Economia de Serviços

um espaço para debate

Month: agosto 2017

De onde virão os empregos?

Uma das perguntas mais relevantes deste início de século XXI é: de onde virão os empregos?

A pergunta é mais que pertinente em razão da commoditização digital, que está fazendo com que bens de capital e tecnologias super-sofisticados, como robôs e impressoras 3D, inteligência artificial, internet das coisas, computadores e softwares avançados e até aplicativos disponíveis na Internet experimentem queda de preço e popularização jamais registrados.

Mudanças nos modelos de negócios dos produtores e desenvolvedores desses bens de produção tangíveis e intangíveis, que passaram a mirar o efeito-rede e o efeito-plataforma, e crescimento dos serviços na composição do valor agregado, estão entre as causas primárias daquela popularização. A tendência é que a commoditização digital siga avançando a passos ainda mais largos ao longo dos próximos anos.

Essa mudança é transformadora para o emprego por várias perspectivas. Neste post, tratamos de uma delas: o desenvolvimento econômico.

Um dos atrativos dos países em desenvolvimento para investidores é o custo relativamente baixo da força de trabalho. No entanto, a combinação de commoditização digital com mudanças nas preferências dos consumidores, que exigem cada vez mais bens e serviços customizados e de fornecimento (quase) instantâneo, entre outros fatores, estão desafiando a capacidade daqueles países de competir por investimentos estrangeiros, mesmo que para produzir bens relativamente simples, como têxteis e calçados.

Considere o caso das camisetas esportivas. A Adidas passará a produzir nada menos que 800 mil camisetas por dia numa nova planta industrial a partir do emprego de robôs, impressoras 3D e computadores. Vinte e dois segundos será o tempo de produção de cada camiseta. Detalhe: a planta fabril será em Little Rock, Arkansas. Com a automação, o custo da força de trabalho por camiseta será de 33 centavos de dólar (trinta e três!). Serão criados um total de 400 empregos naquela que será a maior planta de camisetas esportivas do mundo.

A produção de outros itens simples também está voltando para “casa”. A Adidas decidiu iniciar produção de calçados esportivos na cidade bávara de Ansbach e em Atlanta a partir da instalação de fábricas também supersofisticadas e automatizadas. A Nike não está atrás e também já decidiu produzir calçados esportivos nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos onde estão os seus principais mercados.

Hoje, fábricas da Adidas, Nike, Zara e outras tantas marcas globais estão concentradas em países como Vietnam, Tailândia, Laos, Indonésia, El Salvador e outros países em desenvolvimento. A produção responde por parcela importante do emprego formal, receitas tributárias e exportações daqueles países. Em El Salvador, por exemplo, os têxteis representam nada menos que 45% do total das exportações.

Mas é muito provável que esse cenário se altere significativamente nos próximos anos.

De fato, estamos presenciando uma profunda transformação da geografia da produção que terá efeitos sem precedentes para os países em desenvolvimento. Força de trabalho e mesmo incentivos fiscais e subsídios muitas vezes oferecidos para atrair investidores estão perdendo relevância em favor de novas tecnologias de produção e de gestão da produção e proximidade dos mercados consumidores. De outra forma, fatores de custo estão definitivamente perdendo espaço para tecnologias.

De onde, então, virão os empregos? Virão, majoritariamente, do desenvolvimento, distribuição e gerenciamento de plataformas digitais, inovações, tecnologias, design, marcas e outros fatores intangíveis e da gestão de cadeias de valor. Milhões de empregos já estão sendo criados nessas áreas em países como Estados Unidos e Alemanha e até na China, que entendeu a transformação em curso e nela se engajou de corpo e alma. Não é propriamente no chão de fábrica, mas no “entorno” dela que estará a criação de empregos.

E os países em desenvolvimento? É muito provável que eles se defrontem com desafios jamais vistos para criar empregos. Agendas de custos baixos já não serão suficientes. Capital humano, ambiente de negócios, fomento ao empreendedorismo e maior acesso a commodities digitais serão parte da solução, mas também não serão suficientes.

A esta altura, soluções muito mais complexas e sofisticadas terão que ser exploradas, como a industrialização das vantagens comparativas, e políticas que promovam leapfrogging. Isto exigirá enorme capacidade de elaboração e implementação de políticas.

Revolução digital e serviços de transporte

O setor de serviços passou por transformações importantes nas últimas décadas. Mais especificamente no setor de transportes, as mudanças foram também significativas em termos de crescimento e desenvolvimento. Em virtude da revolução digital e da universalização da Internet e de smartphones, os serviços de transporte estão se transformando estruturalmente, com papel cada vez mais relevante da economia compartilhada e do uso de plataformas digitais para promover o encontro entre a oferta e a demanda nos diversos mercados de transporte de cargas e passageiros.

O Brasil é altamente dependente do transporte rodoviário, que movimenta mais de 60% das cargas no país. Os custos de transporte no país são elevados e afetam de maneira mais intensa indústrias mais dependentes de logística, como a metalúrgica, de alimentos, bebidas e outras intensivas em recursos naturais em geral (Arbache, 2014). Os serviços de transporte de passageiros também são relevantes na cesta de consumo das famílias brasileiras, que gastam em média cerca de 15% de sua renda com transporte urbano (Carvalho e Pereira, 2012). Os dados da PNAD mostram que, em quase todas as regiões metropolitanas (RM) do Brasil, houve aumento no tempo médio de deslocamento casa-trabalho entre 2011 e 2015 e que parcela considerável da população gasta mais de uma hora para ir ao trabalho (Tabela 1). Outros trabalhos revelam que as pessoas de menor renda são as que gastam mais tempo nesse deslocamento diário, independentemente do meio de transporte utilizado.

Tabela 1 – Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho nas RMs brasileiras e parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora no descolamento.

RM Tempo médio gasto no deslocamento casa-trabalho (em minutos) Parcela dos indivíduos que gastam em média mais de uma hora até o trabalho (%)
2011 2012 2013 2014 2015 2011 2012 2013 2014 2015
São Paulo 45 46 46 46 44 23% 24% 25% 26% 24%
Rio de Janeiro 44 47 49 50 48 22% 27% 29% 29% 26%
Belo Horizonte 37 37 37 36 36 16% 16% 16% 15% 15%
Porto Alegre 30 30 31 32 32 8% 8% 8% 10% 11%
Recife 37 38 40 41 39 12% 16% 17% 18% 16%
Fortaleza 32 32 32 33 34 10% 10% 10% 12% 12%
Salvador 38 40 39 39 38 16% 19% 19% 16% 15%
Curitiba 33 32 33 33 33 12% 11% 12% 11% 10%
Distrito Federal 34 35 38 38 40 10% 11% 16% 16% 18%
Belém 32 33 36 37 33 10% 11% 16% 13% 10%
Fonte: Microdados PNAD 2011,2012,2013,2014,2015.
Elaboração própria com metodologia adaptada de Pereira e Schwanen (2013).

 

Os principais desafios enfrentados pelos formuladores da política de transportes estão relacionados a questões demográficas, socioeconômicas, tecnológicas, ambientais e financeiras. O desenvolvimento tecnológico traz consigo um desafio resultante do aumento da complexidade em planejar, gerir e regulamentar os sistemas de transporte. Por isso, as novidades tecnológicas não devem ser ignoradas nas discussões políticas sobre mobilidade urbana e matriz de cargas, pois trazem benefícios não desprezíveis para a população.

Novas empresas estão crescendo significativamente nesses mercados e mudando a maneira tradicional de funcionamento dos mesmos. Por exemplo, nos EUA está ocorrendo substituição de linhas de ônibus pelo serviço do Uber, inclusive com subsídio público, e a empresa quer lançar uma versão aérea de seu serviço de transporte individual, com carros voadores, que estão sendo desenvolvidos em parceria com a Embraer e devem estar operando a partir de 2026.

Os caminhões autônomos e carros autônomos também são uma realidade. Em outubro de 2016 um caminhão autônomo da Uber percorreu mais de 190 quilômetros em uma rodovia dos EUA para fazer entrega de cervejas. Também no final de 2016, a Amazon, depois de quase 3 anos desde o primeiro anúncio, fez sua primeira entrega via drone em Cambridge, no Reino Unido, e, recentemente, entrou com um registro de uma patente diferente: uma torre cilíndrica composta por drones, como se fosse uma colmeia. Com isso, a empresa promete agilizar ainda mais o processo de entregas.

As mudanças que estão em curso no mercado de transportes de cargas e passageiros são consequências da nova globalização e da revolução digital, que compreendem não só o intercâmbio de bens, serviços e capital entre países, mas também o fluxo intenso de dados e serviços digitais. As plataformas digitais também são ricas fontes de informação para a tomada de decisão. Atualmente, algumas plataformas geram dados riquíssimos para subsidiar estudos que busquem identificar padrões de deslocamentos de pessoas e cargas em um determinado espaço geográfico. Por exemplo, a Uber lançou recentemente, por enquanto apenas para algumas cidades, o Uber Movement, sistema que fornece informações históricas detalhadas de milhões de viagens realizadas diariamente pelos usuários que permitem medir o impacto de melhorias nas estradas, grandes eventos e novas linhas de trânsito.

Contudo, a proliferação dos serviços digitais de transporte está provocando reações negativas de governos e grupos de interesses de alguns países, com a proibição do funcionamento de alguns serviços e conflitos trabalhistas. O Uber, por exemplo, enfrentou proibições na Índia, Espanha, Bélgica, Holanda, Tailândia e em outros lugares. Além disso, recentemente, o Tribunal do Reino Unido reconheceu a existência de vínculo trabalhista entre os motoristas e a Uber, implicando em efeitos tributários que encareceram o serviço. No Brasil, algumas decisões estão sendo tomadas por tribunais regionais tanto a favor quanto contra os motoristas, e essa discussão ainda está em aberto. A legislação nacional é pouco clara sobre essa espécie de relação de trabalho, dando margem para interpretação de juízes. Além disso, há projetos de lei em tramitação no Congresso que têm por objetivo proibir o serviço no país, e Estados e Municípios também enfrentam pressões de alguns grupos organizados da sociedade.

A inserção rápida e global de plataformas que fornecem serviços digitais de transporte mostrou que essas novas tecnologias podem gerar benefícios importantes para a sociedade e ao mesmo tempo demandam regulação por parte do poder público. Se a regulamentação do Uber vem enfrentando problemas atualmente, não é difícil imaginar que, quando chegar a vez dos veículos autônomos, carros voadores e das entregas via drones, as dificuldades serão muito maiores. A maneira de funcionar dos serviços de transportes de cargas e passageiros está mudando, e essas mudanças devem ser entendidas e consideradas pelos formuladores de políticas públicas nas discussões nacionais, estaduais e municipais sobre o tema. Visando o desenvolvimento econômico e social do país com papel ativo dos serviços digitais, é importante que o poder público trabalhe para facilitar e não para dificultar a inserção e o desenvolvimento de novas tecnologias e plataformas digitais no setor de transportes.

Caio Assumpção Silva é doutorando em economia pela UnB e analista de transportes da Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Comércio eletrônico: é preciso regulamentar?

O entendimento sobre o que é comércio eletrônico abrange mais do que a simples venda de bens pela internet. Apesar do varejo em lojas físicas ainda representar a maior parcela do comércio total, o e-commerce – tanto business-to-business (B2B) como business-to-consumer (B2C) – tem crescido muito nos últimos anos, especialmente na modalidade transfronteiriça. Relatório da empresa internacional de logística DHL aponta que, em 2020, esse mercado poderá passar de US$ 1 trilhão, representando 22% de todo o e-commerce mundial.

As implicações desse movimento para a economia são cada vez mais visíveis. Basta observar o valor de mercado e o crescimento projetado das vendas de empresas como Amazon e Alibaba, e o fortalecimento dos braços de compras de plataformas como Facebook e Google (Google Shopping) para compreender porque temas ligados ao comércio eletrônico estão ganhando cada vez mais espaço nas discussões internacionais de comércio.

A consolidação do mercado global de e-commerce está se tornando desafio crescente para empresas locais ou entrantes competirem com “superestrelas” como a Amazon. A lógica do winner-takes-all explica as aquisições e fusões defensivas de grandes varejistas. No fundo, é uma competição não mais por nichos de mercados, mas uma busca pela sobrevivência. Afinal, já há sinais de que as plataformas de fornecimento cuidarão de quase tudo que o consumidor precisa e deseja comprar. Como resultado, o único caminho para os varejistas locais, principalmente as lojas de médio e pequeno portes, é vender nessas megaplataformas ou marketplaces se subjugando às regras do jogo e imposições das plataformas (há algo ainda mais importante aqui, que é o fato de a plataforma capturar e usar todos os dados originados da relação entre o consumidor e o lojista – mas isto será objeto de outro post).

Apesar de paralisadas as negociações, o Tratado da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) cumpriu papel importante ao revelar que o e-commerce é uma das novas arenas de “luta” no comércio mundial. Basicamente, o TPP pretendeu determinar os rumos da economia digital ao definir regras e procedimentos, incluindo o comércio eletrônico de bens e serviços, e temas como padrões, regras e tarifas sobre produtos digitais, localização de servidores, códigos fonte, etc. – todos considerados como “barreiras” aos mercados dos gigantes digitais do e-commerce. Assim, o TPP teria consequências contundentes para os seus signatários e também para os não signatários, em particular para o espaço de formulação de políticas públicas para o setor de serviços e para o e-commerce. Apesar de estar atualmente paralisado, o TPP se tornou inspiração e ponto de partida para as novas negociações comerciais.

Para economias em desenvolvimento, a atenção a essas condições deve ser redobrada, pois a participação em acordos que tratam do comércio eletrônico sem um cuidadoso debate interno sobre onde queremos chegar e o que precisa ser feito poderá dificultar o desempenho do setor e até mesmo as perspectivas do crescimento econômico de médio e longo prazos. O caso do Chile é simbólico: o comércio de varejo do país já é dominado pelos gigantes globais do e-commerce.

A corrida de ocupação dos espaços do e-commerce já tem players bem sucedidos, mas com estratégias distintas. A China praticamente fechou o mercado de e-commerce ao funcionamento de empresas americanas, como o Google e o Facebook, e limitou a ação da Amazon a vendas de bens que ela dispõe em seus próprios armazéns, impedindo-a de exercitar o seu superpoderoso braço de marketplace. Com isso, a China pavimentou o caminho para o desenvolvimento de novos gigantes como o Alibaba, JD.com e Weibo, que hoje já têm projeção global e são, juntos, substancialmente maiores que a Amazon. A China percebeu a sua condição de latecomer num setor crítico e usou ferramentas protecionistas para desenvolver a sua indústria digital nascente. Para empresas estrangeiras que podem operar na China, todos os dados devem ser depositados em servidores lá sediados.

Já os EUA estão empenhados na promoção de ampla liberalização e desregulamentação do mercado digital global, já que, à exceção das chinesas, quase todas as principais plataformas digitais globais são americanas, bem como o são as gigantes do e-commerce com maior presença no ocidente.

Os europeus, cientes dos efeito-rede e efeito-plataforma no mundo digital e no e-commerce, e temendo os efeitos de seu atraso nessas tecnologias, também estão jogando pesado em suas negociações comerciais com regiões menos desenvolvidas em prol da liberalização dos mercados de serviços, inclusive do e-commerce, em favor das suas empresas. Talvez não sejam apenas a preocupação concorrencial e com o bem estar do consumidor que expliquem as recentes multas bilionárias para a Microsoft e Google impostas pelas autoridades de competição de Bruxelas.

EUA e China são dois modelos extremos. O Brasil não é um líder digital e, por isso, agendas ultra-liberalizantes ou ultra-protecionistas devem ser vistas com cautela. Mas o Brasil não pode se enclausurar e proteger a ineficiência, sob pena de repetir os conhecidos erros do passado que ajudaram a nos trazer aqui. Talvez o mais razoável seja desenvolver uma estratégia que leve os operadores internacionais da economia digital a estabelecerem bases operacionais no Brasil (com servidores e abertura de código fonte) e formarem clusters digitais nacionais com parceiros locais.

Nessa discussão, também será preciso levar em conta que o comércio de varejo é, de longe, o setor que mais emprega no Brasil, em especial pessoas com pouca qualificação, bem como um dos setores que mais recolhem ICMS. A eventual expansão do e-commerce internacional no país não será, portanto, neutra em efeitos sociais nem fiscais, incluindo ali os impactos nos recolhimentos e nos benefícios previdenciários.

Uma estratégia nacional para inserir o Brasil na economia digital global deveria incluir ações em ao menos três direções: regulamentação interna do comércio eletrônico; construção de “capabilities”; e inserção internacional.

A regulação interna do comércio eletrônico deve partir do pressuposto de que esse não é um mero canal de vendas remoto, pois as modernas tecnologias permitem experiências de compra e venda tão ou mais completas quanto às do mundo real. Isso traz implicações para os direitos do consumidor, direito econômico (defesa da concorrência, mais especificamente), tributação, entre outros. Além disso, o Marco Civil da Internet e toda a sua regulamentação devem ser pensados numa perspectiva de desenvolvimento econômico, para além das questões sobre democracia e liberdade de expressão. Até mesmo a infraestrutura de transportes e armazenamento e suas regras precisam se adaptar para comportarem uma maior demanda por entregas rápidas, com extensa capilaridade e com projeção internacional. Também é preciso simplificar leis e normas. Porém, algumas das iniciativas recentes requerem atenção. Exemplo disso é a lei – suspensa por liminar no STF – que obriga varejistas online a recolherem ICMS em dois estados em transações interestaduais.

A construção de capabilities é uma tema especialmente importante. Apesar da tendência de consolidação do varejo eletrônico, ainda existe possibilidade de crescimento do mercado, especialmente o de nichos. Análise feita pela FedEx aponta que os segmentos de varejo eletrônico de médio porte crescem mais rapidamente que o segmento de massa. Isso ocorre pela possibilidade de prestação de vendas online e serviços com maior customização e especialização. Obviamente, isso faz parte de uma cultura empresarial na qual a possibilidade de contribuição do governo está centrada numa política de ambiente de negócios e incentivos à inovação e ao capital humano que incorporem, desde a alfabetização, o contato e a aprendizagem de linguagens de programação, machine learning e tecnologias digitais.

Finalmente, a inserção internacional deve ser o farol que orienta os dois pilares anteriores. Para isso, o país precisa amadurecer rapidamente seus planos de abertura comercial, inclusive com vistas à conquista de mercados externos. Manter a economia fechada será um equívoco; abrir o mercado digital de forma apressada sem um plano estratégico será outro equívoco.

Mas que uma coisa fique clara: o Brasil está atrasado na agenda da economia digital, que é a verdadeira guerra dos tronos do século XXI. Embora o momento atual seja de reformas estruturais que estabilizem e reorganizem a economia, é preciso ter clareza do contexto e propor políticas públicas que pensem as fronteiras econômicas do futuro. O que não podemos é esperar que o dirigismo estatal ou que o mercado por si só apareçam com soluções que parem de pé neste complexo novo mundo. Elas simplesmente não aparecerão.

Boletim de Serviços – Agosto de 2017

O Boletim de Serviços de agosto de 2017 está no ar, clique aqui para acessá-lo. Alguns dos destaques:

  • O volume do setor de serviços registrou queda de 2,1% em junho na comparação anual, com destaque positivo para os serviços tradicionais (-5,4%).
  • A inflação de serviços acumulada em 12 meses registrou aumento, chegando a 5,3% em julho, consideravelmente acima do IPCA geral (2,7%).
  • O setor de serviços foi o que apresentou o resultado mais positivo na geração líquida de emprego, tendo criado 15,1 mil novas vagas, com destaque para os serviços para empresas (14,5 mil vagas criadas).
  • A balança de serviços seguiu apresentando déficit no mês de junho, de US$ 3,2 bi.

 

Para acessar a metodologia e as séries históricas em excel, acesse: https://economiadeservicos.com/boletim.

5G no Brasil: uma nova rede a serviço de todos

O Brasil sairá de sua longa e profunda crise econômica. Mas só um salto tecnológico, e não as receitas convencionais de sempre, poderá garantir sustentabilidade. Como muitos outros países no mundo, a maior economia da América Latina terá de enfrentar os problemas de competitividade, crescimento econômico e geração de empregos. Hoje em dia, isso significa confrontar-se com os temas da inovação e da economia digital, que tornou-se o verdadeiro motor da economia moderna. A “bala de prata” do desenvolvimento econômico é a conectividade de banda larga. O Banco Mundial calcula que um aumento de 10% das conexões de Internet de alta velocidade representa uma expansão de 1,3% do crescimento econômico e promove uma “democratização da inovação”.

Sem dúvida, os principais desafios são o das novas redes de telecomunicações e a criação de um ecossistema de novos serviços ligados à 5G.

Afinal, por que a 5G é tão importante para o Brasil? Não se trata só de os consumidores brasileiros terem a possibilidade de desfrutar, no seu próprio telefone celular, de uma velocidade 1.000 vezes maior comparada à 4G, ou de baixar um filme em poucos segundos. A verdadeira revolução, muito mais profunda, está na capacidade de utilizar, de maneira massiva, a “Internet das Coisas” (IoT – Internet of Things) que permite conectar bilhões de objetos e, mais importante ainda, viabiliza novos serviços ditos de “baixa latência” como, por exemplo, os carros sem motorista ou os serviços de realidade aumentada para a medicina. Esses serviços de baixa latência são fundamentais para a produção dentro dos novos padrões da “Indústria 4.0” – basta pensar nos robôs industriais cada vez mais presentes nas fábricas.

Figura 1 – Possíveis usos para a tecnologia 5G

Fonte: NGMN, 2015

 

 

O atraso das redes brasileiras

 

Hoje, a infraestrutura de telecomunicações no Brasil é inadequada. As operadoras não investem de maneira suficiente, a concorrência é pouca, os preços são altos e muitas vezes a qualidade do serviço é medíocre. Tudo isso é mais do que sabido pelos brasileiros. Além disso, o Brasil tem um enorme problema de “fratura digital”: muitas áreas do país não estão cobertas, resultando num acesso praticamente impossível à Internet.

Olhando para o futuro, a situação é ainda pior. Em matéria de 5G, o Brasil ficou para trás e os operadores de telecomunicações que estão investindo na 4G – já com muito atraso – não demonstram nenhuma intenção de realizar, agora, novos investimentos na 5G, preferindo a ideia de fazer um simples upgrade da 4G. Mais grave ainda: essas operadoras farão tudo para bloquear a nova tecnologia e evitar que outros possam investir em seu lugar. Basta um só exemplo do atraso brasileiro: hoje, todos os clientes de telefonia móvel na China têm acesso à 4G. Não há razão nenhuma para que os brasileiros permaneçam no atraso.

 

Dividir atacado e varejo

 

O Brasil precisa da 5G e agora mesmo se não quiser ulteriormente perder competitividade no setor industrial e sobretudo nos campos da logística e dos sistemas de transporte. A 5G é uma infraestrutura de interesse nacional. O governo brasileiro deveria favorecer o nascimento de uma NewCo “5GBrasil”, junto com investidores privados (numa Parceria Público-Privada – PPP) cuja missão seria construir uma nova rede móvel de última geração 5G cobrindo o Brasil inteiro. A NewCo “5GBrasil” se limitaria a operar somente no mercado do atacado, incluindo os serviços ativos de rede, sem competir com as outras operadoras do mercado residencial. Qual seria a vantagem? Uma rede única é mais eficiente, com custos menores. Separando a rede propriamente dita dos serviços, ela favoreceria a concorrência com efeitos positivos para a redução dos preços, a melhoria da qualidade e maiores opções para os consumidores. Hoje, o mercado do varejo brasileiro está nas mãos de somente quatro operadoras, cada uma com sua própria rede. Com uma possível rede única, vários outros varejistas poderiam entrar no jogo, aumentando a concorrência – um poderoso incentivo para prestar maior atenção ao desenvolvimento de novos serviços.

A rede única também eliminaria a “fratura digital”. Atualmente no Brasil existem quatro redes móveis, com mais de uma em algumas áreas e nenhuma em outras. A vantagem da rede única seria também a de atrair novos investidores que apostam no longo prazo e não estão interessados em retornos de curto prazo como acontece hoje. As operadoras de telecomunicações e outros players poderiam se concentrar no mercado do varejo e nas plataformas tecnológicas para oferecer novos serviços. Os clientes da NewCo “5GBrasil” não seriam só as operadoras de telecomunicações mas também as emissoras de TV, a indústria verticalizada (automobilística, transportes, logística, indústria 4.0, etc) e as empresas de Internet. Todos teriam acesso à nova rede nas mesmas condições e sem discriminações. Os novos modelos de negócios, sustentados no acesso à fibra óptica generalizada e na partilha dos elementos ativos da rede, vão transformar o papel das empresas.

 

5G: Uma Parceria Público-Privada de 30 bilhões de dólares

 

O poder público brasileiro poderia facilitar o acesso às infraestruturas alternativas – as redes elétricas, por exemplo – e poderia entrar na NewCo “5GBrasil” com uma contribuição in natura, atribuindo as frequências e por meio de um fundo de garantia (por volta de 2 bilhões de dólares no caso de um investimento de 30 bilhões) de forma a reduzir o risco dos investidores. Uma estimação do investimento total poderia ser na ordem de 30/35 bilhões de dólares, que seriam assumidos pelos investidores internacionais privados, sócios industriais ou financeiros, e os grandes fornecedores também poderiam se parceiros dessa iniciativa.

Claro, não é possível ignorar a complexidade do mercado de telecomunicações no Brasil devida à situação da operadora Oi. Mas esse problema poderia também representar uma oportunidade. Se a Oi pudesse ser dividida em duas sociedades – Oi Rede e Oi Varejo – a NewCo “5GBrasil” poderia assumir a rede da Oi. Essa solução seria muito favorável para ambas as partes. A Oi resolveria parte de seus problemas financeiros e poderia voltar ao mercado com uma Oi Varejo muito mais competitiva, enquanto a NewCo “5GBrasil” poderia contar com uma rede já existente em muitas áreas do país.

O maior ponto positivo dessa rede 5G única é que todos saem ganhando. O governo brasileiro resolve o problema de construir uma rede de banda larga de última geração em todo o território nacional, eliminando o velho problema da “fratura digital”. As emissoras de TV brasileiras disporiam de uma nova plataforma de distribuição que poderia gerar novos serviços e novos e consistentes rendimentos. Os atuais operadores de telecomunicações poderiam utilizar a nova rede única pagando só o preço do aluguel, sem necessidade de novos investimentos, – uma vantagem que permitiria concentrar suas atividades nas novas plataformas de software, garantindo serviços de alta qualidade. Novas empresas americanas, europeias e chinesas poderiam entrar no mercado do varejo, oferecendo novos serviços aos consumidores brasileiros. Basta pensar, por exemplo, nas potencialidades do comércio eletrônico ou dos novos serviços de “Big Data” e Inteligência Artificial, Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Robótica, etc.

 

Luigi Gambardella é Presidente da EUBrasil, ex-Presidente Executivo da ETNO, European Telecommunications Network Operators’ Association.

 

 Prof. Alfredo Valladão é Presidente do Advisory Board da EUBrasil, Professor da Paris School of International Affairs (PSIA), Sciences Po Paris, Senior Fellow OCP Policy Center.

 

O setor de serviços e o desafio da revolução digital na China

Mudanças estruturais no perfil da demanda chinesa estão em aceleração, seguindo o esgotamento do modelo baseado em investimentos, exportações e na produção estritamente industrial. Mesmo com a redução do crescimento da população trabalhadora migrante no país, muitas de suas cidades costeiras já possuem uma alta densidade populacional. Além disso, desde 2011, a população passou a ser mais urbana do que rural. Há a expectativa de crescimento dos serviços tradicionais, pela demanda da população sobretudo urbana, e dos serviços avançados pela demanda do setor manufatureiro.

Com a desaceleração do setor industrial, voltam-se as preocupações com a redução da demanda chinesa por importações, que foi um dos mecanismos importantes para a recuperação da economia global. Há uma emergência do setor de serviços na China, mas há quem defenda que ainda é improvável que isso possa compensar a redução da participação chinesa no comércio global, ou que vá apoiar as exportações do resto do mundo no curto prazo (SPIEGEL, 2015).

Ao se analisar o setor externo pelo lado dos serviços, a dinâmica aparenta ser bem diferente da verificada no setor industrial. Nota-se um grande crescimento das importações pela China a partir de 2010, saltando de US$ 140 bilhões para mais de US$ 450 bilhões em 2016. Já as exportações de serviços pelo país nesse mesmo período apresentaram-se quase constantes após um aumento de 2010 para 2011, variando em valores próximos a US$ 200 bilhões anuais desde então (ver figura abaixo). Claramente, a China não parece apresentar, no setor de serviços, a mesma competitividade verificada no setor manufatureiro, e isso pode ser um importante entrave para a continuidade no processo de forte crescimento que o país tem apresentado nas últimas décadas.

Figura – Exportações e Importações de Serviços da China

Fonte: elaboração própria, com base nos dados do Banco Mundial.

Ao mesmo tempo em que há um problema de competitividade dos serviços chineses, o país tem passado por um processo de aceleração da transformação digital nos últimos anos. Dinâmicas importantes do perfil de consumo e do padrão de vida de sua sociedade, cuja renda nacional média em termos de Paridade do Poder de Compra saltou de US$ 2.900 em 2000 para US$ 15.500 em 2011, aumentaram o ritmo dessa transformação.

De acordo com dados do Banco Mundial, o uso de celulares móveis na China saltou de 6,7% em 2000 para 63,2% em 2010, para então 92,2% em 2016. Quanto à porcentagem de usuários da internet, essa representava apenas 1,8% da população em 2000, elevando-se para 34,3% em 2010, até que, em 2016, a maior parte passou a ser usuária (50,3%). Esses dados mostram um crescimento considerável de conectividade, mas que ainda apresenta grande margem a ser explorada, seja em números absolutos de potenciais usuários da internet, seja no fechamento do hiato “celular e acesso à internet”.

Ainda que pouco mais da metade da população utilize Internet, por seu tamanho, o país possui a maior população de usuários da internet, em torno de 721 milhões. No entanto, é mais do que claro que o país conta com rígidas restrições de presença de grandes empresas estrangeiras e de acesso de seus cidadãos a plataformas globais, e que isso pode interferir na expansão digital futura. A internet para China funciona mais como uma espécie de intranet, na qual muitos sites de alcance global como o Google, Youtube e Facebook possuem acesso censurado ou conteúdo bloqueado. Como resultado, outras plataformas, em geral chinesas, passam a funcionar como ‘substitutas’ ou ‘paralelas’, como Baidu, Youku, Weino e WeChat.

As restrições políticas e regulatórias interferem claramente nas decisões de investimentos, mas algumas empresas estão dispostas a se adaptar ao regime. A Apple instalou o primeiro centro de dados na China, seguindo as regras mais rígidas implementadas recentemente por Pequim quanto à segurança cibernética, segundo as quais todos os dados coletados de cidadãos chineses devem ser armazenados em território chinês. As informações incluem mensagens privadas, fotos e back-ups de dispositivos (BRADSHAW; FENG, 2017). É uma espécie de concessão para que as empresas internacionais acessem o maior mercado de celular móvel do mundo, em troca de fornecer maior garantia ao governo chinês de controle e inspeção.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial, em uma pesquisa de opinião realizada com executivos na China, foi revelado que a maior preocupação da comunidade de negócios do país é a dificuldade em inovar. É notório que os Estados Unidos são a economia mais competitiva no setor de serviços avançados muito em razão de seu ambiente e cultura favoráveis à proliferação de práticas inovadoras e empreendedoras. Sendo assim, cabe o questionamento: será a China capaz de criar condições e incentivos em larga escala para a inovação e livre iniciativa na economia de serviços e sem prejudicar os avanços da revolução digital? O desafio da transição estrutural pode se apresentar como um teste à própria resiliência do modelo político-econômico chinês.

Economia de compartilhamento ou de sobras?

O recente entusiasmo sobre o avanço de economia do compartilhamento, como refletido nos livros de Botsman e Rogers (2010), Sundararajan (2016) e Gransky (2014) deve-se em grande parte pela expectativa de que esse novo modelo de negócios traria impactos econômicos positivos. Economia do compartilhamento, colaborativa, mesh são termos que vêm sendo invocados para explicar recentes modelos de negócios que permitiriam o aproveitamento mais eficiente e racional de ativos subutilizados, por meio da intermediação direta entre indivíduos em plataformas digitais (BOTSMAN; ROGERS, 2010; GRANSKY, 2014; SUNDARARAJAN, 2016).

Segundo esses autores, essas plataformas promoveriam uma distribuição de renda mais equitativa e sustentável, ao reduzir não somente o custo de acesso a produtos e serviços como também a demanda pela posse de ativos. No entanto, como vem sendo discutido neste blog, e em recentes artigos científicos (FRENKEN; SCHOR, 2017), os alegados benefícios da economia do compartilhamento são muito mais complexos do que inicialmente se assume. Forças de mercado atuantes em indústrias com alta tecnologia da informação – como efeitos-rede, maior capacidade de personalização de preços e produtos, custos de substituição e melhor informação para incumbentes (VARIAN, 2001) – sugerem que existe um movimento não somente de consolidação de mercados, como também da renda global.

Como notado por Varian e Shapiro ainda em 1999, estruturas de mercado com alta tecnologia estão sujeitas a efeitos rede positivos e tendem a exibir crescimento explosivo: à medida que a base instalada de usuários cresce, mais usuários consideram que adotar uma determinada plataforma vale a pena. PARKER; VAN ALSTYNE; CHOUDARY, 2016). Assim, uma vez que uma plataforma atinge uma “massa crítica” de usuários e se estabelece no mercado, pode ser extremamente difícil para outras empresas concorrerem (VARIAN, 2001). Além disso, os custos de substituição de uma plataforma para uma nova passam a ser extremamente altos, o que acaba deixando os consumidores “locked-in[1].

Ainda, a vantagem competitiva de plataformas já estabelecidas é fortalecida pela apropriação das informações produzidas pelos usuários. Nesse contexto, à medida que as plataformas vão crescendo e expandindo seus clientes, os padrões e as preferências de cada usuário tornam-se progressivamente conhecidos, o que as permite oferecer serviços cada vez mais customizados e as tornar indispensáveis (VARIAN, 2001). Essa expansão permite que seus algoritmos sejam continuamente aperfeiçoados, tonando a vantagem competitiva cada vez maior.

Como consequência, plataformas já estabelecidas passam a desfrutar de lucros tão elevados que podem rapidamente capturar novos mercados comprando concorrentes, expandindo sua atuação para segmentos diferentes (SCHWAB, 2016; WORLD BANK, 2016) e impondo barreiras a novos entrantes, o que tem contribuído para a consolidação de mercados. Esse movimento é observado inclusive na economia do compartilhamento. O Airbnb, por exemplo, pretende evoluir de uma plataforma de acomodações residenciais para uma empresa de viagens abrangente, fornecendo serviços de turismo customizados, conforme mostrou matéria recente da Economist.

Há, ainda, a preocupação que o avanço da tecnologia e das vantagens competitivas intensifique a desigualdade na distribuição de renda em nível global. Como demonstrado abaixo, a distribuição da renda pode ser bem representada pela “curva sorriso”, que tende a ficar mais menos achatada ao longo do tempo.  Os criadores das plataformas, que desenvolvem atividades na ponta da curva – e em grande maioria estão localizados em países de renda alta – tendem a captar uma parte cada vez maior do valor produzido, enquanto os usuários das plataformas tendem a adquirir apenas uma fração pequena do valor, por oferecerem, em geral, serviços “de massa”, dificilmente diferenciáveis.  Não surpreendentemente, o termo compartilhamento de sobras já vem sendo utilizado para enfatizar o fenômeno de captura da maior parte dos benefícios gerados pelas plataformas por elas próprias.

Figura – Distribuição de Valor nas Cadeias de Produção ao longo do tempo  

 Fonte: Adaptado de Interconnect Economies Benefiting from Global Value Chains. OCDE, 2013

Sob essa perspectiva, são crescentes os desafios econômicos advindos do avanço do modelo de negócios de plataformas digitais associadas à economia colaborativa.  Na ausência de uma reflexão econômica e jurídica mais consistente sobre as falhas de mercado das plataformas associadas a economia do compartilhamento, elas têm se aproveitado de lacunas regulatórias para expandir sua atuação, como já vem sendo discutido por Frazão.

Fica clara a necessidade de avanço na compreensão da multiplicidade dos impactos da economia do compartilhamento para construção de uma arquitetura regulatória que evite o abuso de poder de mercado por parte das empresas criadoras das grandes plataformas. Não menos importante é que políticas públicas de incentivo à criação e ao desenvolvimento de empresas inovadoras sejam parte das prioridades da agenda governamental, criando condições para que o país se aproprie de benefícios cada vez maiores da economia digital.

[1]Tal situação é analisada em Varian (2001), em modelo simples de “lock-in”.

Lorena Giuberti Coutinho é Analista de Comércio Exterior do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). É mestranda no curso de Economia da Universidade de Brasília – UnB, com Especialização em Defesa Comercial pelo Ibmec e graduada em Economia pela UnB. Participa atualmente de intercâmbio profissional no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington, DC.

Referências Bibliográficas

BOTSMAN, R.; ROGERS, R. What’s mine is yours. 2010.

FRENKEN, K.; SCHOR, J. Putting the sharing economy into perspective. Environmental Innovation and Societal Transitions, v. 23, p. 3–10, 2017. Elsevier B.V.

GRANSKY, L. The mesh – why the future of business is sharing. 2014.

PARKER, G. G.; ALSTYNE, M. W. VAN; CHOUDARY, S. P. Platform revolution: How Networked Markets Are Transforming the Economy–And How to Make Them Work for You. 2016.

SCHWAB, K. The Fourth Industrial Revolution. 2016.

SUNDARARAJAN, A. The Sharing Economy – The End of Employment and the Rise of Crowd–Based Capitalism. 2016.

VARIAN, H. Economics of Information Technology. Working paper, n. July 2001, p. 1–53, 2001.

WORLD BANK. World Development Report 2016: Digital Dividends. 2016.

O 5G como catalisador de negócios no meio digital

Num mundo onde os dados assumem cada vez maior centralidade na geração de riqueza, as comunicações móveis evoluem para possibilitar maior capacidade, velocidade, segurança, ubiquidade e menor latência nas trocas de informações. Nesse contexto, a quinta geração de sistema sem fio (5G), prevista para 2020 pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), pretende ser poderosa e suficientemente flexível para atender aos cenários de tráfego de dados previstos e desconhecidos. Catalisando o surgimento de novos serviços e de novos modelos de negócios, o 5G deve contribuir com a tendência do crescimento da participação do setor de serviços no PIB dos países.

O ciclo da quinta geração deverá ser bem diferente das anteriores por uma razão em especial: os motivos econômicos nunca experimentaram tamanha influência na formação de suas características. Diferentemente da primeira, segunda, terceira e quarta geração de comunicação móvel, voltadas para comunicação entre pessoas, o 5G deve estar voltado para atender serviços, conectar dispositivos e máquinas, ao invés de pessoas. Exemplos: com o 5G, espera-se aumento de pagamentos efetuados online, de uso de aplicativos que aumentem a comunicação do comprador e vendedor, de máquinas interconectadas dentro das fábricas potencializando o just in time e de robôs realizando serviços.

Dessa forma, o 5G acelera o crescimento da internet das coisas (IoT) e desperta interesse de vários agentes: a exemplo da 4.0, a indústria poderá automatizar ainda mais sua linha de produção e estar mais conectada aos distribuidores e consumidores. Já o setor financeiro anseia por aumento de robôs operando nas bolsas de valores e aumento na velocidade de troca de informações, a fim de antecipar acontecimentos e reduzir latência. No mercado financeiro, o ganho de milissegundos pode ser crucial para o sucesso de várias operações financeiras. Donos de plataformas digitais e operadores de comércio eletrônico, por sua vez, pretendem expandir capilaridade, incluir novos usuários e, consequentemente, aumentar a publicidade, as compras e receitas. Também para as operadoras de telefonia, o 5G representa geração de receitas, pois se trata de um novo serviço a ser explorado. Por fim, os usuários das redes observam no 5G a possibilidade de conexão mais veloz e confiável.

Com tantos agentes interessados na evolução do serviço móvel de trocas de dados, duas preocupações são crescentes: o suporte ao uso intensivo da rede e a otimização espectral. Assim, a arquitetura de comunicação necessitará de conexões inteligentes, que recebam e enviem informações aproveitando os melhores canais e caminhos disponíveis no momento. Pela primeira vez na história da rede móvel sem fio, os serviços não estarão limitados a uma banda específica. Em vez disso, devem seguir o melhor espectro disponível no momento da transmissão de dados.

Assim, espera-se maior dinamicidade, adaptação, flexibilidade e reconfiguração automática para a rede. A inteligência para tomada de decisão quanto à conexão será máxima nos dispositivos móveis, robôs, nas antenas e nos servidores.  Ademais, baterias de longa vida devem se tornar foco de pesquisas para o suporte de toda essa inteligência.

Tudo isso permitirá o surgimento de novos serviços dependentes de internet confiável como telemedicina, transporte através de veículos autônomos, pulverização de inseticida através de drones e etc. Imagine o caso de uma cirurgia feita por robôs. Agora pense como ela se tornaria inviável se a internet é passível de falha durante o corte.

Segundo dados da IHS (2017), entre 2020 e 2035 devem ser gerados US$ 12,3 trilhões em bens e serviços através do 5G, e os investimentos médios anuais devem ser da ordem de US$ 200 bilhões em sua cadeia de valor. Tal investimento deve ser capitaneado pelos Estados Unidos (EUA) e China, conforme ilustração abaixo.

Figura 1. Proporção de investimento em bens de capital e em pesquisa e desenvolvimento da cadeia de valor do 5G, em média, por país, entre os anos de 2020 e 2035

Fonte: IHS (2017), adaptado

No Brasil, a primeira demonstração do 5G foi feita em 2016 e, no geral, as empresas de telefonia já começaram a se preparar para oferecer o serviço no país. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) tem se esforçado para ampliar o montante investido em 5G no território nacional e para estabelecer acordos multilaterais no desenvolvimento da tecnologia, com ações como chamadas de pesquisas conjuntas, fóruns de padronização e eventos anuais para compartilhamento de informações.

O mais recente esforço brasileiro para fomento e construção do ecossistema de quinta geração é o Projeto Brasil 5G, formalizado em fevereiro deste ano. Composto por Abinee, Anatel, Cetuc, CPqD, Ericsson, Fitec, Huawei, Inatel, Informa, NEC, Nokia, Oi, Qualcomm, Sindisat, SindiTelebrasil, Telebrasil, TIM, Trópico e MCTIC, o projeto também visa o preparo do país para as participações nas discussões internacionais. Esse grupo firmou em maio deste ano um acordo de cooperação tecnológica em 5G com a União Europeia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul, o Japão e a China para o desenvolvimento da nova tecnologia.

A exemplo das teorias do comércio internacional, essas trocas e parcerias entre instituições brasileiras e grupos internacionais pode ser proveitosa para ambos os envolvidos. Porém, é preciso não perder de vista que o 5G pretende ser um meio pelo qual muita riqueza será gerada e, por isso, é necessário permanente amadurecimento das estratégias nacionais para a maximização de seu uso para o desenvolvimento de negócios no país. Aparentemente, estamos diante de uma nova forma de desenvolvimento e, se o Brasil não investir de forma estratégica nessa área agora, no futuro, a distância dele para os países desenvolvidos tenderá a ser ainda maior.

A transformação econômica da China e os serviços

A China experimenta a mais formidável transformação econômica que se tem registro. De uma economia rural e agrária, a China passou a ser uma economia industrial e voltada à exportação de bens industriais. Reformas políticas combinadas com políticas de realocação da mão-de-obra rural para movimentar fábricas e com políticas vigorosas de expansão do crédito, dos investimentos e das infraestruturas levaram o país à condição de segunda maior economia do globo em menos de duas gerações.

Mas o modelo de export-led strategy fortemente baseado em acumulação de capital e em trabalho barato está chegando ao fim. As taxas anuais de crescimento do PIB passaram da ordem de 10-12% para cerca de 6,5% e deverão caminhar para um patamar de 4,5-6,5% nos próximos anos.

A China está promovendo nova reestruturação da sua economia. Agora, em direção a uma economia com maior participação dos serviços e com maior protagonismo da ciência e da tecnologia. Busca-se organizar e preparar a economia para a etapa mais avançada do desenvolvimento econômico. Ao invés de fábricas de cimento e de aço, fábricas de bens sofisticados com alto conteúdo de inovações embarcadas e produzidos com sistemas avançados de gestão e produção. Ao invés de foco em serviços de consumo, foco em serviços sofisticados de apoio aos setores industrial, agrícola e de mineração que, de um lado, reduzam custos e, de outro, agreguem valor e diferenciem os produtos. Plantas industriais tecnologicamente defasadas, intensivas em mão-de-obra, poluidoras e que consomem muita água estão sendo fechadas ou relocalizadas em outros países. De “fábrica do mundo” a China busca ser produtora de bens e serviços altamente sofisticados e gestora de cadeias globais de valor.

O caminho será longo, mas indicadores já mostram sinais de que a transformação está em curso.

O gráfico abaixo apresenta indicadores selecionados da economia chinesa. A despeito de ligeira queda, a participação da manufatura no PIB segue elevada, por volta dos 30-35%, muito acima do padrão dos países avançados, que é de metade daquele patamar.

Gráfico – China, indicadores selecionados

Notas sobre o gráfico: Densidade industrial: valor adicionado da manufatura per capita (em US$), eixo da esquerda. Fonte: calculado com dados do World Development Indicators.

%Manuf-PIB: participação percentual da manufatura no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

%PBS-PIB (professional business services): participação percentual dos serviços comerciais profissionais no PIB; consideram-se os serviços especializados destinados às cadeias de produção tais como correios e telecomunicações, intermediação financeira, atividades imobiliárias comerciais, aluguel de máquinas e equipamentos, TI e atividades correlatas, P&D e outras atividades comerciais profissionais, eixo da direita. Fonte: World Input-Output Database.

%Serviços-PIB: participação percentual dos serviços no PIB, eixo da direita. Fonte: World Development Indicators.

A densidade industrial teve aumento contínuo e absolutamente espetacular. Entre 1979 – ano do início das reformas – e 2014, a densidade aumentou nada menos que 29 vezes, o que mostra uma crescente capacidade da indústria chinesa de se aprimorar e agregar valor.

O aumento da participação do setor de serviços não veio em detrimento da indústria. Pelo contrário, como mostram evidências empíricas (Arbache 2012, 2015, 2016), o aumento da densidade industrial resulta do aumento da relação sinergética e simbiótica da indústria e dos serviços para criar valor. O rápido aumento dos serviços comerciais profissionais (PBS) no PIB, que passou de 12% para 18% entre 2000-2014, é uma expressão desse movimento.

A tendência é que o setor de serviços siga crescendo seu protagonismo na economia chinesa, seja para atender à nova etapa do desenvolvimento econômico, seja para atender à crescente demanda do mercado interno urbano de consumo. É improvável, porém, que o setor de serviços atinja participação no PIB comparável ao dos países avançados, mas é muito provável que o PBS cresça de forma desproporcional.