A armadilha da renda média é um fenômeno que foi cunhado na literatura econômica em meados da década de 2000. Inicialmente, o termo foi utilizado para definir o processo comumente observado de diminuição do crescimento de uma economia quando esta se desloca da renda baixa para a média. Nesse processo, os fatores que geralmente impulsionam o crescimento – mão-de-obra barata, catch-up tecnológico e realocação estrutural da agricultura para a manufatura – perdem momentum, ao longo do desenvolvimento econômico, forçando o país a estabelecer novas fontes de crescimento quando a economia atinge a renda média.

Desde que fora sugerido, o termo ganhou tração no mundo acadêmico e na imprensa internacional, porém sem haver consenso sobre sua validade. O apelo e a controvérsia desse fenômeno devem-se à ausência de uma teoria que satisfatoriamente aponte políticas de desenvolvimento para economias de renda média. As teorias de crescimento endógeno são adequadas apenas para países de renda alta – que somam um bilhão de pessoas – e o modelo de Solow ainda é a base para entender o problema do crescimento nos países de baixa renda – também com um bilhão de pessoas. Nenhuma dessas teorias é satisfatória, entretanto, para os cinco bilhões remanescentes, que vivem em economias de renda média. Ironicamente, como os próprios precursores do termo afirmam, a real armadilha do tema seria a ignorância sobre a natureza do crescimento econômico na maior parte do globo.

Pensar a armadilha da renda média sob a ótica do espaço-indústria pode lançar luz sobre a questão.

A variável de interesse do espaço-indústria é a densidade industrial, ou seja, o valor adicionado da indústria per capita. Essa variável captura a capacidade de uma sociedade de investir em capital físico e humano, garantir as necessidades de infraestrutura e P&D, reformar instituições e gerenciar esses recursos para fomentar o desenvolvimento industrial, espelhando, enfim, o nível de desenvolvimento de uma economia.

Os países iniciam suas jornadas de desenvolvimento industrial na região R1 da Figura 1, abaixo. Nessa região, a economia ainda é essencialmente rural, com baixas taxas de urbanização e alta participação da agricultura no PIB. À medida que o fenômeno de urbanização ocorre, cresce a demanda por produtos industriais básicos. A região R2 caracteriza, portanto, a fase de desenvolvimento em que a indústria de base, manufaturas de baixo valor adicionado e serviços tradicionais substituem a agricultura como principal vetor de produção da economia.

Ocorre que a expansão das indústrias básicas e leves é ditada por retornos decrescentes provenientes do processo de crescimento baseado em acumulação de capital. Ao mesmo tempo em que esse processo possibilita a transformação da economia de renda baixa para a média, sua contribuição marginal para o PIB esvai-se ao longo do processo de expansão industrial. Atinge-se um ponto de inflexão no espaço-indústria no qual o simples aumento da parcela da indústria no PIB não é capaz de ampliar a densidade industrial. Nesse momento, é comum registrar economias que começam processo de desindustrialização.

Para seguir se desenvolvendo, o país deve diversificar-se em favor de bens e serviços mais sofisticados. Ao invés de majoritariamente transformar insumos, a indústria deve passar a demandar serviços logísticos, financeiros, projetos de engenharia, marketing, e diversas outras atividades de apoio. A armadilha da renda média recai justamente na dificuldade em alterar a função da indústria na economia, que deverá se transformar não só no principal conector entre os setores econômicos, mas também em catalizador de serviços de alto valor adicionado.

Se a economia obtiver sucesso ao produzir essa nova dinâmica do desenvolvimento industrial, a armadilha da renda média será superada, alcançando-se as regiões R3-R4. Nesse momento, a indústria ainda desempenha função central na economia, mas o setor deixa de ser o principal gerador direto de valor adicionado, dando lugar aos serviços profissionais e comerciais. É comum haver redução da participação relativa da indústria no PIB, apesar do rápido crescimento da densidade industrial. Consolida-se uma relação simbiótica entre indústria e serviços, típica de modelos de crescimento endógeno, gerando bens que não seriam propriamente categorizados em nenhum desses setores.

Como mostra a Figura 2, Brasil, China e Estados Unidos são casos representativos das regiões de desenvolvimento industrial mencionadas acima. Nos últimos anos (2000-2014), nossa economia não superou a armadilha da renda média e está retornando da R2 para a R1. A indústria brasileira não conseguiu abraçar a função de catalizadora de serviços complexos no seu processo de desindustrialização, minando o crescimento da densidade industrial. Resta-nos imaginar maneiras de realizar um leapfrogging em uma próxima janela de oportunidade.

A potência asiática, situada na R2, aumentou a importância dos serviços profissionais e comerciais na sua economia, com ligeira desindustrialização, o que permitiu aumento vertiginoso da densidade. Entretanto, a China ainda terá de superar muitos desafios para completar seu processo de desenvolvimento. Os Estados Unidos seguem na R4 e são o melhor exemplo da relação simbiótica entre indústria e serviços, liderados por suas superestrelas. O país possui as sete empresas mais valiosas do mundo, sendo cinco delas pertencentes ao setor tecnológico: Apple, Google, Microsoft, Facebook e Amazon.

O desafio do desenvolvimento para economias de renda média não é trivial. Faltam a nós, economistas, ferramentas para compreender melhor a natureza do crescimento econômico nesse estágio de desenvolvimento. Refletir esse fenômeno sob a ótica do espaço-indústria não representará uma panaceia, mas poderá esclarecer alguns pontos que escapam à vista e, quem sabe, impedir que essa armadilha seja fatal.