sobre bem-estar fica em aberto, não podemos microfundamentar uma relação entre bem-estar e desigualdade para a sociedade em seu conjunto.

Já em termos agregados, podemos apelar à cultura e como distintas sociedades são mais ou menos avessas à desigualdade. Nesse sentido, o conhecido artigo de Alessina, Di Tella e McCulloch (2014) sugere uma diferença entre os EUA e a Europa no tocante ao impacto da desigualdade sobre a auto percepção de bem-estar, sendo o impacto negativo menos sensível nos EUA.   Por exemplo, entre os mais pobres da Europa a aversão à desigualdade seria evidente, não existindo relação no caso dos EUA.

Essa diferenciação pode ter como origem o sentido de justiça, ou seja, em que situações uma dada distribuição de renda seria justa ou injusta. Essa valoração dependeria de heranças culturais. A sorte, o azar, a loteria da vida como fonte de desigualdades seria assumida como injusta nos países nórdicos, porém mais aceita nos EUA. Por outra parte, neste último país, a riqueza seria assumida mais como resultado de esforço, dedicação, etc. (a ideologia do self-made man) que como o corolário de indicações, conexões, heranças, etc., como seria o caso da Europa.

Ou seja, em termos teóricos (especialmente no tocante à micro-fundamentação) generalizações parecem pouco plausíveis. Diante desse vácuo, o natural é apelar ao empirismo e, nesse caso, os resultados são diversos e a “variável cultura” preenche a incapacidade de fazer generalizações. Contudo, certos aspectos parecem robustos. As nossas atenções não teriam que se direcionar pura e simplesmente à desigualdade, senão à desigualdade que uma sociedade considera injusta e o sentido de justiça distributiva varia de sociedade a sociedade (ainda que a desigualdade de oportunidades, não de resultados, pareça gozar de certo consenso sobre seu caráter injusto).

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As Relações de Causalidade na Economia e o Fracasso do Petismo e do Macrismo

Aproximar a economia a uma ciência dura sempre foi a aspiração de significativa parcela de nossos colegas. Mas, diferentemente das ciências naturais, nas ciências sociais é difícil (quando não impossível), organizar experimentos. Contudo, nas últimas décadas, a maior disponibilidade de dados e avanços nas técnicas econométricas permitiram enormes progressos na área e hoje a avaliação, mediante comparações contrafactuais (“o que teria acontecido se não tivesse ocorrido o que aconteceu”), está se tornando, cada vez mais, um critério quase excludente na difusa fronteira entre o que seria uma ciência econômica dura e que o seriam “achismos”, subjetivismos ou diretamente posições ideológicas.

Contudo, a alternativa de avaliar os fatos ou circunstâncias não deveria estar restrita aos ambientes acadêmicos. “Pensar contrafactualmente” mereceria tentativas de popularização similares às que estão sendo levadas a cabo no tocante à “educação financeira”. Basicamente, o objetivo seria não assumir uma correlação ou associação como uma relação de causalidade. Identificar a direção causa-efeito em uma correlação não é trivial, depende da sorte de encontrar um experimento natural, da imaginação do observador, etc. Contudo, o relevante é ser consciente da diferenciação. Por exemplo, uma série estatística indicando uma ligação entre bairros com elevada densidade policial simultaneamente à maior ocorrência de crimes não pode redundar em um simplismo que atribua a maior taxa de delitos a essa maior presença da polícia, assim como a correlação entre pessoas com sobrepeso que fazem dieta não pode atribuir ao regime a condição de obeso. A possiblidade de identificar um experimento natural pode resolver a ordem de causalidade (ver, por exemplo, Di Tella e Schargrodsky (2004)).

Trilhar o caminho do efeito para a causa ou, em outras palavras, identificar as raízes de um determinado resultado não deveria ser, como afirmamos no parágrafo anterior, um método exclusivo dos indivíduos dedicados à pesquisa. O debate público também teria que, idealmente, estar pautado por essa metodologia. Contudo, na economia precisa-se comparar resultados em processos complexos, que envolvem decisões de política, ambiente externo, heranças (condições iniciais), entre outros, que tornam extremamente difícil as comparações ou a avaliação de determinada estratégia.

Esse talvez seja o caso de duas estratégias de desenvolvimento opostas, mas cujos resultados, curiosamente, foram próximos.

O modelo de desenvolvimento implementando entre 2005 e 2014 no Brasil caracterizou-se por apelar a uma série de ferramentas (subsídios, proteção, fortalecimento das empresas estatais, forte elevação do salário mínimo, etc.), cujo desfecho foi uma severa recessão, inflação, déficit público, trajetória insustentável da dívida, etc.. O modelo de crescimento tentado pela administração Macri na Argentina, a partir de 2015, visou acompanhar a cartilha do mainstream, com abertura dos mercados, desregulamentação, confiança no investimento externo, fim de subsídios, etc. Ou seja, seria o contraponto (o modelo rival ou concorrente) do tentado no Brasil no mesmo período. Os resultados são, paradoxalmente, bem próximos: profunda recessão, inflação, dívida pública fora de controle, …..

Quais as causas dos fracassos? O insucesso desqualifica a estratégia? Nesse caso, os dois modelos estão desacreditados?

Aqui encontramos duas tentativas de explicação. Em ambos os casos, as metodologias empregadas também são similares, evidenciando-se quão longe está a economia de poder reduzir a sua desvantagem com as ciências naturais quando transitamos o caminho que separa avaliar processos pontuais (a relação de causalidade entre policiamento e crime, por exemplo) com fenômenos mais complexos, como pode ser uma estratégia de desenvolvimento de um país.

As duas alternativas de explicação são alimentadas, obviamente, por adeptos de cada um dos modelos. Nos dois casos preserva-se a estratégia e censura-se a administração de curto prazo (o gerenciamento da macroeconomia).

No caso do Brasil, uma corrente sustenta que o fracasso estava inscrito no DNA do projeto adotado (ver, por exemplo, aqui). Ou seja, é a própria estratégia que, por fechar a economia, subsidiar setores, escolher arbitrariamente ganhadores, entre outras ações, não promoveria os ganhos de produtividade que, no longo prazo, seriam a única fonte de crescimento. A essa variável, de cunho estrutural, teriam se agregado questionáveis aspectos de uma administração macroeconômica de curto prazo.

No caso da Argentina, a mesma matriz teórica que leva a impugnar a estratégia do Brasil entre 2005 e 2014 os induz a aprovar o modelo macrista, atribuindo o seu fracasso a erros na administração macroeconômica. Por exemplo, não ter logrado reverter o déficit público ou não ter afiançado a credibilidade e independência do Banco Central.

No polo oposto do debate, os partidários da estratégia Lula (segundo mandato)/Dilma questionam a administração de curto prazo (a desoneração da folha de pagamentos, por exemplo); fazem referência aos choques externos, mas preservam as linhas mestras (ver, por exemplo, Laura Carvalho (2018)). Contrariamente, estaria grafado no DNA do modelo macrista seu fracasso.

Entender o porquê, como dizem Pearl e Mackenzie (2018), é uma questão contrafactual disfarçada. Contudo, como já afirmamos, o desafio é bem maior no caso da avaliação de um modelo de desenvolvimento que em um caso pontual, como seria avaliar o impacto da formação dos professores no desempenho acadêmico dos alunos, por exemplo. Por outra parte, determinar a relação causa-efeito e outorgar os créditos (sejam eles negativos ou positivos) fica ainda mais labiríntica quando existe uma defasagem temporal entre a ação ou política e suas sequelas. Nesse sentido, podem estar sendo atribuídos méritos ou deméritos a uma escolha quando em realidade as raízes do observado estariam situadas em outros momentos. Por exemplo, segundo Samuel Pessoa, o primeiro governo de Lula foi o beneficiado (em termos de produtividade) das reformas realizadas por FHC na década anterior.

A pergunta é: pode-se imaginar um contrafactual em problemas macro? É mais difícil, as possibilidades são menores, mas não impossível. Existem na literatura bons exemplos dessas novas tentativas. Por exemplo, Carrasco, de Mello e Duarte (2014), utilizando uma metodologia robusta (grupo de controle sintético), avaliam diversos indicadores do Brasil no período 2003-2012, quando o país teria logrado, pelo menos na aparência, importantes ganhos econômicos e sociais. No entanto, na comparação com um grupo de países (grupo de controle), esses avanços são relativos, uma vez que teriam sido gerados mais pelas condições externas que pelas políticas internas, estando as conquistas aquém das conseguidas via grupo de controle em vários quesitos, mesmo na área social.

Obviamente, os resultados de Carrasco, de Mello e Duarte estão aí para serem questionados pelos seus pares. Mas o aspecto que pretendemos colocar no debate é a necessidade de concentrar esforços em identificar relações de causalidade de forma robusta. No debate sobre a estratégia de desenvolvimento de uma nação, é pertinente levantar perguntas tais como: se Macri tivesse conseguido reverter o déficit fiscal herdado do Kishnerismo e outorgado independência ao BC argentino, os resultados em termos de crescimento, inflação, pobreza…., teriam sido outros ? Estava escrito no DNA da estratégia de Dilma seu fracasso ? Tentar responder a essas perguntas com maior aproximação à metodologia das ciências naturais permitiria reduzir, mesmo que não contornar totalmente, que a confrontação de posições estivesse pautada por posições partidárias ou ideológicas ou, simplesmente, pelo “achismo”.

Autor:

Carlos Alberto Ramos é Professor do Departamento de Economia, UnB. Graduação Universidad de Buenos Aires, Mestrado na Universidade de Brasília, Doutorado na Université Paris-Nord.

Crise profunda, retomada lenta: um possível caminho de recuperação robusta para a economia brasileira

Em 2015, a taxa de crescimento da economia brasileira foi de -3,5%, pior resultado do PIB, desde 1990. Em 2016, o resultado também foi negativo em -3,5%, colocando o país em recessão, por dois anos consecutivos, o que não acontecia desde a crise de 1930 – 1931. Em 2017, a taxa de crescimento do PIB foi de apenas 1%, e em 2018, de 1,1% (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Agora, em 2019, a perspectiva é de que a taxa de crescimento seja de apenas 0,82%.

Nesse contexto, o retorno do crescimento econômico sustentado é um desafio. Economistas apontam a necessidade de aumento do investimento na economia nacional (tanto do ponto de vista público quanto privado). Contudo, a taxa de investimento total em relação ao PIB apresentou declínio, pelo terceiro ano seguido, em 2016, alcançando 16,1%. O resultado em 2017 e 2018 foi ainda pior, ficando abaixo dos 16% a.a. Estes números não só refletem uma evolução interna ruim da nossa capacidade de investir (que já era baixa e, pior, veio se deteriorando nos últimos anos), como também demonstra um desempenho pífio quando comparado a outros países do mundo. Em 2018, por exemplo, 90% dos países apresentaram taxa de investimento maior que o Brasil.

Em especial, os investimentos em infraestrutura apresentaram contração importante no ano de 2015, em relação a 2014. Os dados oficiais de 2016 e 2017 são também frustrantes, mostrando que o investimento em infraestrutura total do país foi de 1,7% e 1,5% do PIB, respectivamente (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Em 2018, o montante de investimentos em infraestrutura foi praticamente o mesmo do ano de 2017. Essa situação deve-se, principalmente, à redução nos investimentos públicos, fruto da deterioração da situação fiscal do Estado, observada de forma mais contundente a partir de 2014, ano em que o país passou a apresentar déficits primários anuais, o que não havia acontecido até então. Como os investimentos são despesas ditas discricionárias, sofreram os cortes mais pesados do governo para a promoção do necessário ajuste fiscal. Explicando de modo mais detalhado, o orçamento público hoje é composto, em sua maior parte, por despesas obrigatórias e vinculadas. Portanto, numa situação de aperto fiscal, resta ao governo uma fatia realmente muito pequena que pode estar sujeita a cortes ou manobras. E, dentro dessa pequena fatia, situam-se os investimentos públicos, em especial, os investimentos em infraestrutura.

Entretanto, há vasta literatura que corrobora os efeitos positivos dos investimentos em infraestrutura no crescimento econômico dos países e também do Brasil. Ademais, no caso de investimentos em infraestrutura, há complementariedade entre gastos públicos e privados (Rigolon, 1998; Pêgo Filho, Cândido Júnior e Pereira, 1999), ou seja, um efeito “crowding-in, em que maiores gastos públicos no setor reduziriam custos logísticos e outros custos que compõem o Custo Brasil, atraindo maior monta de investimentos do setor privado, que poderia produzir e escoar sua produção de modo mais eficiente, alavancando sua produtividade e tornando-o mais competitivo.

Infraestrutura, Produtividade e Crescimento

A infraestrutura econômica pode ser definida, de acordo com o BID (2000), como “o conjunto de estruturas de engenharia e instalações – geralmente de longa vida útil – que constituem a base sobre a qual são prestados os serviços considerados necessários para o desenvolvimento produtivo, político, social e pessoal”. Visto dessa maneira, a infraestrutura é o estoque de capital físico sobre o qual são prestados serviços como o de telefonia celular, transporte de cargas, abastecimento de água, entre outros. Se infraestrutura pode ser traduzida em maior estoque de capital físico, então a relação da infraestrutura com as teorias de crescimento econômico pode ser feita, uma vez que maior acumulação de capital leva a maior nível de produto no longo prazo (Solow, 1956). Além disso, se um maior estoque de capital gera externalidades positivas, conforme apontado por Romer (1986), mais infraestrutura levaria a maior crescimento do produto no longo prazo. Isso sem falar nos efeitos indiretos que uma infraestrutura mais abundante e de melhor qualidade traria sobre a produtividade da economia.

Ainda, se a ampliação da infraestrutura estiver associada à investimentos em P&D e inovação tecnológica (como no caso de exploração de petróleo de gás, na área de infraestrutura energética), isso estimularia maiores investimentos e acumulação de capital humano, levando a um melhor desempenho de longo prazo na renda per capita do país, conforme apontaram os trabalhos de Romer (1990) e Lucas (1988).

Com boas instituições (que garantam os direitos de propriedade, sejam transparentes, adotem freios e contrapesos, reduzam custos de transação e riscos de expropriação) e com agências reguladoras que apresentem salvaguardas para o comportamento do regulador (conforme levantado por Levy e Spiller, 1996), os atores econômicos terão mais previsibilidade e segurança com relação ao futuro, o que reduzirá incertezas e a percepção de riscos por parte dos agentes e atrairá mais investimentos, em especial no setor de infraestrutura, que tem como premissa elevados investimentos iniciais e alongamento no tempo de retorno desse investimento. Ou seja, para o setor de infraestrutura, ter um ambiente institucional e regulatório apropriado, que promova investimentos, pode ser ainda mais relevante que em outros setores, devido ao grande montante inicial requerido e ao tempo dilatado de payback.

Portanto, instituições sólidas e respeitadas em conjunto com um ambiente regulatório bem estruturado e desenhado de forma a gerar incentivos corretos para o setor de infraestrutura têm o potencial de alavancar os investimentos na área, promovendo maior acumulação de capital, impactando positivamente na produtividade e no crescimento econômico de longo prazo da economia.

Se o caminho teórico é conhecido e ratificado por uma extensa literatura, o caminho da implementação e da colheita de resultados não é nada trivial. Conforme temos visto desde janeiro desse ano, o novo governo, de forma pragmática, não tem conseguido, ainda, bons resultados em termos de produto e de emprego na economia. Conforme dito no primeiro parágrafo, a última previsão de crescimento do PIB brasileiro para este ano está em apenas 0,82%, valor abaixo do crescimento de 2017 e 2018, e bem menor do que as previsões e expectativas de crescimento no início do ano, quando o atual governo foi empossado (o governo falava em perspectiva de crescimento de 2,5% para o ano de 2019). Ou seja, aparentemente, toda aquela euforia inicial foi perdendo força ao longo do caminho. Como fazer, então, para ganharmos fôlego novamente e voltarmos a ter uma economia com crescimento maior e mais robusto?

É difícil, mas o momento agora é crucial. Com a aprovação da reforma da previdência na Câmara, um passo importante foi dado. Além disso, o setor de infraestrutura tem ganhado atenção do governo Bolsonaro, que tem dado continuidade no trabalho de concessões desenvolvido e aprofundado pela equipe econômica do governo Temer. Avanços estão sendo feitos, em especial, no setor de transportes (rodovias, ferrovias, aeroportos, portos).

O caminho de crescimento e desenvolvimento econômico no país certamente passa por maiores investimentos em infraestrutura. Mas precisamos ter em mente que isso é condição necessária, e não suficiente. Investir em infraestrutura é essencial, mas é preciso também garantir a estabilidade macroeconômica, a segurança jurídica, a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros, o bom funcionamento das nossas instituições, a transparência na escolha e implementação de projetos, o sistema democrático. É preciso, ainda, ser otimista, e esperar que amanhã seja melhor do que hoje. I hope so.

Autora:

Geovana Lorena Bertussi é Professora Adjunta IV do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Ministra disciplinas nas áreas de Economia Brasileira, Macroeconomia e Economia da Infraestrutura, com ênfase nos setores de transportes e energia elétrica.

O Desafio de Acemoglu e Robinson

Em 2012 James Robinson e Daron Acemoglu lançaram o livro Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty que foi um sucesso imediato, não só no mercado acadêmico, mas também no mercado editorial geral. A hipótese central do livro é que instituições, e não cultura, geografia, ou sorte, são a causa fundamental do crescimento econômico de longo prazo. Era essencialmente a mesma mensagem que algumas décadas de literatura da nova economia das instituições já havia desenvolvido (Douglass North, Ronald Coase, Oliver Williamson e Elinor Ostrom): que instituições abertas e inclusivas, caraterizadas por impessoalidade e rule-of-law e acompanhadas por freios e contrapesos sobre o poder do Estado, são imprescindíveis para que um país se torne verdadeiramente desenvolvido. Eles mostram através de inúmeros exemplos históricos e dados comparativos que somente um pequeno grupo de países em todo mundo conseguiu atingir este tipo de desenvolvimento, enquanto a grande maioria, onde prevalecem instituições extrativas e acesso limitado a mercados econômicos e políticos, falharam.

Com o sucesso do livro os autores foram convidados a dar palestras e apresentações em vários lugares diferentes. Na época, eu devo ter ouvido mais de uma dezenas de palestras via podcasts ou no Youtube. Dado o nível dos autores e sua segurança na exposição de seus argumentos, sempre havia a sensação de que o público estava convencido. Mas inevitavelmente, quando o moderador abria o microfone para a sessão de perguntas do público, vinha a mesma pergunta avassaladora que fazia muitos reconsiderar sua posição: “Mas então como vocês explicam a China? É uma ditadura, com instituições fechadas, extrativas e excludentes, e, no entanto, é o país que mais cresce no mundo há muito tempo e logo será o país mais rico do mundo.” Os autores sempre davam a mesma resposta, na linha desta argumentação em seu Why Nations Fail Blog:

When economic institutions take steps towards greater inclusivity — which has happened many times in history and is exactly what happened in China starting in 1978 — this can usher a rapid period of economic growth. Where political institutions come in is that inclusive economic institutions can emerge and encourage growth in the short run but cannot survive in the long run under extractive political institutions. It is for this reason that the rapid growth of China over the last three decades isn’t an exception to our theory.

E eles seguem com o seguinte desafio: Se a China continuar a crescer por mais várias décadas e chegar a níveis de PIB per capita comparáveis aos dos EUA e da Alemanha, mantendo o tempo todo o mesmo tipo de instituições políticas autoritárias e extrativas, então isto refutaria a sua teoria. É assim que deve ser a ciência, sujeita à falsificação pelas evidências. No entanto, naquelas palestras esta resposta dos autores não parecia convencer muitas pessoas. Afinal a China não parava de crescer e de deslumbrar o mundo com sua capacidade de exceder todas as expectativas. Talvez instituições sejam importantes, mas a China seja um caso especial que desafia as explicações convencionais.

Este ainda não é o momento de tirar a prova e ver quem vence o desafio. A transição da China ainda está se processando e não é possível ainda tirar conclusões definitivas. A China já está alcançando os EUA em termos de PIB nominal, mas ainda está mais ou menos no mesmo nível do Brasil em termos per capita. Como diz o desafio, trata-se de uma questão de longo prazo (várias décadas) e não de conjuntura. No entanto, pode ser interessante ver como estão evoluindo algumas variáveis da economia e sociedade chinesa para termos uma ideia de como vai a contenda até agora.

Não é preciso fazer muito esforço para argumentar que a trajetória ascendente da China continua forte. Sua economia continua crescendo a altas taxas independente de crises mundiais. Em janeiro deste ano um artigo de capa da The Economist explica How China Could Dominate Science. No mesmo mês uma nave Chinesa foi a primeira a aterrissar no lado escuro da lua. Dos 20 prédios mais altos do mundo 10 estão na China (11 se contar um em Taiwan). As companhias de tecnologia da informação da China já rivalizam as ocidentais, com o trio BAT (Baidu, Alibaba e Tencent) valendo atualmente acima de um trilhão de dólares.

Em novembro, de 2017 eu estive na China pela primeira vez, para uma conferência em Shenzhen. Nesta cidade, mais jovem do que Brasília, porém já com uma população de mais de 12 milhões de pessoas, eu quase me convenci de que Acemoglu e Robinson estavam errados. A cidade era imensa, moderna, agradável e bonita. Além disto, os anfitriões nos levaram para visitar o moderníssimo trem-bala que estavam prestes a inaugurar, ligando à cidade a Guangzhou em menos de 50 minutos (em vez de duas horas) Um país que tinha a capacidade de fazer cidades e infraestrutura assim certamente tornar-se-ia em pouco tempo um país desenvolvido.

Mas apesar de todo este deslumbre, havia alguma coisa errada. Demorou até que eu conseguisse perceber o que era, mas logo ficou claro: onde estão os pobres? Embora a China tenha bolsões de prosperidade, como Shenzhen, ainda é um país predominantemente pobre. O fato de não haver pobres em Shenzhen não era algo natural. Cidades de países pobres costumam ser feias e sujas exatamente por que os pobres migram para as cidades em busca de melhores oportunidades e serviços públicos. Se não havia mendigos ou favelas em Shenzhen não era por que eles não quisessem estar lá, mas por que lá há acesso limitado às cidades, algo que só pode ser mantido com mão de ferro. Da mesma forma, as ferrovias, hidroelétricas e prédios não deviam tanto à engenharia chinesa como à capacidade de construir sem ter que se preocupar com questões de direitos de propriedade, direitos humanos e maio ambiente.

Estas questões ilustram por que é tão difícil prever quem está vencendo o desafio. Por um lado, há diversas evidências de progresso, crescimento e prosperidade. Por outro, há desigualdade, exclusão e acesso limitado. Sempre é possível imaginar que um dos lados eventualmente irá prevalecer, extinguindo o outro. Talvez seja preciso primeiro crescer para depois redistribuir como afirmava Delfim Neto na década de 1970 e Ronald Reagan na de 1980 com trickle-down economics. Pode ser que democracia e direitos humanos sejam bens de luxo, cujo consumo só aumenta à medida que a renda suba suficientemente. Sob esta perspectiva, à medida que a população chinesa enriquecesse, surgiria uma grande classe média que demandaria voz, participação e rule-of-law.

Um artigo recente no The Economist nota que a mesma dúvida sobre a trajetória futura da China já existiu com relação à União Soviética. Nas décadas de 1950 e 1960 muitos observadores ocidentais, inclusive o eminente economista Paul Samuelson, achavam que a União Soviética estava mostrando uma forma superior de organizar a economia e que estava fadada a dominar o mundo. Assim como a China, a União Soviética atingiu maiores taxas de produtividade e de crescimento transferindo pessoas do campo para as cidades. Porém lá, este tipo de crescimento eventualmente se esgotou, e o efeito das instituições fechadas e extrativas foi exatamente o que as teorias institucionalista previam.

Seria a China diferente? Certamente há bastante diferenças. A China possui uma economia essencialmente capitalista e está integrada na economia global. Sabemos muito mais sobre a China hoje do que sabíamos sobre a União Soviética. Mas, e quanto às instituições políticas? Existe alguma evidência de alguma abertura política ou na direção de mais voz, inclusão e participação da população? Estes são os elementos chave na teoria do Acemoglu e Robinson, sem os quais, segundo eles, a China não poderia sustentar o crescimento recente.

Em um post não é possível considerar toda a evidência que seria necessário para resolver esta questão. Vejamos, no entanto, quatro fatos sobre a evolução recente das instituições políticas Chinesas, escolhidos, admitidamente, com um certo viés de confirmação. São todos elementos que refletem mudanças recentes nas instituições políticas Chinesas:

  1. Em Fevereiro de 2015 o Partido Comunista Chinês eliminou a regra que limitava o Presidente a um mandato único. Isto permitirá a Xi Jinping permanecer indefinidamente no poder. Como a China já era uma ditadura, pode não parecer uma mudança particularmente importante. Outras mudanças simultâneas, porém, sugerem uma centralização e endurecimento contrários à aparente abertura que muitos desejavam ver. Em outubro de 2017, a Constituição do Partido Comunista adicionou um novo princípio aos 23 já existentes. O novo princípio estabelece o conjunto de normas de comportamento e crenças conhecido por Xi Thought, como guia para o socialismo com características chinesas para a nova era. Já existe um instituto de Xi Jinping Thought com o objetivo de desaminar este conhecimento nas universidades e entre a juventude. Four legs good, two legs bad! Four legs good, two legs bad!
  2. Hoje o setor privado é responsável por 80% da produção industrial chinesa. Embora o Presidente Xi costume enaltecer este setor em seu discurso, tem havido uma clara tendência de aumento da interferência e usurpação do Estado em firmas privadas, muitas vezes para favorecer as grandes empresas estatais. Isto inclui desde interferência política nas decisões das firmas, pressão para incluir membros do Partido Comunista nas diretorias e até a compra forçada da empresa. O fenômeno é tão prevalecente que tem até um nome; guojin mintui, ou seja, ‘o Estado avança enquanto o setor privado se retraí’. Está certo que isto costuma acontecer em vários países. O Brasil, por exemplo, tem sua própria versão de guojin mintui tupiniquim. A questão de quão nocivo isto possa ser para a eficiência, investimento e inovação no longo prazo talvez dependa da existência de salvaguardas e freios e contrapesos que os empresários e investidores possuam para recorrer contra abusos e injustiças (Levy and Spiller, 1996). No Brasil existe um judiciário independente, uma imprensa livre, um ministério público atuante, uma sociedade civil organizada e participante, e eleições periódicas. Na China não há nada disso.
  3. O crescimento econômico chinês gera prosperidade e confortos, mas naturalmente tem os seus descontentes. O Partido Comunista permite protestos de massa, e eles existem em grande número. Não se tem números muito claros pois o Ministério da Segurança Pública parou de divulgar dados e vários pesquisadores e ONGs que tentam documentar os protestos costumam ser presos ou reprimidos. Em geral, os protestos permitidos são aqueles que não são percebidos como ameaça, em particular protestos que não tem alcance nacional. O Partido Comunista até encoraja protestos locais – muitas vezes relacionados à propriedade da terra, poluição ou escolas – como uma forma de controlar e monitorar políticos locais.
  4. A China construiu mais arranha-céus em 2018 do que qualquer outro lugar no mundo ou da história de acordo com o Council of Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH). São 88 prédios de mais de 200 metros. Isto pode parecer uma coisa boa. Existe porém uma maldição dos arranha-céus (skyscraper effect) segundo a qual a construção de arranha-céus em um país costuma levar a recessão. Esta regularidade empírica foi notada primeiro pelo economista Andrew Lawrence em 1999. Não se trata de superstição ou mandinga. O efeito atua através de distorções nos mercados de crédito, capital, terra e trabalho, além do gasto público, assim como a realização de Olimpíadas costuma deixar um contra-intuitivo legado negativo nos países hospedes.

Possivelmente, daqui a cinco ou dez anos iremos olhar para trás e estes quatro pontos terão sido pequenos percalços eventualmente superados por uma China próspera, dominante e democrática. Se este for o caso, Acemoglu e Robinson não terão sido refutados. As instituições políticas terão mudado e permitido que um crescimento de curto prazo se tornasse desenvolvimento de longo prazo. Se, porém, estes quatro indícios recrudescerem e forem seguidos de outros desenvolvimentos semelhantes, e isto provar ser um empecilho à transição chinesa, mantendo o país em uma armadilha da renda média (middle-income trap), eles não terão sido refutados. Façam as suas apostas.

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Bernardo Mueller é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor dos livros Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change (2016) e Institutional and Organizational Analysis: Concepts and Applications (2018).

A economia do Distrito Federal de acordo com o PIB

O Distrito Federal possui um perfil econômico diferente do resto do país, por ser capital federal, por ser unidade federativa e município ao mesmo tempo (Brasília). O reflexo na economia dessa condição institucional pode ser observado em diversas informações e estatísticas, entre elas o Produto Interno Bruto (PIB) da região. O texto abaixo tem por objetivo expor algumas características econômicas do Distrito Federal, a partir da análise da evolução de seu PIB – estimado, todos anos, pelo IBGE em parceria com a CODEPLAN.

A partir da comparação da evolução do PIB do Distrito Federal com o PIB brasileiro ao longo do tempo é possível identificar um padrão de comportamento da economia regional: o Distrito Federal se mostra menos reativo[1], tendo maior crescimento quando a economia nacional desacelera ou entra em recessão. Um dos resultados dessa maior estabilidade é que o PIB do DF, entre 2002 e 2016 teve uma variação acumulada maior, de 57,4% (média de 3,3% a.a.), frente a do país, de 40,6% (média de 2,5% a.a.).

Para compreender um pouco melhor esse menor dinamismo da economia distrital frente à nacional, pode-se decompor a variação anual do PIB do DF em grandes setores de atividade econômica. Para tanto, se utilizou o Valor Adicionado Bruto (VAB) dos setores e a análise gráfica permite inferir que há diferenças substanciais entre os grandes setores em termos de comportamento.

Em números, enquanto a série de variação percentual do VAB do setor de Serviços de 2003 a 2016 registrou um desvio-padrão relativo de 0,6, a da Indústria registrou 3,9, e a da Agropecuária, 6,7[2]. E, assim como no caso anterior, o PIB que apresentou maior estabilidade foi o que mais cresceu. Desta forma, o setor de Serviços acumulou, em 14 anos, variação de 57,6% no período, a Indústria, 25,3% e a Agropecuária, 15,9%.

Esse resultado aponta para o setor de Serviços como responsável pelo desempenho do Distrito Federal. Fato que é comprovado pela sua participação, de 94,9%, no VAB do DF. A análise gráfica faz um comparativo da composição dos grandes setores no VAB entre DF e Brasil, revelando as diferenças do perfil econômico do DF em relação ao perfil nacional.

Há uma pequena participação da Agropecuária, devido ao seu pequeno território, de forma que Brasília é abastecida em boa parte de seu consumo alimentício, por alguns municípios do entorno da região.

Já a participação da Administração Pública no DF, de 44,6%, advém de seu caráter de capital federal do Brasil, sendo sede do governo central, os ministérios e todos os organismos supremos da administração do Estado. Uma consequência de ser uma região construída para ser um centro provedor de serviços públicos é possuir uma economia de serviços que atua de forma direta ou indireta na complementaridade desses serviços. Este é um dos motivos pelo qual o setor continua a ser preponderante na economia, com 50,3% de participação, mesmo quando se exclui o VAB da Administração Pública.

Pode-se, por exemplo, observar que a participação dos segmentos privados do setor de Serviços ao longo do tempo cresceu 2,4pp em 2016 frente a 2010[3]. Os principais segmentos que auxiliaram o avanço do setor privado de Serviços foram atividades financeiras, de seguro e serviços relacionados, que aumentaram em 2,5pp sua participação na economia distrital, e o educação e saúde privadas, com incremento de 1,9pp, quase dobrando sua fatia.

No primeiro caso, uma explicação está na obrigatoriedade da consolidação de uma gama de operações bancárias ser feita na sede dos bancos, e, sendo DF a capital do país, alguns bancos federais são sediados em Brasília, inclusive o próprio Banco Central. No caso da Educação e saúde privadas, cabe a menção de que o segmento mostrou avanço ao longo de todos os anos, até mesmo no ano de 2015, quando o DF registrou a primeira variação em volume negativa desde que seu PIB é estimado. Isto é, o segmento mostrou uma variação em volume acumulada, entre 2010 e 2016, de 45,2%, enquanto o VAB de serviços do DF acumulou no mesmo período de sete anos crescimento de 10,3%.

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De outro lado, enquanto o setor de Serviços vem crescendo em importância na economia distrital, a Indústria apresentando contração. No DF, a Indústria se caracteriza por forte presença da Construção e por Indústrias de transformação de bens finais. Entre 2010 e 2016, a Indústria perdeu 2,9pp de participação no VAB do DF. Somente a Construção perdeu 2,0pp, sendo um dos principais fatores do encolhimento da Indústria no DF.

Por fim, uma análise que também se faz interessante é olhar para o PIB pela ótica da renda. Isto é, a análise do PIB que mostra como o valor adicionado é apropriado pelo fator trabalho (remunerações), pelo governo (impostos sobre a produção) ou se é transformado em excedente operacional das empresas.

No quadro comparativo com o PIB brasileiro, o que se percebe é que mais da metade do PIB do DF é apropriado por meio de remunerações, sendo que o excedente operacional bruto equivale a somente 30% do PIB distrital. Este é um reflexo direto do perfil econômico da capital, principalmente, da alta participação do setor público.

Diante das características únicas que o Distrito Federal possui quando comparado ao país, a outras unidades da federação ou municípios, faz-se importante para lançar luz sobre sua região e sua economia. Desta forma, há ainda muitos outros estudos estruturais e de acompanhamento da economia do Distrito Federal que foram e/ou serão realizados pela CODEPLAN.

Com o objetivo principal de reunir em apenas um sítio todas as informações e análises do Distrito Federal que a equipe da CODEPLAN produz e dissemina, a Companhia lançou o Blog de Conjuntura Econômica do DF. Assim, caso tenha interesse em saber mais sobre a economia do Distrito Federal, ou acompanhar seu desempenho econômico, acesse:

www.economia.codeplan.df.gov.br

ou

www.conjunturaeconomica.codeplan.df.gov.br

    1. O desvio-padrão relativo (coeficiente de variância) da série de variação percentual ano sobre ano do PIB Brasil foi de 3,3, enquanto para o PIB do DF o número é de 2.4.
    1. A agricultura local é desenvolvida em pequenas áreas, dada a dimensão territorial do Distrito Federal. Qualquer fator que atinja as áreas de cultivo, como efeito climático, infestação de pragas ou aplicação de novas tecnologias gera impactos de grande magnitude na produção agropecuária.
  1. Com a mudança de referência metodológica em 2015, a série de PIB com segmentos mais desagregados foi estimada de 2010 em diante. De 2010 a 2002, a série foi apenas retropolada, não sendo possível usar a série histórica para analisar algumas das desagregações do setor de serviços.
O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é 39445943484_fdb43a6c82_b-1024x683.jpgClarissa Jahns Schlabitz é bacharel em ciências econômicas pela UnB, mestre e doutora em economia pela UFRGS. Atua como Gerente de Contas e Estudos Setoriais da DIEPS/CODEPLAN desde 2017. Possui experiência com assessoria econômica,  análise econômica e de conjuntura setorial e regional.

O Preço da Energia: o descontrole do abuso de controle

A “Década Perdida[1]” deixou uma herança inflacionária no Brasil que persistiu de forma intensa até início da década de 90. Após esse período, a inflação brasileira passou a ser uma das grandes preocupações dos governantes e da população. A instituição do Real como moeda oficial do País, em julho de 1994, quebrou o ciclo da hiperinflação, recuperando a credibilidade da moeda brasileira e o poder de compra da população. Atualmente, a inflação está sob controle dentro do regime vigente de metas de inflação[2].

Superada a herança inflacionária, pouco se fala da inflação acumulada ao longo de décadas. Diante de nossa “memória inflacionária”, estamos aliviados com o atual comportamento dos preços. Entretanto, ao desagregar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA – IBGE), é possível inferir que, quanto mais essencial for o bem ou serviço e quanto mais protegido for o mercado, maior o acúmulo inflacionário ao longo das últimas duas décadas. Entre os itens essenciais de consumo, tanto para as famílias como para o setor produtivo, está a energia elétrica. Entre o período de agosto de 1999 a setembro de 2018, enquanto o IPCA acumulou um aumento de 230%, a inflação de energia elétrica residencial registrou 338% de inflação acumulada. Este post apresenta algumas explicações para o aumento expressivo do preço da energia elétrica e para as quebras estruturais da série do IPCA – Energia.

Inflação energia elétrica mensurada pelo IPCA – IPCA Energia (acumulada de agosto/1999 a setembro/2018)

Fonte: SIDRA – IBGE, Elaboração: própria.

A energia elétrica é comercializada em dois mercados distintos no Brasil: o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o Ambiente de Contratação Regulada (ACR). No ACL os preços são livremente negociados e definidos de acordo com a demanda de energia, mas para comprar energia neste mercado é necessário um consumo mínimo de 3000Kw por mês[3] (CCEE, 2018). Como consequência, 70% dos consumidores se enquadram dentro do ambiente regulado, no qual os preços são definidos em leilões e a tarifa é estipulada pela ANEEL. Com isso a energia é precificada antes de sua comercialização, fazendo com que os preços não reflitam a demanda relativa de energia no ato da compra. É importante ressaltar que o preço da energia elétrica não é a tarifa propriamente dita. A ANEEL tem grande influência na definição da tarifa de energia, principalmente na chamada parcela B[4]. O preço pago pelo consumidor é composto pela tarifa, pela quantidade consumida e tributos (ICMS, PIS, COFINS e CIP).

A rigidez dos preços e da oferta de energia associada a fatores que alteram a demanda, dificultam o equilíbrio neste mercado. O crescimento demográfico e o desenvolvimento econômico geram pressão de demanda, pois aumentam o consumo de energia que, no curto prazo, tem uma oferta relativamente fixa. A demanda por energia é considerada inelástica, ou seja, pouco sensível a variações de preço, o que diminui o impacto de um aumento de tarifa sobre o consumo. Adicionalmente, os contratos de comercialização são contratos de longo prazo com pouca margem de flexibilização caso haja um desequilíbrio entre oferta e demanda no curto prazo.

Durante o período de 2001 a 2004 o preço de energia acumulado no ano cresceu rapidamente a uma taxa anual média de 18% (IPCA – Energia). Desde o início dos anos 2000 o consumo de energia tem aumentado a uma taxa de 5% ao ano, mas a geração de energia não acompanhou essa expansão. O racionamento ocorrido em 2001 foi prova de que o sistema brasileiro de geração e distribuição de energia não suportava o crescimento da demanda (Walvis e Golçalves, 2014).

A partir de 2004, as distribuidoras foram obrigadas a comprar energia em leilões, numa tentativa de trazer previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica ao setor. As licitações adotam o modelo do tipo price cap, em que a modicidade tarifária é o critério para permitir a concessão. Os leilões permitem o ajuste de preços, mas para vencer as licitações as concessionárias têm incentivos a estipular um preço abaixo do preço real. As revisões tarifárias são feitas obrigatoriamente a cada 4 ou 5 anos, e há também a possibilidade de reajustes anuais[5] para rever custos não gerenciáveis, como períodos intensos de estiagem e revisões extraordinárias, para manutenção do equilíbrio econômico financeiro. De 2004 a 2012, os preços ficaram estáveis e cresceram em média 3% (acumulado no ano).

Na curva de preço de energia elétrica chama atenção a quebra estrutural em dezembro de 2012, consequência do congelamento de preços feito pelo governo federal com a Medida Provisória nº 579, cujo objetivo era reduzir em 20% a tarifa de energia. A medida intensificou a atuação da ANEEL no setor, prorrogando as concessões com a condição de que a remuneração das usinas fosse estabelecida pela agência, os riscos hidrológicos fossem assumidos pelas concessionárias, entre outras condições que trouxeram muita instabilidade ao setor. A falta de alinhamento entre tarifas e custos gerou diversas consequências, cujas principais foram: a estagnação da oferta do serviço, aumentos de subsídios, alta judicialização do setor e desequilíbrios entre oferta e demanda que geraram sucessivos aumentos de preços a partir de 2014.

A crise hídrica em 2013 e 2014 acarretou a necessidade de ativação de usinas termoelétricas, cujo custo de geração de energia é muito superior ao das hidroelétricas, para garantir o fornecimento de energia (Walvis e Golçalves, 2014). Entre janeiro de 2014 a janeiro de 2016 o preço da energia subiu 174 pontos percentuais. A partir de 2015 o regime de bandeiras tarifárias permitiu flexibilidade de preços (ANEEL, 2016), que, associado ao aumento do risco hidrológico, explica as oscilações da curva a partir desse ano. O aumento expressivo em janeiro de 2018 foi consequência do baixo nível dos reservatórios, que incitou um reajuste nas tarifas das bandeiras para custear as usinas térmicas.

Vale ressaltar que a inflação de energia elétrica não afeta “só” a conta de luz dos domicílios. Por ser um insumo básico, utilizado em cada etapa da cadeia produtiva, ela “contamina” o preço de diversos produtos em todos os setores da economia. A indústria e o comércio consomem cerca de 36% e 19%, respectivamente, da energia distribuída (EPE, 2017). O aumento do preço da energia tende a ser repassado ao bem ou serviço final, e quanto menos elástica for a demanda de determinado bem ou serviço, maior será o repasse do aumento do preço da energia.

Para que o setor elétrico se torne mais eficiente e para que esses ganhos de eficiência sejam repassados aos consumidores é preciso estimular alguma concorrência no setor, com a clareza de que se trata de um monopólio natural, e isso implica que uma ou poucas empresas são capazes de suprir toda a demanda de forma mais eficiente que uma concorrência. Uma medida que tende a aumentar a concorrência entre os ambientes livre (ACL) e regulado (ACR) é a flexibilização dos requisitos para compra no ACL, de forma que mais consumidores possam arbitrar entre comprar energia no ambiente livre ou no regulado.

Além disso, e levando em consideração que todo o sistema regulatório evoluiu muito nos últimos 15 anos, há que se pensar com racionalidade na privatização da Eletrobrás, que poderá se tornar mais um player deste jogo de geração-transmissão-distribuição de energia. A Eletrobrás disfruta de um mercado protegido que corresponde a um terço de toda geração de energia no País e metade da transmissão. A privatização desse gigante não só aumenta a concorrência nas licitações, o que tem impacto direto no preço da energia, como tende a melhorar a gestão da empresa, diminuindo a interferência política do Estado nas decisões da firma.

Dea Fioravante é economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), graduada pela PUC MG e mestre pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Foi docente da graduação da UCB e da pós-graduação do IBMEC, lecionando disciplinas de econometria, estatística, microeconomia e economia do setor público. Trabalhou como pesquisadora no IPEA Brasília, atuando nas áreas de econometria, microeconomia, organização industrial e infraestrutura. Atualmente trabalha como analista de comercio exterior.

REFERÊNCIAS:

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA, (ANEEL). “Bandeiras Tarifárias”, disponível em: http://www.aneel.gov.br/tarifas-consumidores/-/asset_publisher/e2INtBH4EC4e/content/bandeira-tarifaria/654800?inheritRedirect=false <acesso em 19/11/2018>

CÂMERA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA, (CCEE). “Info Mercado mensal”. Nº 132, junho de 2018.

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 579. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Mpv/579.htm < Acesso em 8/11/2018.

BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). “RESOLUÇÃO Nº 4.582, DE 29 DE JUNHO DE 2017”, disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/50402/Res_4582_v1_O.pdf

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). “Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2017”. Ministério de Minas e Energia, Brasília, 2017. Disponível em: http://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-160/topico-168/Anuario2017vf.pdf <Acesso em 22/11/18.

Walvis, A. e Golçalves, E. D. L. “Avaliação das reformas recentes no setor elétrico brasileiro e sua relação com o desenvolvimento do mercado livre de energia.” FGV CERI, 2014.

  1. A Década Perdida corresponde à década de 80, período no qual o País diminuiu bruscamente sua taxa de crescimento, passou por recessão e hiperinflação. Na ótica econômica, trata-se de um período perdido em termos de crescimento.
  2. A meta de inflação para este ano é de 4,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, segundo regulamentação do Banco Central do Brasil. O objetivo do banco é diminuir a meta gradualmente, de forma que em 2021 a meta seja de 3,75%.
  3. O consumo médio de uma família de 4 pessoas é cerca de 500 Kwh por mês.
  4. A tarifa é composta pelas parcelas A e B e fator X. A parcela A é calculada pela ANEEL e engloba custos pouco gerenciáveis pela concessionária. A parcela B que engloba os custos gerenciáveis pela distribuidora e o Fator X incorpora os ganhos de produtividade da concessionária.
  5. As Revisões Tarifárias Periódicas (RTP) definem um novo patamar das tarifas, para um horizonte temporal de 5 anos. O Reajuste Tarifário Anual (RTA) é feito para corrigir custos não planejados no último ano. A Revisão Tarifária Extraordinária (RTE) corrige problemas emergenciais imediatos em prol da viabilidade do contrato.

Cenário e perspectivas para o comércio de serviços no Brasil

Balanço de Pagamentos

O balanço de pagamentos (BP) de um país é o espelho contábil das transações entre seus residentes e não-residentes em um determinado período de tempo. Os resultados obtidos do BP possibilitam monitorar a magnitude e a direção do fluxo de recursos entre um determinado país e o restante do mundo (FEIJÓ et al., 2003).

Desconsiderando possíveis erros e omissões de mensuração, o BP pode ser dividido em três contas principais: (i) a conta capital; (ii) a conta financeira; e (iii) a conta corrente. Cada conta do BP é dividida entre receitas e despesas. As receitas são formadas pela soma de gastos de não-residentes no país do BP. Por outro lado, as despesas correspondem aos gastos dos residentes desse país no exterior.

O saldo de uma conta do BP consiste na subtração entre as suas receitas e despesas. Quando uma conta do BP apresenta saldo negativo, tem-se que a soma dos pagamentos vindos do exterior (por não-residentes) foi menor do que a soma dos pagamentos feitos para o exterior (por residentes). De maneira simplificada, no caso brasileiro, as receitas das contas do BP são mensuradas a partir do total de gastos no Brasil por estrangeiros; enquanto as despesas são representadas pelos gastos de brasileiros no exterior.

A mensuração do BP de cada país é padronizada conforme as regras dispostas no Manual de Balanço de Pagamentos e Investimento Internacional do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2009). O BP brasileiro, por sua vez, tem o seu equilíbrio/saldo regulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), sendo responsabilidade do Banco Central do Brasil (BCB) a compilação e publicação dos dados que o compõem[1].

Conta de serviços

A conta de serviços faz parte da conta corrente do BP. Para tal, compreende-se como “serviços” o conjunto das atividades que possam influenciar as condições de consumo ou comercialização de produtos ou ativos financeiros em um país (IMF, 2009). No caso brasileiro, esses serviços são divididos conforme as categorias listadas abaixo, na tabela 1.

Tabela 1 – Categorias, receitas, despesas e saldo da conta de serviços do BP brasileiro em 2017, em milhões de dólares.

Categorias Receitas Despesas Saldo
Aluguel de equipamentos $125,71 0,36% $16.963,68 24,83% -$16.837,97
Viagens $5.809,21 16,85% $19.001,63 27,81% -$13.192,42
Transportes $5.790,10 16,79% $10.765,30 15,76% -$4.975,20
Serviços de propriedade intelectual $642,16 1,86% $5.211,81 7,63% -$4.569,66
Telecomunicação, computação e informações $2.186,20 6,34% $3.859,36 5,65% -$1.673,16
Serviços governamentais $801,79 2,33% $2.035,92 2,98% -$1.234,13
Seguros $687,81 1,99% $1.358,43 1,99% -$670,61
Serviços culturais, pessoais e recreativos $313,08 0,91% $863,76 1,26% -$550,69
Serviços financeiros $679,07 1,97% $703,69 1,03% -$24,61
Serviços de manufatura sobre insumos físicos. $6,83 0,02% $1,65 0,00% $5,18
Construção $14,45 0,04% $1,44 0,00% $13,01
Serviços de manutenção e reparo $464,16 1,35% $206,38 0,30% $257,78
Outros serviços de negócio, inclusive arquitetura e engenharia $16.957,81 49,18% $7.355,76 10,77% $9.602,06
Total $34.478,39 100% $68.328,81 100% -$33.850,42

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a).

Observa-se que a conta de serviços brasileira de 2017 foi deficitária, registrando um montante de aproximadamente US$ -34 bilhões. De maneira simplificada, isso significa que o gasto com serviços por brasileiros no exterior superou o de estrangeiros no Brasil naquele ano. Portanto, podemos dizer que o país foi “importador de serviços” em 2017.

Atualmente, o Brasil é um dos maiores deficitários globais no setor de serviços (CNI, 2014; MDIC, 2018). As categorias da conta que mais contribuíram para esse déficit em 2017 foram as de aluguel de equipamentos, viagens, transportes e serviços de propriedade intelectual.

Contexto brasileiro

O histórico do BP brasileiro indica que o déficit da conta de serviços de 2017 não foi inédito na série de saldos do fluxo comercial dessa conta. Entre 1995 e 2004, o saldo em serviços se manteve em patamares próximos a US$ -5 bilhões. Nos 10 anos seguintes, registrou-se vertiginoso crescimento do déficit, aproximando-se de saldo de US$ -50 bilhões em 2014, conforme se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – Série histórica do saldo da conta de serviços do Brasil, por principais categorias, em milhões de dólares (2004-2017).

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a).

Entre 2005 e 2014, a categoria de viagens internacionais registrou o maior aumento na participação sobre o déficit de serviços no Brasil. Outra categoria que reforçou a negatividade da conta foi a de aluguel de equipamentos que, associada à dependência do setor de gás e petróleo de tecnologias estrangeiras, contabilizou déficits crescentes a partir de 2008 (CNI, 2014).

Cuiabano et al. (2013) estudaram a relevância das variações no câmbio e na renda para explicar o saldo decrescente da categoria “viagens” na conta de serviços brasileira até 2011. Conforme os autores, menores taxas de câmbio reais (fortalecimento da moeda nacional) tendem a reduzir o saldo da conta de serviços. Isso porque a valorização do real torna o gasto por brasileiros no exterior relativamente mais barato, o que incentiva a importação de serviços de outros países por parte do residente no Brasil. Ao mesmo tempo, o gasto em moeda estrangeira no Brasil se torna relativamente mais caro, um desincentivo às receitas da conta de serviços do país.

No que tange a variações na renda, aumentos da produção de um país tendem a incrementar gastos de seus residentes no exterior. Cuiabano et al. (2013) verificaram que a correlação entre acréscimos na renda doméstica e maiores déficits em viagens internacionais apresenta maior sensibilidade do que a de reduções na taxa de câmbio com o saldo dessa conta. Nesse sentido, espera-se que variações na renda possuam maior relação com mudanças no saldo da conta de serviços brasileira do que variações no câmbio; em módulo, a elasticidade-renda da demanda por serviços no Brasil é maior que a elasticidade-preço (câmbio).

Entre 2013 e 2016, a economia brasileira sofreu instabilidades que refletiram negativamente sobre a produção interna e a moeda nacional (recessão e desvalorização do real). Não obstante, o déficit da conta de serviços do país em 2016 foi aproximadamente um terço menor do que o déficit de 2013, reduzindo-se de patamares próximos a US$ -50 bilhões para cerca de US$ -30 bilhões.

Gráfico 2 – Saldo da conta de serviços, em milhões de US$, e variação do PIB brasileiros, em percentuais, entre 2009 e 2017.

Fonte: elaboração própria a partir de BCB (2018a) e IBGE (2018).

Do gráfico acima, também se verifica que a melhora dos indicadores de produção econômica em 2017 foi acompanhada de reversão da trajetória da curva do saldo da conta de serviços brasileira; com valor mais deficitário em relação ao ano de 2016.

No acumulado dos nove primeiros meses de 2017, registrou-se saldo de US$ -24.347 milhões na conta de serviços brasileira. No mesmo intervalo de 2018, o saldo da conta foi 1,9% menor, acumulando déficit de US$ -24.814 (BCB, 2018a). Como esperado, essa redução do saldo de serviços (aumento do déficit), acompanha expectativa de melhora dos indicadores de produção econômica: o acumulado do IBC-Br[2] registrou crescimento de 1,14% entre janeiro e setembro de 2018[3].

Perspectivas

Em setembro de 2017 foi criado o Grupo Técnico de Serviços (GT Serviços). Esse Grupo, alocado na Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (SE/Camex), busca promover a competitividade dos serviços brasileiros no exterior com o debate de políticas públicas para atender esse propósito (MDIC, 2018).

Nos últimos meses, a SE/Camex promoveu consulta pública para avaliação de proposta de Plano de Trabalho 2019/20 do GT Serviços. O plano compila uma série de medidas para desburocratizar o comércio de serviços no Brasil, com maior ênfase em simplificações tributárias a setores com alcance internacional[4]. Essa linha de atuação foi desenhada para reduzir as barreiras à participação brasileira no comércio de serviços, que são, hoje, de caráter essencialmente regulatório (PEREIRA, 2016).

Nesse sentido, segundo a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem espaço para promover maior produtividade na prestação e no comércio de serviços, podendo, para tal, utilizar-se das recentes inovações tecnológicas em informação e em comunicação (OECD, 2017). A melhora do país no ranking do relatório Doing Business 2019, do Banco Mundial, relata que alcançamos melhorias necessárias, mas ainda insuficientes, para destravar o setor (e o comércio) de serviços no país (WB, 2018).

Diante da conjuntura das contas públicas e da possível reforma administrativa à qual o Ministério da Indústria, Serviços e Comércio Exterior (MDIC) está sujeito nos próximos meses, cabe acompanhar se permanecerão a estrutura, as diretrizes e a continuidade dos trabalhos do GT Serviços. No caso de continuidade da política de promoção da competitividade, o maior desafio do Grupo será superar os entraves institucionais que limitam o fluxo comercial de serviços pelo país.

Segundo as últimas publicações do Relatório de Mercado Focus, espera-se relativa estabilidade das taxas de câmbio e crescimento do PIB, em aproximadamente 2,5% a.a., até 2020 (BCB, 2018b). Como vimos, nessas condições e considerando elevada elasticidade-renda da demanda por serviços no Brasil, a tendência é que a retomada do crescimento amplie o déficit na conta de serviços brasileira (CNI, 2014). Portanto, tudo o mais constante, uma maior participação do país como importador de serviços é garantida.

Luis Guilherme A. Batista é professor voluntário na Universidade de Brasília (UnB), bolsista da Capes, mestrando em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Gestão Pública pela AVM, e bacharel em Ciências Econômicas pela UnB. Foi Coordenador de Projetos e Gestão de Indicadores do Ministério da Cultura, e Assistente no Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Atua nas áreas de defesa comercial e da concorrência.

Referências

Banco Central do Brasil [BCB]. (2018a). Série histórica do Balanço de Pagamentos – 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM6). Visualizado em 05 de novembro de 2018. Disponível em https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/Seriehist_bpm6.asp.

BCB. (2018b). Focus – Relatório de Mercado. Visualizado em 14 de novembro de 2018. Disponível em https://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/readout.asp.

Confederação Nacional da Indústria [CNI]. (2014). Serviços e Competitividade no Brasil, Brasília: CNI.

Cuiabano, S. M.; Bertussi, G. L.; Vasconcelos, E. B. X.; Machado, D. L. (2013). Saldo da Conta de Viagens Internacionais no Brasil: a Contribuição da Taxa de Câmbio Real Efetiva e da Renda. Revista Tempo do Mundo, v. 5, n. 1, pp. 89-108.

Feijó, C. A.; Ramos, R. L. O. [org.]. (2003). Contabilidade Social: a Nova Referência das Contas Nacionais do Brasil, Rio de Janeiro: Elsevier, 3ª edição.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2018). PIB avança 1,0% em 2017 e fecha ano em R$ 6,6 trilhões. Visualizado em 13 de novembro de 2018. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20166-pib-avanca-1-0-em-2017-e-fecha-ano-em-r-6-6-trilhoes.

International Monetary Fund [IMF]. (2009). Balance of Payments and International Investment Position Manual, sixth edition, Washington, D.C., USA.

Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços [MDIC]. (2018). Serviços. Visualizado em 04 de novembro de 2018. Disponível em http://www.camex.gov.br/servicos.

Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD]. (2017). OECD Services Trade Restrictiveness Index (STRI): Brazil. Visualizado em 16 de novembro de 2018. Disponível em http://www.oecd.org/tad/services-trade/STRI_BRA.pdf.

Pereira, L. B. V. Além das barreiras ao comércio de mercadorias: os serviços. (2016). Conjuntura Econômica, v. 70, n. 5., pp. 62-65.

World Bank Group [WB]. (2018). Doing Business in Brazil. Visualizado em 16 de novembro de 2018. Disponível em http://www.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/brazil.

  1. Cf. Lei 4.595/64.
  2. Como o PIB referente ao 3º trimestre de 2018 não havia sido disponibilizado até a redação deste texto, o autor se baseou no Índice de Atividade Econômica do Banco Central, IBC-Br, indicador que é comumente utilizado como uma prévia do PIB.
  3. Cf. noticiado pelo O Estado de São Paulo em 16/11/2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,previa-do-pib-tem-recuo-de-0-09-em-setembro-ante-agosto-aponta-bc,70002610124.
  4. A proposta de Plano de Trabalho está disponível no sítio eletrônico da Consulta Pública SE/Camex 02/2018: http://camex.gov.br/noticias-da-camex/2097-consulta-publica-se-camex-n-02-gt-servicos.

Comércio exterior de serviços e balança de pagamentos no Brasil

A figura 1 mostra o comércio de serviços no Brasil desde 1976. O saldo do comércio de serviços foi sistematicamente negativo no período e observam-se dois movimentos de mudança de patamar do déficit: um a partir do final dos anos 1980 e um segundo, mais intenso, a partir de 2004. Em ambos os casos, o aumento do déficit se explica majoritariamente pelo crescimento das importações, o que deu origem a uma espécie de “boca de jacaré”. Em 2014, o déficit chegou a nada menos que US$ 48 bilhões. Ao que parece, teria havido mudança estrutural no comércio de serviços.

De fato, a elasticidade do crescimento das importações de serviços com relação ao crescimento do PIB é de 2,28 para o período completo. Já a elasticidade do crescimento das exportações é de 1,11. Teste de mudança estrutural sugere quebra da série em 2004. Recalculamos as elasticidades para antes e depois daquele ano e encontramos 1,37 e 4,28, e 0,13 e 3,38, respectivamente, para importações e exportações.

Esses números sugerem, primeiro, que as importações de serviços são mais sensíveis à atividade econômica que as exportações; segundo, que, embora ambas as variáveis tenham se tornado substancialmente mais sensíveis à economia a partir de 2004, o coeficiente de importações é significativamente maior que o de exportações; e, terceiro, caso a economia volte a crescer à taxas similares à do produto potencial, que é da ordem de 2,5%, então, tudo o mais constante, observaremos considerável elevação do déficit da conta de serviços.[1]

A figura 2 mostra o saldo comercial total e, separadamente, os saldos comerciais das contas de bens e de serviços. Observa-se que a conta de serviços exerce elevada e crescente influência no saldo comercial total. Embora a corrente de comércio de serviços seja de apenas 1/5 da corrente de comércio de bens, o déficit da conta de serviços praticamente determina o saldo comercial total.

A figura 3 mostra decomposição do saldo comercial total em seus componentes —  os saldos comerciais de bens e de serviços. Conforme sugerido acima, os saldos comerciais no Brasil são “pautados” pelo desempenho da conta de comércio de serviços. Assim, anos com saldos comerciais totais mais modestos ou até negativos são anos com relativamente elevados déficits comerciais da conta de serviços, e vice-versa.

Déficit na conta de serviços não é, necessariamente, um problema. Afinal, pode-se estar importando insumos que elevam a competitividade e a produtividade. Porém, ainda assim, preocupações emergem quando a conta de serviços segue trajetória sistemática de crescimento do déficit, o que pode dar origem à um constrangimento estrutural das contas externas que, eventualmente, pode vir a se tornar um “freio” ao próprio crescimento econômico. Este poderá ser o caso do Brasil.

De fato, para além de elasticidades e de patamar de déficit comercial já elevado, há razões para se esperar aceleração do déficit da conta de serviços ao longo dos próximos anos e, dentre elas, estão as que seguem:

  1. Os serviços estão se tornando tradable e muitos serviços que tradicionalmente são providos localmente por empresas nacionais ou estrangeiras estão, e cada vez mais, sendo providos a partir de terceiros países. Ali incluem-se serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos mas, também, serviços de custos. Essa mudança já está reescrevendo a geografia dos investimentos e do comércio do setor de serviços;
  2. Liderados pelos Estados Unidos, países ricos com fortes interesses ofensivos em serviços estão fazendo intensa pressão para a liberalização dos mercados de serviços e para a convergência técnica e regulatória do setor, que é, na prática, o fator mais determinante do comércio do setor ;
  3. Os preços relativos dos serviços, incluindo os com demanda mais inelástica, seguem trajetória de forte crescimento com relação a preços de manufaturas e de commodities, aumentando a parcela dos produtores, gestores e distribuidores de serviços no valor agregado, em detrimento dos compradores de serviços. A mudança de preços relativos se deve à fatores como concentração de mercados e imposição de padrões técnicos privados em serviços, que fomentam e garantem a formação de “quase-monopólios”;
  4. Devido à mudanças tecnológicas de produção e de gestão da produção, a parcela dos serviços, incluindo os digitais, na formação do valor adicionado de bens, commodities e outros serviços já é elevada, mas seguirá aumentando, beneficiando os produtores, distribuidores e gestores de serviços (pense na smile curve de cadeias globais de valor);
  5. O consumo B2C e B2B de serviços, incluindo os digitais, que já é elevado, deverá aumentar ainda mais ao longo dos próximos anos;
  6. O efeito-rede e o efeito-plataforma conferem enormes poderes para os desenvolvedores e gestores de plataformas e têm criado espaço para práticas discriminatórias que distorcem os mercados.

A ausência, no país, de políticas industriais, políticas de financiamento, políticas de investimentos e políticas de comércio exterior para o setor de serviços deverá aumentar a dependência de serviços importados e a fragilidade das contas externas. Assim, tudo o mais constante, o país terá que fazer enorme esforço exportador de bens e commodities para mitigar os crescentes déficits comerciais de serviços.

O tema é, certamente, complexo e, infelizmente, poucas pessoas se interessam pelo assunto. Mas o tempo não para e já passou da hora de colocarmos o setor de serviços nas agendas das políticas pública e privada.

  1. A mudança na trajetória das importações e das exportações de serviços a partir de 2014 se explica, ao menos em parte, pela recessão e pelo envolvimento de grandes empresas de engenharia brasileiras em problemas de governança, o que afetou consideravelmente as exportações de projetos e de outros serviços de engenharia.

Serviços, emprego e produto

A figura 1 mostra a taxa instantânea de crescimento anual do emprego setorial no período 1990-2011. Com 1,36%, os serviços são a principal fonte de geração de empregos no Brasil. A manufatura, que vem logo depois, tem taxa quase duas vezes menor, de 0,71%. Com isto, o setor de serviços tende a ter participação cada vez mais predominante no estoque de emprego. Em 2016, o setor já respondia por mais de três quartos do emprego total, nível comparável apenas ao de países avançados.

Quais são as razões de tamanho “sucesso”? São várias, mas a principal é a elevadíssima elasticidade-emprego do produto, qual seja, a sensibilidade do emprego setorial com relação à variação da atividade econômica do setor.

A figura 2 mostra as elasticidades setoriais. O aumento de 1% do produto no setor de serviços implica num aumento de 1,12% no emprego. Na manufatura, essa taxa é de 0,54%. Tudo o mais constante, o crescimento econômico leva a um aumento desproporcionalmente elevado do emprego nos serviços, enquanto que nos demais setores a variação do emprego é desproporcionalmente baixa – na agricultura, a variação chega a ser negativa, o que, obviamente, está associado à forte adoção de tecnologia. A consequência é que o setor de serviços está se tornando largamente predominante no mercado de trabalho, para o bem e para o mal.

O que explica o diferencial de elasticidades setoriais? São muitas as causas, mas a principal são as características das empresas. Diferentemente dos demais setores, micro  empresas, empresas de baixa relação de capital por trabalhador e de baixa adoção tecnológica e empresas de baixa e baixíssima produtividade (Arbache 2015) predominam no setor de serviços

Se, por um lado, o setor de serviços cumpre a bem-vinda tarefa social de criar muitos postos de trabalho, por outro lado, esse benefício vem com custos não negligenciáveis, já que muitos desses empregos são bastante vulneráveis. Ali, assim como empregos são criados aos montes, eles também são destruídos aos montes. E isto acontece sobretudo porque as próprias empresas de serviços são relativamente mais vulneráveis ao ciclo econômico do que as empresas dos outros setores.

De fato, a maior parte dos empregos criados no período de rápida queda do desemprego (2005-2013) teve origem no setor de serviços. Mas a maior fonte de desemprego no período de recessão (2014-presente) também teve origem nos serviços. Para detalhes, veja o Boletim de Serviços deste blog.

Para além da baixa qualidade do emprego, a baixa produtividade do setor também preocupa em razão dos seus efeitos no nível e nas perspectivas de aumentos salariais – se a produtividade não cresce, não há porque esperar aumentos salariais reais dos trabalhadores do setor.

Na medida que os serviços já são o maior componente da cesta de consumo das famílias e das matrizes de custos de produção das empresas industriais (Arbache 2016; Arbache, Rouzet e Spinelli 2016), então este imenso setor de baixa produtividade “intoxica” a economia e compromete o custo de vida, o bem-estar das famílias e a competitividade das empresas.

O eventual (e necessário) aumento da eficiência e da produtividade do setor de serviços terá, provavelmente, efeitos negativos de curto prazo na geração de empregos. A commoditização digital também deverá contribuir para reduzir a elasticidade emprego do produto no setor. No médio prazo, porém, é provável que os efeitos da maior eficiência e produtividade do setor de serviços sejam desproporcionalmente positivos para a economia, especialmente em razão dos seus impactos na competitividade e no bem-estar.

 

Nota técnica: estimações do autor. Dados do Groningen Growth and Development Center. Foram excluídos dos cálculos os serviços governamentais, construção civil e utilidades públicas.

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